ESTUDOS DE CULTURA MATERIAL

As Décimas Urbanas e novas abordagens sobre a história das cidades oitocentistas

Décimas Urbanas: new approaches to the history of nineteenth-century cities

NÁDIA MENDES DE MOURA
Universidade de Brasília, Brasil
DIOGO FONSECA BORSOI
Instituto Federal Baiano, Brasil

As Décimas Urbanas e novas abordagens sobre a história das cidades oitocentistas

Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, vol. 32, e23, 2024

Museu Paulista, Universidade de São Paulo

Received: 15 March 2024

Accepted: 02 July 2024

RESUMO: A Décima dos Prédios Urbanos foi um imposto estabelecido em 1808 no contexto da chegada da Coroa portuguesa no Brasil e consistia na cobrança de 10% do valor dos imóveis urbanos “em estado de serem habitados”, com exceção das Casas de Misericórdia. Recentemente, pesquisadores têm avançado na pesquisa documental, explorando novas tipologias para além das leis e diretrizes régias. Os documentos remanescentes dessa cobrança têm sido fontes para pesquisas sobre a História da cidade e a História urbana, pois funcionam como uma espécie de radiografia material da cidade em determinado período, assim como dos proprietários de bens urbanos. Este artigo visa, primeiramente, apresentar a fonte explorando o contexto de criação, a rotina burocrática que a envolvia, os agentes responsáveis pela cobrança, bem como suas imprecisões e limites. Em seguida, busca-se realizar uma revisão bibliográfica acerca de pesquisas que utilizaram essa documentação, visando mapear abordagens e métodos de trabalho. Por fim, objetiva-se apontar algumas potencialidades do documento em outras frentes de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Décima Urbana, Urbano, Preservação.

ABSTRACT: The Décima Urbana tax was established in 1808, in the context of the Portuguese Crown's arrival in Brazil and consisted of charging 10% of the value of urban properties "in conditions to be inhabited", with the exception of properties belonging to Houses of Mercy. In recent years, researchers have advanced in documentary research, exploring new typologies beyond laws and royal directives. The surviving documents from this collection have become valuable sources for research on urban and city history, as they provide a material 'snapshot' of the city during a specific period, as well as insights into urban property ownership. This article aims, first, to present the source by exploring the context of its creation, the bureaucratic routine involved, the agents responsible for the collection, as well as its inaccuracies and limitations. It then conducts a literature review of research that has used this documentation, aiming to map approaches and methods of work. Finally, it aims to point out some potentialities of the document in other areas of work.

KEYWORDS: Décima Urbana, Urban, Preservation.

INTRODUÇÃO

O pensamento sobre o processo de urbanização brasileiro vem se constituindo como um campo de pesquisa sólido nas últimas décadas, o qual tem se voltado, progressivamente, para questões sobre a história de nossas cidades, deixando o presente ser o lugar-comum privilegiado na formulação de problemas em favor de interpretações envolvendo aspectos temporais e processuais da constituição de tais núcleos. No entanto, essa produção mais recente provoca algumas assimetrias quanto à distribuição das pesquisas no tempo e no espaço. Balanços historiográficos feitos a partir dos principais fóruns de discussão 1 sobre a temática têm apontado que estudos sobre o período colonial e o primeiro reinado não ultrapassam 15% das pesquisas apresentadas, enquanto o período entre o final do Império até a década de 1960 concentra aproximadamente 90% desses estudos. 2 Neste artigo, nos concentraremos justamente nesse período de lacuna, embora, esporadicamente, se estenda para segunda metade da centúria até o começo do século XX.

Dentro do campo de discussão sobre a história da cidade, do urbanismo e da urbanização desse período, observamos a produção de diversos livros, artigos e pesquisas sobre cidades, vilas e arraiais, embasados, tradicionalmente, em fontes legislativas (leis, diretrizes régias etc.) e fontes imagéticas (mapas, croquis, aquarelas etc.). No entanto, o avanço da pesquisa histórica tem permitido a exploração de outras fontes documentais e de novas metodologias, principalmente, a utilização de softwares de geoprocessamento e espacialização dos dados. Nesse sentido, fontes de origem cadastral e tributária têm se mostrado muito promissoras, sobretudo, livros de aforamento, censos demográficos e – o que queremos frisar aqui – as Décimas dos Prédios Urbanos. As Décimas Urbanas abarcam outras dimensões de estudos urbanos ao revelar interessantes aspectos da sociotopografia 3 local, ligados ao cotidiano e aos modos de vida, além de trazer informações sobre a produção do espaço intra-urbano e sobre o mercado imobiliário daquela época.

A aplicação da Décima Urbana se limitava aos imóveis localizados na circunscrição de vilas, cidades e algumas povoações e incidia diretamente sobre o rendimento anual do imóvel. Embora este texto venha a trabalhar exclusivamente com esse imposto predial, cabe esclarecer que a “décima” em Portugal incidia sobre outros rendimentos dos súditos, sobretudo nas ocasiões em que o Estado se encontrava ameaçado ou em guerra. 4 Como o próprio nome diz, a “décima” correspondia ao percentual de 10% sobre esses rendimentos e passou a ser cobrada em meados do século XVII, quando Portugal estava em conflito com a Espanha. No Brasil, a cobrança da Décima Urbana foi iniciada com a chegada da família Real e seguiu ao longo do período imperial em todos os núcleos urbanos com mais de cem casas. 5

Neste texto vamos apresentar a Décima Urbana, abordando o contexto de criação, a sua rotina burocrática, os agentes responsáveis pelo seu lançamento e cobrança e as diferentes fases de sua aplicação, acompanhando os alvarás e decretos que regeram o assunto. Em seguida, trataremos da Décima Urbana como documento histórico e sua aplicação em diversas pesquisas, mapeando abordagens e diferentes métodos de trabalho. Essa revisão bibliográfica abarca estudos realizados nas capitanias/províncias de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Bahia por Raquel Glezer, Fania Fridman, Nireu Cavalcanti, Beatriz Bueno, Ângelo Carrara, Diogo Borsoi, Nádia Moura, Alan Kato, Cícero Cruz, Maria Azevedo, Ruana Oliveira e Letícia Pires.

Após apresentar a fonte e sua aplicação em pesquisas no âmbito da história e do urbanismo, este artigo aponta algumas potencialidades de utilização da Décima Urbana como fonte em outras frentes de trabalho, como em estudos técnicos de identificação do núcleo urbano para fins de proteção, instrução de processo de tombamento e elaboração de normativas, visando a sua preservação.

AS DÉCIMAS DOS PRÉDIOS URBANOS

A Décima Urbana foi implantada a partir de 1808 por meio do Alvará de 27 de junho e a arrecadação estava direcionada à Real Fazenda. 6 O imposto incidia diretamente sobre os prédios urbanos e era cobrado dos responsáveis que habitavam essas edificações, desde que os imóveis estivessem em “estado de serem habitados”. O valor cobrado no imposto correspondia a porcentagem de 10% sobre o foro (ou censo) pago ou sobre a mesma porcentagem referente ao rendimento do aluguel cobrado. 7

 - Cobrança de Décima Urbana da casa nº 01 na Rua da do Rosário.
Figura 1
- Cobrança de Décima Urbana da casa nº 01 na Rua da do Rosário.
Fonte: Décima Urbana de Vila Boa de Goiás de 1818 (Muban).

Estavam isentas do pagamento do imposto as edificações pertencentes às Santas Casas de Misericórdia, “pela piedade do seu instituto”, e os imóveis em construção, abandonados ou desocupados. Analisando as Décimas Urbanas da Capitania de Goiás, por exemplo, verificamos que os moradores pobres ou miseráveis também estavam dispensados de arcar com esse imposto. Nesses casos, os imóveis eram cadastrados normalmente, com a observação da condição econômica do morador, conforme podemos observar na Figura 2 .

 - Isenção da cobrança de Décima Urbana de Luzia, proprietária e moradora de casa nº 47 na Rua da Cambauba, identificada como “pobre e miserável”.
Figura 2
- Isenção da cobrança de Décima Urbana de Luzia, proprietária e moradora de casa nº 47 na Rua da Cambauba, identificada como “pobre e miserável”.
Fonte: Décima Urbana de Vila Boa de 1818 (Muban).

Seguindo nessa temática, o parágrafo segundo do art. 11 do Decreto n. 152 de 1842 que trata do Rio de Janeiro, diz que o “arbitramento do respectivo aluguel será feito com moderação, segundo o estado da indigência, fazendo-se disso especial declaração no lançamento”. 8 Ampliando a isenção dos bens imóveis estipulados em 1808, o artigo terceiro do mesmo decreto apresenta quais edifícios naquela cidade estariam isentos a partir de 1842:

Não são sujeitos a imposição da Decima Urbana: 1º, os palácios, quintas e quaisquer prédios reservados para habitação e recreio de Sua Majestade o Imperador, e sua Augusta Família: 2º, os edifícios de propriedade nacional, qualquer que seja a sua denominação: 3º, os prédios pertencentes às Santas Casas de Misericórdia, aos Hospitais de Caridade e ao Recolhimento dos Órfãos e Expostos: 4º, os Templos ou as Igrejas, Catedral e Matrizes e as Capelas e Conventos das Ordens Religiosas: 5º, o Paço Episcopal e o da Municipalidade: e 6º, os matadouros públicos. 9

Inicialmente, a cobrança da Décima Urbana era feita apenas na Corte, cidades, vilas e lugares da região costeira, 10 tendo sido ampliada a partir de 1809 para as cidades, vilas e lugares notáveis 11 localizados nas “Capitanias interiores”, segundo consta do Alvará de 03 de junho. 12 O imposto era cobrado das propriedades compreendidas “nos limites das cidades, vilas e lugares notáveis” 13 e cabia às câmaras dizer quais eram esses limites.

