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Proatividade de práticas sustentáveis: uma análise das práticas da empresa Mercur S.A.

SUSTAINABLE PRACTICES PROACTIVITY: AN ANALYSIS OF PRACTICES OF MERCUR S/A

Ana Paula Ferreira Alves
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Luis Felipe Machado do Nascimento
Universität Gesamthochschule Kassel, Ghk, Alemanha. Porto Alegre. Rio Grande do Sul, Brasil

Proatividade de práticas sustentáveis: uma análise das práticas da empresa Mercur S.A.

Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, vol. 9, pp. 25-42, 2016

Universidade Federal de Santa Maria

Recepção: 22 Março 2016

Aprovação: 07 Julho 2016

Resumo: A adoção de práticas de sustentabilidade em organizações pode ser analisada em um contínuo, formado por dois extremos: a resposta reativa e proativa. Nesse contexto, a proatividade de práticas sustentáveis pode ser definida como a adoção de ações, realizadas voluntariamente por empresas, com a finalidade de melhorar o desempenho ambiental e o desempenho social, além de cumprir às exigências legais. A empresa proativa afirma sua preocupação e seu compromisso com a sociedade e o ambiente natural em que está inserida. Diante dessas considerações, o objetivo desta pesquisa é analisar a adoção voluntária de práticas de sustentabilidade proatividade de práticas sustentáveis de uma empresa, a Mercur S.A., por meio de um estudo de caso. Os resultados indicam que a Mercur pode ser considerada uma empresa proativa, em função da implantação total de ações em prol da sustentabilidade ao core business da organização e da implantação parcial de outras práticas. Ademais, a postura proativa de práticas sustentáveis da Mercur pode estimular seus parceiros a seguir o mesmo caminho, contribuindo, assim, para a introdução de práticas de sustentabilidade em outras empresas.

Palavras-chave: Proatividade, Sustentabilidade, Práticas de Sustentabilidade.

Abstract: The adoption of sustainable practices in companies can be analyzed in a continuous, consisting of two extremes: the reactive and proactive response. In this context, sustainable proactivity can be defined as the adoption of actions carried out voluntarily by companies, in order to improve the environmental and social performance and social, beyond legal requirements. A proactive company states their concern and their commitment to society and the environment in which it operates. Given these considerations, this research aims to analyze the voluntary adoption of sustainable practices sustainable proactivity of a company. Therefore, a case study was performed with the company Mercur S.A. The results indicate that Mercur can be considered a proactive company, according to the full implementation of actions for sustainability at the core business of the organization and the partial implementation of other practices. Furthermore, the sustainable proactive behavior of Mercur can stimulate their partners, contributing to the introduction of sustainability practices in other companies.

Keywords: Proactivity, Sustainability, Sustainable Practices..

1. INTRODUÇÃO

O modelo capitalista de produção influencia não somente o modo de produzir, mas também o modo de consumir, o que contribui para o aumento dos impactos sobre o meio ambiente e a sociedade. A lógica do capitalismo consiste, assim, em produzir mais para consumir mais (NASCIMENTO, 2012). A partir da metade do século XX, essa lógica passou a ser questionada, em virtude da crescente conscientização sobre os problemas ambientais, a pobreza, a desigualdade social e o futuro saudável da sociedade. Nesse contexto, o resultado dessas preocupações fomentou a emergência do conceito de desenvolvimento sustentável nos debates econômicos mundiais (HOPWOOD; MELLOR; O’BRIEN, 2005).

Divulgado pelo Relatório Our Common Future, o conceito mais comumente empregado para definir desenvolvimento sustentável interpreta-o como aquele que “satisfaz às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas necessidades” (WCED, 1987, p. 43). Esse conceito abrange amplos significados e abriu espaço para inúmeras interpretações, considerações e expressões, sem que exista necessariamente um consenso entre os autores que discutem a temática (CLARO; CLARO; AMÂNCIO, 2008). Nesse contexto, uma das perspectivas mais disseminadas é o triple bottom line(ELKINGTON, 2001): ao compreender que o desenvolvimento sustentável deve incorporar dimensões sociais, ambientais e econômicas, Elkington introduziu o conceito de sustentabilidade como triple bottom line ou os “três P’s da sustentabilidade” pessoas (people), planeta (planet) e lucro (profit) (ALVES; JAPPE, 2014).

Com a ampliação desses debates, o compromisso das empresas com um desenvolvimento mais sustentável vem sendo amplamente discutido por pesquisadores, governantes e gestores. Particularmente, gestores passaram a reconhecer que a introdução de práticas de sustentabilidade nos negócios é um tópico importante, embora raramente considerem este tópico na estratégia organizacional (KIRON et al., 2012). Contudo, o compromisso organizacional com um desenvolvimento mais sustentável exige uma abordagem estratégica para garantir que a sustentabilidade seja parte integrante da estratégia e das operações dos negócios (ENGERT; RAUTER; BAUMGARTNER, 2015). De acordo com Claro, Claro e Amâncio (2008), o papel da alta administração é fundamental para que iniciativas e esforços voltados às responsabilidades socioambientais, no ambiente interno ou externo à organização, obtenham resultados positivos.

