ESTUDOS DE CULTURA MATERIAL
Recepção: 16 Maio 2023
Aprovação: 21 Agosto 2023
DOI: https://doi.org/10.11606/1982-02672023v31e26
RESUMO: O artigo tem como objetivo examinar a abordagem do fotojornalismo em relação às pautas indígenas e ambientais durante o período de colonização da floresta amazônica, conduzido pelo governo militar de maneira sistemática e predatória nos anos 1970. A análise centraliza-se na edição especial da revista Realidade sobre a Amazônia, lançada em outubro de 1971, a qual endossou ações governamentais. No entanto, algumas fotografias veiculadas na edição não se alinharam completamente a essa perspectiva, evidenciando elementos dissonantes em relação ao discurso oficial. O estudo examina diversas imagens presentes na revista, com ênfase nas fotografias de Claudia Andujar e George Love, figuras proeminentes do fotojornalismo brasileiro dos anos 1970.
PALAVRAS-CHAVE: Fotojornalismo, Revista Realidade, Colonização da Amazônia, Claudia Andujar, George Love..
ABSTRACT: The article aims to examine the approach of photojournalism regarding indigenous and environmental issues during the period of colonization of the Amazon rainforest, conducted by the military government systematically and predatorily in the 1970s. The analysis focuses on the special edition of the Realidade magazine about the Amazon, released in October 1971, which, overall, endorsed governmental actions. However, some photographs featured in the edition did not fully align with this perspective, highlighting moments in which they shaped up as dissonant elements in relation to the official discourse. The study examines various images present in the magazine, with an emphasis on the photographs by Claudia Andujar and George Love, prominent figures in Brazilian photojournalism of the 1970s.
KEYWORDS: Photojournalism, Realidade magazine, Colonization of the Amazon, Claudia Andujar, George Love..
INTRODUÇÃO
Nos primeiros dias do ano de 2023, fomos impactados com as inúmeras reportagens sobre a calamitosa crise sanitária vivida pelos Yanomami. Tal situação veio à tona e expôs as ações do governo Bolsonaro contra o povo indígena. De acordo com investigações jornalísticas, no período de quatro anos do governo (2019-2022), pelo menos 570 crianças com menos de cinco anos de idade morreram de causas evitáveis no território.3 Essa trágica situação é decorrente da exploração garimpeira ilegal na Terra Indígena Yanomami, demarcada em 1992, que tem crescido de modo exponencial e que não foi devidamente investigada nos últimos anos.4 Desde outubro de 2018, início do monitoramento promovido pela Hutukara Associação Yanomami e ano da eleição do ex-presidente, até o final de 2021, o garimpo destruiu mais de 4 mil hectares do território. Apenas entre os anos de 2020 e 2021, o garimpo ilegal avançou 46%, atingindo cerca de 16 mil pessoas, moradoras de 273 comunidades yanomami.5
Tal situação levou o atual governo Lula a decretar estado de emergência de saúde pública no território no dia 20 de janeiro de 2023. No mês seguinte, Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública, solicitou que a Polícia Federal abrisse investigações sobre a morte das crianças yanomami. Para Dino, há indícios de crimes de genocídio, omissão de socorro, peculato e desvio de verba pública contra o meio ambiente.6
Essa trágica situação foi amplamente divulgada pela imprensa e expôs não apenas o descaso para com os Yanomami e a Amazônia, mas também demonstrou como tais ações podem estar inseridas em uma ampla estratégia de exploração predatória da floresta. Entretanto, infelizmente, essa não seria a primeira vez que um plano desse tipo foi comandado pelo governo federal, remetendo à ditadura militar, período constantemente exaltado por Bolsonaro e seus seguidores.
Considerando, portanto, o destaque que as questões ambientais e indígenas vêm ganhando nos últimos anos, o objetivo deste artigo é investigar como o fotojornalismo tratou essas mesmas pautas durante a ditadura civil-militar. Nesse período, especialmente no início dos anos 1970, o governo federal realizou significativos investimentos financeiros e políticos com o objetivo de colonizar e explorar a floresta amazônica, negligenciando a preservação ambiental e a proteção dos povos indígenas. Para persuadir a população brasileira sobre a viabilidade dessa empreitada, que assumiu grandes proporções, a imprensa desempenhou um papel crucial.
Para efetuar essa análise, tomaremos como estudo de caso a edição especial sobre a Amazônia da revista ilustrada Realidade,7 lançada em outubro de 1971. Essa edição foi um grande sucesso de vendas e é reconhecida como um marco importante para o jornalismo brasileiro.8 Além das análises dos textos das reportagens de Realidade Amazônia, também examinaremos como as fotografias podem tanto reforçar o discurso de incentivo da colonização da floresta como apresentar-se como elementos dissonantes. Será dada maior ênfase às fotografias produzidas por Claudia Andujar9 e George Love,10 figuras proeminentes do fotojornalismo na década de 1970, sem deixar de considerar as imagens de outros fotógrafos. Por fim, também será brevemente discutido como algumas imagens de Andujar foram utilizadas em outro meio impresso que atuava na luta em defesa dos povos indígenas, ainda no período militar.
Nesse sentido, é importante considerar o contexto histórico que envolve o período do lançamento da revista, marcado por um ambíguo clima de repressão e otimismo. Segundo o historiador Carlos Fico, a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro de 1968, consolidou o estabelecimento de um sofisticado aparato de repressão política, que se manteve altamente violento até o ano de 1973, com inúmeras prisões, torturas e “desaparecimentos”11. Esses anos também foram caracterizados pelo crescimento econômico significativo do país, conhecido como “milagre econômico”, com o PIB crescendo em média 11,2% ao ano.12 Esse desenvolvimento garantiu altos índices de popularidade ao então presidente, o general Médici, mesmo em meio à intensa repressão.
Para Fico, essa aparente contradição pode ser explicada pelas ações da propaganda política, que enfatizava amplamente o crescimento econômico, os sucessos da seleção brasileira no futebol e as grandes obras em andamento, como a construção da rodovia Transamazônica13 (abordada diversas vezes nos textos de Realidade Amazônia). Por outro lado, os mecanismos de censura escondiam da população qualquer indício de violência e repressão praticadas pelos militares.14
Referentes a esse contexto, os conceitos de ideologia e verdeamarelismo, elaborados pela filósofa brasileira Marilena Chuí, são elucidadores, e se tornam instrumentos teóricos consistentes que nos auxiliam na análise da revista. Segundo ela, em uma sociedade em que determinadas classes exploram e dominam as outras, as ideias são geradas e difundidas pela classe dominante para assegurar seu poder econômico, social e político, de tal maneira que seja ocultado o modo real como as relações sociais se originaram e foram produzidas.
Esse ocultamento da realidade social chama-se ideologia. Por seu intermédio os dominantes legitimam as condições sociais de exploração e de dominação, fazendo com que pareçam verdadeiras e justas. Enfim, também é um aspecto fundamental da existência histórica dos homens a ação pela qual podem ou reproduzir as relações sociais existentes, ou transformá-las, seja de maneira radical (quando fazem uma revolução), seja de maneira parcial (quando fazem reformas). Em outras palavras, uma ideologia não possui um poder absoluto que não possa ser quebrado e destruído. Quando uma classe social compreende sua própria realidade, pode organizar-se para quebrar uma ideologia e transformar a sociedade.15
Ou seja, a ideologia não é um conjunto qualquer de ideias, mas um ideário que oculta suas raízes históricas e sociais a fim de manter a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política. Tais reflexões são fundamentais para que possamos identificar os aspectos ideológicos que atravessam a edição Realidade Amazônia, especialmente a defesa da colonização da floresta promovida pelo governo militar. Nesse período, foram fortalecidas as bases ideológicas do capitalismo através da relação estabelecida entre o desenvolvimento industrial, conduzido por empresas nacionais e estrangeiras, e a noção de identidade nacional.
Tais mecanismos são mais bem compreendidos através do conceito de verdeamarelismo, formulado por Chauí em Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. Para elucidá-lo, a filósofa parte da noção de que uma representação homogênea do Brasil sempre foi historicamente útil, por permitir “crer na unidade, na identidade e na indivisibilidade da nação e do povo brasileiros”16. Desse modo, foi possível dividir socialmente e politicamente a nação em “amigos” e “inimigos a combater”17.
A filósofa vê o verdeamarelismo como uma estratégia da classe dominante brasileira, elaborada ao longo dos anos, para celebrar a imagem do Brasil como um país essencialmente agrário, com o objetivo de legitimar o que restou do sistema colonial e da hegemonia dos proprietários de terra. O Brasil “era, na verdade, o país historicamente articulado ao sistema colonial do capitalismo mercantil e determinado pelo modo de produção capitalista a ser uma colônia de exploração e não uma colônia de povoamento”18.
Nos primeiros anos da ditadura civil-militar, a classe dominante brasileira ainda acreditava que apenas as atividades agrárias e extrativistas levariam o país ao progresso, evitando a competição direta com os países mais desenvolvidos. Entretanto, o excedente que vinha das nações centrais para o Brasil não foi investido em atividades produtivas, mas no consumo de luxo, que se tornou instrumento de demarcação social.19 Nesse processo, Chaui vê a fabricação no país da ideologia nacional-desenvolvimentista, que se dá na transição de uma dependência consentida para uma dependência tolerada, pois a classe dominante acreditava que a sujeição brasileira aos países centrais industrializados seria provisória, durando até o momento em que o país se tornasse industrialmente autônomo. Assim, até se poderia crer que o verdeamarelismo seria desmontado; mas não foi o que aconteceu, pois a industrialização brasileira nunca chegou a esses níveis de autonomia.
Na divisão internacional do trabalho, a industrialização se deu por transferência de setores industriais internacionais para o Brasil, em decorrência do baixo custo da mão-de-obra, e o setor agrário-exportador jamais perdeu força social e política. Se antes o verdeamarelismo correspondia à auto-imagem celebrativa dos dominantes, agora ele opera como compensação imaginária para a condição periférica e subordinada do país. Além disso, justamente porque aquele era o período da “questão nacional”20, houve a ação deliberada do Estado na promoção da imagem verde-amarela.21
Com o golpe de 1964, e sobretudo após o AI-5, a escalada autoritária revitaliza e fortalece o verdeamarelismo sedimentado na “ideologia do ‘Brasil Grande’, isto é, da chamada ‘integração nacional’, com rodovias nacionais e cidades monumentais, uma vez mais destinadas a atrair o grande capital internacional”22.Nessa conjuntura, o governo militar tinha como objetivo primordial chamar a atenção do empresariado multinacional, construindo a imagem de um país rico em recursos naturais, com um povo pacífico, empreendedor e ordeiro que vivia em meio a uma natureza exuberante.
