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Extenso queloide vulvar pós-tratamentos para condilomas genitais: relato de caso
Extensive Vulvar Keloid Post Multiple Treatments for Genital Condylomas: Case Report
Extenso queloide vulvar pós-tratamentos para condilomas genitais: relato de caso
Surgical & Cosmetic Dermatology, vol. 12, núm. 1, Supl., pp. 62-65, 2020
Sociedade Brasileira de Dermatologia
Recepção: 07 Julho 2019
Aprovação: 02 Novembro 2020
RESUMO: A infecção genital pelo papilomavírus humano ocorre em 65% das vezes após contato com pele e mucosa contaminadas. A maioria das pessoas elimina o vírus através do sistema imune. Fatores individuais, como tabagismo, idade, multiparidade, uso prolongado de contraceptivos hormonais, comportamento sexual e infecção por outras doenças sexualmente transmissíveis, ocasionam perpetuação viral e lesões genitais, em sua maior parte, assintomáticas. As regiões mais afetadas são anogenitais. O tratamento deve ser individualizado. O tratamento agressivo pode ocasionar distúrbios cicatriciais. Relatamos um caso de múltiplos tratamentos para retirada de condiloma genital com consequente formação de extenso queloide vulvar.
Palavras-chave: Cicatriz, Cicatriz Hipertrófica, Condiloma Acuminado, Queloide.
ABSTRACT: Genital infection by Human Papillomavirus occurs 65% of the time after contact with contaminated skin and mucosa. Most people eliminate the virus through the immune system. Individual factors such as smoking, age, multiparity, prolonged use of hormonal contraceptives, sexual behavior, and infection by other Sexually Transmitted Diseases cause viral perpetuation and genital lesions, most of them asymptomatic. The most affected regions are anogenital. Treatment should be individualized. Excessive treatment can lead to scarring. We report a case of multiple treatments for removal of genital condyloma with consequent formation of extensive vulvar keloid.
Keywords: Condyloma acuminatum, Scar, Scar, Hypertrophic, Keloid.
INTRODUÇÃO
O papilomavírus humano (HPV) é uma doença sexualmente transmissível (DST) muito prevalente. Os subtipos 6 e 11 causam verrugas genitais e apresentam baixo potencial para malignidade.1 O risco de transmissão de lesões verrucosas pelo contato sexual é de 65%. Após o contato com o vírus, a maioria das pessoas o elimina, porém, em alguns indivíduos, há perpetuação viral, decorrente de fatores como tabagismo, idade, multiparidade, uso prolongado de contraceptivos hormonais, comportamento sexual e infecção por outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).2 As formas subclínicas e o desconhecimento sobre manifestações da doença aumentam o potencial de transmissão.3,4 Após contato com o HPV, há três formas de infecção: latente (detecção do DNA viral), subclínica (alteração microscópica) e clínica (visíveis, verrucosas e frequentemente em regiões anogenitais). A não manifestação macroscópica e o não conhecimento das lesões levam a potenciais transmissores.3,4 O diagnóstico implica cuidados psicológicos. O paciente pode apresentar-se culposo, punitivo, evitando o tratamento ou realizando-o exacerbadamente.2 O tratamento é individualizado e busca remoção da lesão. Deve-se orientar medidas de redução da transmissibilidade4, posteriormente medicamentos, cirurgias e imunoterapia. Condilomas vulvares podem ser tratados com o ácido tricloroacético 70 a 80% (coagulação química), podofilina (efeito antimitótico em lesões menores que 10cm2) ou imiquimode (efeito antiviral e antitumoral para lesões limitadas).8 Lesões extensas e recidivantes são tratadas, preferencialmente, cirurgicamente.5 A vaporização com laser de CO2 lesiona o tecido por meio da vaporização celular e é efetiva para lesões extensas do trato genital inferior com resolutividade de até 71%.6 Lesões volumosas que necessitam de exame histopatológico são retiradas por excisão cirúrgica.7 Tratamentos múltiplos são frequentemente empregados, o que se justifica, dadas as altas taxas de recorrência (25%). Contudo, estes podem levar a processos cicatriciais prolongados, após área extensa de solução de continuidade. Uma de suas consequências é a formação de cicatrizes queloidianas (aspecto avermelhado, irregular, pigmentado e sem respeito às margens prévias da região).7 A fisiopatogenia do queloide ainda não é esclarecida. Sabe-se que há hiperproliferação de colágeno e fibroblastos da derme, originando cicatrização exacerbada.8 Entre os fatores de risco estão raça negra/amarela, idade entre 10 e 30 anos, sexo feminino, hipertensão arterial e manipulação cirúrgica excessiva. Os locais mais afetados são abdome superior, lóbulo da orelha e região esternal. Tais cicatrizes são livres de anexos dérmicos, com aspecto liso e brilhante.8,9 Relatamos um caso de hipertrofia cicatricial após inúmeros tratamentos para exérese de condiloma genital, com formação de extenso queloide vulvar e sequelas físicas e emocionais para a portadora.
