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Recepção: 22 Março 2016
Aprovação: 07 Julho 2016
Resumo: O objetivo desta pesquisa foi analisar a compreensão e a aplicação dos conceitos do desenvolvimento endógeno no contexto da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), unidade Pecuária Sul, a fim de apurar a percepção dos pesquisadores desta instituição quanto à importância de um desenvolvimento endógeno para a obtenção de crescimento sustentável. Especificamente, este estudo destaca a importância desse processo, verificando o conhecimento dos pesquisadores em relação ao tema e a sua compreensão quanto aos fatores que refletem algum compromisso com os conceitos do desenvolvimento endógeno. Para isso, por meio de um estudo de caso, de natureza exploratória e descritiva, utilizando uma abordagem qualitativa e análise bibliográfica, foram realizadas entrevistas com 19 pesquisadores, que são servidores efetivos da unidade Pecuária Sul da Embrapa, situada na cidade de Bagé, Rio Grande do Sul. O instrumento foi composto de sete questões mistas, originando informações que foram interpretadas com o auxílio da análise de conteúdo. A partir disso, concluiu-se que a empresa analisada, tendo por base a compreensão dos pesquisadores entrevistados, não percebe o desenvolvimento endógeno como a alternativa mais favorável para o desenvolvimento sustentável.
Palavras-chave: Desenvolvimento Endógeno, Sustentabilidade, Embrapa.
Abstract: The objective of this research was to analyze the understanding and application of the concepts of endogenous development in the context of the Brazilian Agricultural Research Corporation (Embrapa), Pecuária Sul unity in order to ascertain the perception of the researchers of this institution on the importance of endogenous development to obtaining sustainable growth. Specifically, this study highlights the importance of this process, checking the knowledge of researchers in relation to the theme and understanding about the factors that reflect a commitment to the concept of endogenous development. For this, through a case study, exploratory and descriptive, using a qualitative approach and literature analysis, interviews were conducted with 19 researchers who are effective servers in Embrapa Pecuária Sul unity, located in the city of Bagé, Rio Grande do Sul, Brazil. The instrument was composed of seven mixed questions, giving information that was interpreted with the help of content analysis. From this, it was concluded that the company analyzed, based on the understanding of the researchers interviewed, do not realize the endogenous development as the most favorable alternative for sustainable development.
Keywords: Endogenous Development, Sustainability, Embrapa.
1 INTRODUÇÃO
A ideia de desenvolvimento tem sido relacionada quase que, exclusivamente, ao fenômeno do crescimento econômico; porém, ao final da década de 80, com o Relatório de Brundtland, as teorias sobre desenvolvimento passaram por transformações, tais como a inclusão do conceito de sustentabilidade (BRUNDTLAND, 1987; INBS, 2015). Nesse contexto, é possível verificar que existe uma busca de modelos de desenvolvimento que abordem outras dimensões que não apenas a do crescimento da economia, como, por exemplo, a relevância social e a prudência ecológica (BANDEIRA, 1999; SACHS, 2002).
Como estratégia de desenvolvimento apontada por Neske, Miguel e Borba (2010), também surge a abordagem de desenvolvimento regional com enfoque territorial, que visa revalorizar o local por meio de estratégias diferenciadas de desenvolvimento endógeno, baseadas na construção de práticas produtivas apropriadas ao ambiente e em sintonia com o paradigma do desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento endógeno é proporcionado pela dinamização dos aspectos produtivo-econômicos e pela potencialização das dimensões sociais, culturais, ambientais e políticos-institucionais. Estas constroem o bem-estar de uma sociedade a partir de uma nova perspectiva, atuando como um meio e uma alternativa que favorece os processos de busca de um desenvolvimento mais sustentável (ZAPATA, 2007; Coe et al., 2004). Essa ideia endogenista entende que as instituições e os fatores de produção mais importantes para o desenvolvimento local, tais como capital social, capital humano, conhecimento, pesquisa e desenvolvimento, devem ser gerenciados endogenamente em cada território, baseando-se nas suas potencialidades e visando a um desenvolvimento de dentro para fora.
