RESUMO
Introdução: A cicatrização é um fenômeno que ocorre após lesão tecidual e envolve mecanismos celulares e moleculares complexos. Os fatores de crescimento parecem ser um complemento eficaz e seguro no tratamento das feridas.
Objetivo: Avaliar a cicatrização de feridas após eletrocoagulação, comparando-se o veículo isolado à sua associação com o fator de crescimento epidérmico.
Métodos: Ensaio clínico duplo-cego em Serviço de Dermatologia entre 2016 e 2018. Incluídos pacientes de ambos os sexos, acima de 18 anos, submetidos à eletrocoagulação de duas lesões e posterior aplicação de veículo (cold cream) em uma e fator de crescimento epidermico em cold cream na outra. Avaliações com sete, 14 e 28 dias, analisaram: eritema, edema, crosta, secreção e cicatrização. Utilizou-se o teste binomial para duas proporções e o teste exato de Fisher para dados dicotômicos.
Resultados: Em relação a eritema, edema, crosta e secreção foram encontrados resultados variáveis, ora favorecendo o veículo, ora o fator de crescimento, porém sem significância estatística. Quanto à cicatrização, a epitelização mostrou-se mais rápida com fator de crescimento epidermico (p<0,05).
Conclusões: Os resultados deste estudo, que avaliou o impacto do fator de crescimento epidérmico no processo de cicatrização, corroboram os dados da escassa literatura atual e servem de base para estudos futuros.
Palavras-Chave: Avaliação de medicamentos, Cicatrização, Fator de crescimento epidérmico.
ABSTRACT
Introduction: Healing is a phenomenon that occurs after tissue injury and involves complex cellular and molecular mechanisms. Growth factors seem to be an effective and safe complement for the treatment of wounds.
Objective: To evaluate wound healing after electrocoagulation, comparing the vehicle in isolation and its association with epidermal growth factor.
Methods: Double-blind clinical trial in a Dermatology service between 2016 and 2018. Patients of both genders, older than 18 years of age, submitted to electrocoagulation of two lesions and subsequent application of the vehicle (cold cream) on one and epidermal growth factor in cold cream on the other were included. Evaluations after 7, 14 and 28 days, analysed erythema, edema, crusting, discharge and healing. Analyzed: edema, edema, crusting, discharge and healing. The binomial test was used for two ratios and Fisher’s exact test was used for dichotomic data.
Results: Variable results were found regarding erythema, edema, crusting and discharge, sometimes favoring the vehicle, sometimes the growth factor, however with no statistical significance. Regarding healing, epithelialization was quicker with with epidermal growth factor (p<0.05).
Conclusions: This study evaluated the impact of epidermal growth factor in the healing process, and its results reinforce scarce data of the current literature and are a foundation for future studies.
Keywords: Epidermal growth factor, Evaluation, Wound healing.
Artigo Original
Fatores de crescimento e cicatrização: experiência em um serviço de Dermatologia
Growth factors and healing: experience in a Dermatology service
Recepção: 10 Dezembro 2018
Aprovação: 22 Janeiro 2019
A cicatrização é um fenômeno que ocorre após lesão tecidual de qualquer natureza e envolve mecanismos celulares e moleculares complexos. Inflamação, proliferação, angiogênese, reepitelização, regeneração de tecido e remodelamento fazem parte deste processo biológico.1 As queimaduras térmicas (acidentais ou intencionais) geram áreas de necrose que se estendem além da área da ferida, provocando inclusive a obstrução de vasos sanguíneos e linfáticos.2
O processo de reparação tecidual é modulado por fatores de crescimento, que são produzidos por células epidérmicas e epiteliais, tais como macrófagos, fibroblastos e queratinócitos. Os fatores de crescimento são moléculas biologicamente ativas e agem diretamente no núcleo da célula, regulando o ciclo celular.3 Porém, a biodisponibilidade destes fatores de crescimento pode ser insuficiente no leito da ferida resultante de queimaduras em decorrência de sua degradação excessiva ou diminuição da síntese. Assim, a terapia com fatores de crescimento parece ser um complemento eficaz e seguro ao tratamento das feridas.4,5 O objetivo deste estudo foi avaliar a cicatrização de feridas após eletrocoagulação, comparando-se o uso do veículo isolado (cold cream) à sua associação com o fator de crescimento epidérmico.
Trata-se de um ensaio clínico comparativo duplo-cego, realizado em um Serviço de Dermatologia entre junho de 2016 e julho de 2018. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos e a partir de 18 anos, com duas lesões similares em natureza e tamanho, no mesmo segmento corpóreo. Ambas as lesões foram submetidas à eletrocoagulação, com posterior aplicação diária do veículo (cold cream) em uma, e ofator de crescimento epidermico a 5% em cold cream (Epifactor®) na outra durante 28 dias. Foram realizadas avaliações após sete, 14 e 28 dias, tendo sido as feridas fotografadas, respeitando-se a padronização. Posteriormente, estas fotos foram avaliadas por um pesquisador independente (médico dermatologista). As variáveis analisadas foram: eritema, edema (presença ou ausência e intensidade), crosta, secreção (presença ou ausência) e cicatrização (crosta, exulceração e epitelização). Foram construídas tabelas. Para comparação entre duas amostras independentes, utilizaram-se o teste binomial para duas proporções e o teste exato de Fisher para dados dicotômicos. O nível de significância adotado foi de alfa=5%, e o programa estatístico utilizado foi o BioEstat 5.0. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição sob o n° 1.861.616.
Foram incluídos 13 pacientes (sete homens e seis mulheres), com idades mínima e máxima de 36 e 86 anos, respectivamente.
A tabela 1 demonstra a evolução do eritema ao longo dos 28 dias. Após 14 dias, houve semelhança nas porcentagens entre os dois grupos para esta variável, predominando o eritema leve.

