Resumo: A recorrência da nudez nas criações de dança contemporânea no Brasil nos coloca frente à seguinte problemática: como a produção artística do corpo em cena participa da construção social do corpo na sociedade brasileira? Este texto visa a mostrar um paradoxo: os criadores do espetáculo Corpornô, embora partam de uma concepção do corpo como símbolo do natural humano, buscam realizar uma desconstrução das representações comuns ligadas ao corpo por meio da dança. Essa concepção conflituosa do corpo visto, por um lado, como alvo de uma construção sócio-histórica a ser desconstruída e, por outro lado, como ferramenta artística de libertação individual transparece nas cenas coreografadas como também no discurso politizado dos artistas. Trata-se, então, de re-significar sociologicamente o ato artístico-político de colocar em cena bailarinos nus e erotizados, examinando com um olhar crítico a figura do artista contemporâneo, seus discursos de transgressão, seus atos políticos de “reapropriação” do corpo contra normas sociais constrangedoras. É apenas assim que se torna possível entender que esses processos, aparentemente emancipatórios, acabam reforçando o processo histórico de constituição do indivíduo moderno.
Palavras-chave:Construção social do corpoConstrução social do corpo,nudeznudez,dançadança.
Abstract: The recurrence of nudity in contemporary dance creations in Brazil presents the following issue: how does the artistic production of the body on stage take part in the social construction of the body in the brazilian society? This text aims at showing a paradox: although the creators of the performance called Corpornô, based their project on a conception of the body as a symbol of human nature, they also seek to desconstruct the ordinary representations of the body in dance. This conflicting conception of the body seen as a product of a socio-historical construction to be desconstructed, on the one side, and as an artistic instrument for individual libertation on the other side, appears in the choreography as well as in the politicised discourse associated with the creative process. This text is, then, about re-signifying sociologically the politico-artistic act of placing on stage naked and erotized dancers, analyzing with a critical eye the figure of the contemporary artist, his discourses on transgression, his political acts of “re-appropriation” of the body against constraining social norms. It is only in this way that it becomes possible to comprehend these aparently emancipatory processes that end up reinforcing the historical process of the constitution of the modern individual.
Keywords: Social construction of the body, nudity, dance.
Artículos
Da construção social à desconstrução artística do corpo em cena. Uma análise da dança do Corpornô
From the social construction to the artistic desconstruction of the body on stage. An analisis of the dance of Corpornô
Recepção: 07 Novembro 2016
Aprovação: 02 Março 2019
Corpornô é um espetáculo criado pela companhia Dita de Dança Contemporânea, em Fortaleza. Foi apresentado na capital cearense várias vezes entre 2013 e 2016, provocando debates, elogios e controvérsias em torno da nudez no palco e da fronteira entre erotismo e pornografia num espetáculo de dança. A partir de uma reflexão sociológica baseada em uma análise detalhada da produção discursiva sobre este espetáculo (postagens nas redes sociais, blogs e artigos de imprensa incluindo entrevistas feitas com membros da companhia), procuro mostrar, aqui, como o cientista social pode analisar, com o referencial teórico da construção social do corpo, o que eu decidi chamar de “desconstrução artística do corpo em cena” Este artigo, ao combinar o estudo de uma criação coreográfica singular e do seu discurso com uma perspectiva sócio-histórica sobre a importância dada ao corpo na dança contemporânea, busca apontar a pertinência de uma abordagem sociológica do corpo e da arte para pensar a sociedade tal como os artistas a percebem e a produzem.
A pesquisa na qual se insere esta reflexão visa a estabelecer ligações entre a criação coreográfica e as dinâmicas políticas envolvidas no campo da Dança Contemporânea no Estado do Ceará. Lembro, neste artigo, a importância de considerar a dimensão política do corpo, ou seja, as forças de dominação, submissão e lógicas de resistência que o atravessam no quadro dos processos explícitos e implícitos de regulação e normalização dos indivíduos na sociedade, tal como pensada por autores como Pierre Bourdieu e Michel Foucault. Matéria censurada, autocontrolada, disciplinada, lugar do íntimo e do normatizado, o corpo (encenado) se tornou para muitos artistas, a fortiori na dança, um recurso crítico, um espaço de resistência ao poder normativo, e assim, um ato reivindicado como político. Neste contexto, este artigo tem como problemática a diferenciação entre, de uma lado, uma concepção socio-antropológica do corpo como produto e produtor das normas culturais ou representações simbólicas de cada sociedade e, do outro lado, uma abordagem artística na qual o corpo é considerado como um meio de expressão, experimentação e reflexão.