Para o lançamento e cobrança da Décima ficava instituído, via de regra, que cada localidade deveria formar uma Junta da Décima, composta pelo Superintendente, 14 um escrivão, dois homens bons (um nobre e outro do povo), dois carpinteiros, um pedreiro e um fiscal. Em 1810, um alvará dispensa a necessidade de a junta ser composta por um “deputado da classe do povo” e de fiscal, cuja função deveria ser assumida pelo superintendente de ofício. 15 O cargo de Superintendente da Junta normalmente era ocupado por Ouvidores, Juízes de Fora, Juízes do Crime, Juízes dos Órfãos ou por outras personalidades. Os membros das juntas eram propostos pelo superintendente, e a aprovação era feita pelo Conselho da Fazenda. No entanto, o Alvará abre algumas brechas para a cidade de Cabo Frio, cuja tarefa ficou incumbida ao ouvidor da comarca que deveria cobrar o imposto no momento da correição; para as vilas de Paraty e Ilha Grande seria responsável o Juiz de Fora; para Salvador (“Cidade da Bahia”), a junta seria composta por três superintendentes (juiz de fora, do cível, do crime e o juiz de órfãos [sic]). Nas demais cidades em que havia ouvidores e juízes de fora, seriam esses que assumiriam os cargos de superintendente, e as juntas da fazenda tinham discricionariedade para complementar o grupo. No caso da impossibilidade de se fazer juntas, a responsabilidade pela cobrança recaia sobre o Governador e, finalmente, na ausência de juízes de fora, assumiriam a função os ouvidores das comarcas. Em cidades e vilas maiores, como ocorreu no Rio de Janeiro, em São Paulo ou mesmo em Vila Boa, o lançamento da Décima se deu por bairros ou freguesias, cada qual com sua respectiva junta. Normalmente, nas primeiras ou últimas folhas do caderno de lançamento da Décima, estão elencados os nomes dos integrantes da junta. Ela foi substituída pela Coletoria da Décima Urbana pela Lei de 27 de agosto de 1830. Em 1845, no Rio de Janeiro, foi estabelecida uma comissão formada por Administrador da Recebedoria, do Inspetor das obras Públicas, ou seu Ajudante, e de um Vereador da Câmara Municipal; 16 em 1878, a cobrança deveria ser feita por uma comissão formada pelos membros já citados no caso da corte e, nas províncias, por dois vereadores e pelo chefe da estação fiscal. 17

De acordo com o Alvará de 1808, deveria constar no caderno de lançamento “todas as propriedades urbanas, com os nomes dos seus moradores, quantidade de andares e lojas”, além do “preço do aluguel que pagam os inquilinos” 18 . Analisando os cadernos de lançamento das Décimas Urbanas de diferentes localidades, verificamos uma grande diversidade de informações coletadas, variando até mesmo de junta administrativa para junta em uma mesma localidade. 19 Normalmente estão listados o endereço do imóvel, nome do/a proprietário/a e do/a morador/a (caso dos imóveis alugados ou cedidos), 20 valor anual do aluguel e valor do imposto cobrado, ocupação do bem sinalizando se estava desabitado ou não e, em alguns casos, sua largura (quantidade de lanços), 21 bem como sua altura (quantidade de pavimentos). A partir dessas informações é possível constatar a localização do imóvel e o número de pavimentos, se a edificação estava ocupada, por quem estava ocupada e, em alguns casos, a atividade exercida pelo dono ou morador, identificando também se era leigo ou religioso ou se possuía patente militar. No caso das mulheres, aquelas de maior distinção na sociedade estavam identificadas como “Dona”. No caso de proprietários negros, por vezes, encontra-se menções a categorias étnico-raciais. Pelo valor do imposto cobrado, é possível mapear zonas mais valorizadas no núcleo urbano. Em cidades e vilas maiores, essa mancha é mais visível, o que não ocorria em lugares menores, onde pessoas mais abastadas viviam lado a lado com pessoas mais pobres.

Finalizada a anotação em caderno dos imóveis com as citadas informações, os dados deveriam ficar arquivados no cartório, e o escrivão os transcrevia para um “livro encadernado em pasta com seu respectivo termo de abertura e encerramento, rubricado por cada um dos superintendentes”. 22 Assim, no final teria documentos de lançamento do imposto (o caderno e o livro transcrito), e igualmente mais dois para receita “rubricados, e encerrados, que terão menor número de folhas, por deverem conter menos escrituração”. 23 Os livros de receita também deveriam conter somas dos valores arrecadados. 24 Em seguida, um exemplar do livro de lançamento e de receita deveria ser encaminhado para o Real Erário no caso da Corte e da Capitania do Rio de Janeiro e, nas “outras partes”, os livros deveriam ser encaminhados para as juntas da Real Fazenda das respectivas capitanias/províncias. Os outros exemplares ficavam guardados nos cofres municipais.

O Ato Adicional de 1834, 25 que alterou a Constituição de 1824, ampliando a autonomia político-administrativa das províncias, transferiu alguns impostos que anteriormente eram arrecadados pelo governo central para o governo provincial. A Décima Urbana compunha esse rol, dentre outros, como a décima de heranças e legados, o dízimo sobre os gêneros (açúcar, café etc.) e a meia sisa dos escravos ladinos, impostos que também foram criados após a instalação da Corte portuguesa no Brasil em 1808. 26 Nesse contexto, é importante que o pesquisador investigue como se organizou a cobrança do imposto na localidade estudada para entender o paradeiro desses documentos nos fundos documentais dos arquivos contemporâneos.

A respeito da coleta da taxação, o Decreto de 23 de outubro de 1832 27 expandiu a abrangência da cobrança do imposto, ao redefinir a extensão da demarcação dos limites da Décima Urbana para uma légua além do perímetro usual, no caso da cidade do Rio de Janeiro e da vila real da Praia Grande. Esse mesmo instrumento legal também introduziu a "segunda décima", um imposto adicional que passaria a incidir sobre os imóveis urbanos das corporações de mão morta. As medidas foram reforçadas pelo Decreto nº 152, de 16 de abril de 1842, 28 que especificou que a décima adicional das corporações de mão morta seria aplicada a todas as Províncias do Império, assim como ampliou para toda a Província do Rio de Janeiro a décima de uma légua além da demarcação. Anos mais tarde, a Lei nº 1.507, de 26 de setembro de 1867, 29 aumentou a alíquota para 12% e incluiu o valor locativo dos lotes anexos aos prédios urbanos. Essa mesma lei estendeu a incidência da décima adicional para incluir, além dos prédios das corporações de mão morta, os bens das associações religiosas, pias ou beneficentes e os imóveis das companhias e sociedades anônimas.

Em 1878, o Decreto nº 7.051 de 18 de outubro 30 agrupa a décima dos prédios urbanos, a décima de uma légua além da demarcação e a décima adicional em um tributo único chamado Imposto Predial . O imposto passou a ser tributado em duas prestações e o seu lançamento ficou a cargo das recebedorias, coletorias, mesas de rendas e alfândegas. Nesse caso, ficaram isentos os imóveis da Coroa e da Câmara, os palácios Isabel e Leopoldina, os próprios nacionais, o paço episcopal, as igrejas, capelas e conventos das ordens religiosas, os prédios das Santas Casas de Misericórdia juntamente com os hospitais de caridade, dos recolhimentos de órfãos e expostos, os do Recolhimento de Santa Thereza e Hospício de Pedro II, os prédios de sociedades religiosas e de beneficência (“porém, isentos só de metade do imposto os do município da Corte”), os bens das praças de comércio (“ficando o da capital do Império sujeito a metade do imposto vinte anos depois do dia, em que começar o uso dele”), os prédios destinados exclusivamente ao culto de religião diferente da do Estado”, demais imóveis dispensados por lei especial e os cemitérios.

A DÉCIMA URBANA ENQUANTO FONTE

As Décimas Urbanas aparecem citadas em alguns trabalhos iniciais como o de Luís Saia e Jaelson Trindade no artigo Evolução Urbana de São Luiz do Paraitinga.31 Objetivando identificar as permanências e transformações do núcleo urbano, os autores recorrem pontualmente ao documento para verificar quem pagou ou não o imposto, cruzar alguns nomes ali anotados com outras tipologias documentais, saber o nome e a quantidade de logradouros etc. 32 Elas também foram utilizadas pela equipe do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no processo de tombamento da cidade de Pirenópolis, pelas quais os técnicos construíram mapas para entender a evolução urbana do sítio entre os séculos XVIII, XIX e XX. 33

Raquel Glezer, no livro Chão de Terra e outros ensaios sobre São Paulo , 34 em grande parte, apresenta o resultado das pesquisas desenvolvidas em sua tese de livre-docência defendida em 1992. 35 Glezer trabalhou com as primeiras Décimas Urbanas da dita cidade com o objetivo de compreender o processo histórico que deu especificidade à área urbana no Brasil, separando-a e delimitando-a de áreas rurais na legislação. Neste sentido, a autora defende que o imposto predial criou uma nova forma de controle dos bens da população; um esforço de diminuição do poderio das câmaras (que eram responsáveis por cobrar aforamentos); e, principalmente, estabeleceu uma nova forma de delimitação espacial do que era urbano. Tal demarcação serviu de referência para a legislação imperial no que tange à política fundiária.