Assim, grande parte das empresas tem adotado iniciativas pró-sustentabilidade com a motivação de cumprir às legislações vigentes para reduzir impactos socioambientais. Entretanto, algumas organizações vão além do que é exigido legalmente, introduzindo práticas de forma voluntária para aumentar seu desempenho socioambiental. No que diz respeito à dimensão ambiental, uma empresa que insere práticas de gestão voluntariamente, além do que é exigido por legislação ou regulamentações, com intuito de melhorar seu desempenho ambiental ou estabelecer sistemas que tornarão essa melhora possível, podem ser definidas como proativas ambientalmente (GONZÁLEZ-BENITO, 2008; BUYSSE; VERBEKE, 2003). Segundo González-Benito e González-Benito (2005;2006), a proatividade ambiental pode ser compreendida como a tomada de ações organizacionais que visam à redução dos impactos de suas operações sobre o meio ambiente e que vão além das determinadas por lei e.

Embora alguns estudos tenham relacionado o comportamento proativo ambiental de empresas com seus esforços para atingir níveis de sustentabilidade em suas operações, acabam não abordando claramente a dimensão social. Nesse sentido, verifica-se uma lacuna de estudo a ser preenchida, envolvendo a relação entre a proatividade e a sustentabilidade denominada, neste estudo, de proatividade de práticas sustentáveis –, a qual inclui explicitamente aspectos ambientais e sociais nas ações voluntárias adotadas por empresas. A empresa proativa afirma sua preocupação e seu compromisso com a sociedade e o meio ambiente em que está inserida. Nesse contexto, este estudo tem como objetivo analisar a adoção voluntária de práticas de sustentabilidade proatividade de práticas sustentáveis de uma empresa. Para tanto, foi realizado um estudo de caso com a empresa gaúcha Mercur S.A., evidenciando as razões que permitiram que esta fosse considerada uma organização que apresenta uma postura proativa no que diz respeito a práticas de sustentabilidade.

Para atingir o objetivo proposto, este estudo está dividido em quatro partes, além desta introdutória: a) revisão teórica, em que são apresentados os conceitos que fundamentam este estudo; b) método, em que são descritos os procedimentos metodológicos deste estudo; c) análise dos resultados, em que são evidenciados os resultados encontrados; e e) considerações finais, limitações e possibilidades de pesquisas futuras.

2. REVISÃO TEÓRICA

Esta seção trata da revisão teórica, em que são abordados os conceitos utilizados para fundamentar o estudo proposto, dos quais se destacam proatividade e sustentabilidade. A sustentabilidade é essencial para a consolidação de um comportamento proativo em benefício de um desenvolvimento mais sustentável por parte das organizações. Desse modo, pensar em desenvolvimento além de questões puramente econômicas, com a introdução de questões sociais e ambientais, auxilia a compreender que é preciso que as organizações estabeleçam estratégias para alcançar altos índices de desempenho para essas três dimensões.

2.1 Proatividade ambiental

Em meio às discussões sobre o desenvolvimento sustentável, a sociedade civil, os órgãos governamentais e as organizações não governamentais têm pressionado empresas a responderem às preocupações ambientais e questões sociais de modo responsável e contínuo. Considerando a dimensão ambiental, o número de organizações que adotam práticas ambientais em suas estratégias e operações diárias vem aumentando ao longo dos anos (SARKIS, 2002). A recorrência da introdução dessas iniciativas por parte das organizações deu origem a uma classificação de estratégias ambientais nas empresas, que engloba dois conceitos extremos proatividade ambiental e reatividade ambiental (GONZÁLEZ-BENITO; GONZÁLEZ-BENITO, 2005; 2006; GONZÁLEZ-BENITO, 2008).

A proatividade ambiental pode ser conceituada como a implantação, de modo voluntário, por uma organização de práticas de gestão destinadas a melhorar o seu desempenho ambiental ou a estabelecer os sistemas que tornarão essa melhora possível, com intuito de realizar ações além daquelas exigidas por lei ou por regulamentações (GONZÁLEZ-BENITO; 2008; BUYSSE, VERBEKE, 2003). Trata-se de práticas e ações voluntariamente desenvolvidas por empresas, com a finalidade de minimizar o impacto ambiental causado por suas operações (ABREU; CASTRO; LÁZARO, 2013). É preciso compreender a proatividade ambiental como uma estratégia regular e contínua, incorporada ao planejamento da empresa, e não entendê-la como voluntariado ou vinculá-la a ações pontuais fora da estratégia corporativa (ABREU; CASTRO; LÁZARO, 2013).

Dessa maneira, a proatividade ambiental abarca inúmeras práticas voluntárias que podem apresentar objetivos distintos, abrindo espaço para que diferentes estratégias, comportamentos e posturas ambientais sejam desenvolvidos (GONZÁLEZ-BENITO; GONZÁLEZ-BENITO, 2006; GONZÁLEZ-BENITO, 2008). A urgência de práticas ambientalmente proativas em empresas pode ser embasada por três razões: a) o aumento da conscientização ambiental da sociedade e a temeridade da organização em relação a problemas com sua imagem e com sua reputação; b) o efeito de otimização operacional decorrente de práticas de eficiência ambiental; e c) as questões éticas com que os proprietários, gestores e acionistas das organizações se deparam (GONZÁLEZ-BENITO; GONZÁLEZ-BENITO, 2005).

A reatividade ambiental, por sua vez, é comumente apresentada em oposição à proatividade ambiental (GONZÁLEZ-BENITO, 2008). De uma forma geral, as empresas proativas implantam práticas ambientais para além do que é requerido por lei e regulamentos, enquanto que as empresas reativas procuram somente cumprir as legislações e os requisitos regulamentares. A reatividade ambiental consiste, assim, em realizar apenas as mínimas mudanças obrigatórias necessárias ao cumprimento das legislações ambientais podendo ser entendida como proatividade zero (GONZÁLEZ-BENITO, 2008; GONZÁLEZ-BENITO, GONZÁLEZ-BENITO, 2006). Conforme Abreu, Castro e Lázaro (2013), a reatividade ambiental seria o modelo de comportamento corporativo em que se encara a questão ambiental na empresa apenas como um passivo ou uma obrigação.

