Resumo: A literatura recente sobre governança corporativa (GC) sugere que, além das causas micro e macroeconômicas que originam uma crise, falhas graves nas estruturas de governança públicas e privadas contribuíram para o agravamento da crise econômica mundial de 2008. Diante desse cenário, a presente pesquisa buscou avançar na compreensão da relação entre GC, desempenho e recessões. O objetivo foi verificar a influência da qualidade da GC no desempenho das empresas brasileiras listadas na BM&F Bovespa no contexto da crise econômica global de 2008. Para isso, os indicadores de desempenho e de GC, definidos por meio da base teórica, foram calculados; o comportamento das variáveis levantadas sofreu uma análise exploratória a partir da estatística descritiva; e um modelo econométrico de dados em painel foi utilizado para testar a hipótese de pesquisa. Como principal resultado, verificou-se que o desempenho medido pelo return on assets (ROA) é explicado pela qualidade da GC, sendo identificada uma relação estatisticamente significativa e negativa. Foi registrado, ainda, um crescimento gradativo da qualidade da GC. Nesse sentido, o comportamento da variável desempenho, entre janeiro de 2004 e dezembro de 2012, demonstra com clareza o colapso provocado no resultado das empresas com a eclosão da crise econômica global em 2008, de modo que a relação entre a qualidade da GC no período pré-crise e o desempenho se mostrou estatisticamente significativa e positiva.
Palavras-chave:Governança corporativaGovernança corporativa,Crise econômicaCrise econômica,DesempenhoDesempenho.
Abstract: The recent literature on corporate governance (CG) suggests that in addition to the micro and macroeconomic causes for the crisis, serious flaws in the structures of public and private governance contributed to the worsening of the global economic crisis of 2008. Given this scenario, the present research sought to advance in the understanding of the relationship between CG, performance and recessions. The objective was to verify the influence of the quality of the CG in the performance of Brazilian companies listed on Bovespa BM&F in the context of the global economic crisis of 2008. The indicators of performance and corporate governance defined by the theoretical basis were calculated, the behavior of the variables suffered an exploratory analysis from descriptive statistics and an econometric data panel model was used to test the hypothesis. As a main result, this research found that the performance measured by return on assets (ROA) is explained by the quality of corporate governance. The relationship proved to be statistically significant and negative. Was registered a gradual growth of the quality of corporate governance. The behavior of the performance variable, between January 2004 and December 2012, demonstrates clearly the collapse caused in the results of companies with the outbreak of the global economic crisis in 2008. There is evidence that the results at the end of the period of the survey remained distant from the levels observed prior to the crisis. The relationship between the quality of corporate governance in the pre-crisis period and performance proved to be statistically significant and positive.
Keywords: Corporate governance, Economic crisis, Performance.
Governança corporativa e desempenho das empresas diante da crise econômica global de 2008: uma análise de dados em painel
Corporate governance and performance of companies against the global economic crisis of 2008: a panel data analysis
Recepção: 04 Abril 2014
Aprovação: 09 Outubro 2015
A proliferação de crises financeiras que ocorreu a partir da década de 1990 é resultado do aprofundamento do processo de liberalização dos mercados e de globalização financeira (GONTIJO, 2011). Somente na primeira década dos anos 2000, a economia mundial foi atingida por dois grandes eventos dessa natureza, um em 2001 e o outro 2008, sendo os efeitos do segundo ainda presentes (GOLDSZMIDT; VASCONCELOS, 2011). De acordo com o relatório do Fundo Monetário Internacional (2008), World Economic Outlook, a crise econômica internacional foi a mais grave desde os anos de 1930, levando a economia mundial a um desaquecimento dramático.
Recessões são fenômenos importantes tanto para as economias nacionais quanto para o desempenho das firmas individuais (CABALLERO; HAMMOUR, 1994). Apesar da relevância do tema, seu impacto sobre o desempenho das empresas não é homogêneo e foi pouco estudado (BROMILEY; NAVARRO; SOTILLE, 2008). Para a administração, especialmente para o campo da estratégia empresarial, a compreensão dos efeitos das crises sobre o desempenho das firmas pode ajudar a entender se o sucesso em momentos de estabilidade econômica também é assegurado em ambientes instáveis e incertos.
A melhoria na qualidade da governança corporativa (GC) foi o meio escolhido por diversas empresas brasileiras para atrair investidores, principalmente em função dos processos de privatizações, fusões e aquisições verificados no decorrer dos anos 1990 e na primeira década dos anos 2000 (CLAESSENS, 2003), que impactaram os mapas de controle acionário. Nesse contexto, a GC facilitou o acesso às fontes de financiamento e reduziu os custos para obtenção de capital a partir dessas fontes. Problemas de intermediação e interrupção nos fluxos de financiamento estão entre as consequências oriundas da crise econômica de 2008 (CARVALHAL; LEAL, 2013), e a qualidade da GC pode ter diminuído o impacto desses fatores e contribuído para um melhor desempenho.
A despeito desse aspecto positivo, diversos estudos, no entanto, argumentam que falhas nos mecanismos de GC em empresas públicas e privadas contribuíram para o agravamento da crise econômica de 2008 (KIRKPATRICK, 2009; YEOH, 2010). Portanto, este trabalho pretende avançar com a compreensão da relação entre a GC, o desempenho e a crise econômica de 2008. O objetivo foi verificar a influência da qualidade da GC no desempenho das empresas brasileiras listadas na BM&F Bovespa no contexto da crise econômica global de 2008.