A cidade de Bagé, Rio Grande do Sul, onde foi desenvolvida a presente análise, está localizada na microrregião da Campanha, a qual, por sua vez, insere-se na macrorregião da metade sul do Estado do Rio Grande do Sul. Pertence ao bioma pampa gaúcho, uma região de tradicional pecuária extensiva e recentes cultivos, em que se destacam o arroz, a soja e a vitivinicultura, entre outras culturas, e detém 25% da população e 15% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado do Rio Grande do Sul (FEE, 2015). Apesar disso, essa região necessita de ações que alavanquem maior desenvolvimento, já que faz parte de um contexto que apresenta um subdesenvolvimento histórico (o contexto da metade sul do Rio Grande do Sul), apresentando, geralmente, um desenvolvimento a partir do exógeno (WAQUIL; FILIPPI, 2008). Além disso, conforme Alonso, Benetti e Bandeira (1994), ressalta-se que tal estagnação no desenvolvimento da metade sul, em relação à metade norte gaúcha, ocorreu devido ao menor grau de diversificação produtiva.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (2015), unidade de análise deste estudo, foi inserida na região estrategicamente para proporcionar o desenvolvimento desta, conceituando-se como “uma empresa de inovação tecnológica focada na geração do conhecimento e tecnologia para agropecuária brasileira”. Assim, é possível notar o modelo tecnicista e difusionista presente nessa empresa, o que remonta à perspectiva de desenvolvimento conforme aponta Lisita (2008).
A unidade da Embrapa em questão foi escolhida para realização da pesquisa pela influência que esta empresa desempenha em uma região que, historicamente, desenvolveu-se com pouca diversidade produtiva e pelo apoio que concede aos pequenos e grandes agricultores, assim como a pecuaristas, para melhorarem suas pastagens e plantações, tornando, assim, seus negócios mais promissores. Disso resulta a possibilidade de maior desenvolvimento da região, à medida que inovadoras tecnologias são criadas e disponibilizadas para o apoio ao homem do campo. Destaca-se, ainda, a abordagem do endogenismo no desenvolvimento regional, uma vez que a Embrapa tem como missão a realização de práticas que visam desenvolver a região a partir dos recursos locais, ou seja, do endógeno.
Sendo assim, este artigo tem a seguinte questão como problema da pesquisa: como a Embrapa, a partir de suas pesquisas que utilizam inovação tecnológica, pode influenciar o desenvolvimento endógeno sustentável? Nesse sentido, o objetivo geral deste estudo consiste em analisar a compreensão dos pesquisadores e a aplicação dos conceitos do desenvolvimento endógeno sustentável pela Embrapa, unidade Pecuária Sul. Como objetivos específicos, espera-se: a) identificar a percepção dos pesquisadores quanto à importância de um desenvolvimento endógeno para a obtenção do crescimento sustentável; b) verificar o conhecimento dos pesquisadores em relação ao tema proposto; e c) averiguar a compreensão dos pesquisadores quanto a práticas que evidenciem o compromisso com os conceitos do desenvolvimento endógeno.
Assim, este artigo apresenta, primeiramente, reflexões acerca do desenvolvimento. Em seguida, abordam-se os conceitos de desenvolvimento endógeno sustentável, para, então, identificar o papel da empresa pesquisada ao desenvolvimento regional. Após, discute-se a metodologia empregada, e, por fim, apresenta-se a análise dos dados obtidos na pesquisa.
2 REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO
O conceito de desenvolvimento sustentável, já amplamente divulgado e utilizado, segundo Moraes (2003), centraliza seu enfoque em determinado território, nas suas paisagens, na sua população e nas relações desta com todos os demais elementos desse território. Esse enfoque adota princípios como planejamento ascendente, participação e autonomia da população local e perspectivas de mercado, tendo como meta final a melhoria das condições de vida da população. As principais dimensões desse conceito são a ambiental, a social, a econômica e a político-institucional, que abordam, respectivamente, a sustentabilidade, a equidade, a competitividade e a governabilidade.
