RESUMO: Pacientes com nevo melanocítico congênito gigante possuem maior risco de desenvolver melanoma. Após o primeiro diagnóstico de melanoma, há também uma maior incidência de melanomas subsequentes em um mesmo paciente. No entanto, a terapêutica ideal para esta forma de nevo ainda é controversa. É relatado o caso de um paciente com nevo congênito gigante associado a melanoma múltiplo sincrônico e o tratamento proposto.
Palavras-chave: MelanomaMelanoma,NeoplasiasNeoplasias,Nevos e melanomasNevos e melanomas.
ABSTRACT: Patients with giant congenital melanocytic nevus are at higher risk of developing melanoma. After the first diagnosis of melanoma, there is also a higher incidence of subsequent melanomas in the same patient. However, the ideal therapy for this type of nevus is still controversial. We report the case of a patient with giant congenital nevus associated with multiple synchronous melanomas and the proposed treatment.
Keywords: Melanoma, Nevi and melanomas, Neoplasms.
Relato de caso
Melanoma primário múltiplo sincrônico sobre nevo congênito: relato de caso
Synchronous multiple primary melanomas on congenital nevus: Case report
Recepção: 25 Março 2020
Aprovação: 24 Janeiro 2021
Nevos melanocíticos são proliferações benignas de células melanocíticas com distribuição em ninhos na epiderme, no interior da derme ou em outros tecidos.1,2 O nevo melanocítico presente ao nascimento é definido como congênito. Nevos melanocíticos que surgem até seis meses de vida, durante o primeiro ano ou até os dois anos de idade também são incluídos nessa classificação por alguns autores.1,3 Os nevos congênitos também se diferenciam dos adquiridos pela histologia, pois, de um modo geral, possuem arquitetura e morfologia mais variadas e disseminação das células névicas para as camadas mais profundas da pele, incluindo o tecido subcutâneo.4,5,6,7 A ocorrência de células névicas no interior de nervos, vasos sanguíneos e glândulas sebáceas é o achado de maior especificidade para esta distinção.5,8
Já o nevo melanocítico congênito gigante (NMCG) é definido como lesão melanocítica congênita que atinge, no mínimo, 20cm de diâmetro na vida adulta.9,10 Uma das maiores preocupações envolvendo os pacientes com NMCG é a possibilidade do surgimento do melanoma. Atualmente, já é comprovado na literatura o risco aumentado desses indivíduos desenvolverem o tumor.4,10,11
A incidência do melanoma maligno vem aumentando significativamente nos últimos anos.12,13 As razões para esse aumento não são comprovadas, mas sabe-se que a exposição à luz solar, a irradiação ultravioleta, fatores genéticos e a detecção precoce são elementos importantes para esse aumento.13 Além disso, sabe-se que o paciente com melanoma tem um risco maior de desenvolver outro, o que se denomina melanoma primário múltiplo.14
Paciente masculino, branco, 48 anos, apresentando nevo congênito gigante no membro superior direito (MSD) com queixa de lesões enegrecidas assintomáticas sobre o nevo há dois anos. Ao exame dermatológico, evidenciava-se mácula acastanhada acometendo todo o MSD, com aumento da pilificação local, sobreposta por pápulas enegrecidas com bordas irregulares (Figuras 1 e 2).


O paciente tinha antecedente de exérese de duas lesões no MSD dois anos antes, com diagnóstico anatomopatológico (AP) de melanoma cutâneo extensivo superficial (Breslow de 1mm) e nodular (Breslow de 0,2mm). Na ocasião, não foi realizada ampliação de margem ou pesquisa de linfonodo sentinela. Negava outros antecedentes pessoais ou familiares relevantes ao caso.
Devido à presença na primeira consulta de duas lesões melanocíticas suspeitas no MSD (Figuras 3 e 4), foi aventada a hipótese diagnóstica de melanoma com metástases em trânsito, optando-se pela realização de biópsia excisional, com margem de 2mm, das duas lesões. Em seguida, foi realizada a ampliação das margens das lesões previamente retiradas em serviço externo e solicitados os exames de estadiamento (tomografia de tórax, abdome total e pesquisa de linfonodo sentinela). Os anatomopatológicos das duas lesões evidenciaram melanoma maligno de padrão in situ (Figuras 5 e 6), e os exames de estadiamento não mostraram sinais de acometimento neoplásico.




Após seis meses, foram identificadas três novas lesões melanocíticas suspeitas no MSD com anatomopatológico revelando melanoma maligno in situ sem ulceração e, após mais três meses, devido ao grande número de novas lesões suspeitas, foi indicada a realização de mapeamento fotográfico e biópsia excisional de todas as lesões sobre o nevo (Figura 7). No total, foram realizadas 30 biópsias excisionais, sendo que duas revelaram melanoma in situ, nível I de Clark, ambas sem ulceração, sendo então realizada ampliação das margens e seguimento clínico rigoroso em conjunto com as equipes de Oncologia e Cirurgia Plástica.