Para isso, este artigo está divido em cinco seções. Além desta seção introdutória, na segunda seção, a literatura será revisada, fundamentando os principais conceitos utilizados neste trabalho relacionados à crise econômica de 2008, à GC e ao desempenho. Na terceira seção, serão detalhadas as estratégias metodológicas, seguida pela análise dos resultados, apresentada na seção seguinte, e pela conclusão, exposta na seção final.
A origem da crise econômica global de 2008 remete ao segmento de hipotecas de alto risco do mercado imobiliário norte-americano no ano de 2006. Seus primeiros desdobramentos nos Estados Unidos começaram a ser percebidos em 2007, com pedidos de falência e aquisições de bancos em dificuldades. Uma combinação de profundo desequilíbrio no mercado de ativos com a crise bancária conduziu o mundo à paralisia na concessão de crédito, com resultados negativos sobre os níveis de atividade econômica (MOREIRA; SOARES, 2010). Seus efeitos sobre a economia brasileira foram mais intensos a partir de setembro de 2008, quando o anúncio da falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers provocou pânico no mercado financeiro internacional e valorização da moeda norte-americana.
Caballero e Hammour (1994) pontuam que as recessões trazem grandes impactos tanto para as economias nacionais quanto para o desempenho das empresas. Gulati, Nohria e Wohlgezogen (2010) observam que, durante períodos de crise, em média, uma a cada seis empresas não sobrevive (seja porque é adquirida ou entra em falência) e 80% das organizações precisam de mais de três anos após a retomada do crescimento econômico para recuperar seu nível anterior de crescimento (vendas e rentabilidade).
De acordo com Moreira e Soares (2011), as crises, sejam financeiras ou não, surgem a partir da existência de uma bolha na economia, financiada de forma que gere um excesso de endividamento, que pode ser tanto do governo quanto das empresas (financeiras ou não) e das famílias. Esse excesso de endividamento começa a criar expectativas negativas quanto ao seu pagamento. Em consequência, tem início um comportamento defensivo, que por vezes resulta em um movimento de manada. Ainda segundo esses autores, credores antecipam pagamentos, dificultam a rolagem de dívidas e criam requisitos adicionais para empréstimos; enquanto que devedores iniciam uma tentativa de quitar seus compromissos, temerosos de que as condições de pagamento se tornem ainda mais deterioradas. Nesse cenário, os preços dos ativos (moeda, ações, imóveis, dentre outros) caem, acirrando o comportamento defensivo e dando origem a uma crise financeira.
Acioly et al. (2009) consideram que fatores tanto macroeconômicos quanto microeconômicos explicam a origem da crise financeira nos Estados Unidos. Entre os fatores macroeconômicos enumerados pelos autores, está o período prolongado de baixas taxas de juros, que tornou a concessão de crédito mais favorável e permitiu a aceitação de um nível maior de risco. Moreira e Soares (2010) acrescentam, ainda, a integração financeira internacional, que, somada aos fatores anteriormente expostos, só fez agravar o impacto da crise. No que tange aos fatores microeconômicos, Moreira e Soares (2010) citam a ausência de regulamentação dos mercados financeiros e a alta liquidez, que facilitaram a criação de produtos financeiros sofisticados, cujos riscos resultaram na formação inadequada dos preços dos ativos.
A crise afetou a disponibilidade de capital, e a consequente escassez de crédito atingiu os mercados emergentes, inclusive o Brasil, possivelmente afetando os termos de seu financiamento nacional e internacional (CARVALHAL; LEAL, 2013). Analisando as repercussões da crise econômica internacional no Brasil, pode-se verificar que o governo brasileiro confiou em uma menor fragilidade da economia nacional, já que desde a crise de 2002 vinha adotando medidas de política econômica mais rígidas (MALAN, 2008). Basicamente, o país contou com a configuração de um cenário caracterizado por um contexto de relativa estabilidade macroeconômica, com inflação controlada, superávit fiscal, elevado volume de reservas internacionais, saldo comercial favorável e menor dependência do financiamento externo (MALAN, 2008).
Mesmo assim, os efeitos da crise no Brasil foram dramáticos: houve uma queda acentuada da atividade econômica ao final de 2008 que perdurou pela maior parte do ano de 2009. Um dos primeiros efeitos percebidos no país ocorreu no último trimestre de 2008, com a saída de capital estrangeiro em uma tentativa de recomposição de perdas sofridas pelos investidores nos principais mercados financeiros do mundo. O resultado imediato foi a alta do dólar, o início da redução da liquidez e da disponibilidade de crédito e uma queda significativa no preço das commodities (MOREIRA; SOARES, 2010).
Shleifer e Vishny (1997) definem governança corporativa (GC) como os meios que garantem aos investidores e credores das empresas o retorno sobre os valores investidos sob o ponto de vista financeiro. La Porta et al. (2000), por sua vez, definem GC como um conjunto de mecanismos que auxiliam os investidores externos a se protegerem contra a expropriação por parte dos gestores. Complementando essa definição, Silveira (2005) coloca que a GC apresenta mecanismos internos e externos para harmonizar a relação entre gestores e acionistas, uma vez que existe a separação entre controle e propriedade.
A Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) (2004) afirma que a GC envolve um conjunto de relacionamentos entre a gerência da empresa, o conselho de administração, os acionistas e outros stakeholders. Ainda segundo a OECD, a GC oferece a estrutura pela qual os objetivos da companhia são estabelecidos, assim como os meios para atingi-los e monitorá-los. Nesse sentido, o aumento do grau de confiança proporcionado por uma boa qualidade da GC é entendido como um elemento importante para a eficiência econômica e o crescimento não só de empresas, mas da economia como um todo (OECD, 2004).