González-Benito e González-Benito (2005; 2006) argumentam que a proatividade ambiental não deve ser avaliada por indicadores de desempenho, mas pela implantação de diferentes práticas de gestão ambiental na organização. Nesse sentido, os autores estabeleceram uma classificação funcional para a proatividade ambiental baseada em práticas ambientais relatadas na literatura, distribuídas em três categorias: práticas organizacionais e de planejamento, práticas operacionais e práticas de comunicação. A categoria práticas organizacionais e de planejamento expressa as ações proativas que dizem respeito à introdução de uma política ambiental da empresa, ao desenvolvimento de procedimentos para definição de objetivos ambientais, à seleção e implantação de ações ambientais, à mensuração dos resultados de tais ações ou à alocação de responsabilidades ambientais. Dessa forma, refletem o grau em que um sistema de gestão ambiental está sendo desenvolvido e implantado, de acordo com a postura proativa ambiental que a empresa se propõe a adotar (GONZÁLEZ-BENITO; GONZÁLEZ-BENITO, 2005; 2006).

Já a categoria práticas operacionais envolve mudanças nos sistemas de produção e de operação, podendo ser dividida em dois grupos: práticas operacionais relacionadas a produto e práticas operacionais relacionadas a processo. O primeiro grupo representa ações proativas focadas na concepção ou no desenvolvimento de mais produtos ambientalmente corretos. O segundo grupo, por sua vez, engloba as ações proativas voltadas à construção e implantação de métodos e processos de fabricação e de operações ambientalmente conscientes.

Por fim, a categoria práticas de comunicação inclui ações que objetivam transmitir informações acerca de medidas adotadas para redução do impacto ambiental da empresa, combinando sua imagem pública às expectativas de seus stakeholders. Estas práticas são, comumente, o principal meio para transmitir o compromisso ambiental da empresa para parceiros (GONZÁLEZ-BENITO; GONZÁLEZ-BENITO, 2005; 2006).

É válido salientar que práticas organizacionais e de planejamento e práticas de comunicação não contribuem, efetivamente, para o crescimento da performance ambiental. No entanto, essas práticas são mais facilmente perceptíveis pelos stakeholders e possuem a competência de inspirar a opinião do público em geral. Dessa maneira, estas categorias têm o potencial de influenciar o desempenho universal do negócio e não o desempenho ambiental –, uma vez que podem minimizar as pressões das partes interessadas e atrair maior número de clientes para a organização. Nessa circunstância, as práticas que estão diretamente relacionadas e podem, de fato, modificar a performance ambiental da empresa são as operacionais iniciativas voltadas para os produtos ou ações relacionadas com os processos, sendo estas, por seu turno, menos perceptíveis pelo público (GONZÁLEZ-BENITO; GONZÁLEZ-BENITO, 2005; 2006).

No contexto brasileiro, Castro et al. (2011) buscaram analisar os fatores determinantes de proatividade ambiental por meio de um estudo sobre três empresas certificadas pela ISO 14001, localizadas no estado do Ceará. Com base no estudo de González-Benito e González-Benito (2006), os autores identificaram que o número de colaboradores, o acesso a recursos, o envolvimento da alta gerência, a pressão de stakeholders externos e primários, as auditorias ambientais e a exigência ambiental de stakeholders determinam positivamente a proatividade ambiental das empresas estudadas. Ainda, foi verificado que possuir a certificação ISO 14001 não implica necessariamente que uma empresa tenha uma postura ambientalmente proativa (CASTRO et al., 2011).

Por sua vez, Abreu, Castro e Lázaro (2013) avaliaram empiricamente a influência positiva da pressão de stakeholders na proatividade ambiental de 112 empresas brasileiras. Para os estudiosos, a proatividade ambiental compreende uma postura empresarial que objetiva se adaptar às demandas contemporâneas de stakeholders, bem como aumentar o desempenho e ampliar a competitividade no mercado. Assim, foram testadas as hipóteses de que a pressão dos stakeholders influencia positivamente a proatividade ambiental (medida agregada) e cada uma das três categorias propostas por González-Benito e González-Benito (2005; 2006) planejamento, operações e comunicação. Os resultados obtidos confirmaram todas as hipóteses de que a pressão exercida pelos stakeholders influencia a proatividade ambiental das empresas (ABREU; CASTRO; LÁZARO, 2013).

Diante dessas perspectivas, é possível perceber que esses estudos relacionam o comportamento proativo ambiental de uma empresa com seus esforços para se tornar mais sustentável, frente aos desafios do novo paradigma de sustentabilidade (ABREU; CASTRO; LÁZARO, 2013). No entanto, conforme o conceito do triple bottom line, empresas devem desenvolver iniciativas voltadas para as questões sociais, juntamente com os aspectos ambientais, para que sua postura possa ser considerada mais sustentável. Este ponto será abordado no tópico a seguir.

2.2 Proatividade de práticas sustentáveis: além da proatividade ambiental

De acordo com o triple bottom line, a sustentabilidade compreende a dimensão social, ambiental e econômica. Isso significa que, para tratar de proatividade e sustentabilidade, é preciso ir além da proatividade ambiental. Poucos estudos procuraram considerar de fato as três dimensões da sustentabilidade, utilizando classificações para descrever a proatividade de práticas sustentáveis de organizações, embora não abordem necessariamente o conceito de proatividade. Dentre eles, está o estudo de Kiron et al. (2012) e Leppelt et al. (2011).