Associado ao crescente número de casos de melanoma primário ocorre um aumento na frequência do melanoma múltiplo. Atualmente, a sobrevida mais longa dos pacientes com melanoma contribui para este fato. Além disso, o risco de um segundo melanoma é maior do que a ocorrência de metástases secundárias do primeiro, em pacientes com melanoma de espessura fina, fato consoante com o caso relatado.15 Autores calculam que pacientes com melanoma tem um risco de desenvolver outro melanoma cerca de 900 vezes superior ao da população em geral de desenvolver um primeiro melanoma.14 Também há uma maior prevalência de melanoma múltiplo no sexo masculino, como no caso descrito.14
Para se caracterizar melanoma múltiplo é necessário estabelecerem-se critérios para diferenciação entre um possível segundo melanoma, metástase epidermotrópica (metástase cutânea com envolvimento da epiderme) ou tumor residual.13,16 Vários elementos clínicos e anatomopatológicos são utilizados para tal distinção diagnóstica: aspecto macro e microscopicamente diferente entre os tumores; evidência clínica e histológica de pele normal entre lesões sincrônicas; presença de alteração juncional e ninhos de células intraepidérmicas de citologia maligna demonstrando ascensão e propagação epidérmica.16
Apesar da significativa evidência mostrando que indivíduos portadores de NMCG têm um risco aumentado de desenvolver melanoma, a incidência exata ainda é controversa. A baixa prevalência de NMCG e a escassez de estudos comparativos prospectivos contribuem para esse fato.17 Alguns estudos estimam que a taxa de malignização esteja entre 5 e 10%.4 Acredita-se que essa maior incidência esteja relacionada tanto ao número alto de células melanocíticas quanto ao comportamento biológico diferente dos melanócitos presentes no NMCG citando-se como exemplo as alterações cromossômicas estruturais no processo de malignização dessas lesões.5,10
O desenvolvimento de um melanoma em paciente com NMCG tem um prognóstico especialmente reservado. Existem algumas justificativas para essa evolução desfavorável. A superfície frequentemente rugosa ou nodular do NMCG pode dificultar a detecção precoce.18 Além disso, as transformações malignas dos nevos melanocíticos congênitos (NMC) pequenos ou médios têm início mais superficial na junção dermoepidérmica evidenciando, assim, rapidamente a aparência da lesão. No entanto, no caso do NMCG o melanoma geralmente se desenvolve na derme profunda, tornando sua detecção mais difícil e tardia.10,19 A grande extensão dos NMCGs é outro fator que pode contribuir para essa gravidade devido à maior probabilidade de que sua drenagem linfática seja feita por múltiplos canais.18
A abordagem terapêutica do NMCG é controversa e ainda representa um desafio, devendo-se levar em consideração diversos fatores como a idade do paciente, o tamanho e a localização da lesão, os possíveis prejuízos funcionais decorrentes de procedimentos invasivos e a presença de lesões suspeitas sobre o nevo. A excisão cirúrgica profilática do nevo encontra limitações quanto às incertezas sobre sua eficácia como profilaxia ao desenvolvimento de neoplasia, já que até 50% dos melanomas encontrados em paciente com NMCG não ocorrem necessariamente sobre o nevo, além das dificuldades técnicas na execução e impacto psicológico associado às cicatrizes.20
Alguns autores defendem a excisão profilática das lesões mais heterogêneas, espessas, rugosas ou, por algum outro motivo, difíceis de serem seguidas clinicamente.19 Esta foi a opção no caso descrito devido ao alto risco apresentado pelo paciente tanto pela presença do NMCG quanto pela evidência prévia de melanoma.
Em contraposição à maioria dos casos descritos na literatura, a evolução foi favorável no caso relatado, possivelmente pelo acompanhamento próximo regular em um serviço especializado, fácil visualização de alterações clínicas no nevo congênito descrito devido à coloração acastanhada e orientação ao paciente quanto aos riscos e gravidade do quadro. O paciente foi estimulado a realizar o autoexame da pele periodicamente, observando mudanças na cor, forma ou superfície do nevo. Estes fatos possibilitaram a detecção e tratamento precoces, com exérese de lesões suspeitas, evitando-se um acometimento maior pela neoplasia.
Agradecimento especial ao Dr. Andre Luiz Simiao, coordenador do Departamento de Dermatologia da Pontificia Universidade Catolica de Campinas (servico credenciado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia) e do Ambulatorio de Melanoma, a quem os autores expressam sentimento de respeito e gratidao.
Mariana Bergman | 0000-0002-7406-6788
Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; preparação e escrita do manuscrito; planejamento e concepção do estudo.
Mariana das Neves Melo | 0000-0002-4398-4877
Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Antônio Gomes Neto | 0000-0003-1746-9828
Contribuição no artigo: Revisão crítica da literatura; coleta, análise e interpretação de dados.
Amílcar Castro de Mattos | 0000-0002-8547-3530
Participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados.
Diogo Hiroshi Mizumoto | 0000-0002-4979-3959
Contribuição no artigo: Revisão crítica da literatura; coleta, análise e interpretação de dados.
Correspondência: Mariana Bergman, Av. John Boyd Dunlop, s/no, Jardim Ipaussurama, 13060-904 Campinas (SP). E-mail: mariana.wbergman@gmail.com