Já o desenvolvimento endógeno, segundo Amaral Filho (1996), baseia-se na execução de políticas de fortalecimento e qualificação das estruturas internas, visando à realização do potencial endógeno e, consequentemente, dinamizando a sociedade e o desenvolvimento local, a fim de criar condições sociais e econômicas para a geração e atração de novas atividades produtivas. De acordo com esse autor, para crescer em longo prazo, com produtividade e competitividade, distribuição de renda e um menor impacto ambiental, a estratégia de desenvolvimento local e sustentável deve reunir outros fatores de produção, tais como: capital humano, ciência e tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, conhecimento e informação, instituição e meio ambiente, os quais devem ser determinados dentro da região, de forma endógena, e não mais de forma exógena, como se pensava outrora. Ainda conforme Amaral Filho (1996), a compreensão das características e do conceito de desenvolvimento facilita a elaboração e a implementação de um plano de desenvolvimento das regiões.
O processo de desenvolvimento de uma região, que pressupõe o seu crescimento econômico, dependerá, segundo Boisier (1996), da capacidade de organização social da região, que está relacionada a fatores como o aumento da autonomia regional para a tomada de decisões; o aumento da capacidade para reter e reinvestir o excedente econômico gerado pelo processo de crescimento local; um crescente processo de inclusão social; e um processo permanente de conservação e preservação do ecossistema regional.
Na opinião de Montibeller Filho (2001), o economicismo, sendo uma visão unilateral da realidade, não considera as demais dimensões desta realidade, enfocando somente a produção e a produtividade econômicas. Essa prática resulta no desenvolvimentismo, chamado assim de forma pejorativa pelo autor, implicando a criação de políticas de desenvolvimento embasadas apenas no crescimento da economia, não levando em conta os aspectos sociais e ambientais.
De acordo com o exposto, pode-se observar que a compreensão da sustentabilidade evidencia que o desenvolvimento é um fenômeno complexo que deve ser realizado em múltiplas dimensões. Precisa, assim, estender-se a todos, sem distinção, de modo que se preservem os recursos de hoje para as gerações futuras.
3 DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO SUSTENTÁVEL
O desenvolvimento endógeno tem suas origens na década de 1970; porém, foi na década de 1990 que este modelo se concentrou em tentar entender por que o nível de crescimento variava entre as diversas regiões e nações, mesmo havendo semelhanças nas condições estruturais de produção, como capital financeiro, mão de obra ou tecnologia. A solução encontrada para esse impasse foi procurar entre estes fatores aqueles delimitados e definidos dentro da região (AMARAL FILHO, 1996).
Segundo Amato Neto (2000), é a teoria do desenvolvimento endógeno que focaliza, com toda a atenção, a questão regional, apresentando as maiores contribuições para a problemática das desigualdades regionais e os melhores instrumentos de políticas para sua correção. Conforme Zapata (2007), o desenvolvimento territorial endógeno consiste em um processo intencional dos atores, ou seja, das pessoas de determinado território, para, a partir de seus ativos, de suas potencialidades e de suas vocações, construírem um projeto de desenvolvimento que envolva uma maior participação social, uma maior igualdade de oportunidades para os cidadãos e uma maior sustentabilidade.
Para Abramovay (2000), a ideia central é de que o território, mais que simples base física para as relações entre indivíduos e empresas, possui uma trama social que produz laços que vão muito além de atributos naturais e dos custos de transporte e de comunicações. Na opinião desse autor, um território representa uma trama de relações com raízes históricas, configurações políticas e identidades que desempenham um papel ainda pouco conhecido no próprio desenvolvimento econômico.
Ao encontro disso, a capacidade de organização social de uma região é um fator endógeno por excelência para transformar o crescimento em desenvolvimento, por meio de uma complexa malha de instituições e de agentes de desenvolvimento, articulados por uma cultura regional e por um projeto político regional (HADDAD, 1999). De acordo com Meyer (1973), a economia tem prestado bastante atenção aos aspectos temporais (ciclos econômicos) e setoriais (complexos agroindustriais, por exemplo) do desenvolvimento, mas é recente o interesse por sua dimensão territorial ou espacial.