Embora tenha trabalhado mais a fundo com outras fontes para tratar da questão fundiária e a acumulação do capital no Rio de Janeiro desde o período colonial, Fania Fridman, em seu livro Donos do Rio em nome do Rei: uma história fundiária da cidade do Rio de Janeiro , 36 recorre à Décima Urbana ao descortinar a “produção e a propriedade do chão” da cidade. A pesquisadora espacializa dados de fontes variadas em mapas diversos, com o foco mais voltado na ocupação das freguesias e no patrimônio das propriedades religiosas das ordens e confrarias, dando a ver importantes aspectos da paisagem urbana, concentrada entre o mar, a floresta e as montanhas. Em função da chegada da família real na cidade, o contingente populacional deu um salto, acarretando a valorização do preço da terra. Nesse contexto, as irmandades se endividaram, ao passo que a Santa Casa de Misericórdia, isenta do pagamento da décima, aumentava o seu patrimônio. 37

Ângelo Alves Carrara, ao trabalhar com a documentação da Fazenda Real de Minas Gerais, arquivada na Casa dos Contos de Ouro Preto, prospectou a Décima dos Prédios Urbanos referentes à Capitania/Província de Minas Gerais. 38 Em decorrência desse trabalho, escreveu o artigo Espaços urbanos de uma sociedade rural (Minas Gerais, 1808-1835).39 Nele, Carrara busca compreender o contexto de elaboração da documentação, explicando sua rotina, os agentes responsáveis, o destino dos cadernos de registros etc. Em seguida, explora as séries documentais de Minas Gerais, apresentando os livros existentes, quais cidades foram contempladas, o estado das fontes, os cadernos completos e incompletos, a quantidade de imóveis de cada localidade, bem como as omissões, imprecisões e erros no momento da elaboração dos documentos. Por fim, constrói uma tabela, comparando a quantidade de imóveis, o valor da décima, a relação do valor da décima e da quantidade de imóveis de 1812 com valor do dízimo agrícola de 1825 de algumas localidades mineiras. Com isso, percebe que a relação entre o valor total da décima e o número de imóveis revela que os prédios de algumas vilas e arraiais valiam em média bem mais do que os prédios de outras. Busca, em seguida, relacionar as localidades com imóveis mais valorizados com índices de produção agrícola do período, porém não encontra uma relação direta.

Em outro artigo intitulado Mineração, produção rural e espaços urbanos em minas gerais: 1808-1835,40 Carrara persiste com a indagação sobre o porquê algumas localidades tinham imóveis mais valorizados que outras. Assim, relaciona os valores médios dos imóveis com a produção rural, dados sobre ouro quintado e de ouro em pó permutado que, segundo o autor, não representaria apenas a quantidade de ouro produzido em determinado ano, mas também ouro entesourado, ou seja, resultante de atividades comerciais envolvendo períodos mais extensos. Ao relacionar as informações, o autor encontra uma relação bem estreita e direta entre os dados do ouro permutado, o valor da décima e o número de imóveis de 1809.

Nireu Cavalcanti, no livro O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da corte , 41 trabalhou com os documentos das Décimas referentes à 1808 e à 1812. O autor espacializa alguns dos dados obtidos na décima em mapas cadastrais antigos e, com isso, consegue definir o perímetro urbano da cidade oitocentista, subdividido por freguesias com mais adensamento e alteamento ou mais rurais com concentração de chácaras. Em seguida, explora a variedade de tipologias construtivas desde a altura dos imóveis (casas térreas e sobrados com até três pavimentos), tipos de sótão, usos, atividades etc. Por fim, investiga os proprietários de imóveis, separando-os em proprietários individuais e institucionais, com destaque para as ordens religiosas, e uma superconcentração de imóveis na mão de uma elite imobiliária. Nesse quesito, investiga aspectos sobre o mercado imobiliário do Rio de Janeiro, sobretudo, os imóveis destinados à locação, ao mercado de compra e venda, aos arrendamentos e aforamentos.

Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno, no livro Aspectos do mercado imobiliário em perspectiva histórica: São Paulo (1809-1950) , 42 trabalhou com as Décimas Urbanas de São Paulo (1809 e 1829) e as da cidade de Santos (1834-1840). 43 Os dados coletados foram cruzados aos dados do “mapa da cidade de São Paulo” (1844-1847) do engenheiro Carlos Bresser, configurando-se na primeira metodologia que permitiu a espacialização lote a lote dos dados do imposto. O trabalho resultou na criação de mapas temáticos que possibilitam compreender no espaço os dados contidos na Décima, tais como as tipologias dos imóveis, seus usos, áreas de maior ou menor adensamento, valores dos imóveis etc. Da mesma forma, a pesquisadora teceu comparações com os mapas temáticos construídos e os dados das décimas da cidade de Santos, o que permitiu descobrir relações entre proprietários de ambas as cidades além de comparações entre as tipologias, usos e valores dos imóveis etc.

Dando continuidade no estudo das Décimas Urbanas de São Paulo, Beatriz Bueno estudou a produção social do espaço urbano do “centro velho” de São Paulo entre o Período Colonial e a Primeira República em sua tese de livre-docência A cidade como negócio: mercado imobiliário rentista, projetos e processo de produção do Centro Velho de São Paulo do século XIX à Lei do Inquilinato (1809-1942) . 44 Os dados das Décimas de 1809 foram espacializados em plantas cadastrais da cidade, com base no SIG 45 Histórico, o que viabilizou a elaboração de cartografias temáticas e regressivas. Com isso, foi possível captar a dinâmica do processo de urbanização da cidade, tendo como foco principal os aspectos do mercado imobiliário rentista – e o perfil social dos investidores, assim como de outros atores envolvidos no processo como construtores, proprietários e usuários. Dos imóveis levantados na Décima Urbana de São Paulo em 1809, Bueno 46 destaca que um dos maiores proprietários de imóveis de aluguel eram as irmandades religiosas (principalmente o Mosteiro de São Bento) e negociantes vinculados ao comércio internacional e à venda a retalho, além de senhores de engenho de açúcar e tropeiros. Os impostos prediais de 1886 e 1913-1914 também foram importantes fontes nesse estudo, no qual a pesquisadora inferiu o patrimônio imobiliário dos grandes capitalistas do centro de São Paulo, ao mesmo tempo que analisou a forma processual das transformações do centro velho. Outras fontes importantes foram mobilizadas nessa pesquisa, tais como permissões de construção, dados demográficos, legislação e iconografia de época, o que revelou a planimetria e a volumetria pregressa de três importantes ruas – Rua 15 de Novembro, Rua São Bento e Rua Direita (entre o Largo da Sé e a Líbero Badaró) – por meio de “exercícios estratigráficos” desde 1809 até o segundo quartel do século XX. Desse conjunto arquitetônico, foram destacadas edificações remanescentes e outras que participaram do rápido processo de verticalização da cidade, devendo ser objeto de políticas de preservação. 47

Allan Thomas Tadashi Kato, na dissertação Retrato Urbano: Estudo da distribuição socioespacial dos moradores de Paranaguá, Antonina e Curitiba no início do século XIX,48 trabalhou com as Décimas e seu cruzamento com outras fontes, objetivando construir “plantas hipotéticas”, a partir da espacialização dos dados dos documentos e identificando os pontos de referência (largos, praças, fontes etc.), que teriam norteado os cobradores no percurso urbano. Com tais plantas, Kato busca entender de que maneira se agrupavam e se avizinhavam os moradores das vilas elencadas, verificando se haveria alguma lógica ou ordem na distribuição socioespacial dos citadinos, descortinada pela análise do valor dos imóveis, das atividades profissionais, dos lugares de nascimento, da ocupação de “cargos públicos”, da cor da pele, do pertencimento a irmandades religiosas, da quantidade de escravos etc. Ao comparar os dados obtidos em relação a Paranaguá, Antonina e Curitiba, Kato identifica algumas constantes na distribuição espacial dos moradores, mas, sobretudo, destaca a diversidade social nas vilas selecionadas.

O autor continuou a pesquisa acerca das Décimas na sua tese de doutorado intitulada Elites, negócios e imóveis no plural: São Paulo nas décimas urbanas e listas nominativas (1795-1829) . 49 Trabalhando com as Décimas de São Paulo de 1809 e de 1829 conjugadas aos Maços de População (censos demográficos) de diversos anos, Kato insere-se em uma corrente historiográfica que tem revisado a ideia de pobreza, isolamento e inércia do núcleo de Piratininga, utilizando o patrimônio imobiliário paulistano como um índice de riqueza. A análise da Décima de 1809 permitiu ao autor realizar um panorama material da cidade, indicando os grupos sociais que habitavam o centro, bem como os logradouros mais e menos valorizados. Em seguida, compara os dados das Décimas de 1809 e 1829 com o objetivo de compreender tanto o crescimento físico do núcleo (quantidade de imóveis, logradouros etc.) quanto o valor dos aluguéis no período. Por fim, Kato identifica três grupos distintos entre os maiores proprietários de imóveis da cidade na virada do século XVIII para o XIX: descendentes diretos de reinóis que chegaram em São Paulo até o início do século XVIII; reinóis que lá chegaram na segunda metade do XVIII; e naturais da terra. A partir desses grupos, Kato mostrou como se deu a trajetória de algumas famílias e seu respectivo envolvimento com a posse de imóveis na capital da Capitania de São Paulo.