Desde sua emergência no início do século XX, a dança contemporânea e seus artistas dedicaram-se a uma preocupação constante: o corpo. Bem antes da criação de peças coreográficas como “Parades & Changes” (Anna Halprin, 1996 nos Estados Unidos) e “Good Boy” (Alain Buffard, apresentado em 1998 na França e em 2003 durante a IV Bienal de Dança do Ceará), ambas famosas por terem colocado a nudez em cena, o corpo já tinha sido instituído como objeto de discurso – muitas vezes político – além de ser um objeto estético e artístico de experimentação. Ou seja, a questão da nudez, em particular no espetáculo Corpornô, precisa necessariamente ser contextualizada dentro da história da dança contemporânea cuja reflexão- experimentação em torno da corporeidade aparece central nas mais variadas criações coreográficas de estilo dito “contemporâneo”. O nu apresenta-se como uma manifestação extrema (pelo menos geralmente percebida como tal) da hiperpresença do corpo na dança contemporânea. Obviamente, em todas as artes cênicas (incluindo a performance e os “happenings”), a presença do ator, bailarino ou performer passa pela exposição de si, ou seja, do seu corpo. Parafraseando Pierre Bourdieu (1980), o artista não possui um corpo reificado, ele é seu corpo. Este é entendido como “operador” de presença no mundo, evocando a visão fenomenológica de Maurice Merleau-Ponty (1945: 467).
Porém, deve-se pensar que, na dança contemporânea, a corporeidade não pode ser reduzida a uma mera necessidade imposta pela nossa própria condição humana. Ela é também considerada, e frequentemente, reivindicada, como um pensamento. Nesta ênfase recorrente sobre o corpo, até mesmo Laurence Louppe, crítica e pesquisadora em dança que foi uma das primeiras a enfrentar o difícil desafio de tentar definir a dança contemporânea (Louppe, 1997), dedicou um capítulo inteiro à questão do “corpo como poética”: Que o corpo possa achar uma poética própria na sua textura, seus apoios, se refere à própria invenção da dança contemporânea” (Louppe, 1997: 55).1
Na mesma linha de interpretação de Louppe, Fauller, coreógrafo da companhia Dita coloca a nudez, a política e a poética como focos centrais do seu trabalho criativo. No caso do Corpornô (que até contém a palavra “corpo” no seu título), é interessante interligar a poética particularmente imagética dos corpos “coreografados” com a proposta política explicitada nos comentários sobre o espetáculo. De fato, numa sociedade cearense marcada pela onipresença simultânea, por um lado, do mercantilismo corporal normalizando a busca do corpo ideal e, por outro lado, de um “machismo” conservador estruturante da cultura e identidade nordestinas tradicionais (Albuquerque Júnior, 2003), ao colocar no palco bailarinos nus com a “proposta de inquietar o público para pensar sobre o erotismo/ pornografia”, o coreógrafo não podia certamente afastar do seu discurso a significação política e provocativa desse ato artístico.
Em outubro de 2014, enquanto eu começava a refletir sobre o corpo nu na dança contemporânea criada e apresentada nos palcos cearenses, a televisão francesa divulgava um documentário inédito sobre a dança chamado “À poil” (pelado). Neste, o nu é posto em destaque num esforço de compreensão da dança contemporânea. A questão da nudez é revisitada à luz da história do seu uso nas artes cênicas do século XX até a atualidade. Desde a explosão do naturismo nos anos 1930 até o surgimento do movimento hippie nos anos 1960 (em particular na América do Norte), é interessante notar que há uma indissociabilidade entre a ideia de nudez e a liberdade como valor a ser defendida. Já nas criações dos pioneiros da dança moderna, existia uma busca de liberdade através da valorização do retorno ao natural, traduzindo-se pelo desejo de liberar o corpo da disciplina clássica. No Final do século XIX, a bailarina Isadora Duncan afirmava: “A nudez, é verdade, é beleza, é arte”2 (apud Crémézi, 1997: 106). Porém, é preciso esperar os anos 1990 para observar nas artes cênicas um boom de trabalhos com a nudez (nem sempre diretamente associada à sexualidade como neste caso do Corpornô).
No contexto cearense, vale lembrar os espetáculos Dionisíacos, apresentados no Theatro José de Alencar em 2011, os quais deixaram espectadores curiosos, chocados ou perplexos. O coreógrafo da Companhia Dita coloca em pauta a mesma referência mitológica ao comentar uma das criações precedentes da companhia como sendo um “momento de celebração, quase um culto a Dionísio”. Aqui também pode-se identificar uma certa ideia de libertação ou liberdade individual, conforme o texto de apresentação do espetáculo:
Transitando pelos territórios da pornografia e do erotismo, propomos uma relação de olhar e entendimento ainda mais íntima do corpo. O trabalho lida diretamente com a construção de imagens (horas impactantes, noutras pouco habituais) e com os percursos individuais de seus performers. Criando assim um corpo liberto-libertino e libertário.3
Da mesma maneira, um dos comentários nas redes sociais de um espectador entusiasta relaciona explicitamente essa criação à afirmação e defesa da liberdade individual:
Parabéns! maravilha ver-ouvir-ler algo assim exatamente no momento em que vivemos, de repressão das liberdades individuais. (publicação de um usuário do Facebook do coreógrafo, acessado em 10.09.2016)
Esse tipo de associação entre o corpo nu e a liberdade parece encontrar eco em inúmeras falas de artistas. No seu estudo da utilização do próprio corpo como suporte para arte no século XX, em particular a Body Art, Andrea Pessutti Rampini explica que “o corpo é concebido como a única posse e como território do exercício da liberdade individual” (Rampini, 2010).
