Resumo: A criação do conhecimento pode ser associada à economia criativa ao se considerar a criação de valor a partir da criatividade, dos ativos intelectuais e do conhecimento. Ainda que os estudos tenham evoluído com características específicas de cada campo, no contexto organizacional a aprendizagem pode ser considerada como um fator intrínseco aos processos de criação do conhecimento. Dessa forma, o artigo objetivou analisar a criação de conhecimento, sob a ótica da aprendizagem organizacional, em uma empresa criativa, a partir da teoria da Criação do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi (1997), com a finalidade de examinar a relação entre criação do conhecimento e aprendizagem. Realizou-se pesquisa exploratória e descritiva, associada a um estudo de caso. Os resultados indicam um predomínio das práticas de socialização do conhecimento nos métodos informais e nas experiências de cada colaborador. A análise do caso revela também a vertente social da aprendizagem e a aprendizagem situada tanto na dimensão epistemológica quanto ontológica da criação do conhecimento.
Palavras-chave:criação do conhecimentocriação do conhecimento,aprendizagem organizacionalaprendizagem organizacional,economia criativaeconomia criativa.
Abstract: The creation of knowledge can be associated to the creative economy by considering the value creation from creativity, intellectual assets and knowledge. Although studies have evolved with specific characteristics in each field, on organizational context learning can be considered as an intrinsic processes of knowledge creation process. Thus, the article aims to analyze the knowledge creation , from the organizational learning perspective in a creative company from theknowledge creation's theory, from Nonaka and Takeuchi (1997), in order to examine the relationship between knowledge creation and learning. We conducted exploratory and descriptive research associated with a case study. The results indicate prevalence of the knowledge sharing's practices in informal methods and experiences of each employee. The case analysis also reveals the social aspects of learning and situated learning in both epistemological and ontological dimension of knowledge creation.
Keywords: creative economy, knowledge creation, organizational learning.
Criação de Conhecimento sob a Ótica da Aprendizagem Organizacional em uma Empresa Criativa
Knowledge Creation under Organizational Learning Perspective in a Creative Company
Recepção: 03 Novembro 2013
Aprovação: 19 Julho 2014
A criação de conhecimento é tema de estudo em diversas áreas, tais como inovação, aprendizagem, aprendizagem organizacional (AO) e gestão do conhecimento. A teoria da criação do conhecimento proposta por Nonaka e Takeuchi (1997) é embasada na interação entre conhecimento tácito e explícito nos diversos níveis de entidades criadoras de conhecimento – do individual ao interorganizacional – e é tema principal da presente pesquisa. No campo da economia criativa (EC), a criação de conhecimento visa à geração de valor tendo como matéria prima a criatividade e propõe uma forma diferente de exploração econômica, na qual “quem possui ideias pode, em alguns casos, se tornar mais poderoso do que quem possui a máquina” (HOWKINS, 2001, IX).
Um fator intrínseco à criação do conhecimento é a aprendizagem. Chiva e Alegre (2005) afirmam que apesar dessa relação ser implícita e lógica, e do fato de alguns autores terem destacado sua importância, o desenvolvimento de ideias sobre conhecimento e aprendizagem organizacionais têm trilhado caminhos independentes. Isso ocorreria devido, principalmente, a diferentes linguagens e diferentes fontes teóricas utilizadas pelos respectivos temas. Os autores também indicam que a gestão do conhecimento organizacional é principalmente estudada por técnicos e acadêmicos na área de gestão estratégica e faz uso de linguagem econômica, enquanto AO é tema dominado por acadêmicos da área de recursos humanos.
Nesse sentido, o presente artigo objetivou examinar as relações entre os temas apresentados, de forma a analisar a criação do conhecimento, sob a ótica da aprendizagem organizacional em empresa do setor criativo, ou seja, considerando, dentro da criação do conhecimento, os processos de aprendizagem formal e informal. A abordagem teórica considerada para o estudo foi a teoria da Criação do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi (1997). Para a setorização da empresa enquanto pertencente à indústria criativa fez-se uso da classificação da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD (2010). Quanto à metodologia, trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, cujo método é o estudo de caso.
A criação do conhecimento no setor criativo não pode ser verificada de forma padronizada. Porém, o estudo é justificado por contribuir para a formação de uma abordagem descritiva da criação de conhecimento na EC. É importante se considerar também que segundo a UNCTAD (2010) as indústrias desse setor foram as que menos sofreram abalos com as últimas crises econômicas. A mesma defende que a EC pode contribuir para crescimento e prosperidade dos países, especialmente aqueles em desenvolvimento que desejam diversificar suas economias por meio de estratégias inovadoras e sustentáveis. No Brasil, reconhece-se a importância desse setor econômico, pois este pode beneficiar-se da diversidade cultural e potencial criativo do povo brasileiro.
A interligação entre conhecimento e aprendizagem não é vista como algo delimitado. Além da clássica abordagem das organizações que aprendem a gestão da aprendizagem nas organizações e a gestão do conhecimento surgem como alternativas para entender como as organizações aprendem de forma a gerar vantagem competitiva (HENRIQSON; KUREK, 2011).
A teoria de Criação do Conhecimento proposta por Nonaka e Takeuchi (1997) tem destaque nessas abordagens. Essa teoria é embasada na interação entre conhecimento tácito e explícito nos diversos níveis de entidades criadoras de conhecimento e apresenta quatro formas de conversão do conhecimento e condições capacitadoras. Esses fatores serão descritos para posterior análise dos dados coletados no estudo.
Os trabalhos de Nonaka e Takeuchi sobre a Criação do Conhecimento apresentam a visão oriental do tema e surgem para explicar o sucesso das empresas japonesas nos anos 90. Por isso, a perspectiva utilizada não segue o dualismo cartesiano, a separação entre o corpo e a mente e que leva a organização a ser vista como máquina de processamento de informações. De forma oposta, essa teoria segue a visão da organização como um organismo vivo, onde as pessoas não só a compõe, mas estas são a própria organização.
Sob essa perspectiva, desenvolver o conhecimento das pessoas é desenvolver a organização como um todo, pois se entende que o conhecimento nasce do indivíduo. Nonaka e Takeuchi (1997, p.14) afirmam que “embora utilizemos a expressão conhecimento organizacional, a organização não pode criar conhecimento por si mesma, sem a iniciativa do indivíduo e a interação que ocorre dentro do grupo”.
A teoria do conhecimento é apresentada pelos autores de acordo com duas dimensões: (i) epistemológica, e (ii) ontológica. A dimensão epistemológica diz respeito à distinção entre conhecimento tácito e explícito. Já a dimensão ontológica trata dos níveis de entidades criadoras do conhecimento – individual, grupal, organizacional e interorganizacional. A interação entre essas duas dimensões resulta na “espiral” da criação do conhecimento (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).