Nesse sentido, Zapata (2007) define território como um local de fluxos, onde se encontram pessoas que interagem a todo o momento. Para ele, território significa uma identidade histórica e cultural muito forte, que possui fluxos econômicos, sociais, culturais, institucionais, políticos e humanos. São sistemas inteligentes e organizados, que agem como atores e que podem fazer pactos, planos e projetos coletivos.
O território, no entanto, pode ser um município, um conjunto de municípios dentro de um estado ou até um conjunto de municípios situados em mais de um estado, já que o que caracteriza um território é a sua identidade cultural, seu patrimônio natural, sua organização e sua capacidade de construir um futuro melhor (ZAPATA, 2007). Para a autora, o conceito de desenvolvimento territorial apoia-se na ideia de que as localidades, as regiões e os territórios dispõem de recursos econômicos, humanos, institucionais, ambientais e culturais, além de uma base econômica não suficientemente explorada, que constituem seu potencial de desenvolvimento.
A estratégia de desenvolvimento territorial propõe-se a, além de dinamizar os aspectos produtivos/econômicos, potencializar as dimensões sociais, culturais, ambientais e político-institucionais que constroem o bem-estar da sociedade (ZAPATA, 2007). No entendimento da autora, os eixos mais importantes dessa estratégia são o capital humano (as pessoas com habilidades e competências) e o capital social (as pessoas organizadas e devidamente articuladas). Portanto, uma região possui capital social quando existem organizações sociais atuantes que se comunicam entre si e quando existem confiança e espírito de cooperação entre as organizações sociais e as instituições nessa situadas.
Para Bandeira (1999), o capital social destaca a relevância dos fatores culturais para o processo de desenvolvimento. Ao lado do capital físico e do capital humano, este terceiro tipo de capital seria de importância decisiva para explicar as diferenças entre países e entre regiões quanto à prosperidade econômica.
Conforme Putnam (1996), o capital social é constituído do conjunto de características da organização, tais como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas. Segundo o autor, fazem parte do capital social, portanto, os traços culturais característicos de uma comunidade que contribuem para fazer que seus membros se tornem propensos a colaborar na solução de problemas de interesse comum, incluindo as redes de relações interpessoais e os sentimentos de confiança mútua entre os indivíduos que constituem essa comunidade, tornando possível o empreendimento de ações conjuntas que resultem em benefício à coletividade.
Nesse sentido, Bandeira (2003) afirma que a capacidade de desenvolvimento regional está ligada às características da organização social e das relações cívicas existentes em cada território. Isso explicaria o fato de o desenvolvimento ser diferente em cada uma das regiões de um país e também o motivo pelo qual acaba não havendo uma distribuição mais equitativa de renda entre os diversos grupos sociais. Portanto, para o autor, o desenvolvimento territorial trata da utilização de recursos endógenos da região, especialmente do capital humano e social, e da construção, a partir de tais recursos, de um projeto de desenvolvimento que considere valores importantes como a participação das pessoas, que são as maiores interessadas, a igualdade de direitos e a busca da qualidade de vida por meio da sustentabilidade.
Dessa forma, juntamente com as abordagens econômicas para o desenvolvimento e com as abordagens sociais, há o capital ambiental. Tal noção vai ao encontro da lógica do Triple Bottom Line, conforme Elkington (2001), tido como o tripé da sustentabilidade, que leva em conta os aspectos econômico, social e ambiental, e também da abordagem de desenvolvimento endógeno, de Coe et al. (2004), que busca a aplicação de recursos locais para desenvolver determinado território. Essa perspectiva espera beneficiar ao longo do tempo tais comunidades, a partir da viabilidade não apenas econômica, mas também social e ambiental (SACHS, 2002).