Kiron et al. (2012) argumentam que empresas que estão investindo em práticas de sustentabilidade e conseguindo resultados positivos com tais práticas são mais favoráveis a adquirir maior vantagem competitiva. Esse grupo de empresas é denominado pelos autores de harvesters, distinguindo-se dos não harvesters em quatro importantes dimensões: a) apoio organizacional; b) operações; c) colaboração; e d) boa vontade em mudar o modelo organizacional da organização em resposta às questões de sustentabilidade. Logo, pode-se perceber que as empresas do grupo harvesters possuem características que dão suporte ao desenvolvimento de práticas de sustentabilidade, ao mesmo tempo que a sustentabilidade contribui para o crescimento de suas rentabilidades, de suas margens e de sua participação no mercado (KIRON et al., 2012). Consequentemente, as organizações devem reunir esforços para adentrar no grupo harvesters.

Por sua vez, Leppelt et al. (2011) abordaram a proatividade na cadeia de suprimentos, ao investigarem práticas de sustentabilidade associadas à gestão de relacionamentos com o fornecedor em sete empresas focais europeias. Para tanto, os autores definiram uma classificação para as organizações, distinguindo-as em líderes em sustentabilidade e seguidoras de sustentabilidade. As empresas presentes na listagem do Dow Jones Sustainability Group Index (DJSI) e do FTSE4Good Index foram consideradas líderes em sustentabilidade; enquanto que as firmas que estavam listadas em apenas um índice ou não apareciam em nenhuma lista foram colocadas como seguidoras de sustentabilidade. Desse modo, as empresas líderes em sustentabilidade são aquelas que conduzem suas ações baseadas em aspectos ambientais, sociais e econômicos. As líderes em sustentabilidade possuem uma estrutura integrada de práticas de sustentabilidade, além daquelas que são obrigatórias pela legislação, envolvendo a gestão do relacionamento com fornecedores nessas práticas. Por seu turno, as seguidoras realizam ações mais pontuais, que não estão conectadas à estratégia empresarial. Assim sendo, líderes em sustentabilidade dispõem de maior reputação perante seus stakeholders, ao considerar a sustentabilidade uma importante dimensão da estratégia corporativa (LEPPELT et al., 2011).

Diante dessas considerações, para fins desta pesquisa, assume-se que a proatividade de práticas sustentáveis amplia o conceito da proatividade ambiental, ao inserir aspectos sociais em sua concepção, considerando a integração das dimensões de sustentabilidade propostas por Elkington (2001). Nesse sentido, com base no conceito de proatividade ambiental, a proatividade de práticas sustentáveis pode ser definida como a adoção de ações, realizadas voluntariamente por empresas, com a finalidade de melhorar o desempenho ambiental e o desempenho social, além de cumprir às exigências legais. Assim, a empresa proativa afirma sua preocupação e seu compromisso com a sociedade e o ambiente natural em que está inserida.

A Tabela 1, exposta a seguir, apresenta indicadores do comportamento proativo de empresas em relação à sustentabilidade. As práticas de sustentabilidade listadas foram baseadas nos estudos de González-Benito e González-Benito (2005) e Abreu, Castro e Lázaro (2013), no que diz respeito às questões ambientais, e nas normas referentes à responsabilidade social AS 8000 e NBR 16000, o que concerne aos aspectos sociais. Publicada em 1997, a norma AS 8000 é fundamentada em nove requisitos: trabalho infantil; trabalho forçado e compulsório; segurança e saúde no trabalho; liberdade de associação e direito à negociação coletiva; discriminação; práticas disciplinares; carga horária de trabalho; remuneração; e sistema de gestão. Por seu turno, a NBR 16000 é uma norma brasileira publicada no ano de 2004, que se baseia na metodologia Plan-Do-Check-Act (PDCA) aplicada à responsabilidade social. Vale salientar que essas normas asseguram que a empresa possua requisitos mínimos de um sistema de gestão de responsabilidade social e não que seja efetivamente responsável socialmente.

Ademais, salienta-se que as questões econômicas não devem ser desconsideradas, uma vez que a rentabilidade das organizações é relevante para o alcance de um desenvolvimento mais sustentável (ORSATO, 2006). No entanto, embora seja reconhecida a importância da dimensão econômica, optou-se por não evidenciar uma categoria separada dentro do conjunto de ações referentes à proatividade de práticas sustentáveis, assumindo que, em geral, as ações tomadas pelas organizações visam aumentar seu desempenho econômico e garantir sua sobrevivência no mundo dos negócios. Nessa perspectiva, os aspectos econômicos estão incluídos na categoria que abrange todas as dimensões.

Tabela 1
Indicadores de proatividade de práticas sustentáveis
Indicadores de proatividade de práticas sustentáveis
elaborada pelos autores.

Indicadores de proatividade de práticas sustentáveis
Tabela 1. Cont
Indicadores de proatividade de práticas sustentáveis
elaborada pelos autores.

Diante da fundamentação teórica apresentada, pode-se compreender a necessidade de integrar práticas de sustentabilidade aos negócios, às políticas, às estratégias, aos processos de tomada de decisão, ao posicionamento, ao planejamento, às rotinas e ao dia a dia da empresa. Ainda, entende-se que, para que sejam efetivamente adotadas, as práticas relacionadas à sustentabilidade devem ser adotadas a nível estratégico (ENGERT; RAUTER; BAUMGARTNER, 2015), chegando posteriormente aos níveis táticos e operacionais. Acredita-se, assim, que a proatividade de práticas sustentáveis das empresas é reflexo da compreensão de seu papel e da importância da inserção da sustentabilidade nos negócios, de forma a reduzir seus impactos ambientais e sociais e trazer benefícios à sociedade, ao ambiente natural e à sustentação da empresa no mercado.