Na dança contemporânea, a ideia de liberdade refere-se também a uma forma de contestação contra a dominação histórica da técnica disciplinadora do ballet. De modo geral, os artistas cearenses de dança contemporânea que abordam a nudez foram influenciados pelas criações apresentadas na Bienal Internacional de Dança do Ceará por artistas de fora, sobretudo franceses, que trouxeram com eles certa rejeição do virtuoso com a “intenção de expor o corpo no limite da competência técnica”.4 É neste sentido que surge um discurso em torno da nudez no âmbito da dança contemporânea no Estado do Ceará.
Associada ao erotismo como “força humana animal”, a nudez representa ao mesmo tempo o que tem de mais íntimo em cada ser humano e como tal, também o que tem de mais universalmente humano. Conforme Bataille (1980), filósofo que inspirou o coreógrafo do Corpornô, essa animalidade intrínseca à nossa humanidade é inalienável do erotismo.
Em 1912, quando Nijinsky apresenta no Théâtre du Châtelet a sua interpretação de “L’après- midi d’un faune”, a nudez das ninfas tomando banho está apenas evocada através das túnicas leves das bailarinas. Nesta coreografia, considerada como uma das criações fundadoras da dança moderna, o erotismo contido nas interações entre as ninfas e a criatura meio animal meio homem que o bailarino representa está mais sugerido do que explícito. Hoje, muitos coreógrafos de dança contemporânea romperam com as representações românticas do desejo e da sensualidade, buscando cada vez mais aproximar a representação cênica da experiência do real.
O espetáculo da Cia. Dita explora o lado animal e humano do homem, em cenas construídas a partir de experiências dos próprios bailarinos.5
A escolha da temática erótica, justificada pelo discurso de libertação ou dessacralização do corpo, como se vê nos comentários sobre o espetáculo Corpornô, reforça o mito naturalista do homem nu no estado selvagem.
Ser da [Companhia] Dita é isso. É ser de uma gangue que brinca com o abismo, é olhar os medos de frente, chegando de mansinho próximo a um animal selvagem (publicado pelo coreógrafo na sua página Facebook, acessado em 07.09.16).
Afinal, essa afirmação contribui para nutrir uma busca do primitivismo presente no tipo de movimentação, nas atitudes e na estética cênicas que representa a nudez na dança. “Essa afetividade em potência que representa a pele descoberta, o corpo no estado de natureza, profunda e violenta, pode então evocar mais uma vez as forças de um primitivismo que operam na dança contemporânea” (Crémézi, 1997: 107).
“O corpo é uma construção simbólica, não uma realidade em si” (Le Breton, 2011: 18). Aparentemente, o corpo, ainda mais quando exibido nu, constitui o último espaço de estado de natureza do homem. Esta representação do senso comum permeia o discurso do coreógrafo do Corpornô quando ele afirma apresentar o corpo, sem máscaras, sem grandes artifícios,6 eu quero só o corpo,7 ou ainda no folheto de apresentação do espetáculo, quando evoca a vontade de mergulha[r] nas profundezas do ser humano, lidando assim com o que existe de animal, social, humano e inumano em cada um de nós.8 Ele explica que essas reflexões foram inspiradas por textos de Georges Bataille sobre o poder do erótico para revelar o mais “obscuro, natural e inumano” presente em nós. Claramente, falar de construção social do corpo (Détrez, 2002) significa romper com essa visão do corpo como expressão natural do ser humano.
Em um dos artigos de divulgação do espetáculo, o jornalista descreve ainda os bailarinos ora muito bem vestidos em figurinos impecáveis, ora vestidos de uma nudez crua.9 Por que a nudez aparece como “crua”? Essa impressão de crueza evidencia mais uma vez a força do mito selvagem do corpo nu, já que, como demostrou Lévi-Strauss (1964), a transformação do cru em cozido estabelece uma fronteira civilizatória entre os seres humanos e os animais, estes condenados a consumir alimentos crus.
Contra uma visão – consciente ou inconscientemente – naturalista, a ideia da construção social do corpo implica que o corpo seja concebido como o produto da socialização, lembrando que esta é sempre plural, polimorfa e dinâmica no tempo. Neste sentido, o corpo vai se formando, transformando, conformando, deformando na medida em que o indivíduo constrói a sua identidade, incorpora técnicas e saberes e identifica-se com valores ou ideais (Darmon, 2006). Este processo de interiorização é tão profundo que o que foi aprendido por meio da socialização paradoxalmente parece ser natural. Parece ser natural andar, comer com talheres, pentear o cabelo de certa maneira, repetir todo dia rituais higiênicos (para tomar o exemplo estudado por Mary Douglas, 1966) ou, no caso dos artistas de dança, improvisar movimentos. Porém, tudo isso, que está incorporado em cada um de nós, foi objeto de aprendizagem social e cultural. Assim, como explica Détrez (2002: 19) “o corpo está preso em uma dialética que parte de um dado natural para fazer dele um objeto cultural e, ápice da natureza, incorporando de tal modo os aspectos mais sociais e culturais que estes passam de novo por serem naturais”.