4. PESQUISA AGROPECUÁRIA COMO AGENTE PARA O DESENVOLVIMENTO
Segundo lisita (2008), o modelo produtivo agropecuário adotado no Brasil a partir da década de 1960 foi implantado graças a uma ação conjunta e organizada pelo tripé ensino, pesquisa e extensão. Isto é, universidades d órgãos de pesquisa e de extensão rural foram os responsáveis pela introdução dos pacotes tecnológicos voltados para a utilização intensiva de insumos e máquinas, com o objetivo de aumentar a produtividade. Para o autor, havia a necessidade de “educar” o povo rural, para que ele passasse a adquirir equipamentos e insumos industrializados necessários à modernização de sua atividade agropecuária e, com isso, passasse do atraso para a modernidade. Esse modelo serviria, assim, para que o homem rural entrasse na dinâmica da sociedade de mercado, produzindo mais e com melhor qualidade.
Trata-se, assim, de um modelo tecnicista, isto é, com estratégias de desenvolvimento e intervenção que levam em conta apenas os aspectos técnicos da produção, sem observar as questões culturais, sociais ou ambientais, e, ainda, com raízes difusionistas, pois visa apenas divulgar, impor ou estender um conceito, sem levar em conta as experiências e os objetivos das pessoas atendidas. Portanto, na opinião de Lisita (2008), o desafio dos órgãos de pesquisa, das universidades e dos movimentos sociais deve ser o de criar estratégias para colocar em prática metodologias participativas de assistência técnica e extensão rural, que incluam os agricultores familiares desde a concepção até a aplicação das tecnologias, transformando-os em agentes do processo, valorizando seus conhecimentos e suas experiências e respeitando seus anseios. O desenvolvimento sustentável aponta, assim, para a necessidade do equilíbrio entre o aspecto ambiental, social e econômico. No entanto, enfrenta-se a dificuldade de conceituar e implantar a almejada sustentabilidade.
Como princípio de discussão, a obra Small is Beautiful, de Schumacher, já em 1973 defendeu uma tecnologia com face humana, opondo-se ao modelo cartesiano e tecnicista vigente, antes mesmo de o tema da sustentabilidade estar nas pautas acadêmicas mundiais. Tal mudança de paradigma nos processos produtivos e organizacionais buscou um maior enfoque na contribuição da ciência para a sociedade, a fim de beneficiar a economia local, a partir do beneficiamento dos recursos locais; de ter representação ativa da comunidade; e de não apresentar relações de poderes e hierarquia (SCHUMACHER, 1973).
Contudo, cada vez mais, as fábricas estão desenvolvendo atividades industriais que prejudicam o meio ambiente, além de gerar outros fatores negativos ao ser humano. Isso ocorre devido à produção de diversos tipos de produtos, a qual tem como objetivo principal atender ao aumento do consumo da população mundial. A ótica principal do ramo industrial, em geral, é atender às necessidades do consumidor, sem avaliar os impactos ambientais gerados durante o processo produtivo e as consequências da deposição desses produtos quanto aos resíduos e rejeitos (LEITE, 2006).
gundo Leite (2006), na busca por processos mais limpos, as empresas investem em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), procurando inovação de processos produtivos e tecnológicos, para obter maior eficiência econômica com menos custos sobre o ambiente. Nesse sentido, o novo paradigma técnico-econômico, estabelecido a partir da década de 1980, caracterizou-se fortemente por um processo de inovação tecnológica, criando, entretanto, uma complexidade tecnológica que acaba, muitas vezes, por transformar a tecnologia em exclusão social (LIMA et al., 2002). Portanto, segundo esses autores, dentre os grandes desafios da atual política científica e tecnológica brasileira, inclui-se a necessidade de uma nova abordagem da dimensão tecnológica que proporcione conhecimentos capazes de alavancar o desenvolvimento local, apoiado na sustentabilidade e na inclusão social.
Usando como referência a agricultura familiar, Lima et al. (2002) afirmam que, se, por um lado, a contribuição da ciência e da tecnologia foi fundamental para sua modernização, por outro, a natureza deste processo trouxe, como consequência indesejável, um elevado nível de exclusão social. Nesse sentido, entende-se que o atual desafio do setor produtivo de ciência e tecnologia, além da busca de alternativas tecnológicas adaptadas às escalas e possibilidades de produção de pequeno porte, diz respeito à implementação de estratégias capazes de promover o desenvolvimento local sustentado por meio do conhecimento necessário para: a viabilização de processos de gestão, a organização da produção, a adequação do aparato normativo (ambiente institucional) e a promoção da diferenciação de produtos, visando à criação de oportunidades de inserção competitiva dos produtores rurais de economia familiar (CASTILHOS, 2001).