Diogo Fonseca Borsoi, na dissertação Nos traços do cotidiano: Cunha entre as vilas de serra acima e os portos da marinha (1776-1817) , 50 buscou observar a dimensão espacial das relações sociais da Vila de Cunha (Capitania de São Paulo) na transição do século XVIII para o XIX. As atividades econômicas voltadas para um mercado interno de abastecimento demandavam a ocupação e transformação de diferentes espaços tanto em uma escala micro como em uma escala macroterritorial. Assim, o cruzamento dos dados das Décimas Urbanas do período com outras fontes, sobretudo, os maços de população, possibilitou espacializar hipoteticamente os citadinos e suas atividades econômicas. A análise das Décimas permitiu a construção de mapas temáticos, pelos quais foi possível espacializar os imóveis urbanos e alguns dados socioeconômicos obtidos por meio do cruzamento com os censos. A exemplo do estudo de Kato, nessa dissertação foi possível observar sociotopografias a partir de variáveis econômicas, sociais e políticas. Tal cruzamento também permitiu espacializar aproximadamente os dados referentes aos residentes do periurbano de Cunha (Rocio), áreas rurais contíguas (divididas em bairros rurais nos censos) e, finalmente, as conexões inter-regionais, especialmente, com o Rio de Janeiro. O trabalho permitiu, enfim, descortinar quais foram as diferentes modalidades de ocupação do território, quais atividades eram desenvolvidas ali, quais relações esses indivíduos estabeleceram na lógica da rede urbana e como essas relações rebateram no intraurbano de Cunha, implicando na formação de uma materialidade e de teias alinhavadas entre o núcleo urbano, o rocio, termo e território.

O autor continuou a pesquisa acerca da documentação em questão na tese de doutorado Cidades em processo: Arqueologia da paisagem de São Luiz do Paraitinga no contexto da urbanização de São Paulo (séculos XVIII e XIX ). 51 A História da Urbanização da Capitania/província é problematizada em três escalas, nas quais cada uma apresentou um problema específico que foi resolvido por meio da análise de um conjunto de documentos. Na escala do intraurbano, em particular, trabalhou-se com a Décima Urbana de São Luiz do Paraitinga de 1841. A espacialização hipotética do documento e seu cruzamento com outras fontes, tais como inventários, testamentos, documentos fotográficos e censitários, permitiu compreender o processo de crescimento e de alteamento que a vila passou durante o século XIX, dando destaque para a atuação dos agentes locais como modeladores do espaço urbano e relativizando a vinculação do núcleo tombado da cidade com ideias iluministas, primeiramente, difundidas pelo governador da Capitania Morgado de Mateus. Da mesma forma, foi possível inferir os usos dos imóveis por meio do cruzamento das fontes supracitadas, sobretudo, aqueles de cunho comercial, 52 pouco explorados pela bibliografia analisada; relacionar as permanências e transformações da materialidade dos imóveis com as atividades sociais e econômicas dos seus proprietários, buscando entender as atividades que impulsionaram as transformações da vila do período e, por fim, identificar sociotopografias, destacando áreas mais ou menos valorizadas e com predomínio de imóveis de uso comercial e/ou residencial etc.

Cícero Ferraz Cruz, na tese Cidade difusa: a construção do território na Vila de Campanha e seu termo, séculos XVIII-XIX , 53 busca compreender a formação de tal território por meio de “fragmentos de cidades”, ou seja, registros documentais de resquícios materiais de ocupação humana (pousos, registros, capelas, arraiais, casas, fazendas etc.) que, quando organizados, dão a ver o processo de territorialização. Nesse sentido, ao que cabe o núcleo urbano e algumas freguesias de Campanha (Capitania/Província de Minas Gerais), o autor lançou mão das Décimas dos Prédios Urbanos cotejadas com outras fontes textuais e iconográficas com o objetivo de reconstruir hipoteticamente a vila e interpretá-la em rede com outros elementos que compunham aquele território.

Nádia Mendes de Moura, na tese Sertões de Mar a Mar: Goyazes em suas filigranas (c. 1726-1830) , 54 trabalhou com a escala macroterritorial ao tratar do processo de urbanização da Capitania de Goiás, 55 na primeira parte da tese, e na segunda ajustou a lente na escala do intraurbano em quatro núcleos: Vila Boa (atual cidade de Goiás/GO), Meia Ponte (Pirenópolis/GO), Pilar (GO) e Natividade (TO). A pesquisadora cruzou as Décimas Urbanas com plantas das cidades e iconografia histórica para a elaboração de uma cartografia retrospectiva desses núcleos urbanos no início do século XIX. As informações das Décimas foram espacializadas por meio do SIG histórico, e o resultado foi uma série de mapas temáticos, hipotéticos, revelando aspectos da sociotopografia local. Um dos objetivos do estudo era revisar a ideia de decadência e mensurar o reflexo da crise econômica em decorrência da queda da produção do ouro em diferentes núcleos urbanos da Capitania. Essa análise foi feita tendo as Décimas Urbanas como principal fonte por fornecerem, entre outras informações, o valor do rendimento anual do imóvel, o valor do imposto cobrado, a ocupação dos imóveis e a situação das edificações, revelando se as mesmas estavam em uso, em construção, arruinadas ou mesmo demolidas. Ao analisar as Décimas Urbanas, outros dados se destacam, como a forte presença de mulheres como proprietárias de imóveis urbanos na Capitania de Goiás. Este assunto está sendo aprofundado pela pesquisadora em sua pesquisa de pós-doutorado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB).

Maria Cristina Neves de Azevedo, na tese Do necessário para a comodidade dos povos: urbanização e civilidade no território sul-mineiro (1754-1856) , 56 trabalhou no seu capítulo IV com as Décimas Urbanas de Baependi (Capitania/Província de Minas Gerais) de 1815 a 1833, pelas quais foi possível obter informações sobre a quantidade de imóveis, a identificação da toponímia das ruas, largos e praças e a identificação dos proprietários, moradores e arrendatários. Azevedo cruzou e seriou as décimas, e espacializou os dados em mapas da primeira metade do século XIX. Com isso, foi possível identificar as transformações no “perímetro urbano” da vila (criada em 1814), mapeando alterações e permanências dos prédios e dos moradores e descortinando relações entre a hierarquia social e espacial nos primeiros anos do núcleo. Ao cruzar os dados do imposto com documentos camarários sobre o abastecimento de água, a autora identifica nessa documentação alguns logradouros que não foram mencionados no imposto predial, bem como a ausência de alguns imóveis entre a cobrança de um ano para outro. Com isso, traça algumas hipóteses sobre o que seria considerado urbano para a junta da décima, identificando a exclusão de áreas mais pobres e, por outro lado, a concentração de grupos de elite no centro da vila, lugar também dos edifícios dos poderes civil e religioso.

Ruana Alencar Oliveira, na dissertação Morfologia urbana e dimensão material e social da vila e cidade de Ilhéus no século XIX , 57 também explora os dados das Décimas Urbanas com o objetivo de compreender a formação e transformação do tecido urbano de Ilhéus no século XIX. A autora trabalhou com os documentos do imposto referentes a 1808, 1814, 1818 e 1857, e cruzou os dados extraídos com livros de cartório, mapas e fotografias do núcleo. Esse cotejamento proporcionou uma interpretação do desenvolvimento urbano de Ilhéus no tempo, identificando ruas, praças, quarteirões, edifícios civis e religiosos, além de tecer explicações sobre as razões de sua morfologia e localização em relação às atividades econômicas do núcleo. Um segundo esforço da autora foi interpretar os dados do casario da vila a partir da espacialização hipotética dos dados. Assim, traçou comparações entre os logradouros com base nos dados referentes ao valor dos imóveis, a quantidade de pavimentos, os materiais construtivos (obtidos pelo cruzamento com os livros cartoriais), sexo dos proprietários etc.

Letícia Bedendo Campanha Pires, na dissertação Minas é o Beco Do Mota: a Décima Predial Urbana e as dinâmicas socioespaciais do arraial do Tijuco entre os séculos XVIII e XIX , 58 trabalhou com as Décimas Urbanas de Diamantina referentes aos anos de 1810, 1811 e 1831. Embora os documentos mencionados registrem poucas informações sobre a localização dos imóveis, impossibilitando uma espacialização lote a lote como feito por outros pesquisadores, a autora, por meio de programas de geoprocessamento e da quantificação dos dados existentes, buscou interpretar e espacializar o que foi possível por meio do cruzamento com os dados da “Planta do Arraial do Tejuco” de 1784 e de listas nominativas de 1774. Por meio do cruzamento dos dados, analisa ao longo do período a diminuição da arrecadação do imposto, cujo motivo pode ter sido o aumento de imóveis isentos de cobrança por ruína, dando pistas sobre o momento de crise da mineração que o núcleo enfrentava. Dedica-se também a analisar a tipologia das casas, indicando se tratar de uma vila predominantemente térrea e com uma quantidade significativa de imóveis alugados. Por fim, examina o perfil dos proprietários dos imóveis em relação ao gênero, indicando uma relação bem parecida entre o número de homens e mulheres; em relação às categorias étnico-raciais – registradas apenas para proprietários negros – identifica a predominância de africanos originários da Costa da Mina, seguidas de Angola e Congo; e, por fim, em relação aos ofícios e atribuições funcionais dos donos de imóveis, identifica uma predominância de padres e de “donas”.