Assim sendo, o discurso do coreógrafo que enfatiza o natural encontra-se antagônico com o relato que ele mesmo faz do treino físico e das preocupações alimentares antes das apresentações.
Passamos as últimas semanas sobre dietas pesadas e sessões de musculação que não acabavam nunca, cada um com um objetivo bem específico. Não podíamos beber uma gota de álcool ou comer exatamente o que queríamos, e assim seguimos (acho que esse sempre será o meu lugar, o lugar da disciplina e da provocação) (Publicado pelo coreógrafo na sua página Facebook, acessado em 07.09.16).
Com base nesta descrição, vale citar Foucault (1991) e seus escritos sobre a disciplinarização para lembrar que a exposição dos corpos nus dos bailarinos, longe de ser natural e espontânea, é cuidadosamente preparada, pensada, ou seja, viabilizada graças a um longo trabalho de disciplinarização do corpo a ser mostrado nu.
Transitando pelos territórios da pornografia e do erotismo, propomos uma relação de olhar e entendimento ainda mais íntima do corpo
Fonte: (Publicado pelo coreógrafo na página Eventos do seu Facebook, acessado em 07.09.16).
O fato de exibir no palco a intimidade do artista, ou seja, seu corpo nu e sua sexualidade, produz no público a sensação de adentrar em um espaço privado e de presenciar ações e reações físico- emocionais que não são comumente expostas ao olhar dos desconhecidos. Ao encenar sua atividade sexual, os bailarinos criam de fato um espaço íntimo com o público, colocando-o voluntariamente numa relação de proximidade na qual o desvendamento de si substitui qualquer tipo de pudor. Não por acaso, um dos artigos de divulgação do espetáculo na imprensa foi intitulado “teatro despudorado”.
Será isto uma forma de exteriorização de uma interioridade voltada para o mundo exterior, ou voltada para si mesmo ao olhar-se nos olhos do público? Claramente não se trata tanto de uma intimidade secreta, mas de uma intimidade de desvendamento que refere ao que Richard Sennett (1999) identifica como hipervalorização da intimidade, isto é, uma das características centrais de nossas sociedades contemporâneas nas quais afirma-se cada vez mais uma forte separação entre vida pública e vida privada.
A imagem de verdade e sinceridade associada à personalidade íntima, e, no caso da dança contemporânea, ao corpo nu, emblema de uma intimidade “realista”, contribui ao esvaziamento da esfera pública. Neste sentido, Sennett (1999) argumenta que o triunfo dessa “sociedade intimista”, fruto das tradições de superexposição das personalidades que surgiram nas sociedades ocidentais dos séculos XVIII e XIX, resulta na ascensão de uma cultura narcísica. A obsessão com a individualidade, segundo Sennett, assinala o declínio do homem público, doravante retraído no conforto da esfera privada. Assim, abandona-se o espaço público para o benefício de dois tipos de tirania: o narcisismo e o carisma.
No que diz respeito ao espetáculo Corpornô, é interessante notar a superposição do carisma dos bailarinos com a valorização do íntimo por meio da nudez sexualizada, da individualidade corporificada, ou seja, de certo narcisismo. Pode-se perguntar se a hipervalorização do íntimo no palco não se torna uma das estratégias atuais de afirmação identitária do artista contemporâneo. Vale frisar também, no caso desta criação coreográfica, o valor e significado políticos atribuídos pelos artistas à encenação do corpo e da sexualidade. Longe de procurar o isolamento no espaço privado e o afastamento da vida pública, esses artistas propõem um jogo que, dentro do contexto do teatro, dá à própria intimidade sexual, um papel contestador da ordem pública.
Norbert Elias (1990), por sua vez, descreve o processo de civilização como desenvolvimento do pudor na cultura ocidental no sentido de uma progressiva regulação e interiorização do controle do corpo, seguindo regras de civilidade que prescrevem ou proíbem certos comportamentos vistos como grosseiros, impulsivos ou emocionalmente descontrolados. Desde a infância, a criança aprende a esconder ou apresentar certas partes do seu corpo de determinada maneira. Isto faz parte da socialização primária e continua ao longo das socializações secundárias. Neste código social, cada indivíduo sabe que determinadas atividades da vida diária – incluindo a sexualidade – pertencem à esfera íntima. Quando o artista escolha exibir o seu corpo nu no palco, ele necessariamente provoca o público porque está transgredindo o valor “normal”, ou seja, social e historicamente construído, do pudor que delimita a fronteira entre o que se pode mostrar em espaços públicos e o que se pode ver em contextos privados. .O pudor é a fronteira daquilo que poderíamos considerar civilizado. A nudez, nesse sentido, é uma vivência que nos coloca incomodamente nessa região tensa, limítrofe. (Ferreira e Silva, 2011: 148).