O estado atual da discussão sobre GC é resultado de inúmeros trabalhos desenvolvidos a partir da década de 1930. Berle e Means (1987) e Jensen e Meckling (1976) iniciaram essa discussão, estudando os conflitos de interesses entre acionistas e gestores com base na teoria da agência.
Silveira et al. (2007) destacam que grande parte da literatura sobre GC foi desenvolvida no contexto anglo-saxão, marcado por uma estrutura de propriedade pulverizada e pelo conflito entre acionistas e gestores. Contudo, nem todos os mercados possuem essa característica, ocorrendo uma mudança na base de compreensão da GC. Segundo Leal (2007), além do conflito de agência entre gestores e acionistas, pode passar a ocorrer conflito entre os diferentes grupos de acionistas. Logo, a GC tem o objetivo de impedir que acionistas controladores expropriem os minoritários.
A falência de grandes companhias e os escândalos financeiros ocorridos principalmente nos Estados Unidos durante a década de 1990 e o início da década seguinte, envolvendo organizações como Enron, WorldCom e Parmalat, criaram um clima de desconfiança em relação às demonstrações financeiras e tiveram como resposta a promulgação da Lei Sarbanes-Oxley em 2002 (SILVA, 2006). Os gestores das empresas contempladas por essa lei tiveram seus deveres e responsabilidades aumentados, visando assegurar a proteção dos investidores e evitar a ocorrência de grandes escândalos e crises (SILVA, 2006; KIRKPATRICK, 2009). Kirkpatrick (2009) argumenta que, apesar do grande impulso dado à GC a partir dos escândalos e das crises, falhas nas estruturas de GC, especificamente nos sistemas de informação e remuneração, foram responsáveis pelo agravamento da crise de 2008, especialmente nas organizações financeiras.
Segundo Silveira (2004) e Silveira, Perobelli e Barros (2008), a maioria das pesquisas na área analisa as diferenças na qualidade da GC entre empresas inseridas em diferentes contextos institucionais e, portanto, em diferentes níveis de proteção do investidor. Contudo, segundo esses autores, as características inerentes às próprias organizações são capazes de garantir diferentes graus de qualidade da GC em empresas inseridas em um mesmo ambiente contratual. Este argumento é reiterado por Klapper e Love (2004), que verificaram a existência de grande variação na qualidade da GC entre empresas de um mesmo país. No estudo, foram encontradas empresas com boa GC em países com baixa proteção legal aos investidores e empresas com GC ruim em países com alta proteção legal.
Complementarmente aos trabalhos anteriores, Himmelberg, Hubbard e Palia (1999) argumentam que a proteção ao investidor possui tanto componentes externos (relacionados ao ambiente institucional em que a empresa está inserida) quanto componentes internos (relacionados ao tipo de atividade e a outras características da empresa). Silveira, Perobelli e Barros (2008) e Silveira (2004) destacam alguns atributos das empresas que são influenciados pela qualidade da GC: expectativa de crescimento; estrutura dos ativos e tangibilidade; tamanho; concentração acionária do controlador; desempenho; e adesão aos níveis diferenciados de GC da BM&F Bovespa.
A despeito da grande concordância de que o desempenho possui várias dimensões (SANTOS; BRITO, 2012; BARNEY, 1996; COMBS; CROOK; SHOOK, 2005; RICHARD et al., 2009), a maior parte dos estudos acadêmicos optou por trabalhar o desempenho a partir da visão dos acionistas, focando a dimensão econômica, principalmente devido à dificuldade de operacionalizar suas outras dimensões (RUMELT, 1991; BRITO; VASCONCELOS, 2005; BANDEIRA-DE-MELLO; MARCON, 2006). É possível afirmar que uma melhora na qualidade da GC facilita o acesso às fontes de financiamento e pode reduzir os custos de obtenção do capital. Espera-se, portanto, um reflexo no desempenho das empresas. Em períodos de recessão, quando as fontes de financiamento se retraem, a qualidade da GC pode ser um fator importante para a reabertura dos canais de financiamento, facilitando o acesso às origens de recursos (CARVALHAL; LEAL, 2013).
Várias foram as pesquisas acadêmicas que buscaram demonstrar que existe uma relação entre o desempenho e a GC. Leal (2004) oferece uma revisão da literatura internacional a respeito da relação entre a GC e o valor de mercado da firma. Ao examinar a relação entre o valor da companhia e a concentração dos direitos de voto e dos direitos sobre o fluxo de caixa dos acionistas controladores, espera-se que, quanto maior for a separação entre os direitos de voto e os direitos ao fluxo de caixa, maior seja o impacto negativo da concentração dos direitos de voto sobre o valor da firma. Como resultado principal, Leal (2004) sugere que a qualidade das práticas de GC parece estar positivamente relacionada com o valor da firma, especialmente nos países em que a proteção legal do investidor é pior, como é o caso dos mercados emergentes, incluindo o Brasil.
Leal (2007) destaca, ainda, a existência de um forte desejo dos atores envolvidos na promoção de boas práticas de GC para que estas levem a um maior valor da empresa. Silveira (2004) relata, no entanto, que a busca de evidências sobre a relação entre qualidade da GC e desempenho varia em função da abordagem econométrica utilizada na pesquisa; do uso de variáveis endógenas e exógenas; e da relação da causalidade apresentada.
Silveira (2004) e Bohren e Odegaard (2004) afirmam que a maioria dos estudos utiliza modelos econométricos que assumem a GC como uma variável exógena. Dessa forma, a causalidade transforma-se em uma via de sentido único, partindo da GC para o desempenho. No entanto, os autores verificaram alguns estudos que trataram a GC como variável endógena. Nesses casos, os resultados antes estatisticamente significativos entre GC e desempenho deixam de existir.