UM BREVE BALANÇO

Ao revisar tal bibliografia, pudemos observar que os primeiros estudos que se debruçaram sobre as Décimas Urbanas buscaram informações pontuais no documento com objetivo de compreender as transformações urbanísticas no tempo. Posteriormente, o documento foi analisado dentro de um enquadramento político com foco na repercussão da criação de um novo imposto sobre bens de raiz urbanos em meio a legislação fundiária no período de transição da colônia para o império ou, ainda, dentro de um enquadramento econômico ao quantificar os valores percebidos dos imóveis e relacioná-los com outras séries documentais tributárias.

Uma segunda fase dos estudos se dedicou a explorar mais os dados fornecidos pela Décima a partir de pesquisas que exploraram o intraurbano, incorporando arraiais, vilas e cidades do período colonial/imperial. Foram desenvolvidas metodologias de espacialização dos dados, o que permitiu a criação de mapas temáticos e o entendimento sociotopográfico dos núcleos. Também se esboçou uma análise comparativa entre alguns núcleos urbanos, apontando diferenças e semelhanças.

Esses primeiros estudos serviram de base para diversos outros. A análise comparativa foi burilada por trabalhos com mais fôlego que mobilizaram um conjunto maior de fontes a fim de estabelecer relações e traçar conclusões em diversas escalas de análise. Desse modo, a espacialização das décimas de diversos núcleos permitiu tanto entender lógicas intraurbanas de cada um como estabelecer padrões regionais para seu desenvolvimento e estagnação. Um outro direcionamento das pesquisas comparativas foi compreender o espaço intraurbano (a partir dos dados do imposto) conjugado com outras fontes que permitem analisar o território circundante administrado por um concelho municipal. As vilas não se encerravam no espaço aglomerado, mas eram compostas pelo Rocio (terras de uso comum onde eventualmente havia habitações e circundavam o núcleo) e o Termo (espaço rural composto por sítios, fazendas, capelas, freguesias, sertões residuais etc.). Esse cruzamento permitiu, assim, compreender as atividades e os modos de vida dos citadinos tanto no campo quanto na cidade, possibilitando traçar comparações e explicações mais detalhadas sobre os dados contidos no imposto predial.

O desenvolvimento do campo das chamadas humanidades digitais – se valendo de tecnologias espaciais na composição de sua parte metodológica – se apresenta como ferramenta importante no trabalho com as Décimas Urbanas. Sobretudo os softwares de SIG, que têm sido um diferencial em relação a outras pesquisas por apresentar uma análise ainda mais especializada. Isso possibilitou reconstituir hipoteticamente o espaço urbano, uma vez que permite cruzar e espacializar dados diversos oriundos das Décimas Urbanas (e mesmo de outras fontes), tendo como resultado mapas temáticos provenientes de diferentes camadas de informação. Esses mapas trabalham com a reconstituição hipotética do espaço urbano, fazendo emergir questões relevantes que seriam omitidas se a análise estivesse limitada apenas às planilhas de dados transcritos dos documentos. 59

A espacialização dos dados permitiu análises sociotopográficas do intraurbano de diversos núcleos. Os dados sobre o endereço e a volumetria dos imóveis, o valor estimado, referências ao sexo e a distinção social de seus proprietários e/ou locatários permitem identificar territorialidades, concentrações e dispersões entre os habitantes do espaço urbano. Como foi dito, nos núcleos maiores é notória uma estratificação socioespacial mais nítida, enquanto em núcleos menores o convívio entre diversos estratos parece ter sido a regra. Ainda assim, sutis diferenças são apontadas como, por exemplo, a concentração de grupos profissionais em determinados logradouros. Foi também possível, a partir de algumas décimas, compreender a distribuição espacial do casario com áreas de predominância de sobrados (às vezes com três ou quatro andares), casas térreas e assobradadas, bem como imóveis que apresentavam características mais urbanas ou do campo.

Diante desse quadro, consideramos importante nos debruçarmos em dois problemas de pesquisa ainda candentes e que podem ser explorados por meio das Décimas Urbanas: a questão sobre o que era considerado urbano no momento de confecção do documento e a contribuição da fonte em diferentes etapas da preservação de núcleos ou conjuntos urbanos tombados (ou em processo de tombamento).

QUAL ERA O ENTENDIMENTO DE URBANO NO SÉCULO XIX?

Como o imposto em questão apenas incidia nos bens de raiz urbanos, houve a necessidade de se definir o que seria esse espaço para efetivar sua cobrança. No entanto, a noção do que era urbano à época era distinta da atual. No dicionário de Rafael Bluteau, a noção de urbano diz respeito ao que é próprio “dos que vivem em cidades”, “cortesão”, “bem-criado”, e a noção de urbanidade se refere ao bom modo dos que vivem em cidades, em diferença da rusticidade e grosseria dos que vivem nas aldeias, e no campo. 60 Definições semelhantes são encontradas no dicionário de Luís Maria da Silva Pinto de 1832 que define o termo como “civil, cortês, que tem modos de gente civilizada, polido” 61 . Nota-se que o termo urbano nos dicionários de época não possui uma conotação espacial com características próprias como definimos hoje.

Alan Kato observa que o termo urbano não é recorrente nos documentos de algumas câmaras municipais que pesquisou. Tal termo era empregado, em substituição, a “vila” ou “cidade” para se referir às aglomerações maiores. 62 Da mesma forma, Raquel Glezer, ao lidar com a legislação destinada às cidades e vilas constantes na legislação portuguesa do período moderno (sobretudo as ordenações manuelinas e afonsinas), observa “a clara definição de sua diversidade em relação às áreas rurais”:

Nas Ordenações manuelinas o modo de administrar cidades e vilas consta no título XLVI – “Dos Vereadores das cidades, e vilas, e cousas que a Seus Ofícios pertencem”, com 32 itens. Mandava a lei que os vereadores tomassem conta dos bens do Concelho, propriedades, herdades, casas e foros; fiscalizem as possessões, caminhos, rossios e servidões; cuidassem dos caminhos, fontes, chafarizes, pontes, calçadas, poços e casas; guardassem as posturas; arquivassem os documentos pertencentes ao Concelho, quer fossem forais, tombos, privilégios e escrituras; só aforassem os bens do concelho em pregão; definia os dias de reunião, as custas etc. 63

Nota-se que se fez menção mais uma vez a vilas e cidades para se definir um espaço distinto do campo e não o termo urbano . Ainda segundo a autora, essa diferenciação no tratamento de tal espaço foi transposta para o mundo colonial, criando uma realidade complexa, ultrapassando mesmo as normas do regime político do período.

Nesse contexto, Glezer afirma que a criação do imposto da Décima Urbana em 1808 “criou uma nova demarcação espacial da área urbana” superpondo às anteriores e se tornando um marco para a legislação imperial. 64 Assim, o Alvará de 27 de junho de 1808, que cria o imposto da Décima dos Prédios Urbanos, estabelece que os prédios urbanos seriam aqueles compreendidos nos limites das cidades, vilas e lugares notáveis “segundo as demarcações das câmaras respectivas”. 65 Desse modo, a noção de urbano aí empregada remete aos prédios e não à circunscrição dos núcleos e, provavelmente, esteja sendo empregado mais no sentido de civilidade e bom modo do que propriamente a delimitação espacial com características próprias conforme empregamos hoje. Por outro lado, as propriedades localizadas no campo não eram definidas como rurais – termo que não existia à época –, mas como “bens rústicos”, 66 remetendo a grosseiro, descortês. Há diversos documentos que apontam a Décima Urbana como base espacial quando havia necessidade de estabelecer a circunscrição de uma cidade ou vila. Em 1817, por exemplo, como forma de marcar os limites entre os distritos e jurisdições das vilas de Recife e Olinda, “terá por limites aqueles mesmos que lhe assinou a Câmara de Olinda para o lançamento da decima”; 67 o decreto de 26 de março de 1833 estabelecia guias para toda a aguardente que for conduzida ao Rio de Janeiro, cuja circunscrição espacial deveria ser “dentro dos limites marcados para a decima urbana”. 68 Da mesma forma, o Decreto nº 411, de 4 de junho de 1845, que versa sobre a arrecadação da taxa dos escravos, e da Meia sisa no Município da Corte, também menciona que os escravos taxados seriam “residentes dentro dos limites da décima urbana”. 69 Vale lembrar que o espaço sob a administração de um concelho era constituído por um distrito sede onde se construía a Casa de Câmara e Cadeia, o pelourinho e a Igreja Matriz; o rocio, terras de utilização comunal, sobretudo para pasto, instalação de chácaras, obtenção de lenha, criação de animais e reserva de terras para a expansão da vila; 70 e o Termo que correspondia ao território maior sob sua jurisdição. Sobre esses espaços Cláudia Fonseca diz que:

Além da localidade que constituía a sede do concelho, este podia conter várias povoações, mas também zonas rurais que dependiam da mesma câmara, embora pertencentes a diferentes freguesias. Tais núcleos, que não gozavam de autonomia do ponto de vista jurídico-administrativo, eram designados, em Portugal, pelas palavras lugar (lugares) ou aldeia –, enquanto na América portuguesa, como se sabe, este último vocábulo adquiriu uma conotação étnica, significando uma povoação indígena. 71

Assim, sob a noção de vila ou cidade , além do distrito sede, também havia diversas povoações, algumas delas “notáveis”, e cabia aos membros da junta da Décima – nesse contexto – definir quais seriam circunscritas ao novo imposto e quais não. Com exceção de Vila Boa, todos os outros núcleos urbanos da Capitania de Goiás que tiveram seus imóveis cadastrados na Décima Urbana em 1810 se enquadravam nessa condição, uma vez que eram arraiais e foram alçados ao status de vila anos depois.