3. MÉTODO

Com intuito de atingir o objetivo de analisar a adoção voluntária de práticas de sustentabilidade proatividade de práticas sustentáveis de uma empresa, esta pesquisa foi desenvolvida sob uma abordagem qualitativa. De acordo com Vieira (2006), essa abordagem garante a riqueza dos dados, permite observar um fenômeno em sua totalidade e facilita a exploração de possíveis contradições e paradoxos, com o intuito de oferecer descrições ricas e bem fundamentadas, assim como explanações sobre o contexto onde o fenômeno ocorre e do qual faz parte (VIEIRA, 2006).

O método empregado foi o estudo de caso, que é uma investigação empírica que pesquisa um fenômeno contemporâneo de maneira profunda em seu contexto, quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos (YIN, 2001). Assim, determinou-se que o caso analisado deveria compreender rigorosamente uma empresa que tenha adotado voluntariamente práticas relacionadas à sustentabilidade em suas atividades organizacionais. Diante disso, a empresa Mercur S.A. foi selecionada como objeto de estudo, a partir de um contato inicial em uma palestra ministrada por seus diretores sobre o modelo de gestão pró-sustentabilidade empregado.

Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas e visitas técnicas nas instalações da empresa e levantados dados secundários. Inicialmente, as entrevistas ocorreram em dois momentos com dois diretores da Mercur (nomeados facilitadores). Por indicação de tais diretores, foram entrevistados, em outro momento, dois coordenadores da área de Impactos. Assim sendo, a primeira etapa da coleta de dados foi conduzida entre os meses de setembro e outubro de 2013. As atividades dessa etapa possuíram a duração aproximada de um turno, manhã ou tarde, e ocorreram em Santa Cruz do Sul, respeitando o que era mais conveniente para os participantes. O Quadro 1, exposto a seguir, mostra informações acerca dos participantes desta etapa. Visando preservar suas identidades, os entrevistados foram classificados de acordo com sua função na empresa, observando a ordem de realização das entrevistas. No entanto, a pedido dos participantes, o áudio das entrevistas não foi gravado, de maneira a manter o tom de informalidade solicitado. Dessa maneira, foram elaboradas notas de campo, utilizadas na análise deste estudo. Além disso, desenvolveu-se um instrumento baseado nos indicadores de proatividade de práticas sustentáveis propostos na fundamentação teórica (Tabela 1). Os itens foram, então, distribuídos em uma escala, contendo as opções “não”, “parcial” e “sim”.

Quadro 4
Características dos participantes das entrevistas exploratórias
Características dos participantes das entrevistas exploratórias
elaborado pelos autores.

Diante das técnicas utilizadas para coleta de dados, empregou-se a estratégia de triangulação de dados para identificar sua consistência e, assim, efetivar a validação dos resultados encontrados. Nesta pesquisa, a triangulação foi realizada por meio de dados secundários (websites, informativos publicados pela organização, publicações em mídia em geral e redes sociais) e de dados primários, obtidos com base nas informações fornecidas pelas próprias entrevistas, visto que estas foram conduzidas com diferentes atores. Tendo em vista os resultados obtidos na triangulação, a análise dos dados foi realizada por meio da técnica de análise de conteúdo, que compreende um conjunto de técnicas de análise de comunicação, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens (BARDIN, 2011). A partir da análise dos dados coletados, o instrumento com itens de proatividade para práticas de sustentabilidade foi preenchido pela própria pesquisadora.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesta seção, são relatados os resultados da pesquisa, obtidos a partir da análise realizada. Tais resultados estão divididos em: apresentação da empresa e análise da proatividade de práticas sustentáveis da organização estudada.

4.1 Mercur S.A.

A Mercur S.A. é uma empresa brasileira, sociedade anônima de capital fechado, fundada em 1924 no município de Santa Cruz do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul. Atualmente, a Mercur opera em três segmentos de mercado Educação, Saúde e Revestimentos a partir da fabricação de diversificados itens. A empresa atua em todo território do Brasil e em países da América do Sul, por meio de uma rede composta de vendedores, representantes e promotores de venda. Além disso, a Mercur emprega diretamente em torno de 730 colaboradores e conta com cerca de 1.000 terceirizados, incluindo fornecedores diretos (MERCUR, 2015; ALIEVI; ANTINARELLI, 2015; KLAFKE, 2013).

Nesse sentido, a Mercur aponta que seu foco estratégico de atuação é o bem-estar, direcionando esforços para os mercados de educação, cultura e lazer, trabalho, cuidados pessoais e saúde. Diante disso, o compromisso institucional da organização é unir pessoas e organizações para criar soluções sustentáveis, atuando em função das pessoas e propondo ajudá-las no desenvolvimento do seu bem-estar. A empresa alega dispor de uma série de responsabilidades junto a seu público, tendo estabelecido, para afirmar o seu reconhecimento, um conjunto de direcionadores e direcionamentos para sua gestão. Os direcionadores são: a) atuamos em função das pessoas; b) buscamos soluções relevantes com simplicidade; c) somos éticos em todos os nossos relacionamentos; d) preservamos para a posteridade; e e) atuamos em mercados éticos, que valorizam a vida. Por sua vez, os direcionamentos são as metas internas ou os objetivos estratégicos organizacionais. Os direcionamentos da empresa e as suas respectivas definições são apresentados no Quadro 1.

