Como eu faço

Reconstrução da hélice: tripla transposição

Helix reconstruction: triple transposition

Bianca De Franco Marques Ferreira
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Guilherme Bezerra da Silva Modesto
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Carolina Santos de Oliveira
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Mário Chaves Loureiro do Carmo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Solange Cardoso Maciel Costa Silva
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

Reconstrução da hélice: tripla transposição

Surgical & Cosmetic Dermatology, vol. 10, núm. 4, pp. 349-352, 2018

Sociedade Brasileira de Dermatologia

Recepção: 05 Outubro 2017

Aprovação: 08 Dezembro 2018

RESUMO: O câncer da pele não melanoma é a neoplasia maligna mais comum em humanos, sendo os carcinomas basocelulares responsáveis por aproximadamente 80% dos casos. A exposição cumulativa à radiação ultravioleta é o principal fator de risco associado ao carcinomas basocelulares, ocorrendo maior incidência nas áreas fotoexpostas, incluindo a região auricular. A região auricular é uma unidade cosmética nobre, cujas peculiaridades anatômicas tornam as cirurgias, com necessidade de excisão de grande quantidade de tecido, um desafio para o cirurgião dermatológico. Os autores apresentam caso de reconstrução da hélice e região retroauricular por meio de retalho com tripla transposição.

Palavras-Chave: Carcinoma basocelular, Dermatoses faciais, Neoplasias da orelha, Orelha externa, Procedimentos cirúrgicos dermatológicos.

ABSTRACT: Non-melanoma skin cancer is the most common neoplasia in humans, and basal cell carcinomas (BCC) account for approximately 80% of cases. Cumulative exposure to ultraviolet radiation (UV) is the main risk factor associated to BCC, with a higher incidence in photoexposed areas, including the auricular region. The auricular region is a noble cosmetic unit, with anatomical peculiarities that lead surgeries to require the excision of a large amount of tissue, presenting a challenge for the dermatological surgeon. The authors present a case of helix reconstruction with a triple transposition flap.

Keywords: Carcinoma, basal cell, Dermatologic surgical procedures, Dermatology, Ear neoplasms, Ear, external.

INTRODUÇÃO

O câncer da pele não melanoma é a malignidade mais comum em humanos, sendo os carcinomas basocelulares (CBC) responsáveis por cerca de 80% dos casos.1 A exposição cumulativa à radiação UV, com episódios intermitentes e intensos de queimadura, é o principal fator de risco associado à gênese do CBC, o que se evidencia pela maior incidência da neoplasia nas áreas fotoexpostas, como a face e região auricular.1 O CBC acomete frequentemente a cabeça e o pescoço de ambos os sexos e apresenta comportamento invasivo local, com baixo potencial metastático, sendo a excisão cirúrgica completa da lesão a principal abordagem terapêutica que leva à cura.1

A região auricular é unidade cosmética nobre, cujas peculiaridades anatômicas demandam nas cirurgias a excisão de grande quantidade de tecido, o que significa um desafio na maior parte dos casos. Apresentamos um caso no qual após defeito produzido para excisão completa da lesão neoplásica, a reconstrução da hélice foi realizada por meio de retalho com tripla transposição, sem complicações no peri e pós-operatório, e com resultado estético harmonioso.

MÉTODOS E RESULTADOS

Paciente idoso, do sexo masculino, fototipo II, sem comorbidades, apresentava ao exame clínico lesão ulcerada, de 5,5cm, acometendo a hélice e a região posterior da orelha esquerda (Figura 1). Análise histopatológica de biópsia prévia foi compatível com CBC micronodular. Devido à extensa área acometida e visando manter a simetria das orelhas, optou-se por realizar um retalho com tripla transposição. Após delimitação da área e infiltração do anestésico circunferencialmente (Figura 2), foi realizada excisão com margem de 5mm (Figura 3). Um retalho pré-auricular retangular foi confeccionado e rodado lateralmente para cobrir a região do terço superior da hélice e uma pequena área posterior do pavilhão auricular esquerdo (Figura 4). Em seguida foram seccionados dois retalhos romboidais nas regiões retroauricular e occipital, sendo o primeiro direcionado lateralmente para cobrir a região posterior da orelha (Figura 4), e o segundo para cobrir o defeito gerado após transposição do primeiro retalho (Figura 5). O defeito secundário foi fechado por sutura direta (Figura 6). Duas semanas após, garantida a vascularização, o pedículo do retalho na região retroauricular foi seccionado. Dessa forma, reconstituiu-se totalmente o defeito da orelha pela confecção de três retalhos que foram transpostos (Figura 7). O paciente não apresentou complicações no período pós-operatório imediato nem tardio, e observou-se resultado estético satisfatório com excisão completa da lesão, confirmada por laudo histopatológico (Figura 8).

Lesão ulcerada na hélice e região posterior da orelha
							esquerda
Figura 1
Lesão ulcerada na hélice e região posterior da orelha esquerda

Demarcação da incisão para ressecção da lesão na hélice e região
							posterior da orelha, e configuração dos dois retalhos romboidais na
							região retroauricular e occipital
Figura 2
Demarcação da incisão para ressecção da lesão na hélice e região posterior da orelha, e configuração dos dois retalhos romboidais na região retroauricular e occipital

Resseção completa da lesão neoplásica
Figura 3
Resseção completa da lesão neoplásica

O retalho retangular proveniente da região pré-auricular foi
							utilizado para reconstruir a parte superior da hélice, enquanto o
							retalho romboidal da região retroauricular foi transposto para cobrir a
							região inferior da hélice e posterior da orelha
Figura 4
O retalho retangular proveniente da região pré-auricular foi utilizado para reconstruir a parte superior da hélice, enquanto o retalho romboidal da região retroauricular foi transposto para cobrir a região inferior da hélice e posterior da orelha