Em sua análise, Chauí aponta que a ditadura militar assumiu para si três tarefas: a integração, a segurança e o desenvolvimento nacional. A primeira buscou superar a fragmentação e dispersão da nação; a segunda teve como objetivo lutar contra os inimigos internos e externos por meio da ação repressiva do Estado; e a terceira, por fim, tentou se pautar nos moldes das nações capitalistas, fundadas em regimes democráticos ocidentais cristãos.
As ligações, de origem colonial, entre indústria, desenvolvimentismo e identidade nacional fortaleceram o governo militar e nos ajudam a compreender os discursos presentes na Realidade Amazônia.
A REVISTA REALIDADE
Para Helouise Costa, o surgimento da revista ilustrada “esteve intimamente relacionado ao avanço tecnológico que permitiu a inclusão da fotografia nas páginas dos periódicos, à industrialização da imprensa, à comercialização da notícia e à expansão da publicidade”23. A fotografia passou a ser moldável, adaptando-se facilmente aos sistemas de circulação e consumo do século XX. Desse modo, o componente ideológico da revista ilustrada - e especialmente da fotografia utilizada nesse tipo de publicação - responde a demandas de diferentes naturezas. A autora nos lembra que, nessa conjuntura, a imagem fotográfica torna-se mercadoria, tendo como função reforçar o discurso de autenticidade e veracidade da revista. Vista como prova ou testemunho do real, e manipulável em sua essência, ela cria um modo peculiar de ver o mundo moderno.24
Segundo Maria Celeste Mira, a partir dos anos 1960, as revistas ilustradas passaram a integrar um competitivo cenário devido ao recrudescimento da indústria cultural que ocasionou no início da segmentação do setor e no aumento na produção de publicações, em contraposição aos anos anteriores quando a revista O Cruzeiro dominava o mercado. As revistas da Editora Abril tornam-se protagonistas e pioneiras nesse novo contexto. Para a autora, tais publicações tinham em comum uma certa obstinação em “descobrir e mostrar o Brasil ao leitor brasileiro”25, sem abandonar as referências às revistas estrangeiras. Assim, “Claudia queria mostrar à mulher a moda e a cozinha brasileiras, enquanto Quatro Rodas pretendia traçar um mapa físico do Brasil. O projeto de Realidade era desvendar um país que o noticiário comum não mostrava”26. Em grande medida, essas revistas alinharam-se ao espírito da época do regime militar, ao definir como principal tema a identidade nacional, usado tanto como ideologia quanto estratégia de mercado.
Especialmente durante os anos 1960, a revista Realidade foi um dos principais carros-chefes da Editora Abril. O primeiro número foi lançado em abril de 1966 e procurava atingir um tipo de leitor mais intelectualizado através de reportagens político-ideológicas.27 O período de atuação da revista foi dividido em três fases: a primeira corresponde ao período delimitado entre 1966 e 1968; a segunda fase compreende os anos de 1969 a 1973, e, por fim, a terceira e última fase abarcou os anos de 1973 a 1976. Nesta fase, a revista teve uma considerável alteração de sua linha editorial e abandonou as grandes reportagens que a tornaram conhecida.28 Vejamos, de modo sucinto, as principais características das duas primeiras fases, que se mostram mais relevantes para compreender o contexto de produção do nosso estudo de caso.
A primeira fase é a mais comentada e analisada na bibliografia sobre a revista devido à ousadia das reportagens, que abordaram temas como prostituição, homossexualidade, pílulas anticoncepcionais e, ainda, perfis de algumas personalidades expoentes da esquerda. Tais reportagens agradavam a seu público progressista e garantiam significativa repercussão pública, que se revertia em números de vendas.
Entretanto, houve momentos em que a revista buscou legitimar discursos conservadores e figuras centrais do governo federal. O pesquisador Jonas Migotto Filho identifica que essas legitimações estão presentes, sobretudo, nos perfis dos ditadores escritos pelo repórter Luiz Fernando Mercadante, que tinha maior trânsito em setores mais tradicionais e com os militares que estavam no poder, como os presidentes Humberto de Alencar Castelo Branco, Artur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici.29 No entanto, os depoimentos de jornalistas da revista afirmam que era importante publicar reportagens que bajulassem os líderes do governo ou apresentassem visões positivas do momento vivido pelo país para garantir a continuidade do periódico.30
A situação começou a mudar com a censura direta de determinadas reportagens,31 acusadas de serem obscenas pelo Juizado de Menores.32 Em um contexto político cada vez mais repressivo, os temas polêmicos chamaram a atenção dos generais, que pressionaram para que houvesse autocensura da revista, com o aval de importantes diretores33 da Abril.34 Tal prática já acontecia nos bastidores, antes de 1968, mas se intensificou após o ultimato dos dirigentes da editora.35 Esse fato acabou ocasionando perseguições e uma série de pedidos de demissão dos principais jornalistas e editores da revista, encerrando o que ficou conhecido como sua primeira fase.36
A segunda fase da Realidade compreende os anos de 1969 a 1973. Durante esse período, a revista teve que lidar com a censura imposta pelo AI-5, o que a obrigou a diminuir o tom polêmico, mas não a abandonar as grandes reportagens que a tornaram reconhecida. Não foram encontrados estudos mais aprofundados sobre essa fase, o que nos levou a realizar um levantamento preliminar na imprensa da época. Embora essas informações sejam escassas, elas são relevantes para entender o contexto em que a revista Realidade se encontrava, especialmente em relação à censura e ao controle dos militares.
A primeira informação refere-se ao posicionamento de Milton Coelho, então diretor da Realidade. No dia 22 de novembro de 1971, mês subsequente ao lançamento da edição especial sobre a Amazônia, Coelho participou de um debate sobre censura na imprensa, na cidade de São Paulo. Ao comentar sobre a publicação de documentos confidenciais do governo estadunidense em jornais, o diretor afirmou que era necessário “procurar uma forma de censura adequada”, que deveria ser “exercida pela coletividade”37, indicando que a censura deveria ser objetivo de outros setores da sociedade e não apenas dos censores do governo. A controversa afirmação nos leva a crer que o diretor da revista manteve alinhamento com os militares ao explicitar sua defesa da prática de autocensura.
Entretanto, essa abordagem não foi suficiente para os militares. Em abril de 1973, foi decretada uma portaria que obrigava o registro prévio de todas as revistas nacionais ou estrangeiras que circulassem em território nacional na Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP) do Departamento da Polícia Federal. Caso a Polícia Federal julgasse que as publicações fossem “contrárias à moral e aos bons costumes”38, seus exemplares deveriam ser incinerados. Um dos estopins para a publicação da portaria foram os supostos “efeitos morais negativos causados à população brasileira”39 por uma reportagem sobre impotência masculina publicada na Realidade de abril de 1973.
No que se refere à presença da fotografia40 na revista, José Hamilton Ribeiro41 defende que Realidade contribuiu para o fotojornalismo no Brasil ao buscar apresentar fotografias tidas como mais “jornalísticas”, distanciando-se do modelo encenado, apresentado na revista O Cruzeiro, ou com grande apelo visual, que era recorrente na revista Manchete. Claudia Andujar42 ainda afirma que o trabalho cotidiano dos fotógrafos da revista era feito com a autonomia e independência em relação ao trabalho dos jornalistas.
Segundo o pesquisador Ângelo Manjabosco, a revista foi inicialmente concebida com foco nos textos, e a valorização da fotografia surgiu ao longo do tempo. Nesse processo, fotógrafos estrangeiros como Lew Parrella, David Zingg e George Love, dos Estados Unidos, foram essenciais. De acordo com o pesquisador, esses fotógrafos introduziram no Brasil novas práticas relacionadas à linguagem fotográfica e ao processo de edição das imagens.43
Manjabosco questiona o caráter autoral atribuído aos fotógrafos da revista, ao constatar que os temas das fotografias eram originados em reuniões de pauta, nas quais todos os integrantes da equipe participavam. Isso revela um processo de produção coletivo e diverso, o que enfraquece a ideia de autoria individual das imagens na revista. No entanto, o pesquisador também observa que os fotógrafos desfrutavam de certa liberdade criativa e confiança em seu trabalho. Essa condição possibilitou o desenvolvimento de um olhar parcial, crítico e interpretativo de profissionais como Claudia Andujar, nascida na Suíça e naturalizada brasileira, e Maureen Bisilliat, de origem inglesa.44
Considerando especificamente as contribuições de George Love e Claudia Andujar para a Realidade, é possível concluir, por meio da bibliografia consultada, que ambos foram figuras proeminentes que ajudaram a moldar o papel da fotografia na revista. Para a pesquisadora Thais Camargo, George Love e Claudia Andujar
encontraram [na revista] cenário propício para desenvolverem a habilidade de contar histórias de maneira criativa e pouco óbvia. Ou melhor, exercitaram a capacidade de oferecer uma impressão da história que queriam contar, quebrando com certos paradigmas do uso da fotografia em reportagens.45
Para Douglas Canjani, as fotografias de Love estabeleceram “uma linguagem inusitada no ambiente jornalístico, com fotos ‘borradas’ ou abstratas que não correspondiam aos critérios clássicos do fotojornalismo apoiado na verossimilhança documental”46. Marcelo Eduardo Leite47 afirma que a atuação de Love na publicação foi marcada pela ousadia, devido a suas ligações com fotógrafos de Nova York de tendência abstrata. Segundo ele, as imagens subvertiam a vertente documental estabelecida historicamente pelo fotojornalismo. Isso se deve aos efeitos de captação, revelação e impressão que Love utilizava em suas fotografias, nas quais o uso da cor era notável e evidente.