A codificação social delineando as manifestações corporais aceitáveis ou inaceitáveis permeia “a experiência contemporânea da nudez”. É neste sentido que Ferreira e Silva (2011) interligam a definição do pudor com a sensação do estranho. “O pudor é uma experiência de estranhamento, no sentido que essa palavra adquiriu a partir de Freud, ou seja, viver como estranho aquilo que nos é mais íntimo e como íntimo, próprio, aquilo que nos é mais estrangeiro” (Ferreira e Silva, 2011: 147).
Ao refletirem sobre a condição do ser humano e sua dimensão animal, os autores citam Jacques Derrida cuja obra O animal que logo sou começa com a narração da experiência de constrangimento do filósofo ao perceber-se objeto do olhar distraído de seu gato de estimação. Elias, também, no seu estudo do processo histórico de civilização, destaca o papel fundamental do olhar para estabelecer a fronteira entre o público e o privado. Com o “processo civilizador”, os costumes ocidentais começam a evoluir em relação à nudez, aos cuidados corporais e à sexualidade. A interiorização de um crescente autocontrole sobre os impulsos básicos e as emoções tende a regular cada vez mais as interações humanas. Na época da corte de Versailles, em torno do rei, cada um observa e é observado com vigilância. A mesma lógica do poder controlador do olhar é enfatizada por Michel Foucault (1991) no seu estudo da prisão.10
O olhar do espectador não é aquele que vigila ou controla o outro, e muito mais aquele que aprecia, avalia enfim, recebe e interpreta imagens e sensações. Nesta relação unilateral de observação, o controle não está dirigido para aquele que se mostra no palco mas para aquele mesmo que observa. De fato, o público não tem outro poder de reação do que exprimir suas emoções de um modo aceitável dentro de um teatro (aplauso, suspiro, riso, etc.) ou controlar seus impulsos. O comentário de um dos espectadores no seu blog é explícito neste sentido:
A plasticidade dos corpos nus, as formas e imagens criadas transportam o espectador para o campo do desconforto. É possível assistir ao espetáculo e perceber o tema não só na postura solta e desenvolta dos bailarinos. Corpornô é também o corpo retraído do espectador que se retorce na cadeira com seu desejo incontrolável de expressar prazer.11
Neste outro depoimento de espectador, percebe-se que a sensação de pudor nasce do fato de assistir a cenas construídas a partir de experiências privadas e reais dos próprios bailarinos muito mais do que na contemplação dos corpos nus divulgando sua sexualidade. Aqui o choque vem da personalização da intimidade que impede a reificação do corpo e a transformação do sexo em objeto de consumo.
A exposição que me aporrinhou não foi a dos corpos dos seus artistas abertos na cara do público, não foi a do fleur-de-rose à meia luz, nem mesmo a dos cinco dedos descavernando um ânus. O que me deixou inquieto e interessado foram os vídeo-depoimentos e a franqueza das memórias dos seus artistas, que tão intimamente nos fizeram penetrar em suas vidas. [...] E ver essa disponibilidade de seus artistas para revelarem-se muito além dos seus corpos me era o mais instigante, me colocava em choque com a própria realidade.12
Dentro do cenário do teatro, o desconforto do espectador assistindo à sexualidade exposta em cena se localiza provavelmente na tensão entre a interiorização do papel coercitivo do olhar na vida social (tanto sobre si mesmo como sobre o outro) e a experiência transgressiva proposta pelo coreógrafo que faz o público olhar o que deveria estar escondido em um espaço privado. A vontade afirmada pelos artistas de quebrar tabus visa a retirar o espectador de um estado de indiferença e passividade. De fato, o coreógrafo lembra nas redes sociais: Gosto de provocar, e isso é dito sem culpa (publicado pelo coreógrafo na sua página Facebook, acessado em 10.10.2016). Oferecida aos olhares da platéia, a exibição da intimidade não evidencia apenas o corpo dos bailarinos, mas também os seus desejos, prazeres e histórias de vida pessoais. Nesta experiência voluntariamente desestabilizadora, os artistas brincam com o equilíbrio normalizado das condutas humanas socialmente aceitáveis e aceitadas. Isto, apresentado como ato político, faz parte do processo de desconstrução artístico do corpo em cena. Afinal, essa observação reforça a necessidade, para o sociólogo, de nunca esquecer a duplicidade do corpo sublinhada por Ferreira.
