EDITORIAL

Apresentação

Foreword

MARIA APARECIDA DE MENEZES BORREGO
Universidade de São Paulo, Brasil
DAVID RIBEIRO
Universidade de São Paulo, Brasil

Apresentação

Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, vol. 32, e41, 2024

Museu Paulista, Universidade de São Paulo

O volume 32 de Anais do Museu Paulista : História e Cultura Material chega aos leitores visualmente renovado. As mudanças propostas pelo projeto editorial visam não só potencializar a legibilidade e a acessibilidade dos artigos que circulam em meio digital, com a alteração de tipografia e espaçamento entre linhas, mas também alinhar a revista à nova identidade visual aplicada ao Museu Paulista desde 2022. O corpo editorial igualmente apresenta-se sob nova configuração. Paulo César Garcez Marins, que esteve à frente do periódico desde 2005 e coordenou a publicação de 35 números e de 538 artigos, deixa o cargo de editor em 2024. Maria Aparecida de Menezes Borrego, com onze anos de experiência na editoria dos Anais , passa a dividir a responsabilidade com David William Aparecido Ribeiro, contando com a competência de Virginia de Carvalho Ferraz como assistente editorial.

Outra novidade, que representa uma grande conquista para esse periódico centenário, é a disponibilização online gradual dos artigos publicados entre 1922 e 1987, que até então se encontravam impressos e de difícil acesso aos pesquisadores. Fruto dos trabalhos de digitalização empreendidos por Anderson Issao Tanaka, da individualização dos artigos por Gabriel Licastro, da atribuição do DOI (Identificador de Objeto Digital) pela equipe da Agência de Bibliotecas e Coleções Digitais da USP, e da coordenação da assistência editorial dos Anais do Museu Paulista , os chamados tomos históricos já podem ser acessados no Portal de Revistas da USP 1 e em várias plataformas digitais e serão integralmente disponibilizados até o final de 2025.

O presente volume conta com 37 artigos distribuídos em três seções: Estudos de Cultura Material, Museus e Conservação e Restauração. A seção Estudos de Cultura Material conta com dois dossiês e artigos livres. Paulo César Garcez Marins e Marly Rodrigues coordenam o conjunto de artigos intitulado “Ipiranga: de arrabalde a lugar de memória” que “apresenta reflexões em torno do amplo projeto de monumentalização do Ipiranga e do esforço público e estatal em transformá-lo em um lugar de memória compatível com as pretensões das elites dirigentes” 2 nos anos iniciais do século XX. Integram o dossiê textos de Marly Rodrigues, Andréa de Oliveira Tourinho e Walter Pires, Michelli Cristine Scapol Monteiro e Renato Brancaglione Cristofi. O segundo dossiê, “Produzir, acumular e transmitir conhecimentos no Império português: práticas materiais, artefatos visuais e criatividade”, foi organizado por Iris Kantor e Gisele Cristina da Conceição e reúne artigos que abordam uma complexa “rede de agentes – naturalistas, médicos, missionários, cartógrafos e comunidades locais – engajados na disseminação de saberes que conectavam as diferentes partes do império português, e inseriam Portugal num circuito global” 3 no período moderno. Além de Gisele Cristina da Conceição, participam como autores Breno Leal Ferreira, Nina Vieira, Ana Catarina Garcia e Cristina Brito, Fabiano Bracht, Monique Palma, Júnia Ferreira Furtado e Artur Henrique Barcelos.

Os artigos livres versam sobre a transferência de tecnologias e a adaptação de métodos construtivos no Brasil ao longo do século XX; a instalação e o funcionamento de equipamentos e eventos culturais na cidade de São Paulo nesse mesmo período; as dinâmicas espaciais que se conformaram no território em tempos coloniais e no início do Império; a circulação e a transmissão de conhecimentos científicos e artesanais em contextos espaço-temporais distintos. Embora muito variados em termos de objetos de estudo, abordagens e periodizações, os artigos ensejam a discussão de temas afeitos à cultura material como mediadora de práticas sociais.

