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Preocupações com a sustentabilidade imbricadas na missão social das organizações: a percepção de empreendedores sociais do Brasil e de Portugal
Vania de Fátima Barros Estivalete; Taís de Andrade; Vívian Flores Costa;
Vania de Fátima Barros Estivalete; Taís de Andrade; Vívian Flores Costa; Lisiane Pellini Faller
Preocupações com a sustentabilidade imbricadas na missão social das organizações: a percepção de empreendedores sociais do Brasil e de Portugal
Concerns about the sustainability imbricated in social mission of organizations: the perception of social entrepreneurs from Brazil and Portugal
Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, vol. 9, pp. 8-24, 2016
Universidade Federal de Santa Maria
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Resumo: Este estudo visa investigar a percepção de empreendedores sociais do Brasil e de Portugal no que tange a preocupações com a sustentabilidade presentes na missão social das organizações em que atuam. Para tanto, utilizou-se como estratégia metodológica o estudo de casos múltiplos, considerando empreendimentos sociais do Brasil e de Portugal. Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 11 empreendedores sociais, seis do Brasil e cinco de Portugal, por meio de um roteiro com questões sobre perfil e sobre sustentabilidade, abrangendo as dimensões social, ambiental e econômica desta, além de consultas a sites, relatórios e documentos. Os dados obtidos foram analisados qualitativamente por meio do procedimento de análise de conteúdo. Os resultados desta pesquisa sugerem uma predominância de preocupações com a dimensão social da sustentabilidade em todos os empreendimentos analisados, apesar de diferentes aspectos serem considerados. Quanto à dimensão econômica, constataram-se opiniões convergentes entre os empreendedores entrevistados no Brasil e em Portugal, uma vez que a grande maioria revelou a carência de recursos financeiros e a falta de apoio governamental. Sobre a dimensão ambiental, observaram-se poucas evidências nas falas dos entrevistados.

Palavras-chave:Empreendedorismo socialEmpreendedorismo social,Missão socialMissão social,SustentabilidadeSustentabilidade,BrasilBrasil,PortugalPortugal.

Abstract: This study aims to investigate the perception of social entrepreneurs from Brazil and Portugal in relation to concerns about sustainability by revealing the social mission of the organizations they serve. Therefore, it was used as a methodological strategy the multiple case study, considering social projects in Brazil and Portugal. Data collection, semi-structured interviews with 11 social entrepreneurs were held, six of Brazil and five of Portugal, consolidated through a script with profile questions and about sustainability, characterized by social, environmental and economic dimensions, as well as consultations in sites, reports and documents. The data were analyzed qualitatively through content analysis procedure. The survey results suggest a predominance of concerns about the social dimension of sustainability in all analyzed enterprises, although different aspects to consider. As for the economic dimension, found themselves converging views between entrepreneurs interviewed in Brazil and Portugal, since the vast majority revealed a lack of financial resources and lack of government support. On the environmental dimension there was little evidence in the statements of the respondents.

Keywords: Social entrepreneurship, Social mission, Sustainability, Brazil, Portugal.

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Preocupações com a sustentabilidade imbricadas na missão social das organizações: a percepção de empreendedores sociais do Brasil e de Portugal

Concerns about the sustainability imbricated in social mission of organizations: the perception of social entrepreneurs from Brazil and Portugal

Vania de Fátima Barros Estivalete
Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, Brasil
Taís de Andrade
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Vívian Flores Costa
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Lisiane Pellini Faller
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, vol. 9, pp. 8-24, 2016
Universidade Federal de Santa Maria

Recepção: 22 Março 2016

Aprovação: 07 Julho 2016

1 Introdução

No mundo contemporâneo, falar em sustentabilidade requer que se repense a noção de sucesso empresarial e de desempenho organizacional, esclarecendo o significado de sustentabilidade para o empreendimento e para a sociedade (KRAMAR; HARIADI, 2010). Inseridas nesse cenário de busca pela sustentabilidade, as empresas são cada vez mais chamadas a desempenhar um papel positivo na resolução de problemas sociais, à medida que são pressionadas por diversas questões globais latentes (KOLK; VAN TULDER, 2010).

Diante de tal imperativo, Melo Neto e Froes (2002) refletem sobre um tipo particular de organização, os empreendimentos sociais, salientando que, para estes, é impossível pensar em empreendedorismo social sem considerar o conceito de sustentabilidade. Em sintonia com essas tendências que perpassam o mundo, compreender como os empreendedores sociais manifestam e incorporam preocupações com a sustentabilidade ao descreverem e vivenciarem a missão social das organizações parece ser um importante instrumento de transformação dos padrões predominantes do sistema organizacional e das formas de comportamento das pessoas e das organizações.

Bernardino (2013) postula que o empreendedorismo social pode ser considerado um campo intrinsecamente híbrido que se desenvolve na interseção dos convencionais domínios de atividade, tendo em vista a presença de duas orientações de fundo, a econômica e a social. Esta condição introduz importantes desafios na edificação de uma estratégia e na concepção do modus operandi da organização social (BERNARDINO, 2013).

Em face disso, as preocupações com a sustentabilidade devem fazer parte das estratégias dessas organizações. Weerawardena e Mort (2006) destacam a necessidade de construir organizações viáveis em longo prazo e capazes de cumprir a sua missão com os stakeholders, para o que a sustentabilidade é um elemento fundamental.

Diante dessas considerações iniciais, emerge a questão central do presente estudo, que consiste em investigar de que modo os empreendedores sociais do Brasil e de Portugal manifestaram preocupações com a sustentabilidade ao revelarem a missão social das organizações em que atuam. Para isso, este artigo está estruturado em quatro seções, além das notas introdutórias, contendo, assim: a base teórica que alicerçou o presente estudo; o percurso metodológico utilizado para operacionalização da pesquisa; os resultados do estudo; e, por fim, as considerações finais.