Inicialmente, foram os trabalhos de Jensen e Meckling (1976) e Morck, Shleifer e Vishny (1988) que avaliaram o impacto da estrutura de propriedade sobre o valor das companhias. Nos anos seguintes, Demsetz e Lehn (1985), Cho (1998), Silva (2002), Okimura (2003) e Klapper e Love (2004) demonstraram que a estrutura de propriedade e controle afeta o desempenho. Na mesma linha, Lameira, Ness Júnior e Macedo-Soares (2007) argumentam que a melhoria de práticas de GC interfere no valor das companhias abertas listadas em bolsa.
No entanto, nas pesquisas conduzidas por Demsetz e Villalonga (2001), Silveira (2004), Silva e Leal (2005), Firth, Fung e Rui (2006), Bhagat e Bolton (2008) e Silva, Nardi e Pimenta Junior (2012), não foram encontradas relações positivas entre os mecanismos de GC e o desempenho.
Com o mesmo objetivo de demonstrar os efeitos positivos da GC sobre o desempenho, diversas pesquisas desenvolveram índices que medem a qualidade da GC. Almeida et al. (2010) expõem que esses índices são obtidos por meio de questionários que avaliam a qualidade da GC, tomando como base a legislação e os códigos de GC. Para tais autores, mensurar a qualidade da GC por meio de índices garante o uso de informações transparentes, facilita a replicação das pesquisas e a interpretação dos dados e evita uma baixa taxa de respondentes, uma vez que os dados secundários são coletados pelo próprio pesquisador a partir dos relatórios divulgados pelas companhias.
Bozec e Bozec (2012) apresentam uma revisão dos estudos internacionais que investigaram a relação entre índices de GC e desempenho. Segundo eles, uma relação significativa e positiva é encontrada na maioria das classificações de GC e desempenho na Europa e nas economias emergentes. No entanto, os estudos conduzidos nos Estados Unidos e no Canadá geraram resultados mistos. Os autores também discutem importantes deficiências metodológicas, relacionadas principalmente à medição, à substituição entre mecanismos de GC e à endogeneidade.
Black (2001) utilizou um ranking desenvolvido por um banco de investimentos russo para analisar esse mercado. Gompers, Ishii e Metrick (2003) construíram um índice de GC como proxy para os direitos dos acionistas em cerca de 1.500 empresas. Klapper e Love (2004) desenvolveram um índice para 14 mercados emergentes. Drobetz, Schillhofer e Zimmermann (2004) construíram um índice para analisar o mercado alemão. Beiner et al. (2004), por sua vez, analisaram o mercado aberto na Suíça por meio de um índice com 38 atributos. Durnev e Kim (2005) desenvolveram um índice composto de empresas de 27 países. Já Black, Jang e Kim (2006) elaboraram um índice aplicado a 515 empresas coreanas.
No Brasil, diversas pesquisas também desenvolveram índices para avaliar a qualidade da GC. Silveira (2004), por exemplo, construiu um índice de qualidade da GC composto de 20 questões para avaliar 161 empresas. Silva e Leal (2005) investigaram a qualidade da GC no mercado acionário brasileiro. Leal e Silva (2005), por sua vez, criaram um índice de GC com 24 questões aplicado a empresas brasileiras. Santos e Leal (2007) analisaram a qualidade da GC em empresas de capital aberto. Já Almeida et al. (2010) analisaram as boas práticas de GC em empresas não listadas na bolsa de valores.
Diversas pesquisas também estudaram a relação entre a GC e a crise econômica de 2008. Hausmann e Bechtold-Orth (2010) pontuam que falhas na remuneração contribuíram para a crise econômica ao incentivarem a assunção de riscos em curto prazo em detrimento da segurança em longo prazo. Ringe (2013) avalia o conceito de GC como estando ligado à independência do conselho diante das experiências decepcionantes durante a crise de 2007-2008. Stiglbauer, Fisher e Velte (2012) sinalizam que a crise financeira levou a uma perda de confiança na qualidade da GC. Por outro lado, Ezzine e Olivero (2013) apontam que mecanismos de GC eficazes melhoraram a capacidade das empresas de se recuperar de uma crise do mercado de ações.
Outros trabalhos analisaram a relação entre a GC e a crise financeira especificamente em instituições financeiras (MÜLBERT, 2009; KABIGTING, 2011; TURNBULL; PIRSON, 2011; GROVE et al., 2011; PENI; VÄHÄMAA, 2012; ROSS; CROSSAN, 2012; PENI; SMITH; VÄHÄMAA, 2013). Nesse universo, destacam-se os estudos de Peni e Vähämaa (2012) e Ross e Crossan (2012). Peni e Vähämaa (2012) pesquisaram os efeitos da GC sobre o desempenho de bancos norte-americanos durante a crise financeira de 2008, associando os bancos com mecanismos de GC de maior qualidade a uma maior lucratividade em 2008. Contudo, os resultados também indicam que os mesmos mecanismos podem ter produzido efeitos negativos sobre as avaliações de mercado de ações de bancos em meio à crise (PENI; VÄHÄMAA, 2012). Ross e Crossan (2012), por sua vez, forneceram uma visão geral das estruturas de GC no Reino Unido e na Alemanha e procuraram entender até que ponto elas podem ter sido um fator contributivo para a crise de 2008. Segundo eles, fica evidente que as estruturas de GC adotadas nos países citados não eram adequadas para evitar a crise, de modo que somente ao longo do tempo será possível verificar se as ações corretivas tomadas foram suficientes.