Já Claudia Andujar48 ficou conhecida como uma fotógrafa que não hesitava em abordar temas desafiadores. Ela produzia fotografias de lugares de difícil acesso, situações tensionadas e temas polêmicos, como áreas de prostituição, locais clandestinos frequentados por homossexuais e levantes negros nos Estados Unidos. José Carlos Marão49 destaca a dramaticidade e o impacto visual recorrentes nas fotografias de Claudia Andujar. Por sua vez, a pesquisadora Aline dos Santos Nogueira identifica que as mulheres são personagens centrais nas fotografias de Andujar na Realidade, ressaltando que a fotógrafa produziu representações que humanizaram suas retratadas, evitando estereótipos recorrentes na imprensa da época.50
A EDIÇÃO ESPECIAL SOBRE A AMAZÔNIA
Mais de um ano antes de seu lançamento, a Realidade Amazônia já chamava a atenção da imprensa. Segundo nota51 publicada em maio de 1970, no jornal Tribuna da Imprensa, a edição especial teria sido “acertada” definitivamente com o ex-deputado Mário Palmério, referindo-se à possível importância do político na concepção da revista.
Palmério foi escritor, deputado na região de Uberaba, MG, e assumiu o cargo de embaixador do Brasil no Paraguai, nomeado pelo presidente João Goulart em 1962. Entretanto, com o golpe de 1964, Palmério deixou a função. Em 1969, embarcou em uma viagem à floresta amazônica, onde permaneceu por um período de um ano. Posteriormente, proferiu palestras na Europa sobre a região e se autodenominou o “maior conhecedor da Amazônia em todo o mundo”52.
Em agosto de 1972, Palmério afirmou ser utópica a ideia de se preservar o “índio do contato com a civilização”53, uma vez que não se podia deter o desenvolvimento e integração da Amazônia. Entretanto, o político pontuava a necessidade de se adotar uma série de proteções aos povos originários para que fossem evitadas as invasões dos territórios por empresas e mineradoras. Tais proteções deveriam ocorrer através de forte policiamento das áreas indígenas e de ações de frentes de atração e pacificação para evitar conflitos.
Ao analisarmos a posição de Palmério, podemos perceber que a questão da inevitabilidade da colonização da floresta é um tema crucial, que provavelmente foi considerado desde o início do planejamento da Realidade Amazônia. Entretanto, é importante ter em conta que tal avaliação não era exclusiva do político. Se Marcos Palmério opinava de modo mais ponderado sobre o assunto, a imprensa em geral demonstrou um apoio explícito aos planos do governo federal de explorar a floresta. Isso ocorreu, sobretudo, através da ampla divulgação da construção da rodovia Transamazônica. Os jornais noticiavam diariamente cada etapa da construção da estrada, que se tornou o símbolo maior da conquista da região. Essa cobertura constante contribuiu para a consolidação de uma imagem positiva do governo militar e reforçou a ideia de que o país estava atravessando um momento de prosperidade, graças aos altos índices de crescimento econômico que possibilitavam a construção de obras faraônicas.54
A partir das reflexões do historiador Magno Michell Marçal Braga, os pesquisadores José Valtemir Ferreira da Silva, Francisco Pereira Smith Júnior e Aline Costa da Silva defendem que essa relação entre imprensa e governo militar se converteu em “uma espécie de prostituição midiática, em que mesmo os jornais menores, por ideologia, troca de favores ou sob os riscos de perseguição corroboram da mesma forma que o projeto político econômico do governo”55. Isso nos leva a compreender que a defesa da colonização do território feita pelos jornalistas na Realidade Amazônia não era um caso isolado, mas um dos elementos da construção daquilo que Marilena Chauí denominou de verdeamarelismo. Entretanto, veremos como os fotógrafos da revista apresentam um discurso dissonante, especialmente no que se refere à Transamazônica.
A edição especial integra a segunda fase da revista (1969-1973), correspondente ao período de maior repressão por parte dos militares, que forçaram uma mudança de abordagem dos conteúdos publicados. É o momento, portanto, no qual a Realidade ainda manifestava o desejo de mostrar o país aos seus leitores, mas de uma maneira positiva, esperançosa e até ufanista, alinhando-se ideologicamente ao governo militar. Entretanto, é mantida, ainda, uma estrutura semelhante à da primeira fase, com reportagens extensas baseadas em pesquisas consistentes.
Durante a segunda fase, a revista viu seus números de venda caírem consideravelmente. Isso possivelmente se deveu à dissolução da equipe que garantiu o sucesso na primeira fase, o que ocasionou o fim das reportagens com os controversos temas que tornaram a revista conhecida. Na tentativa de reverter essa situação, iniciou-se a produção de números especiais, dentre os quais podemos citar a edição sobre as cidades brasileiras (maio de 1972), sobre o Nordeste (novembro de 1972) e a própria edição sobre a Amazônia, a primeira a ser lançada. Esta demandou o maior investimento da Editora Abril em uma única edição, transformando-se em sucesso de vendas, com todas as mais de 300 mil cópias esgotadas na primeira semana.56 O reconhecimento da revista não veio apenas das vendas, mas também por meio de premiações. A Realidade Amazônia ganhou três categorias na edição de 1972 do Prêmio Esso: melhor equipe, melhor trabalho e melhor contribuição à imprensa.57
A coordenação da edição especial ficou a cargo do jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, que já havia trabalhado em edições publicadas em 1968 e 1970. A equipe foi composta por mais de quarenta pessoas,58 com diversos jornalistas59 e seis fotógrafos,60 que viajaram milhares de quilômetros, visitaram dezenas de cidades e entrevistaram diversos líderes políticos e empresários da região,61 tendo permanecido por seis meses na floresta. Considerando os períodos de preparação, produção e finalização, a equipe levou entre dez e doze meses para concluir a edição da revista.62
Raimundo Rodrigues Pereira pontua a ousadia e grandeza do projeto, pois na época não havia, especialmente no jornalismo, nenhum trabalho sobre a região amazônica com a densidade que a revista se propôs a fazer. Sobre o conteúdo das reportagens, o jornalista afirma que a equipe teve que ser muito habilidosa e objetiva, evitando interpretações que poderiam incomodar os militares.63 É importante recordar que, nesse período, a revista estava sob a direção de Milton Coelho, que, como já foi apresentado, era alinhado às práticas de autocensura impostas pelos militares.
Durante os seis meses que permaneceram na floresta, foram produzidas mais de 30 mil fotografias, que depois foram editadas nas 342 páginas, cuja maioria é colorida, de grande formato, com 23,8 x 30,5 cm. Segundo Raimundo Rodrigues Pereira, a edição das imagens durou dois meses e ocorreu em sua casa e na de Claudia Andujar e George Love. O casal teve papel central na seleção das imagens, juntamente com a fotógrafa Maureen Bisilliat.64
A revista apresentou por volta de quinhentas fotografias. Entretanto, uma observação mais detida indica que pouco mais da metade integra os inúmeros anúncios estampados nas páginas, capa e contracapa.65 É possível que um olhar mais desatento não perceba que muitas das fotografias presentes na edição não foram produzidas pela equipe de fotógrafos.
Essa análise quantitativa revela a existência de uma espécie de amálgama que envolve o discurso dos jornalistas, do governo militar e das empresas anunciantes. No entanto, as fotografias produzidas pelos fotógrafos da revista66, em alguns momentos, desestabilizam a narrativa que defende enfaticamente a ocupação da floresta. Vejamos como essa complexa relação se estabelece, primeiramente na capa e, posteriormente, nas reportagens67 e ensaios68 que integram as sete seções da revista.69
A capa
Comecemos nossa análise pela capa (Figura 1). Ela é formada por uma página dupla que se dobra. Quando dobrada, vemos a capa tradicional da revista, com destaque para o simétrico rosto de uma jovem indígena, em primeiríssimo plano, que nos encara. O retrato foi produzido por Claudia Andujar. A simetria também é utilizada em todo o layout da capa. O título da revista é da cor verde, e o tema, “Amazônia”, foi impresso com a cor amarela, já demonstrando determinado ufanismo da edição. Ao abrirmos a dobra, vemos uma fotografia aérea, de autoria de George Love, do rio Paru, afluente do rio Amazonas, no estado do Pará. Sobre a foto, uma legenda refere-se às duas imagens: “A corredeira do rio Paru d’Oeste, afluente da margem esquerda do Amazonas, desenha uma figura humana no verde da floresta. Ao lado, menina uaicá,70 do alto rio Negro”. Diante da sugestão da legenda, o enquadramento e o ângulo da imagem aérea do rio Paru permitem reconhecer braços, pernas e até uma cabeça humana no desenho do sinuoso rio.

Ao virarmos essa dupla capa, há em seu verso um anúncio publicitário da Petrobrás (Figura 2), empresa estatal de petróleo. O anúncio não é aleatório, e integra-se à capa da revista, tornando-se uma espécie de terceira capa. A imagem do anúncio faz referência direta à foto de Andujar, na medida em que também apresenta o rosto de uma jovem indígena em primeiríssimo plano. Mas, diferentemente da primeira, essa nova personagem tem um sorriso aberto e aparece colocando flores em seu próprio cabelo. Seu olhar encara a câmera com tranquilidade, demonstrando que já estava habituada a ser retratada. A frase na parte superior da página dupla reforça a escolha das duas imagens de crianças como metáforas para o futuro promissor: “O amanhã está chegando”. À esquerda da menina, há outro texto que podemos considerar como uma espécie de legenda: “O homem brasileiro aceitou o desafio da floresta densa, para construir um país mais forte. Integral. Total. Para nossos irmãos da Amazônia, o amanhã será diferente. E êste amanhã já está chegando”.

A Petrobrás ocupou importante papel estratégico durante a ditadura militar, recebendo forte investimento. Ela foi considerada pela cúpula das Forças Armadas como uma das instituições indispensáveis à segurança nacional, com o objetivo de colaborar com a emancipação econômica do país.71 Dessa maneira, o texto do anúncio da petrolífera evidencia as principais funções estratégicas da empresa, assim como estabelece, logo de início, o tom verdeamarelista da revista. Este tom, por sua vez, explicita o vínculo ideológico com o regime, que via na exploração da floresta a peça-chave para que o Brasil finalmente alcançasse a condição de país do futuro. As fotografias de Andujar e Love, nesse caso, reforçam esse discurso.
Além desse anúncio, existem dezenas de outros que dominam pouco mais de um terço72 da revista, criando uma fusão entre os discursos das reportagens, do governo e das empresas. Afinal, são os empresários que financiam a revista, dentro de um governo com alto poder de controle ideológico. A título de ilustração, apresentamos (Figuras 3a a 3h) alguns exemplos dos inúmeros anúncios da revista que apresentam de modo explícito o entusiasmo das empresas, tanto públicas quanto privadas, com a colonização da floresta.