2 Base teórica

Na visão de Parente e Barbosa (2011), o crescimento do empreendedorismo social pode ser enquadrado como um dos pilares do desenvolvimento sustentável, figurando como uma tentativa da sociedade civil de encontrar soluções face aos novos problemas de pobreza e exclusão social. Para Dees (2001), o empreendedorismo social pode ser concebido como uma abordagem inovadora na solução de problemas sociais, capaz de criar mudança e valor social. Nessa mesma linha de pensamento, situa-se o enfoque de Mort e Hume (2009), no qual o empreendedorismo social é uma nova abordagem para o desenvolvimento e para a mudança social por meio da inovação, da proatividade e da gestão do risco, perspectiva que percebe a missão social e a sustentabilidade como fatores que contribuem na agregação de valor social.

Na concepção de Estivill (2014), o empreendedorismo social é um conceito teórico ambíguo e polivalente, na medida em que não possui contornos bem-delimitados conceitualmente. Oliveira (2004), em sua pesquisa, constatou a pouca bibliografia sobre o assunto não somente no Brasil, mas também no exterior, o que demonstra ser um tema relativamente novo e em desenvolvimento.

Pesquisas teóricas mais recentes como o estudo de Ávila et al. (2014), que analisou as características de 1.167 publicações sobre social entrepreneurship (empreendorismo social) eentrepreneurship (empreendedorismo) na base de dados Web of Science, no período de 2002 a 2011, constataram um crescimento constante anual sobre a produção científica em relação a esses temas ao longo da última década, em especial nas seguintes áreas temáticas: business economics (economia empresarial), environmental sciences ecology (ecologia das ciências ambientais), engineering (engenharia), education educational research (pesquisa educacional) e geography (geografia). A investigação desenvolvida por esses autores evidenciou como tópicos propensos a estudos combinações de empreendedorismo social e empreendedorismo com os seguintes temas: empreendedorismo socioambiental, inovação sustentável e governança ambiental (ÁVILA et al., 2014).

A abordagem de Weerawardena, McDonald e Mort (2010) acerca de organizações sem fins lucrativos faz referência à construção de organizações sustentáveis como uma necessidade crítica, considerando que elas operam em um contexto cada vez mais turbulento. Para esses mesmos autores, a revisão da literatura sugere a ausência de uma discussão mais aprofundada sobre sustentabilidade organizacional e sobre o modo como esta afeta as características estratégicas das organizações. Na visão de Weerawardena, McDonald e Mort (2010), há carência de uma perspectiva ampla em termos de orientações estratégicas para essas organizações e de como elas se esforçam para se manter financeiramente viável e entregar seus serviços, de modo eficaz, a fim de satisfazer a condução de uma necessidade social.

Weerawardena, McDonald e Mort (2010) acrescentam a essa discussão o fato de que os empreendedores sociais são movidos por objetivos sociais. No entanto, mencionam o desacordo existente quanto à função desses. Diante disso, esses mesmos autores apresentam as contribuições de alguns pesquisadores para aprofundar essa discussão, a exemplo de Dees (1998), que defende fortemente que, para os empreendedores sociais, a missão social é explícita e central, e de Peredo e McLean (2006, p. 59), para quem “qualquer riqueza gerada é apenas um meio para o fim social” (WEERAWARDENA, MCDONALD; MORT, 2010). Esses pontos de vista localizam o empreendedorismo social no setor não lucrativo.

Dees (2001, p. 5) postula que:



para um empreendedor social, a missão social é fundamental. É uma missão de progresso social que não pode ser reduzida à criação de benefícios privados (retorno financeiro ou vantagens de consumo) para os indivíduos. Ter lucro, criar riqueza ou corresponder aos desejos dos clientes pode fazer parte do modelo, mas como meios para um fim social, não como o fim em si mesmo.

para um empreendedor social, a missão social é fundamental. É uma missão de progresso social que não pode ser reduzida à criação de benefícios privados (retorno financeiro ou vantagens de consumo) para os indivíduos. Ter lucro, criar riqueza ou corresponder aos desejos dos clientes pode fazer parte do modelo, mas como meios para um fim social, não como o fim em si mesmo.

Em contrapartida, Weerawardena, McDonald e Mort (2010) também abordam a concepção de Boschee e McClurg (2003) de que os empreendedores sociais devem ter independência econômica para continuar suas operações. Essas discussões sobre a função dos objetivos sociais têm implicações importantes para a questão da sustentabilidade.

Ao tratar da temática da sustentabilidade, cabe enfatizar a diversidade de entendimentos e de dimensões que possibilitam avaliar o desempenho das organizações quanto a este construto. Pode-se citar, especialmente, a discussão existente acerca dos conceitos de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade.

Munck e Souza (2009) observam, a esse respeito, a falta de consenso quanto ao significado do termo desenvolvimento sustentável e quanto ao que o diferencia da sustentabilidade. Esses mesmos autores acentuam que a similaridade entre tais conceitos não se confirma pela disparidade existente entre suas fundamentações conceituais. Na visão de Munck e Souza (2009, p. 193), “a sustentabilidade refere-se à capacidade de manter algo em um estado contínuo, o desenvolvimento sustentável envolve processos integrativos que buscam manter o balanço dinâmico de um sistema complexo a longo prazo”.