O corpo tem sempre, em potência, essa dupla capacidade de se revelar lugar não apenas de conformação social, mas também de confrontação social, de forças ativas e reativas, de controle e resistência, de autoridade e subversão, de contenção e excesso, de disciplina e transgressão, de poder e evasão, de alinhamento e oposição, de reprodução e inovação, de dominação e agenciamento, de subordinação e emancipação (Ferreira, 2013: 510).
Os modos com os quais o corpo é exibido e posto nu diante do público revela essa tensão permanente, pois, ao lado da atitude francamente transgressiva, existem concepções filosóficas e estéticas, códigos cenográficos nem sempre totalmente racionalizados pelos artistas e técnicos do teatro. Privilegiando certos gestos, certas atitudes em detrimento de outras – o que constitui a definição do ato de coreografar, o coreógrafo fabrica irremediavelmente o corpo dos bailarinos no olhar do espectador. Neste sentido, não há de se enganar, é justamente porque existe uma montagem altamente ritualizada e codificada no palco que a ostentação do corpo nu é permitida nesse determinado contexto teatral.
De forma semelhante no seu estudo sociológico do topless nas praias (francesas), Jean- Claude Kaufmann (1995) mostra o quanto a exposição dos seios – prática simbolizando mais uma vez a ideia de uma libertação do corpo feminino – revela- se ser altamente codificada e autocontrolada. Sob a aparência da liberdade e de gestos ditos naturais, o sociólogo identifica uma forte ritualização obedecendo a regras específicas de comportamento, dependendo essencialmente da idade e da morfologia da mulher. Neste contexto também, a questão do olhar é essencial. Diante das mulheres praticando topless na praia, o único olhar socialmente admitido é um olhar neutro, flutuante, assexual e distanciado. Trata-se de uma arte de “ver sem ver”.
Do mesmo modo, a arte de dançar nu no palco consiste em um trabalho cenográfico minucioso a fim de, num mesmo movimento paradoxal, exibir ostensivamente o corpo e esquecê-lo, como se fosse possível para ele desaparecer da atenção do público. Trabalhar com a nudez nas artes cênicas supõe tratar da questão do visível e do invisível, do exibido e do escondido, e até do que será olhado, examinado ou negado pelo espectador. No seu blog, o coreógrafo comenta as reações do público logo após ter visto o espetáculo anterior da companhia.
Constantemente nos fazem elogios feitos com a maior boa vontade a respeito do meu trabalho, entre tais, um me faz tremer na base, justo quando escuto: amei o seu trabalho, a nudez foi trabalhada de forma tão artística... Há outro exemplo que considero ainda mais grave: achei lindo o seu espetáculo, a gente nem percebe a nudez.13
Lidar com as percepções e olhares das plateias faz parte do ofício do artista. Neste exemplo, é interessante notar a defasagem entre a vontade do artista que diz viver a nudez como condição fundamental do homem e a reação socialmente construída do espectador que se sente obrigado a negar ou, pelo menos, não olhar o corpo nu dos bailarinos. O jogo no qual se encontra o espectador aparece como semelhante ao do indivíduo qualquer que se encontra no espaço público na situação dilemática de observar explicitamente ou de fingir não olhar.
O comportamento público era um problema de observação e de participação passiva, um certo tipo de voyeurismo. Balzac chamava-o “gastronomia dos olhos”; a pessoa está aberta para tudo e nada rejeita a priori de sua esfera de ação, contanto que não tenha de se tornar um participante ou envolver-se numa cena. Esse muro invisível de silêncio enquanto um direito, significava que o conhecimento, em público era questão de observação (Sennett, 1999: 43).
Na encenação – ou espetacularização – da nudez e da sexualidade, há necessariamente uma série de escolhas estéticas que visam a exibir ou disfarçar certas partes do corpo. A iluminação, por exemplo, é um jogo entre claridade e escuridão evidenciado nas fotos de divulgação do espetáculo. As posições e os movimentos dos intérpretes também são coreografados, respeitando regras particulares, conscientes e inconscientes. Por isso, os movimentos são geralmente mais lentos, o que faz com que um espectador decepcionado diga ter visto apenas [quadros] e [quadros] e [quadros] e [quadros]...14 Ao que o coreógrafo responde: Corpornô tem uma coisa de teatro muito forte, embora não tenha texto, mas nos movemos, coreograficamente, menos.15
Nos anos 2000, enquanto o chamado “porno chique”16 influencia o marketing e a comunicação publicitária fazendo do corpo erotizado um objeto de consumo na busca de prazeres, as artes cênicas utilizam a nudez para denunciar o sistema consumista. Assim, a dança contemporânea transforma o corpo numa ferramenta de crítica social. Os coreógrafos manipulam o corpo, ora com exibição da nudez, ora com experimentações orgânicas (vomitar, urinar, explorar os orifícios do corpo etc.) afirmando assim a necessidade de dessacralizar o corpo.