Retomando à discussão do termo vila relacionado a urbano, vale citar novamente a Decisão n. 32 acerca das dúvidas que ocorreram para a implantação do imposto:

2a dúvida: Se os proprietários que moram todo o ano em seus engenhos e roças, e que só têm casas nas Vilas para um ou outro dia que a ela vêm, estão obrigados a pagar por inteiro, como se residissem sempre na mesma Vila? - Decisão: certamente. Não há razão justificada que os escuse. 72

Dessa consulta, pode-se extrair três informações importantes. Primeiramente, temos um exemplo do emprego do termo vila usado da mesma forma que hoje empregamos espaço urbano . Também temos a dúvida sobre o porquê de se pagar imposto sobre um imóvel de uso esporádico, uma vez que durante quase todo o ano os moradores habitavam o campo, o rústico . Por último, é notório como não havia uma separação rígida entre os diferentes espaços que compunham uma vila (intraurbano, rocio e termo), e a delimitação colocada pela cobrança do imposto parece ter causado algum estranhamento.

Deste modo, a área de abrangência do que era urbano (aqui no sentido moderno), apresentava algumas peculiaridades, podendo incorporar também bens de raiz localizados em áreas mais afastadas do centro adensado (hoje consideradas rurais), porque, em alguma medida, tais áreas dialogavam com o distrito recém delimitado pelo imposto da Décima e, portanto, não eram considerados rústicos . Assim, essa delimitação era subjetiva, variava de localidade para localidade, evidenciando zonas de transição e simbioses entre áreas rurais e urbanas. Em 1808, eram as mencionadas juntas da Décima que definiam tal circunscrição; 73 em 1842, no Rio de Janeiro, era a Câmara municipal com atualização de quatro em quatro anos; 74 em 1878, a demarcação da zona para cobrança do imposto passava por uma atualização de cinco em cinco anos e deveria ser feita por uma comissão formada pelo Administrador da Recebedoria, Inspetor das obras Públicas, ou seu Ajudante, e por um Vereador da Câmara Municipal no caso da corte e, nas províncias, por dois vereadores e pelo chefe da estação fiscal. Vale citar, inclusive, que haveria direito a recurso “Dos atos, pelos quais forem designados os limites das cidades, vilas e povoações” 75 .

A Décima Urbana da Vila de Cunha (Capitania de São Paulo) de 1809, por exemplo, arrolou os imóveis do Rocio juntamente com os da vila entre os que precisavam pagar impostos. Cavalcanti afirma que a delimitação da zona urbana do Rio de Janeiro, em 1808, foi feita a partir das freguesias, sendo algumas delas – como a de Cosme Velho – totalmente rurais. 76 Nesta mesma cidade, em 1834, o Secretário de Estado dos Negócios da Justiça precisou decidir se a Rua Nova do Livramento deveria pertencer à freguesia de Santana ou à Santa Rita devido, entre outras coisas, aos inconvenientes da cobrança do imposto em questão. 77 Também, em 1826, o ajudante Joaquim José Ferreira (morador da casa onde futuramente nasceu Oswaldo Cruz), questionou a inserção do seu imóvel na delimitação do que era urbano para os camarários de São Luís do Paraitinga, alegando que já tinha pago os impostos sobre sua lavoura e escravos. 78 Nesse sentido, o Decreto de 23 de outubro de 1832 que estabelece a “décima urbana estendida até uma légua além da atual demarcação nesta cidade [Rio de Janeiro] e Vila Real da Praia Grande [Niterói]” 79 pode ser entendido como uma forma de taxar esse espaço periurbano. Seis anos depois, no ato de verificação da medição da referida légua, os marcos de limite remetem a um espaço tipicamente campesino como, por exemplo, a medição pela estrada de Santa Cruz que deveria considerar “da 2ª cancela até um ponto (que deve levar marco) 526 braças além da venda grande” 80 .

Muitos desses problemas devem ter chegado nas instâncias maiores de apelo no Rio de Janeiro, o que acarretou uma atualização do texto de 1808. O Decreto nº 152, “Dando Regulamento para a arrecadação da Décima Urbana”, de 16 de abril de 1842 delimitava melhor o que seria prédios urbanos, quais imóveis estavam ausentes de pagamento, como deveria fixar a numeração das casas e o valor dos imóveis etc.:

São prédios urbanos todos os situados dentro dos limites da Cidade, ou de lugares notáveis, compreendidos na demarcação, que possam servir de habitação, uso e recreio, como casas, chácaras ou quintas, cocheiras, cavalariças, senzalas, barracas, telheiros, trapiches, armazéns, lojas, teatros, estalagens, fabricas e quaisquer outros edifícios, seja qual for a denominação e forma que tenham, e a matéria empregada na sua construção, e cobertura, com tanto que sejam imóveis, ou não possam ser transferidos de um para outro lugar sem se destruírem. 81

Percebe-se aqui, mais uma vez, que o adjetivo urbano é atribuído aos prédios e não ao espaço. Sua definição é ampliada, abarcando diferentes funcionalidades (habitação, uso e recreio), além de qualquer denominação, forma, materiais construtivos e cobertura. Assim, passariam a pagar o imposto prédios tipicamente do campo como chácaras, cavalariças, trapiches etc. O espaço é o limite das cidades e de lugares notáveis que, a partir de então, passariam por uma atualização periódica. Vale destacar que a designação vila desaparece do decreto, e o termo cidade passa a englobar as diferentes aglomerações.

Nesse contexto, vale destacar as chácaras nessa zona fronteiriça entre urbano e o campo e foram cadastradas nas Décimas Urbanas do Rio de Janeiro 82 e de São Paulo. 83 Nireu Cavalcanti descreveu a forma como esses bens de raiz eram vistos naquela época:

As chácaras em geral eram utilizadas por seus proprietários como segunda moradia, uma forma de demonstrar sua inclusão nas classes superiores. Se o nascimento não lhe assegurava o acesso, o dinheiro permitia que construíssem o modus vivendi da fidalguia ou da nobreza. Assim, possuíam sobrados apalaciados na cidade e casas nobres no campo. 84

Em outros lugares, há casos em que o imóvel cadastrado na Décima Urbana não foi identificado como chácara, mas aparece com essa denominação em outras fontes históricas. Cotejando as informações constantes na Planta de Vila Boa de 1782 e na Décima Urbana de Vila Boa de 1818, foram identificadas dez chácaras na planta de 1782 e nenhuma cadastrada como tal na Décima Urbana, mas em dois casos a localização do bem e o nome do proprietário são coincidentes. 85 Um deles é Antônio José Artiaga, cuja chácara identificada com o nº 47 na Planta de Vila Boa estaria localizada onde hoje se encontra o Mercado Municipal. De acordo com a Décima de Vila Boa de 1818, a casa nº 342 de Antônio José Artiaga estava situada no Largo São Francisco de Paula, mesmo endereço do atual mercado. 86

O arraial de Meia Ponte, também na Capitania de Goiás, apresenta no nome de certos logradouros elementos que evidenciam a estreita relação com a temática do campo, dando pistas sobre as práticas locais e deixando transparecer mais uma vez a linha tênue que separava o periurbano do campo. 87 Os nomes de muitos logradouros identificados na Décima Urbana de Meia Ponte de 1819 já foram substituídos por outros ao longo dos anos, mas vale aqui o registro das ruas tal como foram identificadas no início do século XIX: Rua dos Porcos (Rua Santa Cruz), Rua das Bestas (Rua Direita) e Rua do Curral (Alto da Lapa), todas localizadas na extremidade oeste do arraial, 88 de onde chegavam as tropas de Vila Boa e Cuiabá.

Nota-se, portanto, que urbano era atributo próprio dos imóveis e que o distrito sede dos municípios recebiam a denominação de vilas e cidades que englobava também uma série de espaços adjuntos como o rocio e o termo. Esse conjunto não era percebido com uma separação rígida como concebemos hoje. A demarcação da circunscrição dos imóveis urbanos era uma ação em paralelo à cobrança da Décima e que se alterou ao longo do tempo seja pela discricionariedade do demarcador, seja por decretos e leis que regulavam o tema. Ademais, havia também povoações notáveis que ficavam localizados no termo de alguma vila/cidade, cujos prédios também poderiam ser considerados urbanos . Assim, a delimitação de um espaço com características próprias da forma que definimos urbano hoje vai se configurando aos poucos ao longo do século XIX e não aparece abruptamente no momento de surgimento do imposto.