Quadro 1
Direcionamentos e significados da Mercur
Direcionamentos e significados da Mercur
adaptado de Mercur (2015) e Alievi e Antinarelli (2015).

Cabe salientar que tanto o compromisso institucional da empresa quanto os direcionadores e direcionamentos foram criados no ano de 2009, resultados de um novo pensar sobre os negócios. De acordo com seu website, o novo pensar sobre os negócios refletiu em uma série de mudanças na Mercur, transformando sua maneira de operar e de se relacionar, em busca de um modelo de gestão voltado para a sustentabilidade (MERCUR, 2015). Nessa perspectiva, foi realizada uma investigação acerca deste novo modo de pensar sobre os negócios, cujo resultado é apresentado no tópico seguinte.

4.2. Mercur S.A.: uma empresa proativa?

As informações levantadas nas entrevistas foram analisadas juntamente com as observações realizadas pela autora desta pesquisa e com os dados secundários coletados no website oficial e em informativos divulgados pela organização, para, então, serem confrontadas com as ações que caracterizam a postura proativa de práticas sustentáveis. Conforme já mencionado, a proatividade de práticas sustentáveis pode ser conceituada como a adoção de ações, realizadas voluntariamente por empresas, com a finalidade de melhorar o desempenho ambiental e o desempenho social, além de atender às exigências legais.

Os entrevistados argumentam que diversas mudanças passaram a ocorrer na organização a partir do ano de 2009, declarado como “ano da virada da chave”. Esse processo de “virada” teve início em 2007, com a contratação de uma agência para avaliar o posicionamento da marca Mercur. Contudo, tal consultoria fomentou o surgimento de vários questionamentos, não somente vinculados à marca: “se o mundo acabasse hoje, qual seria a contribuição da Mercur?”; “qual é o propósito da organização?”; “o que a empresa tem que não está expresso no produto físico?”; “por que manter a localização da fábrica em Santa Cruz do Sul?”; “como desenvolver itens que realmente importam para as pessoas?”; dentre outros. Em suma, não estava evidente o sentido da existência da Mercur, bem como as características que a definem como uma organização singular (o DNA da empresa). A partir dessas inquietações, os diretores e os acionistas começaram a refletir sobre a gestão da empresa e, também, sobre a melhor maneira de fazer negócios, de modo a contribuir para a qualidade de vida das pessoas.

De acordo com Fenker (2012), as efetivas ações em prol do desenvolvimento sustentável devem permitir o rompimento, as desconstruções, as indagações, as construções e a emergência de novas maneiras de pensar e agir. Dessa maneira, a “virada” representa uma transformação no modo de gerir a Mercur, em que o desempenho da empresa passou a ser julgado não apenas pelos ganhos financeiros, mas também pelas práticas realizadas em benefício de toda a sociedade.

Nesse sentido, foi contratada uma empresa especializada em sustentabilidade e negócios sociais para prestar consultoria à Mercur no que diz respeito a essas reflexões parceria que se mantém até hoje. O ano de 2008 foi de planejamento de um novo modo de gestão baseado em princípios de sustentabilidade. Conforme o Facilitador 1, a ideia não era constituir uma organização não governamental, para ajudar o meio ambiente e as pessoas, e deixar os negócios fluindo paralelamente. A proposição era integrar as dimensões da sustentabilidade ao core business da Mercur, para que elas pudessem gerar valor à empresa. Nesse contexto, a sustentabilidade passa a ser concebida como oportunidade e investimento, e não somente como despesa organizacional (ORSATO, 2006).

Em 2009, ocorreu a “virada da chave”, mediante devida aprovação e apoio dos acionistas da empresa. Segundo o Coordenador de Impactos 2, a Mercur só existe porque existem pessoas, que influenciam e são influenciadas pela empresa. Portanto, seria preciso trabalhar com e para as pessoas. Nessa perspectiva, foram designados a área estratégica de atuação, o compromisso institucional, os direcionadores, os direcionamentos, as decisões estratégicas e a reestruturação do organograma da Mercur. Estabeleceu-se que a área estratégica de atuação é o bem-estar, definido como “o mundo de um jeito bom pra todo mundo”, a partir da compreensão de que o bem-estar parte do individual para o coletivo. Assumindo que a cooperação e a construção coletiva são fundamentais para a criação de produtos e serviços relevantes para o bem-estar da sociedade, a Mercur criou o compromisso institucional de unir pessoas e organizações para criar soluções sustentáveis (MERCUR, 2015).

Segundo Sachs (2008), a modificação do modelo de desenvolvimento em prol da sustentabilidade deve orientar um novo enfoque de planejamento e gestão, no qual as práticas atuais são redirecionadas para questões mais amplas e coletivas, demonstrando diferentes papéis a serem realizados pelos atores envolvidos. Assim sendo, para consolidar a implantação do compromisso institucional proposto, instituiu-se uma nova estrutura organizacional para acompanhar as mudanças internas, partindo da ideia de tornar a gestão mais próxima à lógica da cooperação. Até 2009, a Mercur atuava através de unidades de negócio. Desde então, foram deliberados colegiados para uma atuação mais distribuída, em que as decisões são tomadas coletivamente, havendo maior diálogo entre as partes da organização. Cada área possui um colegiado, formado de coordenadores, e a organização tem um colegiado geral, composto dos facilitadores, dos conselheiros e de alguns coordenadores das áreas. A meta é que somente um colegiado seja responsável por todos os processos da Mercur, visto que a empresa é considerada um grande sistema e que o funcionamento integrado de cada parte é importante para o todo.