Nessa linha de pensamento, acrescentam-se as contribuições de Osório, Lobato e Castillo (2005), ao postularem que é possível observar generalidade e ambiguidade na relação entre desenvolvimento sustentável e sustentabilidade. Para esses autores, a discussão e análise sobre a origem etimológica e semântica dos conceitos em questão podem parecer excessivas, mas são necessárias para entender que existem palavras e frases que não podem ser homogêneas em todas as culturas, uma vez que cada uma delas possui um sistema de valores diferente, o qual, por sua vez, é baseado em uma percepção diferente da realidade. A falta de interesse em conhecer a maneira de ver e compreender o mundo em profundidade é destacada por Osório, Lobato e Castillo (2005) como um sinal do processo mundial cultural de homogeneização do qual se participa inconscientemente.

Adicionalmente, convém destacar a abordagem apresentada por Barbieri e Silva (2011), ao mencionarem que a expressão “desenvolvimento sustentável” vem sendo substituída pela palavra “sustentabilidade”, sobretudo nas empresas e nos cursos de administração. Também cabe evidenciar a pertinência de ampliar a discussão e o entendimento sobre esses conceitos, embora esse não seja o foco direto deste estudo.

Nessa perspectiva, acrescenta-se a contribuição de Maia e Pires (2011), ao mencionarem que, apesar de a sustentabilidade ser um conceito subjetivo e passível de interpretação, propõe-se a atender três dimensões essenciais: econômica, social e ambiental, também conhecidas como Triple Bottom Line, nos termos de Elkington (2004; 2012). Ainda de acordo com Maia e Pires (2011), no Relatório Brundtland, destacam-se a proteção ambiental, o crescimento econômico e a equidade social como componentes essenciais para o desenvolvimento sustentável. Esses três componentes representam as dimensões da sustentabilidade para muitos autores (MAIA; PIRES, 2011). As dimensões social, econômica, ecológica, geográfica, territorial, cultural, política e internacional são apresentadas por Sachs (2002) como auxílio à compreensão da sustentabilidade.

Gladwin, Kennelly e Krause (1995) destacam que o desenvolvimento sustentável tem sido concebido por meio de uma variedade de termos, tais como expressão da visão, utilizado por Lee (1993); mudança de valor, empregado por Clark (1989); desenvolvimento moral, usado por Rolston (1994); reorganização social, empregado por Gore (1992); e processo transformacional em direção a um futuro desejado ou a um mundo melhor, citado por Viederman (1994). Gladwin, Kennelly e Krause (1995) entendem que a ideia central mais influente para conceituar desenvolvimento sustentável foi definida pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) como: “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades” (1991, p. 46). Para Gladwin, Kennelly e Krause (1995), essa abstração normativa tem sido amplamente aceita e endossada por milhares de organizações governamentais, empresas e outros tipos de organizações. Já para Barbier (1987), o desenvolvimento sustentável consiste em maximizar objetivos do sistema biológico, do sistema econômico e de sistemas sociais simultaneamente.

Tendo por base a relevância de estudos que abordam essa temática, para fins desta pesquisa, optou-se pela utilização do conceito do Triple Bottom Line, uma vez que essa abordagem atende aos objetivos do presente estudo. Nesse sentido, conforme Elkington (2001, p. 429),



o desenvolvimento sustentável envolve a busca simultânea da prosperidade econômica, da qualidade ambiental e da igualdade social. As empresas que buscam a sustentabilidade precisam empenhar-se não somente na direção de uma única linha de resultados, a financeira, mas sim na linha dos três pilares.

Adicionalmente, sublinha-se que a sustentabilidade para Elkington (2012, p. 20) é definida como o “princípio de assegurar que nossas ações hoje não limitarão a gama de opções econômicas, sociais e ambientais disponíveis para as gerações futuras”. Tais premissas, de acordo com Elkington (2012), ancoram-se em três pilares fundamentais: o econômico, o social e o ambiental.

Na Figura 1, exposta a seguir, sintetiza-se a perspectiva de alguns autores sobre as dimensões econômica, social e ambiental da sustentabilidade.


Figura 1
Dimensões e elementos da sustentabilidade
elaborada com base em Elkington (2001; 2012) e Sachs (2002).

É oportuno mencionar que Estivalete, Ferreira e Andrade (2014) abordaram a perspectiva do Triple Bottom Line, proposta por Elkington (2001; 2012), ao realizarem uma análise dos estágios de inovação de empreendimentos coletivos do Brasil sob a perspectiva da sustentabilidade. Entretanto, a compreensão conceitual desse fenômeno e de suas implicações para as organizações ainda representa um grande espaço para investigação.

No presente estudo, pretende-se ampliar essa discussão ao investigar a percepção de empreendedores sociais do Brasil e de Portugal no que tange a preocupações com a sustentabilidade em suas diferentes dimensões – social, ambiental e econômica.

3 Percurso metodológico

A estratégia metodológica utilizada para o desenvolvimento desta pesquisa foi o estudo de casos múltiplos, conforme a abordagem de Yin (2010). As unidades de análise foram empreendimentos sociais do Brasil e de Portugal, selecionados de acordo com as características apresentadas por Melo Neto e Froes (2002): organizações que se baseiam no modelo de parcerias; que têm como principal objetivo retirar pessoas do risco social; cujo foco é a busca de soluções para os problemas sociais; e cuja sua medida de desempenho é o impacto social.

Foram utilizadas várias fontes de evidências (YIN, 2010), com o intuito de coletar dados primários e secundários. Os dados primários foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas, e os secundários, por meio de consultas a sites, relatórios e documentos entregues aos pesquisadores no momento das entrevistas.

O público-alvo deste estudo foi constituído de 11 integrantes, sendo seis empreendedores sociais do Brasil e cinco empreendedores sociais de Portugal. Os empreendedores sociais do Brasil pertencem a empreendimentos que foram contemplados pelo edital de uma Incubadora Social implantada por uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES), de modo que este estudo, no Brasil, é um recorte de uma pesquisa maior. Os participantes de Portugal foram empreendedores indicados por uma associação que tem como objetivo contribuir para a promoção, o incentivo e o desenvolvimento do empreendedorismo em geral e também empreendedores sociais que integram o Mapa de Inovação e Empreendedorismo Social (MIES) (2015).