Para explicar o processo de criação do conhecimento, cabe entender a distinção entre conhecimento tácito e explícito: “o conhecimento tácito é pessoal, específico ao contexto e, assim, difícil de ser formulado e comunicado. Já o conhecimento explícito ou “codificado” refere-se ao conhecimento transmissível em linguagem formal e sistemática” (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 65). Assim, a teoria adota a visão de Polanyi (1966) de que o indivíduo pode saber mais do que pode dizer. Essa visão difere da epistemologia tradicional, segundo a qual há separação entre sujeito e objeto (dualismo) e os seres humanos adquirem conhecimento pela análise dos objetos externos.
A conversão do conhecimento dá-se de quatro modos, conforme Quadro 1. Assim, o conhecimento humano é criado e expandido através da interação social entre o conhecimento tácito e o explícito. O processo não é parado, mas sim uma interação contínua e dinâmica entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito:
Quando são internalizadas nas bases do conhecimento tácito dos indivíduos (...), as experiências através da socialização, externalização e combinação tornam-se ativos valiosos. No entanto, para viabilizar a criação do conhecimento organizacional, o conhecimento tácito acumulado precisa ser socializado com os outros membros da organização, iniciando assim uma nova espiral de criação do conhecimento (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p.77).
Essa dinâmica, quando associada à dimensão ontológica, forma uma espiral e resulta no processo de criação do conhecimento. Assim, o processo em espiral, tem seu início no nível indivíduo (tácito seria a base) e a interação entre o conhecimento tácito e conhecimento explícito terá uma escala cada vez maior na medida em que avançarem os níveis ontológicos (seções, departamentos, divisões e organizações). A conversão do conhecimento precisa de cinco condições que capacitam e promovem a espiral. Essas condições estão expostas no Quadro 2.
Com todos esses elementos, Nonaka e Takeuchi (1997) apresentam o Modelo de Cinco Fases do Processo de Criação do Conhecimento Organizacional (Figura 1).
As fases ao longo das quais as condições capacitadoras atuariam são: i) compartilhamento do conhecimento tácito; ii) criação de conceitos; iii) justificação de conceitos; iv) construção de um arquétipo; e v) difusão interativa do conhecimento.
Mais recentemente, Nonaka, Toyama, e Hirata (2011) desenvolvem mais sobre o modelo de criação do conhecimento apresentado explicando-o e relacionando-o com o fator cultural, o que mais serve à integração do modelo com a economia criativa. Para eles, o conhecimento é visto como um processo. Está relacionado às crenças, aos processos, à cultura. O conhecimento é criado através das interações, do feedback entre colegas.
O conhecimento é subjetivo, estético e criado pela prática. A consequência disso é que: o conhecimento afeta e é afetado pelo ambiente em todos os momentos. Neste sentido, o ser humano precisa ser entendido, pois ele é parte essencial do processo de conhecimento.
Assim, o modelo SECI é um modelo processual, ele inicia com a socialização dos indivíduos, avança para a externalização dentro dos grupos, para as combinações e, então, volta para a internalização nos indivíduos. O aspecto mais importante é que os indivíduos, os grupos e as organizações estão eles próprios se transformando durante o processo de criação de conhecimento, uma vez que eles mesmos são uma coleção de processos.
Um dos componentes do Processo SECI é o BA, o '' contexto compartilhado em movimento, em que o conhecimento é compartilhado, criado e utilizado. BA é mais do que uma comunidade de prática onde aprendizagem ocorre, é um lugar de criação do conhecimento, que tem as seguintes características: auto-organização, senso de propósito comum, diversidade de conhecimento, fronteiras abertas e compromisso dos participantes. Enfim, o BA é um contexto que envolve tempo e lugar para trocas de conhecimento. São chamadas de BA: condições capacitadoras, contexto apropriado que propicie e facilite a criação do conhecimento, pois o conhecimento não pode ser criado no vácuo, ele precisa de um lugar que dê significado à informação através da interpretação..O BA é esse contexto dinâmico de interação, que fornece a energia, a qualidade e o local para a conversão do conhecimento ocorrer. Ele não acontece sozinho, necessita que a organização e as pessoas criem e colaborem com este espaço (NONAKA; TOYAMA; HIRATA, 2011).
A análise dos dados do estudo de caso em questão utilizará os conceitos apresentados nessa seção.
A Teoria do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi (1997) propiciou discussões acerca do tema, como as citadas a seguir.
Tsoukas (1996) argumenta que a teoria de Nonaka e Takeuchi (1997) pertence ao campo taxonômico da perspectiva baseada no conhecimento (knowledge–based) nas empresas. Os taxonomistas são os que buscam classificar os diferentes tipos de conhecimento organizacional e desenhar todo tipo de implicação, como ocorre com o tácito e o explícito. Porém, afirmam que, apesar de as tipologias terem avançado no entendimento de conhecimento organizacional ao mostrar uma natureza multifacetada, eles também apresentam certa limitação. A principal limitação apresentada pelo autor é a de que tipologias são baseadas na ideia de que um observador é capaz de discernir entre algumas similaridades sistêmicas e diferenças entre os objetos de estudo. Por sua vez, Duguid (2005) argumenta que economistas céticos tentam, por sua natureza objetiva, eliminar a visão de existência do tácito, mas que a ausência do tácito para explicar a criação do conhecimento é problemática. O “saber que” pode ser explicado pelo conhecimento explícito, mas o “como saber” precisa do conhecimento tácito para ser entendido. Até mesmo para se formular o código pela primeira vez, para que se possibilite a explicitação do conhecimento, existe a necessidade do conhecimento tácito. Assim, para ele surgem paradoxos por serem confundidas as duas formas de conhecimento ou por se assumir que uma pode substituir a outra. Além do mais, ambas são vistas como interdependentes de um mesmo conhecimento, já que a forma explícita provém de uma versão “internalizada”, implícita ou tácita.
Na visão das tipologias, a divisão de categorias deve ser discreta, separada e estável, bem como o fenômeno classificado. Entretanto, raramente o é. Tsoukas (1996) discorre que o conhecimento tácito e o explícito são mutuamente constituídos e não podem ser vistos como duas tipologias separadas – o que diverge da visão de Duguid (2005). Isso se explicita ao observar que o conhecimento explícito tem sua base no tácito.