Na impossibilidade de analisar tantos anúncios, podemos considerar como caso exemplar desse amálgama a própria capa da revista, sobre a qual discorremos anteriormente, sendo ainda possível adicionar outro elemento importante: a “Carta do editor”, escrita por Victor Civita.73
Em seu texto, o dono da Editora Abril informa que o principal mote da revista é atentar ao fato de que a sociedade brasileira desconhece importantes informações referentes à floresta. Civita entende como absurda a constatação de que “a opinião pública do país acha que ‘os estrangeiros’ podem roubar a Amazônia, mas não tem sequer uma noção razoável sôbre seu tamanho e sua história”74. Para sanar esse equívoco, ele elenca uma série de dados,75 buscando comprovar quão desinformado o cidadão brasileiro estaria não apenas no que se refere à floresta, mas também à rodovia Transamazônica. Além disso, é mencionado o potencial da região para produzir alimentos, energia elétrica e água potável em abundância, o que poderia ajudar a mitigar prováveis crises globais de escassez desses recursos no futuro, colocando a floresta em uma discussão de ordem geopolítica.
Desse modo, os dois principais objetivos da revista são devidamente apresentados: “informar corretamente a opinião pública brasileira sôbre o maior de todos os mitos, a Amazônia”, e “documentar o instante mais extraordinário da vida dessa última grande reserva natural do planêta”76. Civita finaliza seu texto em tom utópico, ao indagar: “A Amazônia não seria o local para a maravilhosa experiência do progresso em harmonia com a natureza? Não seria a nossa ilha da Utopia onde se fará o progresso limpo e colorido que ainda existe no coração de todos os homens?”77. Tais indagações reiteram o prenúncio de que “O amanhã está chegando” presente no anúncio da Petrobrás.
Esse otimismo não é a única perspectiva apresentada pela revista. É possível também pontuar discursos dissonantes da tônica estabelecida na “Carta do editor”, como no texto “Realidade na Amazônia”, de Luis Carta,78 diretor editorial da Abril. Para Carta, o objetivo da revista era “documentar de maneira definitiva o momento mais dramático da vida da Amazônia” que estava perdendo sua condição de região isolada ao ser “invadida por estradas, cientistas, colonos, gado, mineradores, industriais”79. Desse modo, a revista tinha como proposta mostrar a história da floresta pelo ponto de vista do “herói diário, do seringueiro, do técnico, do pescador, do desempregado, do índio”80.
Os dois jornalistas apresentam, portanto, visões opostas. Civita defende a colonização, pois vê nela uma possível saída para a exagerada exploração de todo o globo terrestre, mas ressalta a importância de manter determinada harmonia com a natureza. Já Carta afirma que a floresta está sendo invadida e que, para sabermos melhor sobre essa situação, devemos ouvir os moradores da região. Embora a perspectiva de Civita domine a edição, é possível identificar que essa contrariedade de discursos se apresenta com determinada frequência na revista. Veremos que a visão de Civita reverbera, especialmente nos textos, enquanto o ponto de vista de Carta está presente em algumas das fotografias feitas pelo grupo de fotógrafos da revista.
A primeira seção
A primeira seção, sem denominação, apresenta alguns aspectos introdutórios sobre a região. Ela é inaugurada com “Amazônia, Opinião”81, um texto que procura manter um discurso imparcial ao apresentar diversas perspectivas sobre a colonização da floresta. Isso é feito por meio de trechos de entrevistas com figuras políticas de destaque. São compiladas afirmações que defendem a qualquer custo a construção das rodovias,82 enquanto outras criticam a falta de estudo prévio das construções e pontuam uma preocupação de ordem ambiental.83 Sobre a questão indígena, constatam-se desde a defesa da catequização dos povos originários84 até a demarcação de terras.85 Entretanto, no geral as opiniões defendem, em graus distintos, a aculturação dos povos.
O primeiro ensaio apresentado na revista recebeu o título de “Viagem ao planêta do verde, da água e do sol”86, e é formado por fotografias de paisagens da floresta amazônica. A maioria dessas imagens foram feitas por George Love, porém o ensaio ainda conta com fotografias de Jean Solari, Claudia Andujar e Maureen Bisilliat.
O ensaio se inicia com uma fotografia do pôr do sol (Figura 4), caracterizada por tons quentes. A página onde a imagem está impressa é dupla e se abre em uma dobra, apresentando uma nova imagem (Figura 5). Essa segunda fotografia nos chama a atenção por sua composição. Tirada de um avião, Love a cria a partir de um trecho do rio Amazonas em ângulo não usual, onde o horizonte se desloca para a direita e assume uma posição quase vertical. A fotografia ocupa, portanto, duas páginas, que dividem a composição ao meio. Na primeira página, é possível observar a superfície do rio e um forte reflexo do sol. Na segunda parte da imagem, são retratados o curso do rio, o horizonte, o céu e suas nuvens.


Essa imagem já nos dá pistas de algumas das fotos que virão, marcadas por enquadramentos pouco usuais. A variedade cromática das fotografias de Love, assim como algumas de suas composições, que tendem à abstração, reforçam a diversidade das paisagens amazônicas que o texto apresenta. Entretanto, em determinadas imagens (Figura 6), o grau de abstração é tão marcante que se fez necessário inserir legendas informativas, cuja objetividade na descrição das paisagens contrasta com as fotografias.

Esse aspecto abstrato não está presente em todas as fotografias que integram o ensaio. Algumas das imagens, de autoria tanto de Love quanto dos outros fotógrafos, apresentam paisagens da floresta onde é possível reconhecer com facilidade pássaros, árvores e quedas d’água.

O pequeno texto que acompanha o ensaio procura desvincular a ideia de que a região é um lugar monótono e formado apenas por mato. Para isso, exalta-se sua diversidade e riqueza, assim como a importância para o meio ambiente. É atribuído um aspecto de grandiosidade à Amazônia, sobretudo ao rio Amazonas, destacando também o tamanho da Ilha de Marajó, com seus 48 mil km². Adicionalmente, apresenta-se uma série de números relacionados à fauna e à flora da floresta. Além disso, esboça-se uma visão serena da região: “O viajante pode andar dias na mata ouvindo ruídos misteriosos, mas sem encontrar qualquer grupo de animais”87. A beleza das imagens, nesse discurso, pode ser entendida como um estímulo a uma visita do público, apresentando a floresta como lugar de paisagens sedutoras e diversificadas - e não o “inferno verde”, como era conhecida de modo geral pelo restante do país - e sem grandes perigos naturais, demonstrando determinado potencial turístico da região.
Por outro lado, a abstração das imagens de George Love também pode ser interpretada como um ponto dissonante dessa perspectiva, uma vez que elas apresentam uma série de elementos que parecem mais confundir do que representar a paisagem amazônica com maior clareza. Em depoimento para o fotógrafo Zé de Boni, Love chegou a comentar sobre as fotografias aéreas feitas para a revista.
O Raimundo Pereira, editor, me perguntava como seria possível fotografar a paisagem amazônica. E eu disse que, do meu ponto de vista, isso só poderia ser feito pelo ar, por causa da imensidão, da necessidade de deslocamentos numa área muito grande para obter uma variedade de imagens. Comparo isso hoje como se recebesse a missão de retratar a Terra. Voando, voando, voando… Quando voltamos com o material e após as primeiras reuniões, nosso intuito era que a revista ficasse fiel à impressão que havíamos tido lá… Eu escondia as fotos que não deseja publicar, como a da Transamazônica rasgando a selva, que o editor esperneava reclamando que eu não fizera, e que a Manchete88 já havia mostrado com certo furor. Eu tinha a mesma imagem. A edição [da Realidade Amazônia], de uns trezentos mil exemplares, sumiu das bancas no final do segundo dia. No terceiro, estava no mercado negro por três vezes o valor. No quarto dia discutia-se, na editora, a viabilidade de se fazer uma reimpressão. Para mim isso mostrava que, quando o impulso criador jornalístico é encarado com seriedade, vira comercialmente viável. A revista vendia como pipoca, quando se baseava na criação da equipe. Quando se seguia as exigências dos editores, a venda caía. Isso eu posso generalizar em todas as experiências que pude acompanhar. E vejo que hoje, mundialmente, a maioria totalitária dos empresários não quer acreditar nisso. E, na verdade, eles não estão interessados nessa história de verdades pessoais, mas sim em servir interesses próprios e de terceiros. Fazer o que?89
A declaração do fotógrafo é esclarecedora ao abordar questões fundamentais não só sobre suas imagens, mas também referentes ao processo de produção da revista. Love explica que escolheu fotografias aéreas para capturar a grandiosidade da floresta e optou por não publicar as imagens da construção da Transamazônica, apesar da reação exagerada de Raimundo Pereira. Além disso, a declaração de Love revela que o processo coletivo de produção da revista não ocorria nas edições anteriores, o que pode ter contribuído para as baixas vendas na segunda fase da revista. Sua postura também demonstra uma certa insubordinação, pois ele acreditava que a abordagem do editor para Realidade Amazônia poderia divergir daquela da equipe da primeira fase da revista, que foi a mais bem-sucedida comercialmente.
Importante ainda considerar que a postura de Love refletiu no conjunto de fotografias produzidas pela equipe da revista, uma vez que, como vimos, Love, Andujar e Bisilliat foram figuras centrais no processo de seleção das imagens. Isso se confirma ao verificarmos que, das 32 fotografias que retratam a construção das rodovias federais publicadas na revista, apenas nove foram tiradas pela equipe de fotógrafos, enquanto as outras 23 estão presentes nos anúncios.90 Algumas dessas imagens de anúncios (Figura 3a a 3h) mostram rodovias em longas perspectivas ou ocupadas por potentes tratores. Essa imagética se contrapõe à apresentada, por exemplo, por Claudia Andujar, que adota uma perspectiva mais humanizadora, retirando o destaque à rodovia para priorizar as pessoas que vivem em condições precárias ao seu redor, como veremos posteriormente.