Na tabela 2, podemos avaliar os dados referentes ao edema. Houve um aparente menor edema inicial (7° e 14° dia) com o uso do veículo isolado. Porém, no 28° dia, os dois grupos apresentaram resultado final coincidente para esta variável.

Quanto à variável ‘formação de crosta’, os dados podem ser observados na tabela 3. A maioria das feridas (em ambos os grupos) apresentou crosta após sete dias. A eliminação da crosta foi mais rápida com o uso do veículo isolado (69,23% das lesões já sem crosta no 14° dia).

A tabela 4 ilustra a variável ‘secreção’. Nela, podemos observar uma resolução mais rápida da secreção nas feridas em uso do Epifactor® (100% já no 14° dia).

Quanto à cicatrização, no 7° dia, apenas 7,69% das feridas (de ambos os grupos) encontravam-se exulceradas (Tabela 5). A epitelização ocorreu de forma mais rápida nas feridas em uso do Epifactor® (46,15% contra 0% - 14° dia), p<0,05.

A figura 1 ilustra a epitelização da ferida tratada com Epifactor® e com veículo no 14° dia.

Este estudo original, avaliando o impacto do fator de crescimento epidérmico no processo de cicatrização, vem corroborar a literatura em que estudos sobre o tema ainda são escassos, o que dificultou a discussão dos achados. Em relação às variáveis eritema, edema, crosta e secreção, houve um ligeiro predomínio de melhor resultado ora para um grupo, ora para o outro, porém sem significância estatística. A cicatrização (epitelização) mostrou-se mais rápida no grupo em uso do fator de crescimento epidermico, corroborando os achados de Zhang et al que demonstraram que a utilização tópica de fatores de crescimento epidérmico reduziu significativamente o tempo de cicatrização de feridas de queimaduras de espessura parcial.4 Limitações: Fatores não considerados neste estudo, como sexo, idade, topografia, comorbidades, podem ter interferido nos achados.
O presente estudo permitiu avaliar a cicatrização de feridas após eletrocoagulação, comparando-se o veículo isolado à sua associação com fator de crescimento e concluiu que a utilização tópica do fator de crescimento epidermico acelerou a epitelização da ferida, reduzindo significativamente o tempo de cicatrização.
A toda a equipe do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário de Taubaté e ao Prof. Dr. Luiz Carlos Laureano da Rosa pelo auxílio com a análise estatística deste trabalho.
Felipe Siqueira Ramos Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Elisangela Manfredini Andraus De Lima Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Flávia Regina Ferreira Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Samuel Henrique Mandelbaum Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo.
Correspondência: Felipe Siqueira Ramos, Avenida Granadeiro Guimarães, 270, Centro, 12020-130, Taubaté, SP. E-mail: siqueira_ramos@hotmail.com