O problema que norteou esta pesquisa é: qual é a influência da governança corporativa (GC) no desempenho das empresas brasileiras listadas na BM&F Bovespa no contexto da crise econômica mundial de 2008? Na tentativa de encontrar uma resposta ao problema de pesquisa e com base na revisão da literatura e de trabalhos empíricos, foram formuladas as seguintes hipóteses:
(hipótese nula) - diante da crise econômica de 2008, a qualidade da GC não foi significativa para um melhor desempenho das empresas brasileiras.
- diante da crise econômica de 2008, a qualidade da GC foi significativa para um melhor desempenho das empresas brasileiras.
Para operacionalizar os períodos pré-crise, crise e pós-crise no modelo econométrico, conforme sugerido por Gulati, Nohria e Wohlgezogen (2010), foram utilizadas variáveis dummies, com valores 0 e 1. O uso desse tipo de variável auxilia na investigação de quebras estruturais nas séries temporais. Os autores indicam que, para obter melhores resultados em análises que envolvem crises, deve-se considerar um intervalo de três anos antes e depois do período central do evento. Assim, considerando que os primeiros efeitos da crise foram sentidos em 2007 e se mantiveram fortes até 2009 (sendo este o período central do evento), este estudo contemplará em sua análise a série temporal de 2004 a 2012.
Para a análise da relação entre as variáveis, foi utilizado um modelo de regressão com dados em painel de efeitos aleatórios. No entanto, para a estimação do modelo de regressão, primeiramente, realizou-se a regressão de mínimos quadrados ordinários (MQO), seguida do teste de Significância Conjunta, do teste de Breusch-Pagan e do teste de Hausman. A confirmação do uso do modelo de efeitos aleatórios aconteceu somente após a realização dos testes de Hausman e Breusch-Pagan (GUJARATI; PORTER, 2011).
O formato da equação para este modelo, conforme sugerido por Gujarati e Porter (2011, p. 599), é:
Onde:
DESi= variáveis de desempenho, return on equity (ROE) e return on assets (ROA), especificamente;
α = intercepto da equação;
d1 e d2= variáveis dummies indicadoras dos períodos de pré-crise e pós-crise;
IGOV = índice de GC, composto de 20 questões divididas em quatro dimensões;
i = companhias;
t = períodos pesquisados.
O desempenho foi operacionalizado por meio de métricas contábeis de rentabilidade, ROE e ROA, uma vez que, apesar de criticadas por subavaliar ativos, não são tão suscetíveis a interferências externas como as métricas avaliadas pelo mercado (SÁNCHEZ-BALLESTA; GARCÍA-MECA, 2007). Essas variáveis foram analisadas em trimestres, de janeiro de 2004 a dezembro de 2012, somando, no total, 36 períodos. As medidas de desempenho foram calculadas em planilha Excel e posteriormente exportadas para o software SPSS 17.0, onde foram submetidas à análise de estatística descritiva. Uma vez concluída esta fase da análise, os dados correspondentes às variáveis dependentes e independentes foram importados para o software Gretl, versão 1.9.9, responsável, então, pela análise de dados em painel.
A amostra foi composta de empresas com ações negociadas na BM&F Bovespa ao longo de todos os 36 períodos mencionados anteriormente (entre janeiro de 2004 e dezembro de 2012). Em conformidade com o delineamento da pesquisa, foram utilizados dados secundários, obtidos por meio dos relatórios trimestrais e anuais, juntamente com as atas de assembleias e demais notas divulgadas pelas empresas listadas na BM&F Bovespa. Os dados sobre desempenho foram coletados partir do software Economática® e dos relatórios anuais e trimestrais das empresas.
A amostra final de empresas de capital aberto listadas na BM&F Bovespa foi constituída de 51 empresas oriundas de diversos setores. Todas as empresas abriram capital antes de 2004 e tiveram suas ações negociadas durantes os 36 trimestres pesquisados.
A classificação setorial é oferecida pela BM&F Bovespa e contempla nove setores – utilidade pública, telecomunicações, tecnologia da informação, materiais básicos, financeiro e outros, consumo não cíclico, consumo cíclico, construção e transporte e bens industriais –, demonstrando heterogeneidade setorial. Apenas o setor de petróleo, gás e biocombustíveis não possui representantes na amostra. Os setores utilidade pública e financeiro e outros correspondem, cada um, a 27% das empresas da amostra, totalizando mais da metade (54%) das empresas pesquisadas.
A BM&F Bovespa também classifica as empresas de acordo com o segmento de governança corporativa (GC) em Novo Mercado, Nível 2, Nível 1 e Tradicional. As companhias contempladas neste estudo pertencem, em sua maioria (61%), a algum dos segmentos diferenciados de GC, segundo a própria BM&F Bovespa. O Novo Mercado, segmento relacionado a uma maior qualidade de GC, é o mais representativo deles, com 27% das empresas da amostra. Também é possível observar que 39% das companhias pesquisadas não se enquadram em nenhum dos segmentos diferenciados. No entanto, como pode ser percebido por meio do índice de GC calculado neste trabalho, estas empresas pontuaram em algumas questões, o que sinaliza a adoção de determinadas práticas de GC.
A variável independente refere-se à GC. Como medida da qualidade da GC das empresas, foi utilizado o Índice de Governança Corporativa (IGOV) proposto por Silveira (2004) e calculado para os anos entre 2004 e 2012. O índice foi construído com base em um conjunto de vinte perguntas binárias e objetivas, cujas respostas foram obtidas exclusivamente a partir de dados secundários. Cada resposta positiva adicionou um ponto ao índice, com as empresas apresentando um nível de GC entre 0 e 20. O IGOV foi construído de forma a levar em conta quatro dimensões consideradas importantes pela literatura para a avaliação das práticas de GC: acesso às informações, conteúdo das informações, estrutura do conselho de administração e estrutura de propriedade e controle.