Essa postura do trio pode ser explicada pelo fato de que todos os fotógrafos que integraram a equipe de Realidade Amazônia participaram do grupo da primeira fase da revista, considerada ousada e progressista. A declaração de Love nos leva a crer que havia um esforço, pelo menos por parte dele, em se manter o estilo de trabalho da equipe da primeira fase, agindo com certa resistência às exigências que foram estabelecidas através de meios repressivos depois de 1968.
A opção por retratar os moradores na região, em sintonia com o texto de Luis Carta, é evidente em várias fotografias presentes na edição da revista. Destacamos, especialmente, aquelas que compõem um mosaico nas páginas 58 e 59 (Figura 8). Nesse conjunto, é possível ver os retratos de diversas pessoas que, segundo a legenda, moravam na beira das estradas e dos rios.

As imagens fazem parte de uma reportagem intitulada “A nossa vida nos trópicos”91, que descreve o cotidiano em algumas regiões urbanizadas. Nela, é narrada a experiência dos repórteres nas três maiores cidades da região - Belém e Santarém, no Pará, e Manaus, no Amazonas -, acompanhadas por algumas fotografias desses locais.
O texto, que também se assemelha a uma crônica, comenta determinado charme e decadência das cidades, assim como destaca a convivência dos saberes tradicionais com tecnologias modernas. Além disso, são apresentados relatos sobre o cotidiano de alguns de seus moradores, com destaque para homens brancos migrantes e bem-sucedidos, com uma lista de vantagens de se morar nas cidades e as possibilidades de geração de renda na região. Nesse sentido, as imagens do mosaico diferem do que é apresentado no texto, pois nelas a maioria das pessoas são mulheres e crianças. Apenas três homens são retratados, e nenhum deles é branco. O que fica evidente nas fotografias é a diversidade étnica presente na população amazônica.
A segunda seção: “Amazônia, ontem”
A segunda seção da revista - a menor delas, com 16 páginas - recebeu o título de “Amazônia, ontem”, e conta apenas com o texto “A ocupação do mundo das amazonas”92. Esse artigo destoa de todos outros apresentados, pois é o único feito através de pesquisa exclusivamente bibliográfica e impresso em papel diferente - na cor, formato e gramatura -, sendo disposto como um livreto encadernado em meio às páginas da revista. Nele, é apresentada de forma romantizada a história de cinco homens considerados heróis da região amazônica, todos brancos e oriundos de outras regiões do país ou estrangeiros.93 É possível perceber como é reforçada a presença de não nativos como força motriz do desenvolvimento da região, algo que se torna recorrente na publicação. Desse modo, a revista busca contribuir com um dos principais objetivos do governo militar: incentivar a migração intensa ao apresentar trajetórias - em sua maioria exitosas e até mesmo heroicas - de migrantes. Essa seção não apresenta nenhuma fotografia, apenas algumas poucas ilustrações.
A terceira seção: “Amazônia, hoje”
A seção Amazônia, hoje, que ocupa 31 páginas da revista, apresenta um contraponto aos supostos heróis do passado. Nessa seção, são apresentadas as condições de vida dos ribeirinhos e trabalhadores, que ainda dependem do extrativismo como meio de subsistência.
Os retratos de pessoas moradoras da região se mantêm nessa seção. No entanto, o foco principal está nas situações precárias em que vivem ou nos momentos em que estão trabalhando como extrativistas. Nesse sentido, uma das fotografias de Amancio Chiodi é representativa (Figura 9). A imagem foi feita com uma lente grande angular e retrata uma família que vive na região do lago Aiapuá, no estado do Amazonas. Nela, podemos ver uma numerosa família sentada no chão de uma casa de madeira, com poucas paredes, fazendo suas refeições em círculo. O prato principal, uma caldeira de peixe com farinha, encontra-se ao centro da cena.

Se as fotografias denunciam a situação precária dos trabalhadores da região e suas famílias, os textos da seção projetam um contexto mais promissor, em que a extração de recursos naturais seria realizada por meio de máquinas modernas, uma prática que já estava sendo adotada em alguns pontos da floresta. A defesa da industrialização - ou da chamada racionalização da produção - é constante, quando se propõe, por exemplo, que sejam feitas grandes plantações de monoculturas de seringueiras e castanheiras, como em outros países, substituindo as árvores nativas que ocupavam uma área muito maior que as plantações. Embora se mantenha um constante discurso de humanização dos trabalhadores, o que parece estar por trás é a demonstração de que a região, riquíssima em recursos naturais, vivia uma condição de atraso e necessitava urgentemente de investimentos para que enfim pudesse se desenvolver economicamente. Embora seja percebida uma intenção em humanizar as pessoas envolvidas com o extrativismo, a fotografia de Chiodi acaba reforçando o aspecto de precariedade vivido por elas, ampliando o discurso de que os regimes de trabalho no local devem ser industrializados.
A terceira sessão ainda narra94 uma viagem de 11.600 km que relata a situação da fronteira da Amazônia brasileira, defendida pelas Forças Armadas, com cada um dos sete países limítrofes: Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
A quarta seção: “Amazônia, amanhã”
A quarta seção, “Amazônia, amanhã”, tem como foco o crescimento exponencial da mineração e da pecuária na região, e apresenta perspectivas para o futuro. A primeira fotografia da seção é de autoria de George Love e apresenta uma paisagem aérea marcada pelo uso experimental da cor. Ela integra a reportagem “A caça aos tesouros do subsolo amazônico: o grande acontecimento do mundo da mineração”95, que conta com apenas duas páginas. Nela, são apresentadas quatro imagens, uma de George Love e três de Amancio Chiodi. A fotografia de Love (Figura 10) é consideravelmente maior que as outras e ocupa grande espaço reservado à reportagem.

De acordo com o texto, a fotografia “poderia ser proibida”, uma vez que “forneceria pistas para revelar segredos do subsolo amazônico”96, fazendo referência ao fato de que o RADAM (Radar da Amazônia) produzia imagens semelhantes por meio de um avião especialmente equipado com câmeras e radares capazes de identificar as radiações do solo. O objetivo do governo era levantar dados sobre a geografia e os recursos da região, sobretudo os minerais. Eram dados que interessavam às grandes mineradoras estrangeiras, pois acreditava-se que os anos de 1970 seriam “os da grande corrida aos minérios da Amazônia”97. Por fim, a reportagem conclui que, apesar das aparências, a fotografia de George Love, feita na região de Santarém, seria inocente, por não ser feita com os equipamentos do RADAM, mas com filme infravermelho.
O RADAM foi a principal fonte de informações sobre a existência das jazidas minerais da floresta, cujas descobertas foram amplamente divulgadas pelo governo militar. De acordo com o jornalista Rubens Valente,98 o projeto era controlado pelo Ministério de Minas e Energia e pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, e seu principal objetivo era mapear as potencialidades naturais de uma região com cerca de 1,5 milhão de km2 em torno da rodovia Transamazônica, utilizando tecnologias como radares e filmes infravermelhos. No primeiro bimestre de 1975, o radar detectou sinais importantes da existência de minérios, especialmente urânio e ouro, no território yanomami.
A divulgação dessas descobertas é envolta em declarações polêmicas. Podemos citar, como exemplo, a do então governador de Roraima,99 coronel Fernando Ramos Pereira, datada de fevereiro de 1975: “Sou de opinião que uma área rica como essa não pode se dar o luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas atravancando o seu desenvolvimento”100.
Em janeiro de 1976, alguns meses depois de confirmar publicamente a presença de urânio na região,101 o ministro do interior, Rangel Reis, fez uma declaração desconcertante que reforçou a perversa política indigenista adotada pelo governo federal. Ele afirmou que os “índios não podem impedir a passagem do progresso”, e previu que “dentro de 10 a 20 anos não haverá mais índios no Brasil”102.
Esse tipo de declaração dos agentes políticos era frequentemente veiculado na imprensa, reforçando a ideia de que os indígenas eram um empecilho para o desenvolvimento econômico do país. Para o relatório da Comissão Nacional da Verdade, esse entendimento serviu de base para que os direitos humanos dos povos originários fossem violados pelo governo brasileiro.103
É nesse contexto que a Terra Indígena Yanomami foi invadida por exploradores. Em 1975, poucas semanas após as divulgações das descobertas do RADAM, os garimpeiros começaram a chegar na região dos Surucucus, e no ano de 1976 já se contabiliza mais de quatrocentos deles e duas pistas de pouso em pleno território.104
Jarbas Passarinho, que foi governador do Pará (1964-1965) e senador pelo mesmo estado (1967-1982), reconheceu, em 1993, que em decorrência da descoberta de ouro no território yanomami e da abertura da rodovia Perimetral Norte, metade dos habitantes da aldeia de Catrimani morreram devido a doenças que não são letais para os não indígenas, como a gripe. O ex-governador confirmou que a presença dos garimpeiros poluiu os rios com mercúrio e afastou a caça, causando fome e desnutrição aos indígenas. Passarinho assume: “contra nós avolumava-se a acusação de que praticávamos o genocídio.105 Não era exagerada a denúncia”106.
Na impossibilidade de utilizar o material produzido pelo RADAM, a fotografia de Love emula o tipo de imagem o que órgão produzia. Mesmo tida como inocente, a fotografia causa impacto visual poderoso. Ela se alinha ao conteúdo da breve reportagem e a outras imagens do avião equipado com o radar. Essa associação visa transmitir a mensagem de que o governo brasileiro estava investindo em alta tecnologia que facilitaria a exploração do território por “grandes emprêsas mundiais de mineração”107.
Nessa seção também são apresentadas a maioria das fotografias da Transamazônica e de outras rodovias feitas pela equipe de fotógrafos. Das nove fotografias que aparecem em toda a revista, cinco estão nesse segmento. A maioria delas é pequena, ocupando menos de um quarto da página, mas uma em específico chama a atenção pelo tamanho, composição e cor. A fotografia (Figura 11) é de autoria de Claudia Andujar e integra a reportagem “Estradas: cinco como a Transamazônica”.

A imagem retrata uma mulher acompanhada por quatro crianças. De acordo com a legenda, elas são colonas na Transamazônica e residem nas proximidades da cidade de Altamira, no Pará. As cinco pessoas estão em fila, acompanhando a extensa perspectiva da estrada. As crianças seguram o que aparenta ser um pedaço fino e longo de madeira ou até mesmo um cano, como se estivessem aproveitando restos deixados pela construção da estrada. A mulher, que se encontra no final da fila, evita encarar a lente de Andujar. A criança que lidera o grupo também desvia o olhar. Os pés estão descalços, tocando o chão coberto por pedregulhos. As roupas, as peles das pessoas e a terra têm a mesma cor, como se fossem feitas do mesmo material.