Segundo Lima et al. (2002), o processo histórico de modernização tecnológica da agricultura e sua natureza excludente apontam para a importância de mobilizar a ciência e a tecnologia para promover a inserção da agricultura familiar em mercados tradicionais e/ou explorar as possibilidades de operar em mercados específicos e nichos mercadológicos como, por exemplo, o dos produtos orgânicos ou transgênicos.
Observa-se, assim, que a mentalidade focada apenas na produtividade e no crescimento econômico, presente há anos em nossa sociedade, fez com que se formassem profissionais extremamente tecnicistas e voltados, exclusivamente, ao aumento da produtividade. Portanto, pode-se observar que o desenvolvimento sustentável, contrário ao tecnicismo, está associado aos conhecimentos gerados no campo de ciência e tecnologia, o que significa que este é um domínio complexo e interdisciplinar que requer a contribuição de inúmeras áreas de conhecimento. Nesse sentido, pode-se destacar o raciocínio de Bursztyn (2004, p. 1), ao afirmar que “a questão ambiental vista pela ótica do desenvolvimento e que assume considerável relevância no presente, aponta para a necessária abordagem interdisciplinar”.
De acordo com o exposto, o papel da pesquisa dentro do modelo capitalista tem sido o de produção-consumo-crescimento econômico. Porém, com o surgimento do novo modelo do desenvolvimento sustentável, passa-se a levar em consideração outros aspectos, como o social, o político, o cultural e também o econômico. Portanto, a pesquisa passa a considerar outros fatores além do econômico, que tinha como único objetivo o aumento da produtividade. Uma forma de conquistar esse novo modelo é por meio do desenvolvimento endógeno, no qual a pesquisa, no caso a agropecuária, deve ter como finalidade despertar a região onde está inserida para suas potencialidades, podendo, assim, ampliá-las; investigar as demandas da região e dos produtores por meio de um contato mais direto com estes, de forma que suas opiniões e seus conhecimentos sejam levados em conta na elaboração, implementação e execução de propostas; e criar projetos e implementá-los a partir dessas demandas (PINTO; RODRIGUES, 1988).
Sob essa perspectiva, ao colocar em questão o papel do pesquisador nesse processo, Souza e Rodrigues (1988) afirmam que os indivíduos geram a tecnologia agropecuária por meio de suas origens, de sua formação profissional, de seus contatos e de seu potencial criativo. Dessa forma, o pesquisador, enquanto indivíduo, não deixa de internalizar o sistema de valores, crenças, percepções e atitudes, ou seja, a ideologia construída pela classe dominante, a qual compõe o seu marco de referência. Além disso, sua formação acadêmica e profissional também o orienta para atender, primordialmente, as necessidades e o interesse de grupos minoritários que detêm o poder econômico.
5. METODOLOGIA
O objeto deste estudo, a Embrapa, criada em 26 de abril de 1973 e vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), possui 38 unidades de pesquisa. Uma dessas está localizada na cidade de Bagé, sendo classificada como Centro de Pesquisa de Pecuária dos Campos Sul-Brasileiros (CPPSUL), ou unidade Pecuária Sul, e atuando no mercado de conhecimento e tecnologia que promove a competitividade e a sustentabilidade do agronegócio, a inclusão social e o bem-estar da sociedade (MAPA, 2015).
A Embrapa (2015) tem como missão “viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura em benefício da sociedade brasileira”. Como visão, espera “ser referência mundial na geração e oferta de informações, conhecimentos e tecnologias, contribuindo para a inovação e sustentabilidade da agricultura e segurança alimentar”. Já quanto aos valores, prima por: “comprometimento, cooperação, equidade, ética, excelência, responsabilidade socioambiental, flexibilidade e transparência”.