Assim, a tipologia existe para facilitar a compreensão dos fenômenos (assim como separa aprendizagem formal da informal), mas que é importante considerar suas inter-relações. Ou seja, que há interdependência entre o tácito e o explícito, e a importância de compreender tais interações- assumindo a posição de Tsoukas (1996).
A literatura sobre Aprendizagem Organizacional (AO) tem avançado não somente no volume de publicações, mas apontado outras dimensões do tema. Alguns dos campos teóricos envolvidos são: psicológico, sociológico, cultural, histórico e metodológico, além da gestão propriamente dita (ANTONELLO; GODOY, 2010).
Outro fato a ser considerado, ainda de acordo com as autoras, é de que algumas questões principais e características da AO devem ser observadas: i) nível da aprendizagem- dever-se-ia levar em conta o fato de que a AO recorre, independentemente do nível em questão, do indivíduo e de suas interações grupais, intergrupais, organizacionais e interorganizacionais, portanto em nível interpessoal-; ii) neutralidade da meta- a aprendizagem pode ser vista como algo bom ou ruim-; iii) noção de mudança- nem toda a aprendizagem se manifesta como mudança no comportamento-; e iv) natureza processual da aprendizagem- aprendizagem é processo e como tal deveria ser estudada (ANTONELLO; GODOY, 2010).
A aprendizagem organizacional pode ser definida como um sistema de ações, agentes, símbolos e processos capazes de transformar informações organizacionais em conhecimento de valor, o qual, por sua vez, se transforma com o tempo em aumento da capacidade adaptativa (SCHWANDT, 1993, p. 8). Schwandt (1993) visualizou que o comportamento organizacional vai além da busca pelo melhor desempenho e observou que a capacidade criativa também provém de influências dos valores culturais das organizações. Já Fiol e Lyles (1985), veem que o desempenho organizacional atinge a capacidade da organização aprender e se adaptar em um ambiente de mudanças.
Podem ser consideradas duas vertentes da aprendizagem organizacional: como um processo técnico ou como social. A visão técnica considera que uma organização aprende se qualquer de suas unidades adquire conhecimento – informações, quantitativas ou qualitativas, explícitas e de domínio público – que ela reconhece como potencialmente útil para a organização. Já a perspectiva social sobre a AO foca a maneira como as pessoas atribuem significado a suas experiências de trabalho, as quais podem derivar de fontes explícitas, como relatórios financeiros, ou de fontes tácitas, como a intuição. Nessa perspectiva, a aprendizagem é algo que emerge das interações sociais (CAMILLIS; ANTONELLO, 2010).
Em complemento, Antonello e Godoy (2010, p.4) citam que “toda a atividade na vida dos indivíduos é uma oportunidade para aprendizagem e a aprendizagem em situações sociais casuais é tão importante quanto as experiências de aprendizagens formais”. Também, Nicolini, Gherardi e Yanow (2003) dizem que a aprendizagem ocorre na mente dos indivíduos, mas também na sua participação em atividades sociais. Dessa forma, como adicionam Weick e Westley (2004), a aprendizagem está integrada na rotina das pessoas, é oriunda inclusive da fonte informal das relações sociais, e se evidencia na experiência contínua.
Nesse sentido, relaciona-se o conceito de aprendizagem situada, que acontece dentro de um contexto material, histórica e socioeconomicamente definido (NICOLINI; GHERARDI; YANOW, 2003). Lave e Wenger (1991) argumentam que o aprendizado sempre ocorre em função da atividade, contexto e cultura no qual ocorre ou se situa. A aprendizagem situada, menos do que o que acontece dentro de sistemas formais, como o treinamento ou o uso de banco de dados, constitui-se na aprendizagem que acontece pela participação no trabalho. O aprendizado ocorre de maneira não intencional, não deliberada.
Relevante mencionar que o processo de aprendizagem é dirigido pelas necessidades e objetivos individuais, e assim os estilos de aprendizagem são altamente individuais tanto na direção como no processo. Sendo assim, os estilos de aprendizagem distintos são produzidos pela interação entre carreira, nível educacional e especialização de cada um (VARGAS; BIRRER; MINELLO, 2012). Ressalta-se de acordo com Cardoso e Jandl (1998) que três componentes compõem o estilo de aprendizagem: (i) o modo que se processa as informações; (ii) a relação dinâmica de estratégias de aprendizagem; e (iii) a percepção do indivíduo em relação a sua aprendizagem.
Ainda, os processos formais de aprendizagem desenhados pelas organizações não dão conta do que acontece na prática, na atividade diária do trabalhador, na qual a espontaneidade na busca de soluções para os problemas é fonte de aprendizado- na aprendizagem informal. Essas práticas em comum permitem às pessoas formarem redes sociais ao longo das quais o conhecimento sobre aquela prática, construído através de atos de participação, pode tanto passar rapidamente como ser assimilado rapidamente (BROWN; DUGUID, 2000).
Compreende-se conhecimento organizacional como aquele incorporado em rotinas e práticas que podem ser respeitadas e decodificadas, mesmo quando os indivíduos que as realizam não são capazes de colocá-las em palavras (ARGYRIS; SCHÖN, 1996).
Quanto à relação entre eles, Nicolini, Gherardi e Yanow (2003) definem que conhecimento e aprendizagem são principalmente fenômenos sociais e culturais. Conforme estes autores, fenômenos como conhecimento, significado, atividade humana, poder, linguagem, organizações e transformações históricas e tecnológicas ocorrem e são componentes do campo das práticas.
As teorias de aprendizagem organizacional e de conhecimento organizacional tomaram caminhos independentes, mas estreitamente conectados. Os autores Chiva e Alegre (2005) mostram as ligações entre as perspectivas literárias de ambas as linhas de estudo. Sob a perspectiva que Chiva e Alegre (2005) denominam cognitiva-propriedade, aprendizagem e conhecimento são separados o que lhes permite serem tratados independentemente. Ao analisar as características dessa perspectiva, a separação entre os conceitos é explicada: diferentes fontes teóricas (psicologia e economia), diferentes áreas acadêmicas envolvidas (recursos humanos e gestão estratégica), diferentes linguagens utilizadas, e seus pressupostos teóricos comuns sublinham que a aprendizagem organizacional e conhecimento organizacional são conceitos distintos.
Já sob outra perspectiva, a sócio-processual, o conhecimento organizacional é construído socialmente e, portanto, a ênfase é colocada sobre o processo, aproximando-se do conceito de aprendizagem organizacional. Dessa forma, a suposta distinção entre aprendizagem e conhecimento desaparece. Os autores acreditam, que essa ótica possui crescente importância e facilita a integração de ambas as literaturas já que a comunidade acadêmica que trabalha neste campo estaria começando a integrar ambos conceitos. Chiva e Alegre (2005) concluem que a literatura sobre o conhecimento e aprendizagem individual é intimamente associada com aquela sobre aprendizagem organizacional e conhecimento organizacional.