A reportagem ainda conta com mais três outras fotografias de Andujar, nas quais podemos observar trabalhadores envolvidos na hercúlea atividade de construção das rodovias. O texto informa que a ideia de construir uma estrada para ligar os extremos navegáveis dos grandes afluentes da margem direita do rio Amazonas partiu de um dos funcionários do Departamento de Estradas de Rodagem do Pará, o alemão Friedrich Hoepke, tido como “um desses estrangeiros extraordinários que se apaixonaram pela Amazônia”108. Segundo o texto, o anúncio da construção da Transamazônica ocorreu em junho de 1970, um mês após o falecimento de Hoepke. Além dos planos iniciais, foi acrescentado que a rodovia deveria ligar o “nordeste sêco e supervoado à Amazônia úmida e desabitada”109. A estrada, assim como todas as outras que estavam sendo construídas ou planejadas, foi entendida como “uma espécie de convite para a colonização da selva”110, e deveria tirar do isolamento as cidades da região.
Desse modo, percebemos a oposição entre as imagens e o texto, especialmente a grande imagem com as colonas na rodovia. Enquanto o texto enaltece a influência dos “extraordinários estrangeiros” no plano de colonização da floresta, as fotografias apresentam as pessoas comuns diretamente envolvidas na construção das estradas. Essas pessoas são tanto moradoras das margens das estradas ou trabalhadores que empregam sua força para contribuir na concretização do plano militar.
O último parágrafo, que encerra a seção, apresenta um resumo do que havia sido discutido ao longo do exemplar e como a revista, especialmente os jornalistas, via com grande empolgação a colonização da região.
Em Altamira termina o nosso filme de andanças pela Amazônia de ontem, hoje e amanhã. É uma história sem conclusão, porque está em andamento. A tentativa atual de conquista definitiva não é a primeira. Mas nunca foi tão espetacular; as maiores companhias mineradoras do mundo investindo e disputando bilhões de cruzeiros; os maiores grupos industriais do sul do país construindo as superpastagens da maior aventura da pecuária mundial no momento; milhares de quilômetros de estradas sendo abertos no coração milenar da floresta; um plano de colonização que prevê um deslocamento humano comparável ao êxodo do povo hebreu. Qual será o resultado? Alguma coisa que pode não ser a melhor nem a desejável, mas que parece grandiosa e destinada a ter grandes conseqüências, foi irreversivelmente disparada na Amazônia.111
A quinta seção: “Amazônia, problemas”
Para entender os possíveis rumos desse plano de colonização, tido como espetacular e grandioso, a revista traz a quinta seção, “Amazônia, problemas”, uma das maiores, com 89 páginas. Esse longo segmento busca apresentar ao leitor não apenas os principais desafios que deveriam ser encarados, como também meios de os resolver.
A primeira reportagem, “Os estrangeiros (um fato) roubam a Amazônia (uma opinião). Roubam mesmo? (uma questão)”112, já apresenta no título um recurso retórico que busca retirar os estrangeiros da condição de ladrões da região, como eram vistos de modo geral pela população.113 O início do texto destaca a contradição do povo brasileiro, que vê como figuras pacíficas os estrangeiros que fazem parte do cotidiano urbano, e que, ao mesmo tempo, os consideram vilões quando vistos na Amazônia. A reportagem tenta, portanto, conferir ao estrangeiro radicado na floresta uma imagem pacífica. Essa tentativa é feita por meio de um jogo discursivo, estabelecido entre texto e imagem, que demonstra a destreza dos editores em usar a fotografia como ferramenta ideológica. A reportagem conclui: “Finalmente saímos atrás dos estrangeiros. Êles estão nas páginas seguintes”. Ao virarmos a página, temos uma fotografia que ocupa quase a totalidade da página dupla (Figura 12).

A fotografia, feita por Amancio Chiodi,114 retrata dezenas de crianças brancas, com a maioria sendo loiras. Essa cena nos remete, por contraste, àquela dos ribeirinhos apresentada anteriormente (Figura 9), produzida pelo mesmo fotógrafo. As duas foram feitas com lentes grande angulares, e o ângulo da câmera foi posicionado de cima para baixo. Uma diferença fundamental está na coloração. A fotografia das crianças nativas é em preto e branco, acentuando o caráter dramático da imagem, ao passo que a imagem das crianças estrangeiras é colorida, contribuindo para uma sensação de alegria intensificada pelos sorrisos de muitas delas. As crianças nativas estão retratadas como se estivessem em uma situação de profunda precariedade, enquanto as estrangeiras desfrutam de ótimas condições de vida em plena floresta - ao menos é o que indicam as suas alinhadas roupas. Elas são filhas dos missionários estabelecidos na floresta, de diferentes nacionalidades, entre canadenses, estadunidenses, inglesas e irlandesas.
Nas páginas seguintes, encontram-se fotografias e textos que se referem a estrangeiros adultos levando uma vida simples e ocupando funções como as de missionários, pescadores e até um futurólogo. Tudo sugere que eles seriam tão inofensivos quanto as crianças retratadas na fotografia. Na mesma reportagem, também são abordadas as grandes mineradoras estrangeiras115 que dominavam a extração de minério de ferro e alumínio. Logo em seguida, um extenso texto116 descreve o cotidiano do estadunidense Daniel Ludwig na Amazônia, um dos maiores latifundiários no mundo naquela época.
Desse modo, o problema da invasão internacional é tratado como um equívoco, uma vez que a revista procura desmistificar a ideia de que os estrangeiros estariam na floresta para roubá-la. A publicação defende que sem a presença de pessoas de outros países, a região não seria capaz de alcançar o desenvolvimento econômico.117 Discurso que remete às operações verdeamarelistas, apontadas por Marilena Chauí, que se referem à condição periférica e subordinada do Brasil frente ao capital internacional.
A seção ainda apresenta diversos outros impasses. A questão da caça ilegal seria resolvida com a criação de animais em cativeiro para posterior exportação118 ou por meio da transformação da região em um local turístico. Embora não detalhadas, as soluções para o desmatamento e a previsão da infertilidade do solo deveriam ser criativas, fugindo do tradicional. Isso também contribuiria para a situação do povoamento da região, promovendo condições mais sustentáveis e atraindo colonos de forma contínua.119 Quanto à instalação de indústrias e à urbanização, a revista apresenta propostas utópicas, que parecem ter sido retiradas de filmes de ficção científica, como a construção de indústrias e cidades móveis que percorreriam rios e céus, utilizando estruturas flutuantes ou sustentadas por balões.120 O tema das populações indígenas suscitou uma resposta mais crítica da revista, revelando sua discordância em relação às intenções governamentais de integração por meio da reportagem “A última chance dos últimos guerreiros”121, que contou com fotografias feitas por Claudia Andujar.
A fotógrafa viajou durante seis meses para produzir as imagens, percorrendo os 850 km do rio Negro que separam Manaus da cidade de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.122 Ainda em Manaus, ela foi informada da morte de um padre salesiano, que trabalhava em uma missão religiosa em Maturacá, uma aldeia yanomami distante 150 km de São Gabriel da Cachoeira. Assim, com o objetivo de registrar os conflitos em torno da morte do padre, a fotógrafa chega à região, mas o contato com os indígenas a faz mudar de pauta. Isso apesar de ela ter sido advertida pelos editores a não produzir fotografias de indígenas, tendo em vista que a situação política da época era sensível.123 Essa situação aponta que Andujar, assim como George Love, também teve uma postura de insubordinação, ao abordar um tema rejeitado pelos editores da revista.
As imagens124 acabaram sendo publicadas, e uma delas foi escolhida para a capa da revista, como já vimos. Segundo a fotógrafa, elas foram aceitas “porque eram índios bonitos, ainda não havia interferência, eram índios de primeiro contato. Então foi aceito… E esquecemos o padre”125. Essa é a primeira vez que Andujar fotografa os Yanomami, povo com quem manterá forte relação durante toda a sua trajetória como fotógrafa e ativista.126
Ao todo, a reportagem contou com quatro fotografias (Figuras 13 a 16), duas delas ocupando uma página inteira cada. As outras duas foram impressas em páginas duplas, todas sangradas. Segundo o texto, os retratos são dos aharaibus, uma comunidade yanomami127 que vivia no alto do Rio Negro, região que seria cortada pela rodovia Perimetral Norte. A fotografia inicial da reportagem (Figura 13) exibe um rosto em close de um Yanomami que nos encara com confiança, como se nos cobrasse por respostas, como bem aponta a pesquisadora Thais Camargo.128




O artigo constitui uma das raras críticas explícitas à colonização da região apresentadas na revista. Logo no título, o extermínio se faz presente ao destacar a luta pela sobrevivência daqueles que seriam os últimos remanescentes da floresta. O texto da reportagem ocupa cinco páginas completas e traça um longo histórico dos indígenas em território brasileiro, especialmente na Amazônia, considerada o último refúgio desses povos. Essa trajetória histórica é interpretada como uma tragédia.129 São abordadas as explorações e a matança indiscriminada pelas quais os indígenas passaram por três séculos, citando exemplos de escravização na capitania de São Vicente e algumas guerras, como a Guerra dos Tamoios, que resultou na morte de todos os indígenas envolvidos. Também são listados extermínios causados por invasões e doenças, como a varíola. O texto ressalta que essa situação se altera parcamente quando a mão de obra dos indígenas começa a ser substituída pela dos africanos escravizados, mas afirma que ainda ocorreram muitos massacres, alguns deles legalizados, quando houve confronto de interesses por terras indígenas, situação que teria persistido até aquele momento.
A pessoa autora do texto ainda lamenta que o governo brasileiro, durante os anos 1970, tenha adotado uma integração imediata, forçando a população indígena a “participar do esforço do desenvolvimento nacional”130, destoando de orientações de determinadas convenções internacionais que defendiam uma integração mais lenta, humanizada e voluntária.
Ao final, a reportagem volta a relatar episódios de violência ao afirmar que a construção das rodovias Transamazônica e Perimetral Norte atravessaria diversos territórios indígenas. O texto critica a contraditória política da Funai, que defendia que a assistência aos povos originários não deveria obstruir o desenvolvimento nacional, apontando que o papel da fundação era evitar conflitos.