O Gráfico 1, exposto a seguir, apresenta o comportamento da variável IGOV. Cabe destacar que não existiram grandes alterações entre os valores mínimos e máximos ao longo dos 36 períodos; no entanto, houve um aumento gradativo da sua média.
Diversos trabalhos foram desenvolvidos no Brasil sobre GC durante a primeira década de 2000 (SILVEIRA, 2004; PONTE et al., 2012), principalmente após a criação dos níveis diferenciados pela BM&F Bovespa, que trouxe visibilidade à questão. Silveira, Perobelli e Barros (2008) e Silveira (2004) destacam alguns atributos das empresas que se relacionam com a qualidade da GC e que podem explicar o crescimento da média do IGOV: expectativa de crescimento; estrutura dos ativos e tangibilidade; tamanho; concentração acionária do controlador; desempenho; emissão deAmerican Depositary Receipts (ADRs); e adesão aos níveis diferenciados de GC da BM&F Bovespa.
É também possível especular que a crise asiática ocorrida no final da década de 1990 e os escândalos financeiros daí oriundos presentes no início da década seguinte podem ter influenciado uma melhora nas práticas de GC no mundo (SILVA, 2006), inclusive no Brasil, uma vez que muitas empresas buscam investimentos estrangeiros e negociam suas ações em mercados internacionais.
Para uma análise mais acurada, o índice de GC foi desmembrado nas quatro dimensões que o compõem: acesso às informações, conteúdo das informações, estrutura do conselho de administração e estrutura de propriedade e controle (SILVEIRA, 2004). O valor do índice para cada uma das dimensões variou de 0 a 5. Com essa análise, foi possível observar que as dimensões “acesso às informações” e “conteúdo das informações” apresentam média mais alta que as outras duas dimensões, o que pode ser explicado pela crescente necessidade de divulgação de informações por parte das empresas que negociam suas ações na BM&F Bovespa. A partir de 2009, o formulário de Informações Anuais (IAN), usado até o ano de 2008, foi substituído pelo Formulário de Referência. As companhias passaram, então, a apresentar anualmente esse novo relatório, que contempla um maior número de informações e se assemelha ao prospecto elaborado pelas empresas na ocasião da abertura de capital.
As médias mais baixas das dimensões “estrutura do conselho de administração” e “estrutura de propriedade e controle” sinalizam outras características da GC no Brasil. No que tange ao conselho de administração, foi observado que um número expressivo de empresas não inclui quantidade suficiente de membros externos e independentes em seus conselhos e que estes não possuem mandato unificado de um ano.
Sobre a estrutura de propriedade e controle, é importante apontar a característica já discutida por Leal, Carvalhal-da-Silva e Valadares (2002), que analisaram a estrutura direta e indireta de controle das empresas brasileiras e verificaram a existência de um elevado grau de concentração de capital votante no Brasil. De acordo com esses autores, “mesmo nos casos em que não há um acionista controlador, o maior acionista detém uma participação significativa dos direitos sobre voto e a companhia é, geralmente, controlada por seus três maiores acionistas” (LEAL; CARVALHAL-DA-SILVA; VALADARES, 2002, p. 7).
O desempenho, que consiste na variável dependente do modelo proposto neste trabalho, é o elemento que descreve de que forma uma organização utiliza seus recursos para criar valor além da expectativa de seus acionistas (BARNEY, 1996), sendo entendido como um constructo multidimensional, motivo pelo qual esta pesquisa considera a dimensão econômica do desempenho. A partir de dados secundários coletados nos demonstrativos e nos indicadores financeiros anuais das empresas que compõem a amostra deste estudo, o desempenho econômico foi mensurado pelos seguintes indicadores: return on equity (ROE) e return on assets (ROA). O Gráfico 2, apresentado a seguir, ilustra o comportamento da variável dependente do modelo deste trabalho entre janeiro de 2004 e dezembro de 2012 e demonstra com clareza o colapso provocado no resultado das empresas a partir da eclosão da crise econômica global em 2008.
A trajetória de crescimento foi bruscamente interrompida no trimestre 19, que corresponde aos meses de julho, agosto e setembro de 2008. Foi justamente em setembro de 2008 que ocorreu o estopim da crise, a partir da quebra do banco norte-americano Lehman Brothers. Dos últimos trimestres de 2009 até o início de 2010, os indicadores sinalizam a retomada do crescimento. Contudo, a partir do segundo trimestre de 2010, é observada a sistemática redução dos resultados. Dois fatores podem auxiliar a compreensão da queda desses indicadores. O primeiro deles seria a lenta recuperação da economia norte-americana. O segundo seria o desenrolar da crise na Europa, com problemas sérios na economia de diversos países como Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. Até dezembro de 2012, período final compreendido na análise deste estudo, os indicadores de resultado se mantinham longe dos níveis observados anteriormente à crise.
Para analisar a relação entre a variável independente (qualidade da GC medida por meio do IGOV) e dependente (desempenho medido por meio do ROE e do ROA), foi escolhida a regressão de dados em painel, conforme já explicitado. As regressões foram rodadas primeiramente utilizando o ROA como variável dependente. Foram realizados testes para a escolha do modelo mais adequado para os dados desta pesquisa, utilizando o ROA como variável dependente. Com os testes de significância conjunta e Breusch-Pagan e a rejeição do MQO agrupado em ambos, confirma-se uma estrutura de painel. Além disso, o teste de Hausman corrobora a eficiência e consistência do modelo de efeitos aleatórios. Os mesmos testes foram repetidos utilizando o ROE como variável dependente. Os resultados de todos os testes de painel podem ser visualizados na Tabela 1.