Joelmir Marques da Silva, Jônatas Souza Medeiros da Silva, Italo Cintra Ferreira, Pollyana Martins da Silva examinam a concepção inicial, a construção e o uso da Praça do Derby em Recife, entre os anos 1920 e 1930, antes do projeto paisagístico de Burle Marx que a remodelou e pelo qual é conhecida. Concentrados no mesmo arco temporal, Karine Maria Gonçalves Cortez e Fernando Diniz Moreira analisam a contribuição da prática arquitetônica de Giacomo Palumbo para a conformação de uma imagem moderna da capital pernambucana, sobretudo por meio das novas tipologias de edificações que projetava para as áreas de expansão da cidade. Ainda sob a chave da modernização, mas numa conjuntura completamente diversa, Gabriel Deller de Aguiar e Monica Junqueira de Camargo jogam luz sobre a arquitetura pública promovida pela Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, no âmbito do PAGE (Plano de Ação do Governo do Estado de São Paulo), colocado em marcha durante a gestão do governador Carvalho Pinto entre 1959 e 1963. Debruçados sobre um acervo documental de mais de 450 obras, os autores dão a conhecer os edifícios espalhados pelo interior que visavam funcionar como pontos nodais da infra estruturação física da produção agrícola do estado.

As transformações sociais, econômicas e políticas pelas quais passou a cidade de São Paulo durante os séculos XIX e XX são elementos importantes para as análises empreendidas em três artigos. Fabio Mariano Cruz Pereira, Jade Samara Piaia e Priscila Farias focalizam as relações que envolveram as empresas de impressão e o espaço urbano por meio da distribuição e movimentação espacial das oficinas tipográficas entre 1827 e 1927. Em artigo autoral, Jade Samara Piaia, parte desse universo maior para realizar um estudo de caso sobre a história da fundação da Tipografia Hennies Irmãos em São Paulo na década de 1890. Seu funcionamento é investigado a partir das composições societárias, dos profissionais de seu quadro, dos contatos com comunidades de imigrantes e das relações com fornecedores de insumos gráficos e fundidoras de tipos. O espaço urbano paulistano também é valorizado no trabalho de Gleuson Pinheiro na medida em que atenta para os vários locais de desfiles das escolas de samba na cidade de São Paulo desde a oficialização, ocorrida em 1968, até a construção do sambódromo, inaugurado em 1991. Acompanhando as mudanças de logradouros, o autor destaca as adequações arquitetônicas por que passaram as passarelas de desfile como componentes importantes tanto para a compreensão das relações entre plateia e desfilantes como para as transformações dos próprios cortejos.

As dinâmicas socioeconômicas, espaciais e materiais no território colonial e nos anos posteriores à independência do Brasil são abordadas por diferentes prismas. Tiago Kramer de Oliveira analisa as disputas em torno da posse da Terra do Patos, localizada no litoral sul do Brasil, no Seiscentos, considerando as ações locais operadas pelos vários agentes envolvidos no âmbito da espacialização da economia-mundo europeia, como proposto por Fernand Braudel. Já Bernardo de Pinho Tavares Dornela e Antônio Gilberto Costa dirigem o olhar para a porção leste da capitania de Minas Gerais ao longo da segunda metade do século XVIII e inícios do XIX a fim de flagrar o avanço da invasão, conquista e ocupação portuguesa das terras indígenas naquela zona. Nádia Mendes de Moura e Diogo Fonseca Borsoi, por sua vez, ressaltam a importância das décimas urbanas para o estudo de vilas e cidades oitocentistas. À luz das experiências bem sucedidas já realizadas para as localidades das capitanias/províncias de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Bahia, os autores alertam para as potencialidades dos usos da fonte não só no campo da história urbana, mas também em outras frentes, como nos processos institucionais de preservação do patrimônio cultural material. Por fim, embasado em fontes cartográficas, iconográficas e em trabalhos de campo, Jorge Pimentel Cintra se concentra na região da Serra do Mar, entre a capital paulista e a vila de Santos, a fim de estudar a efêmera história do primeiro telégrafo em São Paulo, desenvolvido nos anos 1820, e a localização dos pontos em que foi instalado numa época em que não havia eletricidade, a fim de facilitar e acelerar a circulação das informações.

Temática correlata, a circulação de conhecimentos científicos foi abordada em dois artigos. Para as primeiras décadas do século XIX, José Rogério Beier propõe uma reflexão sobre o trânsito de saberes geográficos em espaços frequentados por cientistas e homens de letras estrangeiros que visitaram o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais antes da fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838), apontando para o movimento circulatório do conhecimento e não unidirecional partindo das instituições europeias. Angela Rosch Rodrigues se debruça sobre a obra Diverse maniere d’adornare i cammini (1769), de Giambattista Piranesi, destacando a aplicabilidade da decoração da iconografia egípcia em elementos da arquitetura de interiores, como as lareiras. No caso desse estudo, a circulação do conhecimento pode ser vislumbrada a partir das formas de apropriação da antiguidade pelos agentes históricos setecentistas articuladas às exigências do procedimento inventivo da época moderna.