Sob esse último aspecto, de acordo com Moreira e Munck (2010), vários estudos sobre as teorias da aprendizagem têm demonstrado que os indivíduos possuem formas singulares de obter conhecimento. Compreende-se dessa maneira, que as pessoas diferem umas das outras em inúmeros aspectos, logo, não se pode tratar a aprendizagem como um processo vivenciado por todos da mesma maneira. Assim, quando as organizações evidenciem essas diferenças individuais de aprendizagem de seus colaboradores, muitas das barreiras cognitivas são superadas e os esforços em prol da aprendizagem são otimizados.
Apesar da discussão acerca do tema Economia Criativa (EC) ter tido início na década de 80, o termo Indústria Criativa teve sua origem na Inglaterra, em 90, no governo de Tony Blair. É resultado de uma época em que a natureza do trabalho mudou e que se intensificou o valor dos intangíveis comercializáveis (HOWKINS, 2001; DE MARCHI, 2012).
O setor se manteve em crescimento, entre outros motivos, devido à crença em sua menor sensibilidade à crise, proporcionando um desenvolvimento mais sustentável. Ainda, estudos revelam como a criatividade, conhecimento, cultura e tecnologia podem ser direcionadores para criação de empregos, inovação e inclusão social (HOWKINS, 2001; UNCTAD, 2010).
Um marco para a EC foi uma publicação da UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development), chamada “The Creative Economy Report 2008”, com nova versão em 2010. A UNCTAD foi estabelecida em 1964, e é um fórum permanente para discussões e deliberações intergovernamentais, sendo o principal órgão da Assembleia Geral das Nações Unidas para o comércio, investimento e desenvolvimento.
Uma das primeiras publicações sobre o tema foi o livro de Howkins (2001), que apresentou estudo sobre a criatividade e sua relação com o aspecto econômico. Segundo ele, a EC adiciona às tradicionais noções de economia uma nova forma de percepção de valor como resultado do processo produtivo: “a criatividade não é um elemento novo e também não é um termo econômico, no entanto, o que é novo é a natureza e extensão da relação entre economia e criatividade, e como ambas combinam para gerar valor e riqueza (HOWKINS, 2001, VIII)”.
Nesse sentido, criatividade para Howkins (2001) seria a habilidade de gerar algo novo ou a produção por uma ou mais pessoas de ideias e invenções que são pessoais, originais e significativas. Ocorre quando uma pessoa diz, faz ou constrói algo original, novo ou quando dá uma nova característica a alguma coisa. Sob essa ótica, se classifica em atividade de economia criativa aquela que cria valor, a partir da capacidade intelectual.
A análise comparativa da trajetória da EC em cada país revela que a sua política de implantação pode seguir caminhos distintos, dependendo dos arranjos políticos e institucionais historicamente formados em diferentes contextos, desde os regionais, nacionais e os internacionais (DE MARCHI, 2012).
No Brasil, ao final de 2011, a Secretaria da Economia Criativa (SEC) é criada com objetivo de conduzir a formulação, a implementação e o monitoramento de políticas públicas para o desenvolvimento local e regional, priorizando o apoio e o fomento aos profissionais e aos micro e pequenos empreendimentos criativos brasileiros. No Plano da SEC (2011), é destacado que a economia criativa tem notória visibilidade no cenário internacional, e que o Brasil, como país reconhecido pela sua diversidade cultural e potencial criativo também tem obrigação de desenvolver-se nesse campo. Conforme Medeiros, Grand e Figueiredo (2011) a discussão acerca do tema nacionalmente apenas germinou no começo do século XXI, mas desde então apresenta crescente interesse nesse âmbito.
Em busca de outras definições de EC no Brasil, cabe citar a especialista internacional na área, Deheinzelin (2011, p. 344), que apresenta sua definição tendo em comum entre outros autores brasileiros a forte ligação com a questão cultural:
Penso que ela inclui a Economia da Cultura (...). Mas a prática de trabalho com o tema acaba levando à percepção de que estamos falando de algo maior que isso e hoje, quando discuto sobre Economia Criativa, acredito que estamos nos referindo ao conjunto de atividades que tem como valor ou matéria prima os recursos intangíveis que, além de cultura, conhecimento e criatividade, englobam os ativos intangíveis, a experiência, a diversidade cultural.
Por sua vez, a SEC (2011, p. 23) define o termo “a partir das dinâmicas culturais, sociais e econômicas construídas a partir do ciclo de criação, produção, distribuição/circulação/difusão e consumo/fruição de bens e serviços oriundos dos setores criativos, caracterizados pela prevalência de sua dimensão simbólica”, visão essa partilhada por Caiado (2011).
2.3.2 Classificação dos Setores Criativos
Caiado (2011) afirma que a EC não pressupõe que haja um setor econômico à parte, mas sim que é um conjunto de setores de atividades bastante distintas, porém caracterizados por uma dinâmica semelhante que permite estudá-los em conjunto. Os setores referentes à EC são os chamados setores criativos, que são “todos aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de valor simbólico, elemento central da formação do preço, e que resulta em produção de riqueza cultural e econômica (SEC, 2011, p. 22)”.
No Brasil não há uma unanimidade na classificação dos setores criativos, como pode ser observado no Quadro 3.
Pela recente publicação do Plano da SEC, por não haver ainda passividade quanto à forma de mapeamento dos setores no Brasil, bem como por vários modelos utilizarem o modelo internacional da UNCTAD (2010) como sua base, optou-se pela utilização do mesmo na presente pesquisa. Esse modelo está apresentado no Quadro 4.
Não há padrão universal, mas o modelo reconhecido internacionalmente é mais abrangente e apresenta assim maior credibilidade, além de ser passível de adaptação ao contexto local e nacional.
Por fim, pelo que se pode perceber da economia criativa (EC), tendo este foco na geração de valor a partir do conhecimento, a criação de conhecimento inerente a ela ganha importância e necessita da interação entre tácito e explícito, aprendizagem formal e informal nas organizações que fazem parte dos setores envolvidos, já que integra a cultura aos traços econômicos tradicionais. Ademais, lidar com criatividade é lidar, na base, com conhecimento, que pode ser tanto explícito quanto tácito.