A fim de preservar as identidades dos entrevistados, foram usadas simbologias: B1 a B6 para os empreendedores sociais do Brasil e P1 a P5 para os de Portugal. O Quadro 1 demonstra a área de atuação dos empreendimentos e as simbologias dos entrevistados.

Quadro 1
Área de atuação dos empreendimentos e respectivos entrevistados

dados da pesquisa.

O instrumento de coleta de dados consistiu em um roteiro de entrevista semiestruturado, formado por questões sobre o perfil dos respondentes e sobre os elementos de análise abordados no presente estudo. As entrevistas foram gravadas e tiveram a duração de aproximadamente 50 minutos cada uma.

No intuito de compreender de que modo os empreendedores sociais do Brasil e de Portugal manifestam preocupações com a sustentabilidade ao revelarem a missão social das organizações de que participam, foi definida a abordagem sobre sustentabilidade, caracterizada pelas seguintes dimensões: social, ambiental e econômica (ELKINGTON, 2001; 2012). A Figura 2 apresenta o desenho de pesquisa.


Figura 2
Desenho de pesquisa
elaborada pelos autores com base em Elkington (2001; 2012).

Os dados obtidos foram analisados qualitativamente por meio do procedimento de análise de conteúdo (BARDIN, 2014). Nesta etapa de análise, atentou-se para as três fases fundamentais propostas por Bardin (2014): pré-análise, descrição analítica e interpretação referencial. A Figura 3 apresenta, de forma detalhada, como essas fases foram desenvolvidas neste estudo, de modo a efetuar uma análise do conteúdo do material coletado na pesquisa.


Figura 3
Fases de análise do material coletado na pesquisa
laborada pelos autores com base em Minayo (1996) e Bardin (2014).

Para fins de apresentação dos resultados, inicialmente, realiza-se uma breve caracterização dos empreendimentos sociais e do perfil dos entrevistados. Posteriormente, aborda-se a perspectiva dos empreendedores sociais do Brasil e de Portugal. E, por fim, na seção que trata das considerações finais, são apresentados os pontos convergentes e divergentes entre os entrevistados, considerando-se os dois países.

4. Resultados
4.1 Breve caracterização dos empreendimentos sociais e do perfil dos entrevistados

No Brasil, o empreendimento que pertencente ao segmento da agricultura familiar possui, aproximadamente, dez anos de atuação na área, tendo como foco a produção de produtos derivados da banana e de refeições populares para crianças carentes. O empreendimento cultural também possui aproximadamente dez anos de atuação, sendo caracterizado como um grupo de percussão, que inclui uma orquestra e uma oficina para a construção dos instrumentos utilizados pelo grupo.

Para caracterização dos empreendimentos sociais de Portugal, utilizou-se como fonte de coleta dos dados a consulta aos sites dos empreendimentos e aos documentos entregues no momento da entrevista. Optou-se por não citar as fontes para garantir o anonimato e a confidencialidade dos respondentes.

O empreendimento pertencente ao segmento cultural em Portugal foi criado no ano de 2007 e, conforme consta em seu site, visa dar apoio social a crianças e jovens oriundos de bairros onde impera a marginalidade e um tecido familiar muito frágil. O objetivo do empreendimento consiste em integrar as crianças ou os jovens na sociedade, aumentando-lhes a autoestima e o respeito pelos outros, por meio da prática intensiva de orquestra.

Já o projeto pertencente à categoria da saúde, mais especificamente à área de obesidade infantil, também foi criado no ano de 2007. A ideia surgiu, conforme consta no site do projeto, da necessidade de multiplicar as iniciativas de prevenção à obesidade infanto-juvenil e de promoção de hábitos alimentares e estilos de vida saudáveis.

O empreendimento pertencente à escola de negócios/empreendedorismo, por sua vez, foi criado no ano de 2014 e tem como foco a inovação e o empreendedorismo. Oferece um portfólio de formação, investigação e consultoria para apoio aos empreendedores e às organizações sociais, ao setor público, às empresas, às fundações e às universidades na criação de negócios sustentáveis. Tem como missão inspirar e capacitar os envolvidos para um mundo melhor por meio do empreendedorismo social.

Por fim, o empreendimento pertencente à área de empregabilidade e/ou empreendedorismo foi criado em 2008 e pretende promover atitudes empreendedoras como forma de conscientizar jovens acerca da importância da organização de ideias e do desenvolvimento de projetos nas diferentes áreas do empreendedorismo, por meio da criação e gestão de uma organização em sala de aula. Esse projeto, conforme descrito no site, é fomentador de aptidões como a responsabilidade, a comunicação, a gestão de conflitos e a organização.

Quadro 2
Perfil dos entrevistados

dados da pesquisa.

Em relação aos empreendedores sociais entrevistados no Brasil, pode-se constatar que 50% dos entrevistados pertencem ao sexo feminino e 50% pertencem ao sexo masculino. A faixa etária varia de 24 a 55 anos, com grande parte possuindo mais de 40 anos de idade. Quanto ao estado civil, três empreendedores são casados, e três são solteiros. Em relação à escolaridade, apenas dois entrevistados possuem ensino superior, dos quais um possui pós-graduação. Quanto ao tempo no empreendimento, a maioria atua no empreendimento desde o início das atividades – apenas uma entrevistada está no empreendimento há apenas cinco meses.