Para encerrar a seção, a transmissão de conhecimentos artísticos e manuais encontra espaço no artigo de Ligia Lavielle Pullés e Diana Liset Pompa López, que investigam a produção de vários objetos artesanais com as fibras do yarey – palmeira endêmica de Cuba, cujo formato das folhas se assemelha a um leque – pelo haitiano René Richard Morpeau e seus descendentes que vivem na ilha. A partir de critérios relacionados à funcionalidade, habilidade e virtuosismo, e análise formal das peças, as autoras localizam não só as marcas identitárias como os traços da cultura cubana inscritos nos artefatos, inserindo-os no diálogo, por vezes tenso, entre passado e presente.

Na Seção Museus, os artigos abordam aspectos caros ao campo de investigação museal e à museologia: coleções e acervos, curadoria e educação, atividades interdisciplinares, discussões acerca da história e da memória, estudos sobre o comportamento dos visitantes e análise de públicos. Sob os mais diversos enfoques, os autores reforçam o papel dos museus como produtores de conhecimento científico e agentes de transformação social.

Em artigo bilíngue, português-francês, Ana Paula Cavalcanti Simioni analisa a presença de artistas latino-americanos na coleção do Centre national des arts plastiques (Cnap), em Paris, atentando para a invisibilidade das mulheres artistas a partir do acervo da instituição. Trata-se de uma continuidade e atualização da pesquisa realizada nos últimos anos sobre a atuação desse grupo proveniente da América Latina no sistema internacional francês na primeira metade do século XX, cujos resultados foram publicados no volume 29 dos Anais do Museu Paulista . 4 Da mesma forma, ao abordarem as pinturas de Massimo Campigli do acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP numa iniciativa multidisciplinar, Renata Dias Ferraretto Moura Rocco, Márcia de Almeida Rizzutto, Julia Schenatto, Juliana Bittencourt Bovolenta e Wanda Gabriel Pereira Engel trazem renovadas informações sobre os materiais e os métodos de trabalho empregados pelo pintor, anteriormente estudados pela lente das ciências humanas no âmbito do Projeto Temático FAPESP, Coletar, identificar, processar difundir: o ciclo curatorial e a produção do conhecimento (2017-2023).

Dois artigos tratam das trajetórias de coleções em instituições museológicas. Rafael Zamorano Bezerra investiga as centenas de imagens cristãs esculpidas em marfim que compõem a coleção Souza Lima do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, adquirida nos anos 1940, e Marina Laura Sardi, Máximo Ezequiel Farro, Piero Javier Bucci se dedicam à coleção de máscaras faciais obtidas pelo antropólogo alemão Otto Finsch de povos nativos da Oceania e salvaguardadas pelo Museo de La Plata, na Argentina, desde os últimos anos do século XIX. Embora partindo de perspectivas e de objetos de pesquisa diferentes, ambos analisam criticamente a formação de coleções coloniais nos museus históricos e de ciências naturais e antropologia.

Na seara dos debates sobre as práticas curatoriais, educativas e de comunicação dos museus destacam-se quatro artigos. As exposições inauguradas no Museu do Ipiranga, em São Paulo, em 2022, são o objeto de estudo de David Vélaz Ciaurriz para abordar os sentimentos e emoções no contexto museológico, concluindo pelo predomínio de sentimentos de alegria e confiança despertados nos visitantes. Em contrapartida, por meio de exposições montadas no Museu de Arte de Valencia, na Venezuela, e no Santander Cultural de Porto Alegre, no Brasil, ambas inauguradas nos anos 2010, Jair Jose Gauna Quiroz analisa o papel de museus latino-americanos como espaços de reflexão de identidades múltiplas e de narrativas plurais, por vezes, alvos de posturas marcadas pela intolerância e de práticas de censura adotadas como mecanismos de controle da memória cultural.