De acordo com o objetivo proposto, utilizou-se neste estudo um modelo de pesquisa exploratória e descritiva, classificada segundo a abordagem do problema como pesquisa qualitativa para melhor visão e compreensão do cenário do problema. A pesquisa qualitativa foi selecionada, pois esta é adequada para situações incertas, além de os dados não serem analisados de maneira estatística (MALHOTRA, 2011).
Como método foi empregado o estudo de caso, que segundo Yin (2010), é uma investigação empírica que analisa um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre este fenômeno e o contexto não são claramente evidentes. Ainda, o estudo de caso é um método abrangente que compreende a lógica do projeto, as técnicas de coleta e a análise dos dados. Foi utilizado um estudo de caso único, em uma empresa de comunicação, denominada neste trabalho de Alfa Ltda.
Na coleta de dados, optou-se por realizar entrevista em profundidade com roteiro semiestruturado, por meio de gravação e questionário escrito, tendo sido transcritas posteriormente. Para desenvolver o roteiro da entrevista tomou-se como base a Teoria da Criação do Conhecimento de Nonaka e Tacheuchi (1997). Foram efetuadas treze questões, divididas em três grupos: da Epistemologia, da Ontologia e das Condições Capacitadoras, com o objetivo de analisar esses aspectos relacionados à aprendizagem com fim na criação de conhecimento.
Quando o caso estudado se encaixa na teoria e pode gerar elementos para estudos e aplicações futuras, torna-se um caso-base. Assim, nesse tipo de caso, o número de entrevista pode ser estabelecido de acordo com a característica da unidade de análise, com os objetivos do estudo e as análises devem ser orientadas pela base teórica utilizada (EISENHARDT; GRAEBNER, 2007). Por isso, considerando as orientações de Eisenhardt e Graebner (2007), as entrevistas nesse estudo foram realizadas com a totalidade de colaboradores da empresa.
As entrevistas foram realizadas individualmente, com os cinco colaboradores da empresa, composta pelos sócios proprietários, doravante nomeados de Sócio 1 – fundador - e Sócio 2 (com 6 anos de empresa), Colaborador de Criação 1 (com 2 anos e meio de empresa), e Colaboradores de Criação 2 e 3 (com 3 meses e 2 meses de empresa, respectivamente). A coleta durou um mês (de outubro de 2012 a novembro de 2012), conforme disponibilidade dos entrevistados e em média cada entrevista demorou 35 minutos.
Por fim, a análise dos dados utilizada foi baseada no conteúdo, definida por Bardin (2000) como um conjunto de técnicas de análise das comunicações que busca classificar palavras, frases e parágrafos em categorias de conteúdo. Bardin (2000) indica que dois tipos de documentos podem ser submetidos à análise de conteúdo: os documentos naturais, produzidos espontaneamente na realidade e aqueles suscitados pelas necessidades de estudo, como neste caso, por meio do roteiro de entrevista semiestruturado. As categorias de análise foram a priori. São elas a Epistemologia, da Ontologia e das Condições Capacitadoras do modelo de criação do Conhecimento.
Após a transcrição de cada entrevista em um arquivo de texto único, foram elaborados três quadros, com seis colunas cada: grupo, modelo de Nonaka e Takeuchi (1997), resumo da entrevista, relato selecionado, observações e questionamentos dos pesquisadores pós-entrevista. Com o conteúdo assim organizado procedeu-se a análise do conjunto das respostas cujo resultado é apresentado a seguir.
Fundada em 26 de fevereiro de 2003, na cidade de Bento Gonçalves na Serra Gaúcha, a Alfa Ltda é formada por profissionais especializados em Publicidade e Propaganda, Design Gráfico e Design e atua nas mais diversas áreas da comunicação, como editorial, impressos (PDV), embalagens e promocional. Além disso, trabalha com equipamentos e ferramentas atualizados para garantir a qualidade do material produzido. A empresa apresenta uma vasta carteira de clientes com representatividade na sua região de atuação. Salienta-se que a mesma utiliza como matéria prima alguns aspectos intangíveis e faz uso da criatividade.
A estratégia utilizada pela organização é priorizar clientes fixos, pela possibilidade de desenvolver uma comunicação mais precisa e de acordo com os objetivos propostos pelos mesmos. A organização ressalta a importância de ouvir a opinião e utilizar o conhecimento do cliente, trabalhando em conjunto com ele, reunindo as ideias e concepções do cliente com as da própria empresa, para chegar a um objetivo comum e, obviamente, lucrativo.
A Alfa não trabalha para empresas concorrentes e cede aos seus clientes os direitos autorais dos materiais criados e o direito de eventuais soluções patenteáveis surgidas no decorrer do projeto. Neste aspecto surge uma importante característica: a confiabilidade, visto que todas as informações, materiais e referências entregues durante o projeto são mantidos em sigilo, mesmo as que não vierem a ser utilizadas.
Após análise da setorização da UNCTAD (2010), exposta no Quadro 4, percebe-se que a Alfa se caracteriza como um empreendimento criativo, pois se enquadra em atividades da classificação, em especial nas criações funcionais, dentre atividades como design gráfico, conteúdo criativo e propaganda. .
Quanto aos dados coletados nas entrevistas e nas observações, foram identificados diversos pontos da abordagem de Nonaka e Takeuchi(1997) no caso estudado. Além disso, por ser de uma área que trata de criação e transformação de conhecimento, o assunto estudado é tido como relevante pela empresa pesquisada. Os próprios colaboradores indicam a necessidade de promoverem a interação e a atualização de informações e de seus conhecimentos com um propósito específico.
Tendo em vista a quantidade de conteúdo obtido nas entrevistas e a complexidade do tema, as respostas foram organizadas segundo as categorias epistemologia, ontologia e condições capacitadoras.
Na categoriaEpistemologia, seguindo o Modelo de Nonaka e Takeuchi (1997), são apresentados os resultados relacionados aos modos de conversão do conhecimento. Nesse sentido, na socialização (tácito/tácito), que produz o resultado para cada indivíduo, no tácito de cada um, foi atribuída grande importância à interação entre os colaboradores, “é impossível você trabalhar sozinho” argumenta o Sócio 1. Ele percebe a criação como um processo, no qual existe constante interação em cada uma de suas etapas. “Não existem paredes, não existem divisões... Nós temos o site, temos o facebook, todo mundo que encontra uma coisa legal - posta” diz o Sócio 1. Ele salienta ainda que esta interação se dá entre os colaboradores, bem como entre os clientes e que os meios utilizados pela organização para a troca de informações são essencialmente informais.