No que tange aos empreendedores sociais entrevistados em Portugal, observa-se que três pertencem ao sexo feminino e dois pertencem ao sexo masculino. A média de idade dos entrevistados é de 45 anos, e três deles possuem mais de 50 anos. Quanto ao estado civil, a maioria é solteira, um é casado, e um é divorciado. Em relação à escolaridade, destaca-se que os cinco entrevistados possuem curso superior, dentre os quais três possuem pós-graduação. Em relação ao tempo de participação no empreendimento, todos os entrevistados atuam nele desde a sua criação.

4.2 Preocupações com a sustentabilidade ao revelarem a missão social: percepções de empreendedores sociais do Brasil e de Portugal

A missão social para os empreendedores sociais é fundamental (DEES, 2001). Os empreendedores sociais procuram que o investimento tenha um retorno social em longo prazo e querem criar melhorias duradouras, de modo que a criação de valor seja pautada no impacto social, e não no lucro nem na satisfação dos clientes (DEES, 2001). Estes, para esse autor, são meios para um fim social, e não o fim em si mesmo.

Ao serem questionados sobre a missão social do empreendimento e o que este representa em suas vidas, os entrevistados participantes do empreendimento do Brasil classificado como agricultura familiar evidenciaram aspectos que transcendem a dimensão econômica da sustentabilidade, tais como: melhorar as condições de vida das pessoas, proporcionar apoio e bem-estar e promover a inclusão social, com ênfase à necessidade de auxiliar na busca de maior dignidade para as pessoas. Alguns desses aspectos podem ser observados nas falas transcritas a seguir:



[...] Pra mim, acho que o projeto representa praticamente tudo, né. Pessoal todo aqui [...] a minha filha quer que eu trabalhe, que eu ganhe um salário. Têm que ter dinheiro [...] Eu digo: Ah, porque tem que largar o projeto. Já me ofereceram dinheiro para sair daqui. Ganharia bem. Mas eu não consigo. [...] (Entrevistado B1).



[...] Mas, em conjunto, cada um fazendo a sua parte a gente faz a diferença. Então esse é o trabalho. E eu... fiz esse projeto... pensando em quê? Em inclusão social. Tirá essa catadora... ela não precisa mais catá. Tê um salário digno... pra que tá todo dia dentro de um lixera, né? Podemos muda essa história aí… Então... esse é o meu... entrei pra plantá uma sementinha e eu quero que ela cresça [...] (Entrevistado B3).

Frente a estas perspectivas, acrescenta-se o entendimento de Amador (2013), ao mencionar que o desafio da sustentabilidade envolve não só as questões financeiras, mas também as questões do capital humano. Desse modo, essa autora postula que uma ação focada na missão social contribui para o desenvolvimento de uma estratégia coerente e essencial para o desenvolvimento das organizações.

Em relação à dimensão econômica, vale ressaltar que os entrevistados manifestaram que enfrentam dificuldades quanto à busca de recursos financeiros e de políticas governamentais para apoiar empreendimentos de natureza social. Convém acrescentar que os entrevistados brasileiros, participantes desse mesmo empreendimento (agricultura familiar), revelaram preocupações voltadas à dimensão ambiental da sustentabilidade, como é possível constatar nos seguintes depoimentos:



[...] Fazê uma comida bem feitinha pra eles [...] não tem nada assim, ó [...] que deixe mais... pra mim mesmo, assim, que é bem difícil tu cozinhá pra criança. Olha que é um desafio. Comerem toda a comida... a gente adotou um sistema, agora, que desde o início era assim – o sistema de tu servi. Aí não sobra [...] (Entrevistado B2).



[...] Na produção. Mas tem mais pessoas, que aí vai ter que tê uma parte comercial e pro meio ambiente. Eu me preocupo até com o meio ambiente. Então, vai ter uma pessoa pra cuidar... se tiver resíduos – todos da sua parte. [...] (Entrevistado B3).



[...] só ganha sobremesa se como – geralmente não sobra nada. Pessoal da Universidade do RU [restaurante universitário], tinha que vir aqui pra vê: resto zero aqui. Não sobra resto de comida... prato limpinho... podem vir qualquer dia [...] (Entrevistado B3).

Ao abordar a temática da sustentabilidade, esses aspectos se tornam relevantes, à medida que a educação ambiental, conforme Jacobi (2003, p. 193), “assume cada vez mais uma função transformadora, na qual a co-responsabilização dos indivíduos torna-se um objetivo essencial para promover um novo tipo de desenvolvimento – o desenvolvimento sustentável”.

Considerando o empreendimento brasileiro pertencente ao segmento cultural, os entrevistados se concentraram em aspectos que envolvem cultura, inclusão, cidadania e arte. Observa-se, pelos trechos das entrevistas transcritos a seguir, que a necessidade de envolvimento social, a melhoria da qualidade de vida das pessoas e os valores do ser humano são motivos de preocupação constante dos empreendedores entrevistados:



[...] Então, daí sim foi surgindo uma abertura natural e a gente passô a conversá, né, com a gurizada. Dialogar abertamente a respeito dessas questões aí. E é como tem sido até hoje, né. Isso foi, com o tempo, abrindo um espaço pra gente trocar ideia a respeito de droga, alcoolismo, né, algumas coisas assim. Então, funcionou, né. E aí esse grupo, ele é aberto à comunidade. [...] (Entrevistado B4).



[...] Porque ter um grupo de apoio... as pessoas muitas vezes pensam que grupo de apoio serve só pra dependente químico. Mas, no fundo, hoje, na sociedade que a gente vive, ela tá tão vazia de valores, assim... e dentro de grupo de apoio a gente trabalha muito essa questão dos valores, né. [...] (Entrevistado B4).



[...] A gente acaba assumindo um compromisso, né, de mantê... de fazê funcioná as coisas, né – de mantê funcionando; que esses que são os participantes continuem tendo essa qualidade de vida, né, que eles tão tendo. Porque se não resta dúvida que tu tá envolvido com música, com arte, né, tu tá construindo relacionamentos saudáveis dentro daquilo que a gente vive, dentro da instituição. É algo totalmente diferente daquilo que a rua, em si, oferece, né. (Entrevistado B5).