De acordo com o modelo de efeitos aleatórios, o desempenho, neste caso medido pelo ROA, é explicado pela qualidade da GC, apresentando uma relação estatisticamente significativa e negativa. A interpretação do coeficiente negativo da variável IGOV sugere que as empresas com maior IGOV apresentam um desempenho inferior. Este resultado contraria a maior parte da literatura da área, mas vai ao encontro de alguns estudos que, com diferentes metodologias, também averiguaram essa relação.
É também estatisticamente significativa, porém agora positiva, a relação entre a qualidade da GC no período pré-crise e o desempenho. A explicação do coeficiente positivo da variável D1IGOV indica que, no período pré-crise, empresas com uma melhor qualidade da GC apresentaram um melhor desempenho. Como o coeficiente da relação entre a qualidade da GC no período pós-crise e o desempenho (ROA) não apresentou significância estatística, ela não pode ser confirmada nos dados pesquisados.
O modelo também analisou a relação entre o desempenho e os períodos pré e pós-crise em comparação ao período da crise. No período pré-crise, o coeficiente apresentou-se negativo e estatisticamente significativo. Esse resultado contraria o senso comum de que durante a crise o desempenho foi inferior. No entanto, como neste modelo o desempenho é medido pelo ROA, períodos de crise podem ser marcados pelo enxugamento dos ativos, em uma tentativa das empresas de sofrerem menos os efeitos da recessão. Essa possibilidade pode ser uma das explicações possíveis para os resultados encontrados, mas necessita de maiores investigações para ser comprovada. Como o coeficiente da relação entre o período pós-crise e o desempenho (ROA) não apresentou significância estatística, ela não pode ser confirmada a partir dos dados desta pesquisa.
Além do ROA, o desempenho foi medido por meio do ROE. Os resultados da regressão pelo modelo de efeitos aleatórios que utiliza o ROE como variável dependente também podem ser encontrados na Tabela 1. Segundo a análise, a partir do modelo de efeitos aleatórios, o desempenho, neste caso medido pelo ROE, não pode ser explicado pela qualidade da GC, uma vez que o coeficiente não atendeu à significância estatística mínima de 95%.
No entanto, é estatisticamente significativa e positiva a relação entre a qualidade da GC no período pré-crise e o desempenho. A explicação do coeficiente positivo da variável D1IGOV indica que, no período pré-crise, empresas com uma melhor qualidade da GC apresentaram um melhor desempenho. Esse resultado foi observado em ambas as medidas de desempenho, ROA e ROE. Como o coeficiente da relação entre a qualidade da GC no período pós-crise e o desempenho (ROE) não apresentou significância estatística, ela não pode ser confirmada nos dados pesquisados.
O modelo investigou também a relação entre o desempenho e os períodos pré e pós-crise em comparação ao período da crise. Em concordância com os resultados encontrados no modelo que utilizou o ROA como variável dependente, este modelo registrou coeficiente negativo e estatisticamente significativo. Apesar de esse resultado parecer inusitado, contrariando o senso comum, é importante ressaltar que períodos de crise são marcados pela busca da eficiência como tentativa das empresas de sofrerem menos os efeitos da recessão. Essa sugestão pode explicar os resultados encontrados, mas necessita de maiores investigações para que seja comprovada. O coeficiente da relação entre o período pós-crise e o desempenho (ROE) não apresentou significância estatística; logo, não é possível confirmá-la a partir dos dados deste estudo.
Conforme verificado anteriormente, somente o desempenho medido pelo ROA é explicado pela qualidade da GC, apresentando uma relação estatisticamente significativa e negativa. A interpretação do coeficiente negativo da variável IGOV sugere que as empresas com maior IGOV apresentam um desempenho inferior. Este resultado contraria a maior parte da literatura nacional da área, mas vai ao encontro de diversos estudos internacionais. Alguns trabalhos se dedicaram a pesquisar a relação entre IGOV e desempenho, utilizando diferentes metodologias, e também encontraram um resultado negativo (Demsetz; Villalonga, 2001; Silveira, 2004; Silva; Leal, 2005; Firth; Fung; Rui, 2006; Bhagat; Bolton, 2008). Outros trabalhos mais recentes buscaram analisar a relação entre a GC e a crise econômica de 2008 (Hausmann; Bechtold-Orth, 2010; Ringe, 2013; Stiglbauer; Fisher; Velte, 2012; PENI; VÄHÄMAA, 2012; ROSS; CROSSAN, 2012; MÜLBERT, 2009) e verificaram em seus achados que a qualidade da GC agravou os efeitos da crise econômica, nem sempre especificamente sobre o desempenho das empresas. Esses trabalhos apontam para falhas no atual sistema de GC, principalmente no contexto anglo-saxão. Os princípios estabelecidos pela Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) e observados por diversas empresas, por exemplo, sinalizaram melhores resultados em relação ao modelo anglo-saxão (HILB, 2011; EZZINE; OLIVERO, 2013). Cabe discutir nesse momento se as estruturas e os mecanismos de GC utilizados no Brasil estão sendo bem aplicados e, em caso negativo, quais mudanças seriam necessárias para melhorar essa aplicação.
É também estatisticamente significativa, porém agora positiva, a relação entre a qualidade da GC no período pré-crise e o desempenho. A explicação do coeficiente positivo da variável D1IGOV indica que, no período pré-crise, empresas com uma melhor qualidade de GC apresentaram um melhor desempenho. Esse resultado foi observado para ambas as medidas de desempenho, ROA e ROE.