Isabel Cristina Ferreira Ribeiro investiga alguns museus a céu aberto localizados no Brasil e no exterior, tomando-os, a um só tempo, como promotores da preservação e valorização do patrimônio cultural e como agentes na transformação da paisagem urbana, proporcionando novas experiências ao público, cujo contato com as obras expostas se dá no ambiente natural. Erico Fernando Lopes Pereira Silva, por sua vez, narra as transformações pelas quais passou o Museu Botânico “Dr. João Barbosa Rodrigues”, no Jardim Botânico de São Paulo, ao longo de um século. Com base em sua configuração atual, de forma semelhante a Ribeiro, amplia suas funções sociais, ressaltando o aprofundamento da relação do museu com os visitantes por meio de iniciativas educacionais sobre botânica, conservação da natureza e sustentabilidade ambiental.

Ainda analisando as relações entre museus e sociedade, mas mais concentrados no protagonismo do público de museus, se reúnem três artigos. Em texto bilíngue, português-inglês, Mônica Santos Dahmouche, José Sergio Damico, Sonia Mano, Sibele Cazelli, Andréa Fernandes Costa examinam as motivações que levam as pessoas a frequentarem museus de ciências no Rio de Janeiro a fim de contribuírem para a elaboração de estratégias institucionais para atrair, reter e fidelizar seus públicos de visitação espontânea. Alice Ribeiro, Jéssica Beck Carneiro, Juliana Magalhães de Araujo, Juliane Barros da Silva, Luisa Massarani, Graziele Aparecida de Moraes Scalfi igualmente se detêm em instituição de ciência do Rio de Janeiro, desta feita para analisar as interações familiares em visita a uma exposição virtual no Museu da Vida. Os pesquisadores avaliam comportamentos relacionados à interatividade, usabilidade dos recursos, navegabilidade pelos módulos expositivos, movimentação no ciberespaço, chamando atenção, sobretudo, para os desafios impostos pela virtualidade incontornável nos espaços museais. Por fim, Marcelo Henrique Leite concentra seu foco no variado público escolar que visitou o Museu Republicano Convenção de Itu, localizado no interior paulista, ao longo de 30 anos. Partindo de três instâncias de análise – o museu, as ações educativas e os usos docentes – o autor busca valorizar a profícua relação entre professores e educadores de museus e ampliar os olhares sobre práticas de ensino em ambientes de educação não formal.

A seção Conservação e Restauração conta com três artigos que, embora versem sobre objetos de estudo distintos e distantes, colocam questões convergentes sobre os procedimentos de manutenção ou de adequação adotados para a preservação da cultura material. Pablo Pinheiro da Costa pondera sobre as intervenções exigidas na organização espacial das igrejas católicas e de seus bens culturais em face do formato das celebrações litúrgicas determinadas pelo Concílio Ecumênico Vaticano II na década de 1960. Também refletindo sobre o patrimônio edificado, Juliano Loureiro Carvalho discute, por sua vez, a busca pela conservação da arquitetura moderna como meio para permanência dos ideais do Movimento Moderno nas reformas aplicadas no Edifício Principal do Palácio do Congresso Nacional durante o período de 1960 a 2020. Por fim, Luiza Batista Amaral e Camilla Henriques Maia de Camargos apresentam uma revisão dos conhecimentos sobre o branqueamento em processos de restauração de papel, avaliando os prós e os contras, a fim de munir os profissionais da área com informações sobre os critérios e os métodos para realização do procedimento.

Desejamos a todos uma boa leitura!

REFERÊNCIAS

KANTOR, Iris; CONCEIÇÃO, Gisele Cristina da. Introdução do dossiê “Produzir, acumular e transmitir conhecimentos no império português: práticas materiais, artefatos visuais e criatividade”. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 32, p. 1-8, 2024.

MARINS, Paulo César Garcez; RODRIGUES, Marly. Introdução do dossiê “Ipiranga: de arrabalde a lugar de memória”. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 32, p. 1-8, 2024.

SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Artistas latino-americanos na Paris modernista: a difícil consagração. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 29, p. 1-39, 2021.

Notes

2 Marins e Rodrigues ( 2024 , p. 4)
3 Kantor e Conceição ( 2024 , p. 2)
4 Simioni ( 2021 ).
BORREGO, Maria Aparecida de Menezes; RIBEIRO, David. Apresentação Anais do Museu Paulista : História e Cultura Material, São Paulo, v. 32, p. 1-8, 2024.

Author notes

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