AS DÉCIMAS URBANAS E SUA CONTRIBUIÇÃO NA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO

A Décima Urbana foi utilizada para instruir o processo de tombamento de Pirenópolis 89 (Goiás). Os técnicos da então 8ª DR SPHAN/PróMemória 90 utilizaram a Décima Urbana de Meia Ponte 91 de 1810, em conjunto com outras fontes, 92 bibliografia da história local e relatos da tradição oral para fazer o Estudo sobre a formação urbana da cidade de Pirenópolis desde os momentos iniciais de ocupação do território (1727) até o momento dos estudos que precedem o processo de tombamento em meados dos anos 1980. Esse estudo, que subsidiou a delimitação da área de tombamento do centro histórico, é composto por um texto explicativo e uma série de oito mapas que apresenta o processo de formação do núcleo urbano ( Figura 3 ). Os técnicos têm clareza do caráter hipotético das conclusões em função das fontes e métodos aplicados 93 e o resultado é bastante satisfatório para o que foi proposto. Esse exemplo mostra na prática como a Décima Urbana pode ser utilizada como fonte nos processos de identificação, que corresponde aos estudos prévios ao tombamento, mas também pode ser utilizada em outros procedimentos de preservação de núcleos urbanos.

Análises de evolução urbana podem ser feitas tomando como base intervalos de Décimas Urbanas (de dois em dois anos, de cinco em cinco ou de dez em dez anos), combinadas com outras fontes, em uma proposta próxima ao que a equipe da então SPHAN/Pró-Memória fez no caso de Pirenópolis. Esses estudos demonstram os vetores de expansão urbana naquela época e suas relações com o sítio onde a cidade foi implantada, evidenciando as transformações pelas quais passou o espaço urbano, com a atuação dos atores nesse processo. Sobre isso, Luciana Inoue 94 acredita que “esta leitura atual dos fragmentos urbanos da paisagem atual, fazendo uma história regressa, estudando-se a modificação ou a permanência da morfologia urbana atual, seja de importância e possua desdobramentos na questão da preservação do patrimônio urbano”.

 - Décima Urbana de Meia Ponte (1810) espacializada para estudo de formação urbana de Pirenópolis.
Figura 3
- Décima Urbana de Meia Ponte (1810) espacializada para estudo de formação urbana de Pirenópolis.
Fonte: Iphan, 1985 .

No caso de São Luiz do Paraitinga (São Paulo), a espacialização dos dados das Décimas Urbanas de 1841 foi conclusiva para compreender a morfologia do núcleo urbano tombado. O primeiro tombamento do município aconteceu em 1982 pelo Condephaat, 95 e o tombamento em âmbito federal ocorreu de forma emergencial devido a uma enchente que destruiu parcialmente a cidade em 2010. Em ambos, os estudos de Luiz Saia e de Joelson Trindade foram importantes para embasar os processos. 96

São Luiz do Paraitinga foi fundada em 1773 pelo governador da Capitania de São Paulo, Luís António de Sousa Botelho Mourão, também conhecido como Morgado de Mateus. Seu governo é caracterizado pela criação de diversas vilas, freguesias e povoações, assim como pela filiação a preceitos iluministas no contexto mais geral do consulado pombalino. Dessa forma, a justificativa para o tombamento da cidade pelo Iphan 97 foi embasada nessa ideia da cidade com projeto pombalino, com traçado urbano ordenado e regular, uma vez que Morgado de Mateus passou diretrizes de como a cidade deveria ser construída, no entanto, o desenvolvimento urbano tomou outros rumos.

 - Reconstituição hipotética de São Luiz do Paraitinga na primeira metade do século XIX.
Figura 4
- Reconstituição hipotética de São Luiz do Paraitinga na primeira metade do século XIX.
Fonte: Borsoi ( 2020 ).

Os traços em vermelho na Figura 4 representam as testadas dos imóveis registrados na Décima Urbana de 1841. 98 Por meio dessa reconstituição hipotética, pudemos identificar alguns descompassos em relação ao que dizia a bibliografia, sobretudo referente à presença de casas apenas de um lado de algumas ruas, 99 deixando espaços vazios que convergiam para uma grande área quadrada, que estava parcialmente ocupada (linha tracejada do mapa).

Dessa forma, concluiu-se – a partir do cruzamento de outras fontes – que a área desocupada correspondia à praça original da cidade, que foi parcialmente ocupada durante o século XIX, momento que o núcleo passava por um desenvolvimento econômico significativo e pela ascensão de elites que influenciaram significativamente no traçado da cidade e na construção do casario remanescente. A espacialização do documento da Décima foi conclusiva para entender que o núcleo tombado é resultado de uma segunda camada de conformação da morfologia do núcleo, já do século XIX, e corresponde apenas parcialmente ao que foi definido pelas instruções do Morgado de Mateus no século XVIII. 100

Pelos dois exemplos citados, conjugando as Décimas Urbanas como ferramenta de análise do sítio urbano, podemos perceber que a utilização dessa fonte pode vir a contribuir em diferentes processos institucionais de preservação do patrimônio cultural material como na sua identificação , 101reconhecimento , 102proteção , 103normatização104 e conservação . 105 A Décima Urbana pode trazer contribuições significativas nesses diferentes processos de preservação, em especial quando o bem tutelado (ou em vias de ser tutelado) corresponde a núcleos urbanos que tiveram sua origem nos períodos colonial ou imperial – períodos que coincidem com o início da cobrança do imposto. Uma vez espacializada, a Décima Urbana fornece um cenário hipotético da cidade naquela época por apresentar informações quadra a quadra, rua a rua e lote a lote. A depender da cidade, os dados fornecidos pelo imposto também permitem alcançar informações a respeito da volumetria das edificações, por apresentar dados referentes ao número de lanços e número de pavimentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo tratou da Décima Urbana enquanto fonte histórica promissora para compreensão dos núcleos urbanos do século XIX. Os estudos acerca desses documentos têm aumentado consideravelmente nos últimos anos, o que justifica um artigo que fizesse um balanço da área. Nesse sentido, esmiuçamos o contexto e circulação dos documentos de registro do imposto dentro da rotina administrativa da colônia e do império e analisamos o que foi explorado pelas pesquisas que estudaram essa fonte. A seguir, destacamos dois problemas de pesquisa em que as Décimas podem contribuir: a questão do que é urbano no Brasil oitocentista e a contribuição dessa fonte em diferentes etapas e processos institucionais de preservação do patrimônio, tal como fases que antecedem e sucedem o tombamento.

Longe de esgotar a questão, consideramos que as pesquisas realizadas têm aberto novas frentes de trabalho e ainda há muito o que se fazer em relação ao documento. A fonte tem sido útil para diferentes áreas de conhecimento, o que permite estudos de caráter transdisciplinar. Da mesma forma, o cruzamento com outras séries documentais pode revelar novas facetas do mundo urbano do século XIX. Para incentivar investigações futuras, elencamos onde os investigadores apontados neste artigo pesquisaram. As Décimas Urbanas de Vila Boa, Meia Ponte, Pilar e Natividade do início do século XIX estão no arquivo do Museu das Bandeiras, localizado na cidade de Goiás. 106 A Décima Urbana do Rio de Janeiro de 1809 está guardada no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. 107 A documentação referente às Décimas Urbanas de São Paulo de 1809 a 1829 e de Santos de 1834 a 1838 está arquivada no Arquivo do Estado de São Paulo, 108 igualmente a de São Luiz do Paraitinga. Já as Décimas referentes à cidade de Cunha estão no Museu Francisco Veloso da própria cidade. As Décimas Urbanas da cidade de São Paulo de 1886 foram publicadas no jornal Correio Paulistano , e os impostos prediais dos anos de 1913 e 1914 no Diário Oficial . 109 As Décimas Urbanas de Minas Gerais encontram-se no Arquivo da Casa dos Contos de Ouro Preto. 110 Já os documentos referentes a Ilhéus encontram-se no Arquivo Público do Estado da Bahia, e os referentes ao Paraná estão no Arquivo da Biblioteca da Câmara Municipal de Curitiba. Cabe salientar que as Décimas Urbanas nem sempre estão seriadas, podendo ocorrer lacunas na documentação.