Claudia Andujar optou por apresentar fotografias que contrastam com o discurso denunciatório da reportagem, visto que os Yanomami estão representados em situações cotidianas de repouso, afeto e alegria. Ao serem justapostas ao texto, essas imagens ganham um aspecto melancólico, pois registram momentos de uma tranquilidade que estaria próxima do fim. A última imagem da reportagem apresenta um detalhe que pode passar desapercebido, mas é representativo.
Na fotografia (Figura 16), uma mulher mexe nos cabelos de um homem, enquanto ele segura um bebê que, por sua vez, está sendo amamentado por ela. Tanto a mulher quanto o bebê usam colares indígenas. Já o homem tem um terço católico em seu pescoço, com a cruz posicionada na altura de sua barriga. Isso sugere que os Yanomami da região estavam em contato com religiosos. É notável que o homem tenha trocado o colar indígena por um terço, um gesto que simboliza como os missionários atuaram para substituir a cosmovisão e cultura yanomami pelos ensinamentos da fé católica.131
Passados mais de cinquenta anos da publicação, é possível afirmar que a pessoa autora da reportagem tinha razão ao temer o extermínio dos Yanomami em decorrência da colonização da floresta amazônica. Centenas de pessoas foram atingidas diretamente com a construção da Perimetral Norte. Segundo o Relatório da Comissão Nacional da Verdade, a Funai não realizou campanhas de vacinação adequadas e não promoveu ações de controle sanitário para os trabalhadores que entraram em contato com os Yanomami. Além disso, houve falhas consideráveis no controle do acesso de pessoas não autorizadas na região, no apoio às missões religiosas que auxiliavam os indígenas e no fornecimento de suporte adequado para lidar com os momentos de crise durante o período de construção da estrada.132
O xamã Davi Kopenawa deu um depoimento sobre a tragédia causada pela construção das estradas.
Eu não sabia que o governo ia fazer estradas aqui. Autoridade não avisou antes de destruir nosso meio ambiente, antes de matar nosso povo. […] A Funai, que era pra nos proteger, não nos ajudou nem avisou dos perigos. Hoje estamos reclamando. Só agora está acontecendo, em 2013, que vocês vieram aqui pedir pra gente contar a história. Quero dizer: eu não quero mais morrer outra vez.133
O contundente depoimento do líder yanomami não apenas evidencia a revolta de seu povo, mas também sua força e resistência ao sobreviver a tantos ataques sistemáticos.
A sexta seção, “Amazônia, Indicações”, e o suplemento especial
A sexta seção da revista, “Amazônia, Indicações”134, configura-se como um panorâmico guia informativo, com a apresentação de dados que indicam a grandeza da floresta. Segundo um anúncio veiculado no Jornal do Brasil, esse segmento foi desenvolvido para o público escolar,135 o que explica seu caráter enciclopédico. Nela, há uma presença massiva de anúncios, que por vezes se confundem com os textos. Estes, por sua vez, têm a função de apresentar dados sobre a região, mas também de esclarecer equívocos acerca de animais perigosos e doenças, informando ao provável leitor que desejasse colonizar, ou apenas visitar a região, que a viagem e a estadia poderiam ser encaradas com mais tranquilidade. Os dados são organizados em três grandes grupos divididos em assuntos específicos: ambiente (clima, relevo, rios, floresta, fauna, salubridade e população), economia (extrativismo, agricultura, pecuária, indústria, madeiras, minérios, estradas, portos e pesquisa) e turismo (barcos, roteiro, comidas, frutas e a Zona Franca de Manaus). As fotografias que integram essa seção são, na grande maioria, dos anúncios. Nelas, é possível observar estradas de terra no meio da imensidão da mata, rebanhos de gado, carros e caminhões. As poucas fotografias produzidas pela equipe da revista apresentam paisagens áreas, trabalhadores locais e uma plantação da região.
Por fim, temos “A conquista da última fronteira: o mais poderoso rio do mundo”, um suplemento especial com mapas, que configura a última seção da revista. Os mapas impressionam pelo nível de detalhamento: são apresentadas centenas, talvez milhares de cidades, portos, rios, minas, fazendas, além dos trajetos previstos das estradas e alguns curtos comentários sobre diversas regiões.
Analisando de modo geral as sessões, podemos concluir que a revista se encaixa na ideologia verdeamarelista, explicitada por Marilena Chauí, ao investir na ideia de “Brasil Grande”, destinado a atrair investimentos oriundo de outras regiões do país e especialmente do capital internacional. Isso se dá através do estabelecimento de um caminho discursivo que busca defender a colonização da floresta através de sua ocupação industrial, mineradora e agropecuária. As sessões partem do princípio de que não se deve perder a oportunidade de extrair a riqueza que integra nosso território. Os caminhos sugeridos são fundamentados em discursos retóricos que constantemente buscam justificar os motivos da colonização, através de dados que apresentam a grandeza da região e de declarações que revelam a possibilidade de um migrante viver e fazer fortuna na floresta. Em contraposição, são apresentados textos e fotografias que assumem a função de demonstrar a situação de pobreza dos habitantes de um território que, contraditoriamente, é rico em recursos naturais. Assim, a construção acelerada das estradas e a segurança da fronteira, garantida pelas Forças Armadas, contribuiria para a promoção do desenvolvimento econômico da Amazônia e, consequentemente, do país. As projeções para o futuro também são apresentadas na revista com grande empolgação. Ainda são listados os principais desafios que deveriam ser encarados para a colonização, como também meios de os resolver. Alguns desses problemas são tidos como equívocos; para outros, há sugestões de resolução, com ações utópicas e inexequíveis; e ainda há os que apenas são mencionados, com a projeção de resoluções criativas e sustentáveis, sem detalhes de como deveriam ser postas em prática. A revista apresenta ainda um panorâmico guia informativo, com a apresentação de dados que indicam a grandeza da floresta e mapas que detalham a região, que parecem funcionar também como meio para que os empresários se sintam incentivados a explorar a floresta.
No que se refere às fotografias, pudemos observar que elas nem sempre se alinham a esse discurso. Talvez seja por esse motivo que elas tenham passado a figurar em outros meios, que defendiam as causas ambientais e indígenas de maneira mais explícita.
OUTROS USOS DAS MESMAS IMAGENS
As fotografias produzidas por George Love e, especialmente, Claudia Andujar foram posteriormente utilizadas em diversas ocasiões, mostrando o potencial que as imagens têm em não se alinhar ao discurso ideológico imposto pela Realidade Amazônia. Embora tenham sido usadas, a princípio, em situações que apoiavam a colonização da floresta,136 posteriormente foram veiculadas em meios que questionam a política dos militares em relação à Amazônia. Entre eles, podemos mencionar o livro A política de genocídio contra os índios do Brasil,137 lançado no ano de 1976, que serviu como modo de denunciar internacionalmente138 a violenta política indigenista brasileira. Duas fotografias dos Yanomami feitas por Claudia Andujar, previamente publicadas na Realidade Amazônia, foram incluídas no livro. Uma delas é a fotografia da capa da revista, que integrou a capa do livro (Figura 17), e a outra é um recorte da fotografia que apresenta uma mulher amamentando uma criança enquanto mexe nos cabelos de um homem (Figura 18).


A política de genocídio contra os índios do Brasil foi publicado pela Associação de Ex-presos Políticos Antifascistas (AEPPA), sediada em Portugal.139 A publicação foi escrita por antropólogos que optaram por não divulgar seus nomes devido ao regime repressivo no Brasil.140 Para eles, o que estava acontecendo na Amazônia caracterizava crime de genocídio. O apelo expresso é muito semelhante ao que clamamos hoje diante das ações do governo do ex-presidente Bolsonaro contra os povos indígenas. Eles pressionavam para que os responsáveis pela política indigenista do governo militar fossem investigados e submetidos a julgamento.141
Em 1976, quando o livro foi lançado, Claudia Andujar já não atuava como fotógrafa. Seu primeiro contato com os Yanomami redefiniu sua trajetória. A partir daí, ela se dedicou a estudar e fotografar o povo em seu território, realizando estadias que duravam meses. Nesse período, ela já estava profundamente envolvida com os indígenas e contribuía para a luta contra os ataques que sofriam.
Uma das formas que Andujar encontrou para contribuir com a defesa dos povos indígenas foi por meio da divulgação de suas fotografias, que foram utilizadas em diversas publicações e cartazes em prol da causa indígena. A capa do livro A política de genocídio contra os índios do Brasil foi uma delas. No ano de 1978, Andujar publicou três livros que também serviram como meios de divulgação da causa indígena. São eles Yanomami: frente ao eterno, com suas fotografias; Mitopoemas Yãnomam, apresentando desenhos feitos pelos Yanomami; e Amazônia, feito em parceria com George Love.142
Também em 1978, Claudia Andujar cria, em conjunto com o missionário Carlo Zacquini e o antropólogo Bruce Albert, a Comissão para a Criação do Parque Yanomami (CCPY), na qual assume a função de coordenadora.143 No ano de 1979, toma a frente da campanha nacional e internacional em defesa do povo Yanomami através da CCPY144 e entrega ao ministro do interior, Mário Andreazza, o projeto de criação do parque.145 Entretanto, o território yanomami só foi demarcado treze anos depois, em 1992.
Desde a promulgação, esta demarcação tem sido alvo de diversas tentativas por parte de Jair Bolsonaro para ser revogada,146 algo que, felizmente, nunca se concretizou. No entanto, o território foi sistematicamente invadido por garimpeiros nos anos de seu governo. É justamente em meio a essa nova e tensa situação que o retrato da jovem yanomami, feito por Andujar, voltou a circular nas bancas de jornal, através do lançamento de uma versão fac-similar de Realidade Amazônia(Figura 19), ocorrido em setembro de 2020.

Ao analisar a reedição, percebemos, imediatamente, as diferenças entre ela e a original. A nova edição é consideravelmente mais fina e com formato um pouco menor (20,5 x 26,5 cm). Das 342 páginas originais, sobraram apenas 130. Ao folhearmos a nova versão da revista, percebemos que todos os anúncios foram retirados, o que reduziu um terço de seu volume.