O Sócio 2 também evidencia a importância da interação, caracterizando-a como “essencial”, e valorizando a bagagem de conhecimento dos colaboradores: “essa troca de experiência e conhecimentos é importante não só para o trabalho, mas para o crescimento profissional de cada um”. Já o Colaborador de Criação1 traz a proximidade e liberdade de comunicação como facilitador da troca de informações. Também, traz que “a troca de conhecimento é essencial, cada um acaba sempre dominando melhor uma área de conhecimento e de interesses. Assim a troca é uma maneira rápida, prática e direta de resolver os problemas e agregar informação a cada um de nós”.
Para o Colaborador de Criação 2 a interação “cria um hábito de estar atualizado e força o desenvolvimento criativo em cada um”, e que o próprio contato pessoal acaba se transformando em um brainstorming indireto. Complementando, o Colaborador de Criação descreve que “a interação é tudo, o conhecimento é adquirido com a coletividade e a interação de diferentes opiniões e a troca das experiências”.
Na externalização (tácito/explícito), por meio dos relatos e observações, foi percebido que os colaboradores criam seus projetos utilizando muito de sua experiência, ou seja, muito do conhecimento tácito envolvido. É nessa fase que se dão os resultados da relação tácito e tácito, da socialização, ou seja, quando se dão as trocas e elas geram algo. É utilizado o conhecimento que provém da aprendizagem formal e da informal. Tem-se espaço tanto para o processo dedutivo quanto indutivo, já que em algumas vezes há mais elementos provindos dos clientes, um briefing mais completo, e em outras menos. Segue relato do Sócio 1 comprovando o argumento: “eles recebem o briefing e uma página em branco. Às vezes, a gente direciona, alguma coisa (...) mas é isso”. Os funcionários devem estar, assim, abertos a opções e propostas novas, mas nos casos em que há mais liberdade para o profissional, ele se sente mais confortável, utilizando mais da sua experiência e menos da experiência do cliente. Isso pode gerar ou deixar de gerar, direcionar as inovações que possam surgir, de acordo com a composição dos conhecimentos, das experiências entre colaboradores e clientes.
As falas referentes à combinação (explícito/explícito) ressaltam que neste ramo de atividade (economia criativa) não existe uma ordenação das ações, uma padronização. “Não existe uma ferramenta e é impossível... porque cada um vem com um histórico muito particular”. O Sócio 1 afirma que o próprio briefing (relatório utilizado pela agência para captar as intenções do cliente) “é uma ferramenta que organiza, mas a formalização do conhecimento não existe”. O Sócio 2 relata que a manualização é desnecessária, e que reuniões ocorrem o dia inteiro, já que os funcionários dividem o mesmo ambiente: “não precisamos aguardar até uma reunião. Surgiu dúvida, problema ou algo a discutir, é só jogar o assunto na roda”.
Em relação à internalização (explícito/tácito), a empresa não possui um programa de treinamentos. O foco é na troca informal de conhecimentos. O Sócio 2 traz que, a informação importante deve ser disseminada entre todos, utilizando-se de ferramentas como Facebook, skype e troca e-mails, mas todos meios informais, sem a 'formalidade profissional' na comunicação, mas com informações relevantes a serem internalizadas. Também o Sócio 1 afirma que não existem meios formais de manualizar ou armazenar o conhecimento. Interessante que o Colaborador de Criação 3 se refere à comunicação informal como “normal”. Assim, deduz-se que a comunicação formal seria vista como algo “estranho”, já que pouco praticada na empresa, diferentemente de outros tipos de organização. O mesmo cita livros, jornais, revistas como referências para o conhecimento, mas não são provindos da organização. O Colaborador de Criação 2 também citou livros e revistas sobre design, e que os colaboradores procuram participar de workshops quando possível.
No Grupo Ontologia, considerando-se os quatro níveis: (i) individual; (ii) grupal; (iii) organizacional, e (iv) interorganizacional, verifica-se por meio das entrevistas e observações, a valorização do conhecimento individual.
Iniciando-se pelo nível individual, de maneira geral, “a criação do conhecimento é individual”, de acordo com relato do Sócio 1. Comenta ainda da importância do indivíduo manter-se atualizado e exercitar sua criatividade. O Colaborador de Criação 3 afirma que são influenciadores do processo de criação de conhecimento “a leitura, referências de trabalhos de outros criadores e muita pesquisa”. Por sua vez, o Colaborador de Criação 1 evidencia que o processo de criação de conhecimento é bem individualizado e recebe influência de fatores bem pessoais: “acredito que cabe a cada um ir atrás do modo que mais funciona. Cabe também que cada um tenha motivação para ir atrás do que gosta”. Nessa linha, o Sócio 2 aponta como principal a “vontade de saber”, e que cada um tem suas ferramentas para criar conhecimento.
De maneira grupal, o Sócio 1 descreve a importância da interação com pessoas que são da mesma área, e por outro lado percebe que essa área é abrangente, composta por profissionais interrelacionados (design, moda, publicidade, propaganda, comunicação). O Sócio 2 afirma que os sócios contribuem com posicionamento e foco do negócio, e que “não existe apenas um único gerador de conhecimento”.
Devido ao tamanho da organização (quando considerado número de colaboradores), o nível grupal e organizacional se confunde. A empresa tem apenas cinco funcionários, os quais trabalham em um ambiente “aberto”, sem paredes. Dessa forma, os aspectos hierárquicos e a formalização dos processos são pouco considerados, o que contribui para compreensão de que o grupal e organizacional se misturam. Entretanto, as interações das pessoas e grupos geram resultados para a organização como um todo, sendo que o entendimento dos procedimentos difundidos informalmente, e a formas de controle, por um lado menos rígido em relação a cumprimento de horário de expediente, por outro direcionado a resultado têm a ver com o nível organizacional.
Como se estimula a interação entre os funcionários, a organização atua como se fosse um único grupo, já que todos podem participar de um mesmo projeto.
Já o nível interorganizacional é evidenciado, conforme fala do Sócio 1, “por uma via de mão dupla, tanto o quanto a gente leva coisas para eles, eles trazem coisas para a gente. O que nós fazemos é a criação, eles (clientes) têm a ideia”. Neste âmbito, o cliente pode apresentar projetos com características específicas, bem como somente ideias não delineadas. Além disso, o cliente participa da avaliação do projeto. O Sócio 2 afirma que o cliente contribui com as suas necessidades e particularidades. Já o Colaborador da Criação 2 levanta a questão do cliente, que por vezes, alterar o trabalho que foi apresentado, e que muitas vezes isso acaba sendo prejudicial na questão do design. O mesmo também aponta para a influência das experiências adquiridas com o mesmo cliente. Assim, é gerado um ponto de inflexão nesse aspecto: o trabalho do criativo (do artista) é uma obra de arte e, portanto, deve ser considerada por total? O quanto esses profissionais conseguem captar da ‘alma’ da empresa cliente e oferecer uma comunicação interessante, que vai além do que o cliente quer? Por outro lado, as alterações podem significar também que a empresa não conseguiu captar a contento o que o cliente precisava, ou não sabe argumentar suas posições.