REFERÊNCIAS

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Notes

1 Referimo-nos aos encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR) e ao Seminário de História da Cidade e do Urbanismo (SHCU).
2 Fernandes e Gomes ( 2004 , p. 24), Bueno ( 2012 , p. 13).
3 Le Goff ( 1992 ).
4 Cavalcanti ( 2004 , p. 259).
5 O imposto se aplicava a todos os domínios do Império Português, com exceção das colônias da Ásia, “pela decadência em que se acham” (Brasil, 1808). Para além do domínio português, há também trabalhos com o imposto da Décima sobre a cidade de Florença desenvolvido pela Universidade de Toronto ( https://decima-map.net/ ).
6 Brasil ( 1891a ).
7 Caso o imóvel estivesse ocupado pelo proprietário, a Junta do Lançamento arbitraria o valor do imposto a partir da estimativa do valor do aluguel, de modo a estimar quanto o imóvel poderia render se estivesse alugado.
8 Brasil ( 1843 ).
9 Id . ( 1843 ).
10 A Decisão n. 32 de 22 de agosto de 1808, a qual decidiu “as dúvidas que ocorreram sobre alvará que criou o imposto de decima urbana”, em resposta à questão sobre a “distancia se hão de reputar situadas à beira-mar as Cidades, Vilas e Lugares: e se a medição se há de fazer em linha reta, ou pelas curvas que fazem os caminhos e rios?” A resposta foi que “Beira-mar entende-se restritamente, e comunicando-se com o mar por algum rio, em cuja beira estejam situadas as Cidades, Vilas e Lugares. Serão duas leguas o termo necessário para se compreenderem no número das que pagam decima” (Brasil, 1891c ).
11 A Decisão n. 32 de 22 de agosto de 1808 determinou que lugares notáveis seriam aquelas povoações com “mais de cem vizinhos e não forem povoações pobríssimas”.
12 Brasil ( 1809 ).
13 Brasil ( 1891a ).
14 Vale frisar que os superintendentes recebiam 2% pelo trabalho dos lançamentos e cobrança do imposto e pelas despesas dos livros, assim como 3% de tudo que era entregue líquido nos cofres reais. Carrara ( 2006 , p. 6).
15 Brasil ( 1891b ).
16 Brasil (1845).
17 Brasil ( 1878 ).
18 Brasil ( 1891a ).
19 Na Décima Urbana do Rio de Janeiro de 1808, foram nomeadas duas Juntas Administrativas, sendo que a primeira incorporava regiões das freguesias da Sé, São José e Engenho Velho, e a segunda, as freguesias da Candelária e Santa Rita (Cavalcanti, 2004 ). No Caso da Décima Urbana de Vila Boa de 1818, uma Junta Administrativa ficou responsável pelo Bairro do Rosário e a outra pelo Santana (Moura, 2018 ).
20 No Arraial de Natividade, era comum pessoas morando de graça (“mora grátis”) em casas de terceiros.
21 Os lanços correspondem à largura da testada da casa, em sua fachada voltada para a rua.
22 Brasil ( 1891a ).
23 Id . ( 1891a ). Dos 469 livros que compõem o fundo da “Décima Predial” do Arquivo da Casa dos Contos, Carrara identificou que 166 deles são livros de receita e guardam apenas informações sobre o nome dos que pagaram seus débitos (CARRARA, 2006 , p. 7).
24 Considerando os documentos que tivemos acesso, de forma geral, nota-se que os primeiros cadernos/livros de lançamento (de 1808, 1809 e 1810) são mais minuciosos e ricos em informação e os demais mais sucintos, principalmente, em relação à estrutura dos imóveis. Conjectura-se que os primeiros livros de lançamento serviram de base para o mapeamento dos imóveis, e os posteriores apenas atualizaram os que já estavam cadastrados.
25 Brasil ( 1834 ).
26 Dolhnikoff ( 2005 , p. 156).
27 Brasil (1832).
28 Brasil ( 1842 ).
29 Brasil ( 1867 ).
30 Brasil ( 1878 ).
31 Saia e Trindade ( 1977 ).
32 Ibid ..
33 Iphan ( 1985 ).
34 Glezer ( 2007 ).
35 O título é Chão de terra: um estudo sobre São Paulo colonial.
36 Fridman ( 1999 ).
37 Id . ( 1999 ).
38 Carrara ( 2010 ).
39 Id . ( 2001 ).
40 Id . ( 2006 ).
41 Cavalcanti ( 2004 ).
42 Bueno ( 2008 ). O trabalho recebeu uma segunda edição, cf. Bueno ( 2016 ).
43 É importante ressaltar que estudos preliminares foram publicados em artigos. Cf. Bueno ( 2004 , 2005 e 2006 ).
44 Bueno ( 2018 ).
45 Sistema de Informação Geográfica – em língua inglesa é conhecido por GIS (Geographic Information System).
46 Bueno ( 2018 , p. 57).
47 Ibid ., p. 395.
48 Kato ( 2011 ).
49 Id . ( 2017 ).
50 Borsoi ( 2013 ).
51 Id . ( 2020 ).
52 Os imóveis comerciais se diferenciavam dos residenciais por apresentarem uma quantidade maior de portas, em detrimento de janelas.
53 Cruz ( 2016 ).
54 Moura ( 2018 ).
55 Que incorporava os territórios do Distrito Federal e dos atuais estados de Goiás e Tocantins, a região conhecida atualmente por Triângulo Mineiro e trechos dos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Pará e Maranhão, tendo como base os limites da Capitania de Goiás em 1750 (Barbo, 2015 ).
56 Azevedo ( 2020 e 2021 ).
57 Oliveira ( 2021a ).
58 Pires ( 2022 ).
59 Para maiores informações sobre o passo a passo da espacialização da Décima Urbana em plataforma georreferenciada, cf. Bueno ( 2005 ), Moura ( 2018 ) e Borsoi ( 2020 ).
60 Bluteau ( 1728 ).
61 Pinto ( 1832 ).
62 Kato ( 2011 , p. 22).
63 Glezer ( 2007 , p. 114).
64 Ibid . (p. 74).
65 Brasil ( 1891a ).
66 Um exemplo é o “Inventário de bens rústicos” realizado na Capitania de São Paulo em 1818 em cumprimento do aviso régio de 21 de outubro do ano anterior que ordenava o cadastro dos proprietários e possuidores de terras. Nesse mesmo ano foi arrolada a "Relação dos Habitantes Situados no termo da Freguesia de Nossa Senhora do Rosário, Minas de Meia Ponte, Comarca de Vila Boa de Goyaz" onde estão listados proprietários e proprietárias de vários sítios, alguns engenhos, fazendas e uma chácara.
67 Brasil ( 1817 ).
68 Brasil ( 1833b ).
69 Brasil ( 1842 ).
70 Marx ( 1991 , p. 81).
71 Fonseca ( 2011 , p. 28).
72 Brasil ( 1891c ).
73 Brasil (1808).
74 Brasil ( 1842 ).
75 Brasil ( 1878 ).
76 Cavalcanti ( 2004 , p. 260).
77 Brasil ( 1866 ).
78 Saia e Trindade ( 1977 , p. 24).
79 Brasil (1832).
80 Brasil (1838).
81 Brasil ( 1843 ).
82 Cavalcanti ( 2004 ).
83 Bueno ( 2016 ).
84 Cavalcanti ( 2004 , p. 271).
85 Pela diferença de 36 anos entre uma fonte e outra, deve-se tratar de filho homônimo.
86 Moura ( 2018 ).
87 Ibid .
88 Meia Ponte era um importante entreposto comercial do século XVIII e início do XIX, por onde passavam tropas de bestas vindas das Capitanias de São Paulo, Minas Gerais e Bahia a caminho das Capitanias de Goiás e de Mato Grosso. No acesso oeste do arraial estavam localizados currais para o descanso dos animais entre uma viagem e outra. O toucinho do porco, por sua vez, era um dos produtos mais produzidos no Julgado de Meia Ponte, e parte da produção se destinava ao mercado externo (Moura, 2018 ).
89 Conferir o volume 4 do Processo de Tombamento do Centro Histórico de Pirenópolis – GO (processo nº 1.181-T-85 (Iphan, 1985 ).
90 Equipe multidisciplinar composta pelo historiador e economista Paulo Bertran, pelos arquitetos José Leme Galvão Júnior e Antônio Sérgio de Mattos e pela arquiteta Patrícia Zimbres.
91 Nome de Pirenópolis quando era arraial.
92 Como narrativas dos viajantes europeus que lá estiveram no início do século XIX, desenhos da mesma época de William Burchell e o mapa elaborado pela Missão Cruls em 1892 (A Planta da Cidade de Pyrenopolis foi elaborada por Henri Charles Morize, membro da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil).
93 Iphan ( 1985 ).
94 Inoue ( 2021 , p. 93).
95 Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo.
96 Saia e Trindade ( 1977 ) e Iphan ( 2010 ).
97 Iphan ( 2010 ).
98 Para detalhes de como se procedeu a espacialização dos dados, conferir Borsoi ( 2020 ).
99 Note, na Figura 4 , que a rua Cel. Domingues de Castro (antiga rua da Ponte/Rua Direita), à direta do mapa, tinha imóveis apenas de um lado e rua Monsenhor Ignácio Gioia (antiga Rua do Rosário) tinha imóveis somente do lado voltado para os fundos da Igreja Matriz (1), existindo casas do lado da matriz apenas nas imediações da igreja do Rosário (3).
100 Borsoi ( 2020 e 2021 ).
101 “O objetivo da identificação é localizar, conhecer e caracterizar os bens culturais materiais.” (Iphan, 2018b , p. 34).
102 “O tombamento é instrumento do reconhecimento aplicável a quaisquer bens culturais de natureza material, móveis e imóveis.” (Iphan, 2018b , p. 36).
103 “O objetivo da Proteção é tutelar o patrimônio cultural material.” (Iphan, 2018b , p. 37).
104 “O objetivo da Normatização é regular os procedimentos, definir parâmetros e estabelecer sistemas de gestão que garantam a preservação do patrimônio cultural material.” (Iphan, 2018b , p. 39).
105 “O objetivo da Conservação é preservar os valores e a significação cultural do patrimônio cultural material protegido.” (Iphan, 2018b , p. 43).
106 Foram encontradas algumas Décimas Urbanas da Província de Goiás posteriores a 1830 no Arquivo Histórico do Estado de Goiás, localizado em Goiânia.
107 Cavalcanti ( 2004 , p. 259).
108 Bueno ( 2016 , p. 22).
109 Id . ( 2018 ).
110 Carrara ( 2001 ).
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