Tais evidências revelam a ênfase atribuída à dimensão social da sustentabilidade. Nesse sentido, acrescenta-se a abordagem de Mendes (2009), ao mencionar que essa dimensão pode ser entendida como a consolidação de um processo de desenvolvimento orientado por outra visão, a da boa sociedade. Para esse mesmo autor, o objetivo é construir uma civilização do “ser”, em que exista maior equidade na distribuição de renda, de modo a melhorar as condições da população.

No que tange à dimensão econômica, os entrevistados brasileiros pertencentes ao empreendimento coletivo de natureza cultural relataram que têm obtido recursos e apoio financeiro para operacionalizar as atividades vinculadas ao projeto. Além disso, deram ênfase ao processo de institucionalização do projeto a fim de garantir sua consolidação e sustentabilidade, aspectos que têm se revelado por meio da diversificação das atividades desenvolvidas, da efetivação de convênios e do apoio recebido da IFES brasileira, especialmente por meio da participação na incubadora social. Os relatos apresentados ilustram essa questão:



[...] em 2010 o MEC lançô um projeto chamado Conexões dos Saberes… o programa que era pra projetos que fizessem essa inter-relação entre os saberes populares e os saberes da Universidade... E aí eu peguei e descrevi uma ideia de projeto e depois acabô sendo um projeto de conexões… a gente executô o projeto, fizemos o projeto, tivemos uma boa redação, e as coisas foram se aproximando, e nós firmamos um convênio com a Universidade. Aí nós já éramos uma instituição e tal, aí aprovaram no conselho um convênio de parceria que é pra elaboração e execução de projeto e tal. E aí então […] um outro braço que possibilitô algumas ações que a gente tinha em parceria com a Universidade. E aí até o ponto de que surge então o edital da Incubadora de projetos sociais. (Entrevistado B5).



[...] Trazê um projeto que nós já tínhamos em andamento, né, era o primero ano, nós tínhamos elementos já com toda a matéria-prima comprada, tudo financiado já… daonde ia vir isso, né, daonde ia vir, e então a gente conseguiu […] a gente incubou o projeto pra dá um “up”, pra dá continuidade, né. Como a gente entrô aqui no segundo ano de projeto – a Incubadora Social são dois anos, com a possibilidade de um terceiro –, então, justamente é desse suporte, assim, dessa tranquilidade principalmente pelo espaço físico e o apoio da UFSM [Universidade Federal de Santa Maria], porque querendo ou não são dois anos que a gente pode trabalhá mais tranquilo consolidando essa ideia nossa aqui que é dá continuidade à oficina, né, à fábrica de instrumentos (Entrevistado B6).

A dimensão ambiental não foi explicitada com clareza pelos entrevistados do segmento cultural. Observaram-se poucas evidências nos depoimentos que ilustrassem essa preocupação, talvez pela especificidade deste tipo de empreendimento. Diante disso, podem-se depreender duas situações: ou os empreendedores sociais vinculados a este empreendimento estão dando prioridade aos aspectos sociais e econômicos da sustentabilidade, ou a preocupação com questões ambientais já se encontra internalizada nas ações destes empreendedores, tendo em vista o estágio em que este empreendimento se encontra.

Em relação aos empreendedores sociais de Portugal que atuam no empreendimento de natureza cultural, pode-se constatar, também, a ênfase atribuída à dimensão social da sustentabilidade. Os entrevistados evidenciaram que o projeto é de cunho essencialmente social, uma vez que a música é utilizada para atingir objetivos sociais. Sob essa ótica, os empreendedores ainda realçaram aspectos voltados à autoestima, ao combate ao abandono escolar, ao aumento do rendimento acadêmico, ao direito à cidadania e ao bem-estar proporcionados pela música. Esses aspectos podem ser evidenciados nas seguintes falas:



[...] nós usamos a música para atingir objetivos sociais, porque a música obriga as crianças a estarem ocupadas, estar ocupadas em conjunto e trabalhar para um objetivo final que são os meios que nós passamos para trabalhar a autoestima, vamos evitar que os meninos se metam no mundo do crime e da droga... Vamos também combater o abandono escolar e aumentar o rendimento, isso é o nosso objetivo, que é um objetivo social [...] (Entrevistado P1).



[...] eu acho que a música traz a esses “miúdos” um direito de cidadania... não sendo o objetivo de formarmos músicos, mas pôr em contato com uma comunidade musical ... e tem se provado ser muito significativo para vida desses “miúdos” a prática musical porque melhoram a atitude na escola [...] (Entrevistado P2).

Ao analisar a dimensão econômica da sustentabilidade, os empreendedores desse empreendimento social em Portugal manifestaram certa instabilidade no que tange à obtenção de financiamentos que garantam a continuidade do projeto, bem como à coparticipação das pessoas para o desenvolvimento do projeto e da criação de relações de confiança entre os envolvidos que garantam o apoio financeiro de modo contínuo. Destacam-se, a seguir, as falas dos entrevistados que evidenciam tais aspectos:



[...] nós temos tido sempre um problema a respeito de financiamento, porque é muito instável, temos tido os movimentos das câmaras... E sempre, todos os anos, não sabemos como vai ser no ano seguinte... Não sabemos se vamos ter a coparticipação das pessoas ou não, portanto a parte financeira é uma parte complicada [...] (Entrevistado P2).



[...] em princípio, temos que aceitar o apoio durante x anos, alguns apoiam dois ou três anos e não apoiam mais. É como uma empresa privada, apoiam durante três anos e depois vai para outro projeto. Logo, nós temos um problema de estar sempre com a necessidade de encontrar outras fontes de investimentos [...] (Entrevistado P1).