Por fim, no terceiro Grupo Condições Capacitadoras, a intenção, de acordo com as entrevistas e observações, destaca que todos os colaboradores têm visão da real intenção dos projetos da organização e da própria organização. Outro aspecto, a autonomia, reforça que os funcionários possuem autonomia em seu trabalho. Segundo o Sócio 1, eles recebem, conforme já mencionado, “o briefing e uma página em branco”, mas a interação acompanha todo o processo de criação do projeto. A entrada das solicitações dos pedidos dos clientes é centralizada nos sócios. O Colaborador da Criação1 afirma que “sempre há uma indicação de que caminho seguir e porque, vindo do atendimento. Mas há uma liberdade criativa sim”. O observado foi que a liberdade é limitada pela necessidade de produtividade. O Colaborador da Criação 2 evidencia como fator importante o tamanho e complexidade do projeto, que influencia na quantidade de participantes do mesmo.
Na variedade de requisitos, a prática utilizada pela organização para a integração de um colaborador é valorizar a bagagem, experiências anteriores trazidas por ele e existe uma troca. O grupo é formado por profissionais de várias áreas e na seleção destes possui grande relevância a experiência e a produção do candidato, conforme afirma o Sócio 1. Os colaboradores possuem as seguintes formações: Publicidade e Propaganda, Design Gráfico, Design e um deles possui formação em Engenharia Agrícola.
Em relação à redundância, existe uma circulação de informações constante. Todos afirmam que em um mesmo projeto há interferência de mais de um colaborador. Também destacam a interação constante com clientes, fornecedores, alguns veículos de mídia, rua e instituições de ensino. O Sócio 1 relata que é importante “unir aquilo que você estudou com aquilo que você aprendeu em suas experiências de vida”. Ele define a agência como aquilo que os clientes falam da mesma. O relacionamento com os clientes é transparente, a cultura é liberal, descontraída, com música, horários de descanso não determinados (como pausas para o café), possuem peças para montar e cada colaborador sabe de seu compromisso.
A flutuação e caos criativo ganham destaque na fala do Sócio 1, principalmente pela questão da criatividade ser intangível e no desafio de transformá-la em tangível para o cliente: “o que a gente precisa muito agregar é essa criatividade, transformar essa criatividade em algo palpável, em algo vendável para o cliente”. Salienta também a importância de fazer com que os clientes reconsiderem suas premissas. O Sócio 2 evidencia que a organização recebe influência externa, tanto da parte do cliente quanto fornecedor, instituições de ensino, através dos funcionários que ainda estudam e veículos de mídia. O Colaborador de Criação 2 afirma que o sentido de existir interação entre a empresa e o ambiente externo é adquirir inspiração para projetos futuros, ou mesmo em pesquisas e estudos seja para um job menor ou para um grande case.
O caos é importante, pois o prazo de evolução da criação é muito curto- de dias a semanas. Para o Sócio 1 o caos intencional é cultura dos profissionais dessa área. Frequentemente precisa-se reiniciar o trabalho, “a nossa única rotina é que a gente tem que chegar tal hora, depois disso é tudo uma surpresa”. Complementa que o trabalho com empresas familiares é limitante por dificultar a quebra de paradigmas. “É livre a tua criatividade, desde que obedeças a certos parâmetros”.
O Colaborador de Criação 3 ratifica a importância da interação entre a empresa e o ambiente externo, e da quebra de paradigmas, afirmando que essa “faz sua visão ampliar e consequentemente despertar a sua criatividade, isso é algo que é estimulado com o desafio e a motivação”. O Colaborador de Criação 1 enfatiza que para estimular a quebra, deve-se dar espaço para novas ideias e para informação e ter tempo para pesquisar novas referências. Já o Sócio 2, aponta que para essa quebra deve-se “deixar a razão e o óbvio de lado. Procurar um caminho novo, pesquisar. Sempre existem várias formas de se atingir um resultado...questionar é fundamental”. O Colaborador de Criação 2 afirma que há resistência dos clientes em implementar algo muito novo, mas que os resultados, ao final, são elogiados.
Em suma, no grupo das condições capacitadoras, a variedade de requisitos foi a que se destacou. Cita-se a valorização da experiência anterior dos colaboradores e a diversidade, mesmo em um grupo pequeno. Ainda, a procura por informações necessárias é sempre estimulada. A seleção de cada um dos membros é cuidadosamente efetuada, processo favorecido por ser uma empresa de pequeno porte em relação à classificação pelo número de funcionários.
A afirmação de que todos conhecem a real intenção dos projetos da organização foi unânime. Também, apareceu a condição de autonomia, mesmo havendo interferência de mais de um colaborador em um mesmo projeto, o que já caracteriza a condição redundância, e algumas limitações impostas pelo cliente.
Na flutuação evidencia-se a importância da percepção de influências do ambiente externo de forma a manter contínuo estímulo ao desenvolvimento da criatividade. Também, é valorizado por alguns colaboradores o constante questionamento de premissas. Neste aspecto, o caos criativo, é visto como parte do processo para atuação no ramo criativo, como necessário para quebra de paradigmas, “ampliação da visão” e estímulo a novas ideias.
Após apresentação dos resultados, cabe estabelecer a discussão desses com a teoria anteriormente apresentada.
Em se tratando da dimensão epistemológica, podemos destacar acerca dos modos de conversão do conhecimento alguns aspectos específicos. Primeiramente, a socialização está presente conjuntamente ao longo das outras fases de conversão. Isso acontece, uma vez que a interação é constante. Não há limitações de espaço ou regras formais que acompanhem o processo de criação. Na empresa Alfa, a socialização ganha destaque e é valorizada sob várias perspectivas. Em primeiro lugar, pela percepção por parte dos funcionários de haver uma “liberdade criativa”, uma cultura que valoriza a interação e o interesse pela geração do conhecimento. Em segundo lugar, pela postura demonstrada pela organização de valorização da experiência (a palavra “bagagem” foi mencionada inúmeras vezes) dos funcionários e da aprendizagem através da prática. E em terceiro lugar, na empresa a “observação” é um meio de aprendizagem utilizado, já que o ambiente da mesma não apresenta obstáculos à interação. Esse modo de conversão da criação do conhecimento pode ser relacionado ao conceito de aprendizagem situada de Weick e Westley (2004).