RELATO DO CASO
TLB, 22 anos, branca, nuligesta, em uso de anticoncepcional hormonal combinado e condom masculino, sem comorbidades, foi admitida em consultório ginecológico com história de condilomatose vulvar extensa tratada com cauterização química e termocauterização. Evoluiu com lesão vulvar pruriginosa e dolorosa. Ao exame físico vulvar, apresentava lesão fibrótica extensa, em placa, sobre clitóris, 5cm de diâmetro, estendendo-se para grandes lábios (endurecidos e fixos), e obliteração do clitóris, visto na Figura 1. Hipótese diagnóstica de queloide vulvar extenso, confirmada por biópsia, sugerindo sequela de múltiplos tratamentos. Prescrito corticosteroide de alta potência e programação de vulvectomia simples com infiltração local de grandes lábios com triancinolona injetável 20mg/ml. Ressecada lesão, sob anestesia locorregional, sem possibilidade de sutura da ferida cirúrgica devido à localização e extensão, deixando ferida cruenta para cicatrização por segunda intenção, sob cuidados de higiene e curativo oclusivo com loção oleosa, conforme visto na Figura 2. Permaneceu dois dias internada para analgesia e aprendizado dos cuidados. Ao 13º dia de pós-operatório: sem queixas, satisfeita, sem dor e apresentando ferida de boa evolução. No local, foi observada boa granulação da ferida cirúrgica, sem sinais de infecção e sem formação de novo queloide, diminuição do endurecimento dos grandes lábios e da obliteração do clitóris. No 25º dia de pós-operatório, observou-se ferida com boa evolução, diminuição do diâmetro e profundidade de área cruenta (Figura 3). No pós-operatório de 75 dias: área de tecido jovem sob a antiga ferida operatória, melhora do espessamento de pele em região de grandes lábios (Figura 4) e queixa de prurido local. Foram prescritas corticoterapia tópica e hidratação. Após 105 dias apresentava-se satisfeita, área cruenta totalmente epitelizada e cicatriz de 1,5cm na região, sem relevo, cor discretamente mais rosada que a pele original, melhora do endurecimento ao redor do clitóris e grandes lábios, boa individualização dos pequenos e grandes lábios. A paciente encontra-se no momento em seguimento clínico há três anos, sem sinais de recidiva do queloide ou dos condilomas e satisfeita com resultados finais do tratamento.




DISCUSSÃO
O papilomavírus humano (HPV) é uma doença sexualmente transmissível, cuja infecção ocorre pelo acesso do vírus à membrana basal epitelial por microtraumas durante a relação sexual ou entrada do vírus na zona de transformação do colo uterino.1 Pacientes diagnosticadas com infecção pelo HPV encontram-se fragilizadas emocionalmente, apresentando medo, culpa e raiva devido aos estigmas sociais da DST.10 Isso pode provocar desejo de punição, evitando-se o tratamento ou realizando-o de maneira exacerbada.3 A paciente, em menacme e uso de contraceptivo hormonal oral, fatores de risco para perpetuação viral, realizou tratamento para condilomatose vulvar, com cauterização química e eletrocauterização, e evoluiu com lesão vulvar extensa.3 A eletrocauterização destrói o tecido pelo calor. Entre seus efeitos adversos estão o processo cicatricial, a perda da pilificação, as retrações e a hipocromia local.8 A paciente assim evoluiu, biópsia confirmou tecido queloidiano, necessitando tratamentos para exérese da cicatriz e satisfação pessoal. Gomes et al afirmam que a regressão espontânea é possível e presente em até 30% dos casos em até três meses de observação.10 Já o tratamento agressivo pode causar um processo cicatricial anormal. A paciente apresentava como fatores de risco idade, sexo feminino e manipulação cirúrgica excessiva.5,6,8
CONCLUSÃO
O HPV está presente na maior parte da população sexualmente ativa, a maioria das pessoas eliminando-o pelo sistema imune. A recidiva deve ser tratada de forma cautelosa. A manipulação exagerada da região é fator de risco para cicatrização inadequada e formação de queloides. Ressalta-se o acompanhamento psicológico necessário para muitas pacientes.
Agradecimentos:
Agradecimento especial ao paciente relatado, cujo caso trouxe a oportunidade de estudo e pesquisa sobre um assunto de grande importância.
REFERÊNCIAS
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Gomes CM, Rades E, Zugaib M. Como devem ser tratados os condilomas genitais durante a gestação? Rev Assoc Méd Bras. 2006;52(5):286-7.
Notas
Autor notes
Mariana de Oliveira Trintinalha Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Gabriele Belniowski Mendes Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Fernanda Villar Fonseca Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Correspondência: Mariana de Oliveira Trintinalha R. Dr. Ovande do Amaral, 201 - Jardim das Américas 81520-060 Curitiba (PR) E-mail: marianaatrintinalha@hotmail.com
Declaração de interesses