Essas preocupações merecem destaque, pois, conforme Melo e Martins (2008), a dimensão econômica da sustentabilidade é possibilitada por meio de um fluxo regular de investimentos públicos e privados e pela alocação e gestão eficientes dos recursos existentes.

Ao abordar a temática da sustentabilidade, convém relatar a percepção de um dos entrevistados, ao mencionar que: “[...] há um problema alinhado aos estudos de empreendedorismo social que é a sustentabilidade. Esse projeto de empreendedorismo social não devia estar sujeito a critério de sustentabilidade, porque ele não é sustentável; por si só o projeto não é sustentável [...]” (Entrevistado P1). Pode-se inferir que essa perspectiva apresentada pelo entrevistado consiste em um paradoxo: como conciliar as dimensões da sustentabilidade (econômica, social e ambiental) em empreendimentos sociais frente às dificuldades financeiras e de obtenção de recursos inerentes a essas organizações? No que tange à dimensão ambiental, percebe-se que os empreendedores entrevistados, vinculados ao empreendimento de natureza cultural de Portugal, consideram que essa dimensão se encontra implicada nas ações e atividades que desenvolvem junto à comunidade.

Os depoimentos dos empreendedores sociais entrevistados em Portugal, pertencentes aos projetos relacionados às áreas de saúde/obesidade infantil, escola de negócios e empregabilidade/empreendedorismo, revelaram opiniões convergentes no que tange à dimensão social da sustentabilidade. Os resultados sugerem que os pesquisados reconhecem a necessidade de construção de um mundo melhor por meio do empreendedorismo social. Foram enfatizados, assim, aspectos voltados ao compartilhamento do conhecimento, ao processo de aprendizagem, à formação de redes e parcerias, aos relacionamentos com stakeholders, ao desenvolvimento de competências pessoais e profissionais e à capacitação e educação das pessoas. Tais aspectos são ilustrados nas seguinte falas:



[...] a missão social do projeto tem sido desafiante e tem sido também muito apaixonante… Temos muito a aprender, aproveitar todas as oportunidades… Aprender, aprender, aprender, depois o contato com os outros tudo faz sentido numa lógica de parcerias, no cruzamento com outras associações, outras entidades, outros stakeholders, é preciosa… [...] (Entrevistado P3).



[...] tem uma missão muito clara que é respirar e capacitar para um mundo melhor através do empreendedorismo social. O que nós fazemos então é através do conhecimento, da rede de formação, do acompanhamento, fazer com que essas competências sejam desenvolvidas não só por nós, mas também por nossa rede… [...] (Entrevistado P4).

Cabe acrescentar que a empreendedora social pertencente ao projeto da área da saúde/obesidade infantil deu ênfase, também, à dimensão ambiental da sustentabilidade, ao relatar preocupações com a educação alimentar e com questões que envolvem a saúde pública e o meio ambiente. O depoimento transcrito a seguir mostra claramente esse aspecto:



[...] existe uma lacuna no sistema educativo português que é não existir acompanhamento prático da educação alimentar; há informação teórica, mas na prática as pessoas não aprendem a saber fazer as escolhas no supermercado, a saber preparar uma refeição… Queria pôr as crianças com a mão na massa [...] (Entrevistado P3).

No que tange à dimensão econômica da sustentabilidade, os depoimentos dos entrevistados convergiram em aspectos relacionados a dificuldades para desenvolver e consolidar projetos dessa natureza, como se pode constatar nas falas a seguir:



[...] Na fase do desenho do modelo de negócios e na fase de crescimento, há dois principais desafios; um deles aprende sempre com a sustentabilidade da iniciativa e que tanto se fala em sustentabilidade ao nível de geração de receitas próprias... Quando a iniciativa tem um modelo que o permite fazer, mas também, se não tem esse modelo de iniciativa que lhe permite funcionar com geração de receitas próprias, como é que eu capto outros investidores ou financiadores para o projeto… [...] (Entrevistado P4).



[...] Temos a preocupação desde o início de sermos sustentáveis financeiramente, não dependermos de dinheiro de subsídios, criarmos formas e cada iniciativa criar a sua... Há muitas maneiras de sermos sustentáveis... A preocupação foi conseguir gerar receitas em atividades alinhadas com a missão e que o mercado acolhe, que o mercado precisa... E com essas receitas financiar aquilo que é o nosso “core business”, mas que não é tão fácil em termos financeiros... [...] (Entrevistado P4).

Destaca-se, na fala dos entrevistados de Portugal, a preocupação com o desenvolvimento de iniciativas alinhadas com a missão do empreendimento que possibilitem a geração de receitas próprias, de modo a garantir a sustentabilidade econômica do empreendimento. Além desses aspectos, também foi relatada a questão do tempo necessário para a obtenção de resultados efetivos, bem como a dificuldade enfrentada na retenção de pessoas para atuar em projetos dessa natureza em longo prazo.

5 Considerações finais

A realização do presente estudo, um recorte de um estudo mais amplo, ocorreu com o intuito de investigar a percepção de empreendedores sociais do Brasil e de Portugal no que tange a preocupações com a sustentabilidade ao revelarem a missão social das organizações em que atuam. Os resultados da pesquisa sugerem uma predominância de preocupações com a dimensão social da sustentabilidade em todos os empreendimentos analisados. Tais preocupações parecem seguir a direção da criação de valor social, que pode ser concebida como um resultado do empreendedorismo social que extrapola a esfera econômica, sendo tratada como fenômeno comportamental, em que valores não econômicos são ofuscados pela dimensão social do fenômeno (WEERAWARDENA; MORT, 2006; KORSGAARD; ANDERSON, 2011; DEES, 1998).