Incisão do retalho romboidal na região occipital
Figura 5
Incisão do retalho romboidal na região occipital

Resultado após transposição do retalho da região occipital para a
							retroauricular, com sutura da ferida gerada na região occipital,
							configurando dessa forma a terceira transposição realizada na
							reconstrução da orelha
Figura 6
Resultado após transposição do retalho da região occipital para a retroauricular, com sutura da ferida gerada na região occipital, configurando dessa forma a terceira transposição realizada na reconstrução da orelha

Pós-operatório imediato sem complicações
Figura 7
Pós-operatório imediato sem complicações

Pósoperatório tardio da reconstrução da orelha pela técnica de
							retalho com transposição tripla
Figura 8
Pósoperatório tardio da reconstrução da orelha pela técnica de retalho com transposição tripla

DISCUSSÃO

A orelha externa é unidade cosmética nobre, junto de outras regiões como lábios, nariz e pálpebras. Possui estrutura anatômica peculiar com sua cartilagem constituída por saliências e reentrâncias, e é revestida em determinadas áreas por pele com baixo potencial de distensão. Por conta de tal particularidade, para prevenir deformidades e apresentação inestética, é mais indicado que o defeito cirúrgico seja reconstruído com tecido de áreas adjacentes.1,2 Retalhos da região auricular posterior são opções importantes, existem variadas técnicas descritas, e a pele possui aspecto semelhante, proporcionando resultados estético e funcional excelentes, superiores aos enxertos de sítios distantes.2

O câncer mais comum na região de cabeça e pescoço é o CBC, e devido a sua localização e exposição solar, a orelha é frequentemente acometida,1,3 sendo a excisão cirúrgica o tratamento definitivo para tais ocorrências.1 Embora metástases de CBC sejam raras, o caráter infiltrativo do tumor pode causar destruição local extensa.3 As técnicas de reconstrução cirúrgica do pavilhão auricular utilizadas variam de acordo com a localização e a extensão da lesão. Podem ser usados retalhos regionais ou enxertos.1 No caso de pequenos defeitos na hélice, pode-se optar pelo fechamento primário; em defeitos maiores, os retalhos de avanço são os indicados. Retalhos de transposição são particularmente úteis para lesões na região intermediária e superior da hélice, podendo-se utilizar áreas pré ou retroauriculares como doadoras.4

CONCLUSÃO

Uma vez que cada defeito gerado na excisão de lesões auriculares é singular, o cirurgião dermatológico enfrenta um desafio a cada reconstrução.5 Em defeitos localizados na hélice e região posterior da orelha externa, nos quais grande quantidade de tecido seria necessária para cobrir a área, pode-se utilizar uma combinação de três retalhos do tipo transposição. Nessa técnica, um retalho retangular é confeccionado na região pré-auricular, e outros dois romboides nas regiões retroauricular e occipital. Pela transposição dos retalhos para cobrir os defeitos adjacentes, é possível reconstruir completamente a hélice e a região retroauricular, preservando, assim, a anatomia auricular. O método descrito não apresentou complicações durante o procedimento ou no pós-operatório, permitiu manutenção da estrutura peculiar da região e proporcionou resultado estético favorável, sendo, portanto, uma opção relevante para correção de lesões extensas na orelha. O procedimento exposto é inovador, porém de execução relativamente fácil e prática, uma vez que utiliza técnicas de retalhos já descritas, mas em uma combinação não habitual: tripla transposição.

REFERÊNCIAS

Kolk A, Wolff KD, Smeets R, Kesting M, Hein R, Eckert AW. Melanotic and non-melanotic malignancies of the face and external ear - A review of current treatment concepts and future options. Cancer Treat Rev. 2014;40(7):819-37.

Basu I, Way B, Al-Basri I. A novel lobule rotation flap for the reconstruction of middle third auricular defects. Int J Dermatol. 2013;52(12):1544-6.

Sand M, Sand D, Brors D, Altmeyer P, Mann B, Bechara FG. Cutaneous lesions of the external ear. Head Face Med. 2008;4(2):1-13.

Brodland DG. Advanced reconstruction of the ear: a framework for successful wound closure. Dermatol Surg. 2014;40 Suppl 9: S71-85.

Reddy LV, Zide MF. Reconstruction of skin cancer defects of the auricle. J Oral Maxillofac Surg. 2004;62(12):1457-71.

Notas

Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) − Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Suporte Financeiro: Nenhum

Autor notes

Bianca De Franco Marques Ferreira | ORCID 0000-0001-5997-4246 Idealizadora e escritora do artigo, revisão da literatura, fotografias do procedimento e evolução.
Guilherme Bezerra da Silva Modesto | ORCID https://orcid.org/0000-0002-5756-5622 Revisão da literatura, confecção do manuscrito.
Carolina Santos de Oliveira | ORCID https://orcid.org/0000-0002-5083-5466 Revisão da literatura.
Mário Chaves Loureiro do Carmo | ORCID 0000-0003-2943-0322 Participação no procedimento e acompanhamento do paciente.
Solange Cardoso Maciel Costa Silva | ORCID 0000-0003-0812-908X Idealizadora da técnica, participação no procedimento e acompanhamento do paciente.

Correspondência para: Bianca de Franco Marques Ferreira, Boulevard 28 de setembro, nº 77 Vila Isabel, 20551-030, Rio de Janeiro, RJ Brasil. E-mail: biancafmf@ymail.com

Declaração de interesses

Conflito de Interesses: Nenhum
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