Uma análise mais detida, no entanto, aponta que alguns trechos e reportagens também foram suprimidos. Essas supressões são reveladoras. Entre elas, podemos destacar duas: a “Carta do editor”, escrita por Victor Civita; e a reportagem “Dizem que êle tem um exército secreto no País. Mas o que êle tem é um País”147, que descreve a atuação do empresário estadunidense Daniel Ludwig. Vimos que o texto de Civita informa um dos principais objetivos da edição especial, desmistificar a presença estrangeira na Amazônia. Já a reportagem parece ter sido escrita para cumprir esse objetivo, pois narrava como o empresário estava construindo um grande latifúndio148 na floresta. Ludwig foi desenhado como uma espécie de herói contemporâneo, que estaria contribuindo para o desenvolvimento econômico da região, independente da devastação promovida.
Ao considerar essas supressões, entendemos que a editora parece querer apagar de sua trajetória a defesa que fez da colonização da floresta. O texto de apresentação da reedição menciona a “ousadia” da equipe em tratar de assuntos polêmicos como, por exemplo, a Amazônia, “um desses temas espinhosos”149. Já o texto que encerra a reedição distorce os fatos, ao afirmar que o “Especial REALIDADE Amazônia já alertava sobre a urgência da manutenção dessa grande reserva natural”, apresentando “matérias profundas, que revelavam a abertura de extensas rodovias no coração da região, a instalação de inúmeras fazendas de gado e a corrida em busca da exploração de minérios”150. Como vimos, as reportagens da edição original podem até ser consideradas profundas, mas a revista, na realidade, não defendia a preservação da floresta, a não ser em passagens específicas.
Outro ponto importante que deve ser considerado é o momento no qual o fac-símile foi lançado. Apenas entre agosto de 2020 e julho de 2021, uma área da floresta amazônica equivalente a nove vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro foi desmatada, marcando o ápice de uma década em termos de devastação. Sabemos que essa situação foi sistematicamente apoiada pelo governo de Jair Bolsonaro, que atuou em prol da exploração da floresta e do extermínio das populações indígenas, assim como o governo militar. Ou seja, em um momento que parece ser uma reedição da ditadura, é relançada uma revista que buscou promover justamente os interesses daquele regime. Assusta-nos a similaridade entre o momento atual e aqueles tenebrosos anos de repressão. Preocupa-nos o esforço de certas instituições para apagar as atrocidades promovidas pelos ditadores.
Marcelo Zelic alerta que há um ciclo contínuo de violência e exploração sofridas pelos indígenas que se repete constantemente, desde a época da ditadura militar.151 Segundo o pesquisador, sempre que surge uma denúncia tão grave como a que vimos no início de 2023, um ciclo de ataques contra os indígenas se fecha e inaugura-se um novo. Esse padrão resulta em violações contínuas dos direitos humanos dos Yanomami, que ocorrem há mais de cinquenta anos, devido às explorações predatórias das riquezas presentes em seu território. As ações e omissões do Estado, juntamente com estímulos a terceiros, contribuem para essa perpetuação da violência.152
De acordo com Zelic, Bolsonaro é responsável pelo crime de genocídio contra os Yanomami, já que a precarização do sistema de saúde que atendia essas comunidades acelerou o ciclo de desmobilização das ações preventivas. O pesquisador afirma que desde antes da promulgação da Constituição, em 1988, não ocorria uma sabotagem de ações públicas da saúde dos indígenas durante a execução das ações exploratórias.153
Esse ataque recente aos Yanomami foi exposto principalmente através de fotografias. As imagens desse extermínio em curso foram amplamente divulgadas. Durante os meses de janeiro e fevereiro de 2023, era comum entrarmos em redes sociais como o Instagram e o Twitter e nos depararmos com imagens de corpos esqueléticos e extremamente frágeis. Algumas dessas imagens que viralizaram foram feitas pelos próprios indígenas ou por profissionais de saúde que conseguiram atuar na Terra Indígena Yanomami, mesmo com a presença de mais de 20 mil garimpeiros ilegais na região. Elas foram publicadas na reportagem “Não estamos conseguindo contar os corpos”, de Talita Bedinelli, Eliane Brum e Ana Maria Machado,154 produzida pela plataforma de jornalismo Sumaúma. As jornalistas informam que a divulgação das imagens ocorreu apenas após a obtenção de autorização das lideranças indígenas. Algumas das fotografias mais impactantes não foram publicadas, seja por apresentarem risco de retaliação a seus autores, seja por não se adequarem aos preceitos éticos dos Yanomami.
Esse posicionamento reforça nossa intenção de demonstrar como a fotografia pode ser entendida como uma consistente ferramenta política. Nesse caso específico, ela procurou servir ao desejo dos próprios Yanomami em divulgar a situação de crise vivida, como forma de pressionar o governo e a sociedade civil a tomarem providências. Entretanto, esse controle dos indígenas sobre sua própria imagem fotografada é algo raro. Nesse sentido, é importante ressaltar a importância do trabalho de Claudia Andujar, que se dispôs a conviver com os Yanomami e conquistar sua confiança para depois fotografá-los.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da Realidade Amazônia nos permitiu constatar que a revista teve como principal função convencer seus leitores de que a colonização da floresta deveria ser feita por empresas privadas, nacionais e estrangeiras, por meio de plantações de monoculturas, instalação de fábricas e abertura de pastos e áreas de mineração. Essa constatação nos permite afirmar que a Realidade Amazônia estava filiada ideologicamente ao governo militar, servindo como meio não apenas para defender a colonização da região, mas também na proposição de como essa exploração deveria ocorrer. Nesse sentido, foi possível observar que a revista levantou uma série de problemas e obstáculos a serem encarados pela sociedade, propondo caminhos que muitas das vezes não eram viáveis. Também pudemos observar como havia uma indissociabilidade do discurso oficial do governo com as reportagens e os anúncios publicitários.
Contudo, percebemos que algumas das fotografias estampadas na revista constituíram elementos dissonantes dentro desse discurso. Verificamos que tanto George Love quanto Claudia Andujar demonstraram certa insubordinação em relação aos editores da revista. Love escolheu ocultar fotografias da Transamazônica, enquanto Andujar fotografou a população indígena, desconsiderando a advertência que recebeu. Também foi notado que o casal, em conjunto com Maureen Bisilliat, adotou uma postura mais autônoma no que diz respeito à seleção das fotografias que integraram a Realidade Amazônia. Isso fica evidente pela representação da rodovia, com poucas imagens e destaque limitado. O grupo optou por apresentar imagens que colocassem os habitantes da região como protagonistas, em consonância com o texto de Luis Carta que mencionamos no início deste artigo. Deve-se considerar que as fotografias selecionadas não são capazes de mostrar a história da Amazônia pelo ponto de vista dos nativos e imigrantes locais, como desejava Carta, uma vez que elas representam a perspectiva dos próprios fotógrafos. Contudo, é evidente que esses fotógrafos buscaram humanizar essa população, frequentemente se opondo à tônica geral de incentivo à colonização predatória adotada pela grande maioria dos textos e dos anúncios.
Mas também foi observado que essa oposição não está presente em todas as fotografias. Algumas delas contribuem para reforçar visualmente os discursos presentes nos textos das reportagens. É importante considerar ainda que a maioria das fotografias estampadas na Realidade Amazônia integram os anúncios, que, em boa parte, fazem uma defesa explícita do processo de colonização. O que se pode concluir é que, no geral, a revista incentiva a colonização da floresta de modo veemente, e, em determinadas passagens, as fotografias da equipe se colocam como um contraponto a esse incentivo.
Essa análise nos parece inédita, pois não identificamos na bibliografia consultada nenhuma referência a um apoio sistemático da revista ao governo ditatorial, a não ser em passagens pontuais, como observado por Migotto Filho,155 nos perfis dos ditadores escritos por Luiz Fernando Mercadante. Há de se considerar que esse alinhamento é consequência direta da repressão promovida pelos militares, que pressionaram a equipe de jornalistas a abandonar os temas polêmicos.
Todas essas questões nos ajudam a compreender o modo como a floresta era vista, não apenas pela Realidade, mas pelos empresários e pelo governo militar. Também ajudaram a construir a opinião pública sobre o que deveria ser feito com a região. É difícil identificar como essa construção se deu, mas o fato de a revista ter sido um grande sucesso de vendas e premiada nos dá pistas de que esse objetivo foi alcançado. Hoje, com a ampla divulgação das pautas das questões indígena e ambiental, pode nos parecer fácil identificar os absurdos estampados nas páginas de Realidade Amazônia. Mas há de se considerar que, naquele período, a defesa de tais ideias parece ter sido naturalizada pela sociedade, de modo geral, e acreditamos que a revista foi um veículo importante de difusão dessa mensagem.
Contudo, as fotografias produzidas para a revista não se restringiram ao respaldo da colonização da floresta. Esse aspecto pode ter sido um ponto crucial para a posterior utilização das imagens em meios que denunciavam a exploração da floresta. Um exemplo notório é o uso das fotografias de Andujar na capa e no miolo do livro-protesto A política de genocídio contra os índios do Brasil, que como vimos, pressionavam para que houvesse um julgamento da trágica política indigenista do governo militar.
Mesmo sob a ameaça da tese do marco temporal,156 um movimento similar parece estar ganhando força mais uma vez. A pressão para investigar as ações de Bolsonaro, especialmente em relação aos Yanomami, aumentou significativamente desde a divulgação da situação de crise sanitária apresentada em janeiro de 2023, embora tenha sido ofuscada em meio a tantas outras denúncias de crimes que ocorreram nos anos de governo do ex-presidente. Marcelo Zelic entende que esse período pode ser um momento-chave para que o governo brasileiro abandone de fato a cartilha de extermínio dos povos indígenas repetida desde a ditadura. Um dos indícios dessa mudança é a criação do Ministério dos Povos Indígenas, comandado por Sônia Guajajara, a primeira indígena ministra de Estado. Para o autor, deve ainda haver uma Comissão Nacional Indígena da Verdade para investigar os crimes do Bolsonaro. Zelic entende que, ao repetir a impunidade, os ciclos promotores de genocídio também tendem a se repetir.157
Embora não possa extinguir esses ciclos, a análise do papel da fotografia dentro deles é capaz de torná-los mais visíveis e, assim, evitar que sejam esquecidos.
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Notas
Autor notes