A preocupação com a dimensão social, segundo a ótica dos entrevistados no Brasil, concentrou-se em aspectos que envolvem a melhoria das condições de vida das pessoas, a busca do bem-estar e da dignidade para as pessoas, a inclusão social e a cidadania. Os empreendedores entrevistados em Portugal, por sua vez, focaram questões relacionadas à melhoria da autoestima, ao combate ao abandono escolar, ao aumento do rendimento acadêmico, ao direito à cidadania e ao bem-estar, além da construção de um mundo melhor. Os empreendedores entrevistados em Portugal também deram ênfase aos aspectos voltados à formação de redes e parcerias, aos relacionamentos com stakeholders e à capacitação e educação das pessoas.

Ao abordar a dimensão social da sustentabilidade, acrescenta-se a contribuição de Lage e Barbieri (2001) de que a sustentabilidade, em sua dimensão social, inclui o atendimento às necessidades essenciais de uma sociedade, a garantia dos direitos fundamentais do ser humano e a redução das desigualdades sociais. Para esses autores, devem-se criar mecanismos para geração de trabalho e renda e promoção da inserção social, de forma a prover condições e dignidade para superar as precárias condições em que vive uma expressiva parcela da sociedade brasileira.

Em relação à dimensão econômica da sustentabilidade, pode-se constatar que há opiniões convergentes entre os empreendedores entrevistados no Brasil e em Portugal, uma vez que a grande maioria citou a carência de recursos financeiros e a falta de apoio governamental que garantam o crescimento e a consolidação dos empreendimentos sociais. Houve relatos de que os apoios, quando existem, não ocorrem de forma sistemática e contínua, gerando insegurança quanto à continuidade dos projetos. Esses aspectos merecem atenção, sendo necessária a realização de esforços conjuntos de todos os stakeholders envolvidos, e não somente dos empreendedores que atuam nos empreendimentos de natureza social. Defourny e Nyssens (2012) sinalizam que a viabilidade financeira das empresas sociais depende dos esforços dos seus membros como garantia dos recursos adequados para apoiar a missão social da organização, sendo geralmente vistas como organizações que apresentam um significativo nível de risco econômico.

Convém destacar, ainda, a preocupação manifestada por alguns empreendedores entrevistados em Portugal no que tange à não dependência de dinheiro de subsídios, de forma a criar iniciativas alinhadas com a missão do empreendimento que possibilitem a geração de receitas capazes de garantir a sua continuidade e consolidação. Este é um grande desafio a ser superado e difícil de ultrapassar por empreendimentos dessa natureza: ter autonomia a fim de não depender dos financiamentos do Estado e ter a capacidade de concorrer em um mercado cada vez mais globalizado (ESTIVALETE, FERREIRA; ANDRADE, 2014).

Ao discorrer sobre a dimensão econômica, os empreendedores de Portugal também apontaram a questão do tempo necessário à obtenção de resultados como um elemento dificultador. Além disso, um dos aspectos que emergiu se refere à dificuldade enfrentada na retenção de pessoas para atuar em projetos dessa natureza, uma vez que elas podem migrar e atuar em projetos que oferecem melhores perspectivas financeiras, comprometendo, assim, a sua continuidade.

No que tange à dimensão ambiental, observaram-se poucas evidências nas falas dos entrevistados, tanto brasileiros quanto portugueses, que ilustrassem essa preocupação. Tal aspecto merece apreciação, na medida em que o empreendedorismo social pode ser considerado um instrumento relevante no que se refere à educação ambiental. Não se deve desconsiderar, também, que a falta de ênfase dada a essa dimensão por parte dos entrevistados pode estar relacionada às especificidades dos empreendimentos que priorizam aspectos sociais, bem como ao fato de que essas ações de cunho ambiental já se encontram internalizadas nas atitudes das pessoas que integram esses empreendimentos.

Com o intuito de permitir uma melhor visualização dos principais resultados encontrados, elaborou-se a Figura 4, exposta a seguir.

Figura 4
Síntese dos principais resultados

dados da pesquisa.

Embora este estudo empírico não tenha a pretensão de adotar parâmetros e métricas de sustentabilidade, mas de analisar os discursos dos participantes dos empreendimentos selecionados no que tange a preocupações com a sustentabilidade ao revelarem a missão social das organizações em que atuam, uma de suas limitações consiste na utilização da abordagem qualitativa, que, mesmo sendo de extrema importância para a compreensão dos resultados, apresenta limitações quanto à sua abrangência. Assim, estudos futuros podem ampliar e aprofundar o tema incluindo métodos de análise quantitativos.

Além disso, a incorporação de outras dimensões da sustentabilidade também é relevante para ampliar a compreensão sobre esse tema. Com a realização desta pesquisa, espera-se proporcionar novas reflexões que possam conduzir a novos direcionamentos e à realização de novas pesquisas por meio da utilização de outras fontes de evidências, tais como a percepção dos stakeholders que estabelecem relacionamentos com estes empreendimentos e com empreendimentos sociais de outros segmentos.

Material suplementar
Referências
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Notas

Figura 1
Dimensões e elementos da sustentabilidade
elaborada com base em Elkington (2001; 2012) e Sachs (2002).
Quadro 1
Área de atuação dos empreendimentos e respectivos entrevistados

dados da pesquisa.

Figura 2
Desenho de pesquisa
elaborada pelos autores com base em Elkington (2001; 2012).

Figura 3
Fases de análise do material coletado na pesquisa
laborada pelos autores com base em Minayo (1996) e Bardin (2014).
Quadro 2
Perfil dos entrevistados

dados da pesquisa.
Figura 4
Síntese dos principais resultados

dados da pesquisa.
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