Para efetuar a presente pesquisa, realizou-se um estuo de caso, de natureza exploratória, descritiva e qualitativa. Segundo Gil (2002), uma pesquisa de natureza exploratória tem como objetivo proporcionar maior conhecimento do problema, visando torná-lo mais expresso. Já a descritiva, segundo o autor, “tem como finalidade principal a descrição das características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre variáveis” (GIL, 2002, p. 42).
De acordo com Yin (2001), o estudo de caso representa a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real. Já a pesquisa qualitativa, segundo Marconi e Lakatos (2008), é apropriada para a avaliação formativa que visa melhorar a efetividade de um programa ou plano ou que visa propor planos, ou seja, que visa selecionar as metas de um programa e construir uma intervenção, não sendo adequada, contudo, para avaliar resultados de programas ou planos.
Para a coleta de dados e informações, elaborou-se uma entrevista contendo sete perguntas mistas (perguntas fechadas e abertas). Estas foram desenvolvidas à luz dos conceitos de Schumpeter (1985), Boisier (1996) e Elkington (2001). A partir de tais autores, buscou-se compreender a percepção dos pesquisadores quanto à inovação e ao uso de tecnologias, ao desenvolvimento regional (perspectiva de endogenia) e à sustentabilidade (perspectiva de Triple Bottom Line), respectivamente. Tal relação, a compor um arcabouço teórico a fim de analisar os resultados de uma empresa de pesquisa quanto ao uso de inovação e tecnologia, pode influenciar o desenvolvimento endógeno sustentável da região. O instrumento, elaborado a partir de um roteiro de perguntas, foi aplicado in loco a dezenove pesquisadores do CPPSUL indicados pela chefia geral, totalizando um tempo médio de entrevista de 30 minutos. Dessa forma, a pesquisa definiu-se como não probabilística e por conveniência, já que apenas parte dos 32 pesquisadores da unidade foi inquirida.
Em relação ao perfil dos pesquisadores entrevistados, todos eram servidores efetivos aprovados mediante concurso público e com uma formação mínima de mestrado ou doutorado, possuindo especialização em áreas distintas, tais como Administração, Medicina Veterinária, Química e Agronomia.
Quanto à interpretação das informações coletadas, esta ocorreu por meio do método de análise de conteúdo, que, conforme Bardin (2009), é um conjunto de técnicas de análise de comunicações que tem como objetivo ultrapassar as incertezas e enriquecer a leitura dos dados coletados. Ressalta-se, ainda, que a realização das análises e considerações finais baseou-se na fundamentação teórica e nos resultados alcançados neste estudo, a fim de inter-relacionar as informações e, sobretudo, responder aos objetivos propostos.
6 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Nesta seção, apresentam-se os resultados da pesquisa realizada com 19 pesquisadores da Embrapa, unidade Pecuária Sul. A primeira questão, “Do seu ponto de vista, quais são os fatores que indicam o desenvolvimento de uma região?”, teve como objetivo verificar a compreensão dos conceitos de desenvolvimento endógeno na percepção dos pesquisadores. Onze fatores foram citados por estes, sendo o fator econômico lembrado por 15 dos 19 entrevistados. Esses resultados demonstraram que o desenvolvimento é visto, ainda, pela grande maioria dos pesquisadores, como equivalente ao crescimento econômico. No entanto, conforme já abordado na revisão de literatura, o desenvolvimento de uma organização não é mensurado apenas pelo aspecto econômico, incluindo também as perspectivas social e ambiental, segundo aponta Boisier (1996). Além dessas dimensões, há outras a serem consideradas, tais como cultural, físico-territorial, político-institucional e científico-tecnológica (BANDEIRA, 1999; SACHS, 2002).
Verificou-se, também, que quatro pessoas atribuíram ao capital social a equidade socioeconômica e aos arranjos produtivos locais os fatores que levariam ao desenvolvimento de uma região, o que demonstra que uma pequena parcela dos pesquisados compreende os conceitos do desenvolvimento endógeno ou acredita que este seja a melhor alternativa para obter um desenvolvimento mais sustentável. Segundo Zapata (2007) e Coe et al. (2004), o eixo mais importante de uma estratégia de desenvolvimento endógeno, juntamente com o capital humano, consiste nas pessoas com habilidades e competências, ou seja, no capital social.