Ademais, o achatamento na hierarquia proporcionou a constituição de novas áreas, como Impactos e Facilitação. A área de Impactos tem como finalidade reduzir, minimizar ou eliminar os impactos dos processos e produtos da empresa sobre o meio ambiente e a sociedade, possuindo autonomia para interferir nas atividades da Mercur. Por seu turno, a Facilitação tem o intuito de direcionar esforços para levantar e refletir acerca de diferentes opiniões e argumentos, que podem trazer diversas contribuições. De acordo com o Facilitador 1, quando a proposta consiste em trabalhar de forma colegiada, é preciso dialogar, decidir, legitimar e construir com as pessoas, enxergando além de áreas isoladas. Cabe salientar que as relações de poder dentro do organograma não somem, mas as potenciais tensões são amenizadas a partir da proposta de cooperar para obter bons resultados à organização como um todo.

Entretanto, conforme o Coordenador de Impactos 2, para consolidar o novo modelo de gestão da Mercur, optou-se por manter algumas estratégias do antigo modelo, visto que a proposta não era realizar um processo de reengenharia, em que se parte do zero para construir algo novo. A ideia era refletir sobre o papel da Mercur na sociedade, integrando práticas de sustentabilidade às rotinas e atividades da empresa. Nesse sentido, foi estabelecido, por exemplo, permanecer com a certificação ISO 9000, mantendo a documentação do padrão dos processos organizacionais, bem como a política de qualidade da empresa. O Facilitador 2 acrescenta que as funções como comprar e vender continuam a fazer parte do cotidiano da Mercur, porém com outra lógica guiando tais processos. A esse respeito, Orsato (2006) salienta que a dimensão econômica não deve ser esquecida, uma vez que é necessário manter a rentabilidade da empresa; porém, as questões econômicas não são a única ótica que rege os negócios.

Para o Facilitador 1, não existe uma empresa sustentável. Na realidade, o que se verifica são práticas de sustentabilidade aplicadas em cada empresa, dentro do modelo em que cada organização atua. Os relatos convergem no sentido de que a Mercur não é um padrão a ser seguido por outras organizações, tendo em vista que cada organização deve compreender qual é a melhor maneira de introduzir práticas socioambientais em seu contexto. Nesse mesmo sentido, pode-se alegar que não há uma firma genuinamente sustentável, mas empresas mais sustentáveis quando comparadas a outras do mesmo setor.

Nessa circunstância, os anos seguintes foram sendo marcados por discussões, e as decisões estratégicas adequaram-se aos novos valores e às novas propostas da empresa. Algumas dessas decisões, que foram citadas e explanadas nas entrevistas realizadas com os facilitadores e coordenadores da Mercur, estão expostas no Quadro 2, em que são relacionadas com os direcionamentos estabelecidos. Salienta-se que certas decisões estratégicas podem ser associadas a mais de um direcionamento.

Quadro 2
Direcionamentos e decisões estratégicas
Direcionamentos e decisões estratégicas
elaborado pelos autores.

Diante de todo o contexto apresentado até então, elaborou-se o Quadro 3, com base no conteúdo das entrevistas exploratórias realizadas, nos dados secundários coletados e nas observações feitas pela autora desta pesquisa. Este conteúdo foi confrontado com as ações listadas, que caracterizam a postura proativa de práticas sustentáveis de uma organização, distribuídas nas dimensões ambiental; social; e ambiental, social e econômica. No Quadro citado anteriormente, decretou-se a seguinte relação: S para ações que já fazem parte da rotina da empresa; P para ações que estão parcialmente no cotidiano da empresa; e N para ações que não fazem parte da realidade organizacional. O Coordenador de Impactos 2 afirma que a proposta da Mercur não almeja mudar o mundo ou resolver todos os problemas globais, mas verificar se os processos da empresa podem ser modificados e realizados de forma mais sustentável e, em caso afirmativo, proceder a tais alterações.

Quadro 3
Indicadores de proatividade de práticas sustentáveis da Mercur
Indicadores de proatividade de práticas sustentáveis da Mercur
elaborado pelos autores.

Indicadores de proatividade de práticas sustentáveis da Mercur
Quadro 3. Cont
Indicadores de proatividade de práticas sustentáveis da Mercur
elaborado pelos autores.

Legenda:

S= Sim, a empresa implantou a prática;

N= Não, a empresa não implantou a prática;

P = Parcial, a empresa apresenta implantação parcial da prática;

(*) = Indicadores de proatividade de práticas sustentáveis que não estavam na listagem inicial.

Dessa maneira, pode-se observar que, conforme as ações relacionadas à dimensão ambiental, a Mercur pode ser considerada uma empresa proativa. Nesse sentido, González-Benito e González-Benito (2005) apontam o aumento da consciência ecológica das sociedades, a redução de custos em função de práticas pró-ambiente e as questões pessoais da alta direção como três motivações para a adoção de uma postura mais proativa ambientalmente. No caso da Mercur, percebe-se que a motivação principal está nos valores pessoais dos gestores e acionistas da empresa, fazendo com que as questões ambientais, sociais e éticas passassem a fazer parte dos valores organizacionais. Nessa circunstância, a Mercur implantou 19 práticas relacionadas à dimensão ambiental, além de outras duas que se encontram parcialmente inseridas no core business da empresa.