Além de provocar escândalos, esses espetáculos defendem a ideia de que o corpo representa um objeto ou meio de reflexão/pesquisa em movimento mais do que uma matéria-ferramenta técnica (concepção associada ao ballet clássico). Trata-se, então, de refletir sobre, com . pelo corpo. Encenando indagações existenciais tais como o que é o corpo? a dança? quem somos?, os artistas rejeitam as evidências socialmente normalizadas propondo uma dança dita “conceitual” profundamente influenciada pela filosofia. Entre outros exemplos, podemos citar a sintomática expressão da pesquisadora em dança, Thereza Rocha que fala de “dança como pensamento”. “O filósofo Alain Badiou, no belíssimo texto La danse comme métaphore de la pensée, anuncia logo no primeiro parágrafo a sua incumbência: ‘Aqui tratar- se-á do pensamento. Do pensamento quando ele se apresenta sob a metáfora da dança” (1993: 11). Parafraseando-o, eu inverteria os papéis dizendo: Aqui tratar-se-á da dança. Da dança quando se apresenta sob a metáfora do pensamento. E imediatamente corrigir-me, dizendo: Aqui tratar-se-á da dança. Da dança como pensamento’” (Rocha, 2012: 75).
Também, na dança do Corpornô e nas explicações dos bailarinos e coreógrafo, pode-se identificar o desejo de provocar uma reflexão profunda que iria além da reação epidérmica instantânea do espectador. Em material de divulgação do espetáculo, podemos ler que o grupo [da Companhia Dita] utiliza a nudez do corpo como meio para o discurso político, estético, artístico e filosófico17 ou ainda que usa a nudez para despertar no público questionamentos sobre a sua própria sexualidade, a forma como vê e lida com a nudez, com o seu corpo e o corpo do outro.18 O corpo e a nudez tornam-se, então, matérias que pensam, matérias para pensar. É neste sentido que podemos falar de uma desconstrução artística do corpo. As escolhas do coreógrafo (a nudez, os movimentos e deslocamentos dos corpos no palco, a iluminação cênica, etc.) buscam criar uma inquietação no público, um certo desconforto do qual surgiria um questionamento sobre o “corpo ideal”, ou seja, o conjunto de representações do corpo em uma dada sociedade, em uma dada época. A posição do coreógrafo poderia ser entendida como uma forma de indisciplina artística (e cidadã) entrando em confrontação com a obrigação social de conformidade e disciplina diante do modelo de um corpo perfeito.
Ao comentar o espetáculo, a bailarina Wilemara Barros insiste sobre as questões estéticas em torno do nu feminino lembrando que a mulher é ensinada cedo a ser velada e coberta, pois o corpo feminino é tido como sagrado.19 No palco, o corpo e sua imagem estetizada pelo trabalho coreográfico tornam-se ferramentas de comunicação para suscitar na plateia uma conscientização dos padrões de beleza, magreza e juventude a eles associados. De acordo com Détrez (2002: 193) “a transgressão dos tabus pode existir sob várias formas. Assim, alguns artistas cultivam o realismo e mostram, em vez de nus femininos acadêmicos e bem proporcionados, a trivialidade, a feiura, a velhice, a deficiência ou a morte”.20 No caso do Corpornô, há um duplo jogo que combina a crítica de imagens corporais idealizadas e a vontade de mostrar corpos ordinários.
Como podemos ver nesta Imagem 4, a caricatura da imagem estereotipada da mulher ideal por meio de atitudes codificadas, modos de se movimentar, acessórios típicos, expressões faciais, etc. pode até sugerir uma crítica humorística na medida em que expõe exageradamente os atributos naturalizados da mulher. Existe, certamente, um paradoxo no fato dos coreógrafos (especificamente de dança contemporânea) pregarem ou reivindicarem uma libertação do corpo, apresentada como uma dessacralização ou desconstrução das normas corporais socialmente instituídas, isso no próprio contexto da dança, atividade altamente disciplinadora e codificada (até mesmo no discurso de experimentação típico da dança contemporânea). Contudo, a ênfase na exibição deliberadamente realista de corpos mostrados como ordinários soa como um desejo de desafiar as normas politicamente corretas no intuito de revelar tabus corporais e romper com a idealização das representações de beleza. Essa postura de denúncia poderia ser aproximada da obra polêmica da artista francesa Orlan, que realiza intervenções cirúrgicas transformando o próprio corpo com o intuito de criticar, questionar a busca incessante pela beleza e a fragilidade do corpo frente aos avanços tecnológicos.
Imagens como essa, que compõem os quadros cenográficos do Corpornô, contestam claramente a tradição de figuração do corpo humano nu que marcou a história da arte, em particular as obras do Renascimento europeu, e que não pode ser dissociada do arquétipo ocidental legítimo de beleza assimilado – ou melhor, apropriado – pelas classes dominantes brasileiras. Entende-se, então, que o processo de desconstrução da nossa experiência corpo-humana sobre o qual se baseia a criação desse espetáculo, ganha, para os coreógrafos e os bailarinos da companhia, uma significação militante.