Em relação à externalização, podemos afirmar que apareceu essencialmente quando o briefing é recebido com menos restrições, sendo permitida mais liberdade de criação pelos colaboradores. Ou seja, neste momento, eles podem “externalizar” seus conhecimentos tácitos, ou, sob a perspectiva da aprendizagem, sua experiência vivenciada, unindo-os aos existentes.
Quanto ao elemento internalização, foi percebido que, na empresa, ele se deu essencialmente pela prática. Não há treinamentos formais, manuais ou qualquer forma padronizada de armazenamento de informações ou procedimentos. Sob esse aspecto, pode haver dificuldades ou morosidade na transferência de conhecimentos para novos membros na organização. Por outro lado, a aprendizagem na prática (situada) possibilita que ela esteja mais bem inserida no contexto organizacional.
Já a combinação foi o modo de conversão de conhecimento que menos obteve destaque nesse caso. Atribui-se tal resultado ao ramo de atividade, já que a EC trata da criação não ordenada e não sistematizada, tal como o é a criatividade.
Por fim, o último modo de conversão, a internalização, mostrou-se na empresa essencialmente informal. A organização não possui um programa de treinamentos formal, mas a troca informal de conhecimentos é bastante estimulada. Esse aspecto novamente se relaciona com a aprendizagem na prática (situada).
Conforme foi apresentado na revisão teórica, a relação entre conhecimento e aprendizagem organizacional ainda não está pacificada, pois não se consolidou teoricamente, e esse estudo atua também nesse sentido. Assim, o que se pôde perceber quanto à epistemologia da criação do conhecimento neste empreendimento criativo, relacionando-a com a teoria da aprendizagem organizacional, foi que predominou a aprendizagem situada de Weick e Westley (2004), utilizando-se da vertente social da aprendizagem indicada por Camillis e Antonello (2010).
Na dimensão ontológica, por sua vez, essa relação com a vertente social da aprendizagem não é rompida, vez que a socialização faz com que haja pouca distinção entre os conhecimentos individuais e os conhecimentos da organização em si, mas haja ênfase na “troca” de conhecimento entre os níveis ontológicos.
Por fim, em relação às condições capacitadoras, já que a variedade de requisitos foi a que mais obteve destaque, entende-se que não contrapõe a aprendizagem situada e social, pois mais elementos, experiências e perspectivas se agregam ao processo de aprendizagem. Ademais, o aspecto tácito, o qual mais apareceu no SECI pode ser relacionado na dimensão ontológica com o destaque ao nível individual e grupal nesta. Com isso, ao observar a Figura 1, são percebidos quais elementos do modelo das fases da criação do conhecimento mais se destacam nesse processo no empreendimento criativo, contribuindo, como proposto, para uma teoria descritiva da criação do conhecimento na EC.
Considerando-se o objetivo do artigo de analisar a criação do conhecimento, sob a ótica da aprendizagem organizacional, em empresa do setor criativo e tomando por base a Figura 1, bem como os dados coletados, e observações, pode-se dizer que alguns fatores contribuem de forma mais efetiva para a aprendizagem organizacional da empresa de economia criativa.
Na dimensão epistemológica, destaca-se o modo de conversão socialização, o qual na organização estudada é valorizado em várias perspectivas, tais como: pela percepção dos colaboradores, pela valorização das experiências e pelas observações efetuadas ao longo do projeto. Esse modo influencia que o processo de criação de conhecimento em uma organização de EC se caracterize como não sequencial, e não possa ser manualizado.
Em relação às condições capacitadoras, a variedade de requisitos é tida como relevante devido principalmente, aos aspectos de diversidade e experiências anteriores dos membros da organização. Implicações disso envolvem a atenção dada no momento de selecionar os funcionários que atuam nas áreas criativas e o estímulo para adquirir experiências, bem como no tipo de experiências a serem adquiridas. Esses são fatores importantes para criação de conhecimento nas empresas do ramo criativo pelo próprio objeto de trabalho, uma vez que são beneficiadas ao estimular a aprendizagem.
A crença de que todos contribuem para a criação do conhecimento desperta como uma possível característica das empresas do ramo criativo, pois na organização em questão, o próprio cliente surge como participante no processo de criação, em alguns casos de forma mais efetiva. No entanto, não ficou clara qual a qualidade dessa participação, e de como isso é visto na empresa. Ao relacionar esse aspecto da dimensão ontológica com a aprendizagem, ressalta-se que segundo Selnes e Sallis (2003) a aprendizagem organizacional depende da disposição das partes em cooperar.
Por fim, segundo Gaspar et al. (2009), o estudo torna-se relevante pois o conhecimento existente em uma organização pode desempenhar um papel fundamental na diferenciação dela perante os seus concorrentes. Para tanto, é imprescindível que haja eficácia na criação e disseminação dos conhecimentos gerados internamente pelas organizações, sendo que questões como criatividade, inovação e novos valores agregados ao produto ou serviço, são viabilizadas por meio de um correto uso dessa criação e disseminação do conhecimento, fato que ocorre na empresa pesquisada.
Destaca-se ainda, que cada indivíduo é único na forma como recebe e processa as informações, lida com as diferentes situações de aprendizagem e, efetivamente, aprende. Sendo assim, não se pode tratar a aprendizagem como um processo vivenciado por todos da mesma maneira. Cada pessoa tem uma história diferente de vida, com experiências de aprendizado tanto bem-sucedidas quanto não satisfatórias (MOREIRA; MUNCK, 2010).
Como limitação, apresenta-se o tempo de observação, que na hipótese de ser mais longo, traria mais indícios. Ainda, cita-se que entrevistas com clientes, com a finalidade de aprofundar a análise e perceber outras visões sobre o tema poderia trazer maior riqueza de elementos. Até porque, na relação empresa-cliente surgiram questionamentos. Mesmo que se perceba que fornecedor aprende com o cliente e vice-versa, é importante reconhecer a extensão desse aprendizado, ou se poderia ocorrer mais caso houvesse mais abertura de ambos os lados.
Como proposições para estudos futuros, sugere-se o direcionamento para a produtividade do conhecimento em organizações do ramo criativo. Reportando-se a Spender (2008), o conhecimento não pode ser gerenciado, mas sim a falta dele ou as falhas existentes. Também, o mesmo autor cita a dificuldade em se apropriar do conhecimento tácito. Dessa forma, um estudo pertinente trataria da utilização, ou da potencialização do uso (exploitation) do conhecimento tácito em organizações que se utilizam do aspecto intangível, e, portanto, com grande valorização dessa dimensão de conhecimento.