No que diz respeito a práticas associadas à dimensão social, foi possível verificar que a Mercur possui uma postura proativa, visto que, considerando as ações pró-social inicialmente listadas, a empresa introduziu 14 em suas estratégias, além de outras quatro que estão parcialmente implantadas. Além disso, quatro práticas que englobam as três dimensões da sustentabilidade propostas por Elkington (2001) já foram implantadas pela empresa, do total de seis ações. As duas ações que não foram introduzidas pela organização abrangem a elaboração e publicação contínua de relatórios de sustentabilidade. A esse respeito, os Facilitadores 1 e 2 relatam que a Mercur divulga seus relatórios econômico-financeiros em jornais de Santa Cruz do Sul, indicando, em notas explicativas, algumas das estratégicas e políticas de sustentabilidade. Entretanto, essas notas explicativas não podem ser caracterizadas como relatórios completos ou parciais de sustentabilidade.

Ademais, foram identificadas práticas relacionadas à dimensão social, as quais não estavam listadas nos indicadores iniciais. Dentre as práticas constatadas, estão ações para o incentivo à valorização e ao bem-estar do colaborador, a formação de parcerias com outras organizações localizadas na mesma região e a formação de parcerias com stakeholders. A Mercur realiza periodicamente reuniões informais com seus funcionários (nomeadas Rodas Vivas), com o intuito ampliar o espaço de diálogo e de aprendizagem sobre questões associadas à sustentabilidade. A Roda Viva propõe que os colaboradores ajudem igualitariamente uns aos outros com o compartilhamento de informações acerca de determinado assunto, preestabelecido ou não. Um assunto citado pelo Facilitador 2 é o orçamento familiar, definido em virtude da solicitação dos próprios colaboradores. Julga-se que a conversa informal pode contribuir para a compreensão dos novos valores da Mercur por parte dos colaboradores.

Por sua vez, a parceria com organizações situadas na mesma região engloba alguns projetos concebidos e implantados pela Mercur para priorizar o desenvolvimento local. Pode-se citar o Projeto Óleo de Mamona, criado em conjunto com a Cooperativa Mista dos Fumicultores do Brasil (Cooperfumos) e com a Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), para o desenvolvimento da produção do óleo de mamona na região. Há, ainda, a parceria com stakeholders, que envolve incentivos ao relacionamento mais integrado e colaborativo das partes que influenciam a Mercur e por ela são influenciadas. Podem ser elencadas práticas citadas ao longo das entrevistas exploratórias, como, por exemplo, o Projeto Borracha Natural, com fornecedores de borracha provenientes da região Terra do Meio, em Altamira, no Estado do Pará.

Assim sendo, entende-se que as práticas de sustentabilidade foram adotadas de forma voluntária pela empresa. Consequentemente, pode-se afirmar que a Mercur é uma empresa que apresenta uma postura proativa de práticas sustentáveis em função de possuir ações em prol da sustentabilidade implantadas no core business da organização e outras seis ações que se encontram em processo de implantação. Ao referir-se à gestão ambiental, González-Benito e González-Benito (2005; 2006) inferem que a postura proativa de uma empresa deve ser avaliada pela incorporação de práticas ecológicas às suas estratégias. Esse argumento foi empregado à lógica da proatividade de práticas sustentáveis. Ademais, percebe-se que o papel da direção e dos acionistas a nível estratégico da empresa foi crucial para a continuidade e o sucesso da implantação de iniciativas em benefício da sustentabilidade e não somente em prol da dimensão ambiental ou da dimensão econômica.

5. Considerações finais

A partir do objetivo de analisar a adoção voluntária de práticas de sustentabilidade proatividade de práticas sustentáveis de uma empresa, foi realizado um estudo junto à empresa Mercur, analisando suas iniciativas pró-ambiente e pró-sociedade. Nesse contexto, verificou-se que a Mercur apresenta uma postura proativa de práticas sustentáveis em função de possuir ações em prol da sustentabilidade incorporadas ao core business da organização. Essas ações são baseadas em indicadores de proatividade de práticas sustentáveis.

A proatividade de práticas sustentáveis pode ser conceituada como a adoção de ações, realizadas voluntariamente por empresas, com a finalidade de melhorar o desempenho ambiental e o desempenho social, além de atender às exigências legais. No que diz respeito à gestão ambiental, González-Benito e González-Benito (2005; 2006) afirmam que a postura proativa de uma empresa deve ser avaliada pela implantação de práticas ecológicas nas suas estratégias. Esse argumento foi empregado à lógica da proatividade de práticas sustentáveis, fazendo da Mercur uma empresa proativa.

Constatou-se que a postura proativa em prol da sustentabilidade por parte da Mercur está diretamente associada aos seus direcionadores e direcionamentos. Nessa perspectiva, partindo dessa postura proativa, percebe-se que a empresa em questão estimula e pressiona seus parceiros a apresentarem também posturas proativas em relação a práticas mais sustentáveis. Portanto, a postura proativa de práticas sustentáveis da Mercur pode estimular seus parceiros, contribuindo para a introdução de práticas de sustentabilidade em outras empresas. Ademais, foi possível averiguar que as práticas ambientais são mais comuns entre as iniciativas mais sustentáveis na cadeia de suprimentos do que as práticas sociais.

No que se refere às limitações de pesquisa, entende-se que raras pesquisas aproximam evidentemente sustentabilidade, cadeia de suprimentos e proatividade; portanto, o esforço de considerar tais temas ratifica uma contribuição positiva deste estudo. Como sugestões de pesquisas futuras, julga-se interessante a expansão geográfica dos limites deste estudo, incluindo outras empresas localizadas em diferentes regiões brasileiras. Da mesma forma, o acompanhamento de algumas práticas de sustentabilidade ao longo do tempo, em uma abordagem longitudinal, pode ser uma opção interessante para investigar as questões aqui discutidas sob uma ótica mais aprofundada.

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