A contribuição deste estudo reside, assim, na não rejeição de, sugerindo que, diante da crise econômica de 2008, a qualidade da GC não foi significativa para um melhor desempenho das empresas brasileiras. Para chegar a tal resultado, foi utilizada uma metodologia quantitativa consistente, sinalizando um pequeno avanço para o campo no Brasil.
A crise econômica global teve sua origem em 2006 no segmento de hipotecas de alto risco do mercado imobiliário norte-americano. No entanto, os primeiros efeitos da crise sobre a economia brasileira passaram a ser efetivamente percebidos a partir de setembro de 2008, com o anúncio da falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, que provocou pânico no mercado financeiro internacional e valorização da moeda norte-americana. A literatura recente sobre governança corporativa (GC) sugere, contudo, que, além das causas micro e macroeconômicas para a crise, falhas graves nas estruturas de GC públicas e privadas contribuíram para o agravamento da recessão (KIRKPATRICK, 2009; YEOH, 2010; ROSS; CROSSAN, 2012; Stiglbauer; Fisher; Velte, 2012; RINGE, 2013).
Diante desse cenário, a presente pesquisa buscou avançar na compreensão da relação entre GC, desempenho e recessões. O objetivo foi verificar a influência da qualidade da GC no desempenho das empresas brasileiras listadas na BM&F Bovespa no contexto da crise econômica global de 2008.
Para operacionalizar o estudo, realizaram-se a definição das variáveis centrais do modelo e de sua forma de mensuração, a justificativa para estabelecimento da relação proposta e o levantamento bibliográfico de artigos nacionais e internacionais que versaram sobre a relação entre GC, crise econômica de 2008 e desempenho. A seguir, foram calculados os indicadores de desempenho e de GC definidos por meio da base teórica. O comportamento das variáveis levantadas sofreu uma análise exploratória a partir da estatística descritiva, e um modelo econométrico de dados em painel foi utilizado para testar a hipótese de pesquisa.
Em termos nomológicos, ou seja, afirmações que se extraem da relação entre as variáveis, esta pesquisa verificou que o desempenho medido pelo return on assets (ROA) é explicado pela qualidade da GC a partir de um modelo de dados em painel. A relação mostrou-se estatisticamente significativa e negativa. Conforme discutido anteriormente, a interpretação do coeficiente negativo da variável Índice de Governança Corporativa (IGOV) sugere que as empresas com maior qualidade de GC apresentam um desempenho inferior.
Este resultado contraria a maior parte da literatura nacional da área, mas reitera os resultados de diversos estudos internacionais. Alguns trabalhos se dedicaram a pesquisar a relação entre IGOV e desempenho, utilizando diferentes metodologias, e também encontraram um resultado negativo, enquanto que outros, mais recentes, buscaram a analisar a relação entre a GC e a crise econômica de 2008 e verificaram que falhas na atual estrutura de GC agravaram os efeitos da crise econômica.
A partir desse resultado é possível afirmar que, no contexto nacional, este trabalho proporciona um pequeno avanço em relação àqueles que examinam a associação entre GC, crise e desempenho ao sugerir que, diante da crise econômica de 2008, a qualidade da GC não foi significativa para um melhor desempenho das empresas brasileiras listadas na BM&F Bovespa. A análise exploratória das variáveis, por sua vez, não trouxe nenhuma surpresa. Foi observado um crescimento gradativo da qualidade da GC, medida pelo IGOV. Para uma análise mais precisa, o índice de GC foi desmembrado nas quatro dimensões que o compõem: acesso às informações, conteúdo das informações, estrutura do conselho de administração e estrutura de propriedade e controle. As dimensões “acesso às informações” e “conteúdo das informações” apresentaram média mais alta que as outras duas dimensões.
Ainda na fase da análise exploratória, o comportamento da variável dependente, representada pelos indicadores ROA e ROE, entre janeiro de 2004 e dezembro de 2012, demonstra com clareza o colapso provocado no resultado das empresas com a eclosão da crise econômica global em 2008. Dos últimos trimestres de 2009 até o início de 2010, os indicadores sinalizam a retomada do crescimento. Contudo, a partir do segundo trimestre de 2010, é observada uma sistemática redução dos resultados, que, até dezembro de 2012, período final analisado neste estudo, se mantinham distantes dos níveis observados anteriormente à crise.
Além do teste da hipótese, o modelo de dados em painel também ofereceu outras conclusões. É estatisticamente significativa e positiva a relação entre a qualidade da GC no período pré-crise e o desempenho. A relação entre o desempenho e o período pré-crise em comparação ao período da crise apresentou um coeficiente negativo e estatisticamente significativo. A análise das relações no período pós-crise não apresentou significância estatística, não podendo, portanto, serem confirmadas a partir dos dados desta pesquisa.
Entre as sugestões para pesquisas futuras, cabe sinalizar alguns aspectos metodológicos, tais como: (i) incluir novas medidas de desempenho e variáveis de controle ao modelo; (ii) explorar e inverter a relação de causalidade estabelecida pelo pesquisador; e (iii) ampliar as dimensões da GC abordadas pelo índice.
Vale apontar, ainda, as possibilidades que surgiram a partir dos resultados desta pesquisa: (i) discutir se as estruturas e os mecanismos de GC utilizados no Brasil são coerentes com o cenário econômico e político nacional e internacional e se estão sendo bem aplicados; (ii) debater, caso falhas sejam encontradas, da mesma forma que em diversos países europeus e nos Estados Unidos, possíveis mudanças nas orientações sobre GC; e (iii) desenvolver novos estudos sobre a relação que se mostrou negativa entre o desempenho e o período pré-crise em comparação ao período da crise.