No início do século XX, a nudez na dança já constitui um ato subversivo. Seja nas coreografias de Nijinski, seja nas apresentações improvisadas de Isadora Duncan, existia uma vontade militante de desestabilizar a ordem estabelecida. A ideia da subversão ainda está presente no discurso do coreógrafo do Corpornô quando declara “nós quisemos subverter até essa noção de tempo”! No contexto da vanguarda da dança contemporânea americana dos anos 1960 e 1970, a nudez representa ainda um gesto militante. Assim, a coreógrafa Anna Halprin, já citada por seu trabalho com o nu na dança, afirma que “quando estamos diante de preconceitos, torna-se uma expressão política” (Halprin apud Crémézi, 1997: 107).
Mas mesmo assim, voltando à análise de Kaufmann (1995), podemos dizer que além – ou aquém – da vontade de desconstruir por meio da dança a nossa experiência corporal, trata-se ainda de um processo de construção social. Dito de outro modo, a vontade de romper com as normas sociais vem se juntar com a reprodução de códigos nos modos de mostrar e mover o corpo diante do olhar do Outro. Conforme Pierre Bourdieu (2014) e sua teoria da dominação masculina desenvolvida a partir do conceito de violência simbólica, não se consegue “vencer” uma dominação incorporada com armas da consciência e da vontade – seja artística, política e/ ou filosófica – pois a sua eficácia está inscrita no mais íntimo do ser humano, nos corpos e nas estruturais mentais. O projeto subversivo dos artistas do Corpornô encontra seus limites na impossibilidade para os artistas de desenvolver a plena consciência de seus próprios condicionamentos que fizeram de normas sociais e artísticas evidências inquestionadas ao serem incorporadas. Até a necessidade de superação inovadora e crítica, princípio mais ou menos tácito da criação artística contemporânea pode ser interpretada desta maneira, sendo interiorizada pelos artistas nas suas maneiras de produzir arte.
Na Dança Contemporânea, a obsessão do corpo – tanto no discurso como no encenamento de uma vontade de experimentar os limites do ser humano – constitui uma maneira do artista pensar sua existência ao mesmo tempo privada e pública, singular e comum. “Habitar” o seu próprio corpo, expondo-o diante do olhar de um público lhe permite expressar uma concepção de si e do mundo juntando o íntimo e o universal num mesmo lugar: o corpo. No contexto de uma sociedade individualista na qual o corpo é percebido como “o recinto do sujeito, o lugar do seu limite e de sua liberdade, o objeto privilegiado de uma fabricação e de uma vontade de domínio. (Le Breton, 2011: 18), o espetáculo Corpornô participa, até certo ponto, da busca existencialista do indivíduo ocidental, sintoma do crescimento do que Durkheim (1968) denominou de “fator de individuação”, caracterizado pela preocupação com o eu. “Nossa sociedade, dominada pelo ‘ego’, seria assim o lugar de encerramento em si mesmo, nos limites de seu corpo como marca do indivíduo, e consequentemente, do surgimento do narcisismo” (Détrez, 2002: 191).
Apesar dos discursos desconstrutivos revelando um projeto político de crítica social, os artistas de dança contemporânea no Ceará que produzem obras cênicas pensando sobre, com e/ ou pelo corpo (paradoxalmente) inscrevem-se plenamente no sistema de representações modernas. Então, por um lado, eles criticam a sociedade, suas normas constrangedoras, seus tabus e interdições, porém, do outro lado, chamando mais uma vez atenção sobre o corpo, eles acompanham e até contribuem a produzir a valorização do indivíduo como individualidade (corporificada), ou seja, a definição dada por Durkheim ao processo de individuação, marca fundamental das sociedades individualistas da modernidade ocidental.
Essa reflexão nos leva à ideia de Le Breton (2011) segundo o qual, na modernidade, os atores sociais estão à procura do reencontro com seus corpos. Numa sociedade brasileira na qual a preocupação pelo corpo está presente em todas as dimensões da vida, o que significaria esta busca no contexto da criação artística? Lançando uma hipótese ousada, brincando com uma das referências históricas na construção da identidade artística brasileira, gostaria de terminar com uma pergunta aberta. Será que a recorrência da nudez e das questões ligadas à corporeidade na dança contemporânea brasileira e, singularmente, nos espetáculos da Companhia Dita, denota o deslocamento da antropofagia cultural historicamente associada à arte moderna no Brasil para algo que poderíamos identificar como um “existencialismo carnal”, ou seja uma manifestação da busca por si mesmo do indivíduo que passaria pelo próprio corpo?
Formada em sociologia e antropologia com doutorado pela universidade Paris Ouest Nanterre La Défense (2011), AnneSophie Gosselin desenvolve pesquisas nas ciências sociais com ênfase na sociologia do corpo e antropologia da arte. Trabalha prinicipalmente com os seguintes temas: dança, cultura, política, educação e trabalho social. Atualmente é professora adjunta do curso de sociologia, Instituto das Humanidades, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).