Analisando as respostas à questão 2, “Quanto à participação dos produtores, como se dá a elaboração dos projetos da Embrapa Pecuária Sul e quais mecanismos são utilizados”?, verificou-se que 15 pesquisadores responderam que, quando são elaborados os projetos da empresa, estes buscam a participação dos produtores, objetivando, nesta ação, verificar as demandas existentes in loco, uma vez que veem como necessário realizar levantamento de demandas (necessidades dos produtores) para que estas sejam contempladas no processo de elaboração de cada projeto. Quatro entrevistados afirmaram que, apesar de considerarem esse aspecto importante, desenvolvem projetos sem a participação efetiva de produtores.
Com isso, evidencia-se a preocupação com a realização das atividades de forma compartilhada, a fim de beneficiar o quesito social da sustentabilidade (ELKINGTON, 2001). Além disso, segundo alguns entrevistados, a ação conjunta concretiza-se na execução do “dia de campo”, em que ocorrem atividades nas dependências do CPPSUL, como palestras e práticas in loco, que tem como objetivo apresentar alternativas para a melhoria da qualidade das ações e da vida no campo.
Logo em seguida, questionou-se os pesquisadores sobre quais seriam os mecanismos utilizados para garantir a participação dos produtores nos projetos. Para sete dos entrevistados, os mecanismos de participação acontecem por meio de demandas via associações e sindicato rural; quatro acreditam que este mecanismo ocorre por meio do empréstimo de propriedade e/ou animais; dois dos pesquisadores apontaram ações de transferência de tecnologias; outros dois citaram workshops; dois mencionaram reuniões; e uma afirmou que a participação ocorre por meio do trabalho direto com os produtores e na consideração de suas opiniões desde a elaboração e implementação das propostas até a execução dos projetos. Isso demonstra que o processo de participação, na opinião da grande maioria dos pesquisados, não condiz com a participação defendida pelo desenvolvimento endógeno.
A importância desse tipo de participação fica clara na asserção de Lisita (2008), quando afirma que o desafio dos órgãos de pesquisa deve ser o de criar estratégias para colocar em prática metodologias participativas de assistência técnica e extensão rural, que incluam os agricultores familiares desde a concepção até a aplicação das tecnologias, transformando-os em agentes no processo, valorizando seus conhecimentos e suas experiências e respeitando seus anseios.
No que concerne à questão 3, “Como você visualiza a relação entre o incremento no uso de tecnologias e o desenvolvimento da metade sul?”, constatou-se que o grau de importância dado à tecnologia é muito grande, uma vez que cerca de 16 dos pesquisadores acreditam que a tecnologia é a melhor alternativa para desenvolver a metade sul, o que demonstra que ainda predomina na Embrapa Pecuária Sul o modelo tecnicista, que, segundo Lisita (2008), leva em consideração apenas os aspectos técnicos da produção, sem observar as questões culturais, sociais ou ambientais (ELKINGTON, 2001). Tendo em vista a existência de raízes difusionistas, que visam apenas divulgar, impor ou estender um conceito, sem levar em conta as experiências e os objetivos das pessoas atendidas, procurou-se com essa questão saber dos pesquisadores qual o grau de importância dado à tecnologia para desenvolver a metade sul do Rio Grande do Sul (SCHUMPETER, 1985).
Na questão 4, “Na elaboração de seus projetos de pesquisa, além dos aspectos tecnológicos, quais outros aspectos são levados em consideração?”, constatou-se que oito pesquisadores consideram os aspectos ambientais; cinco, os econômicos; e três, os sociais. É importante destacar, ainda, que o aspecto cultural foi apontado por apenas dois dos pesquisadores e que o aspecto territorial foi citado por apenas um entrevistado (ELKINGTON, 2001).
O objetivo dessa questão foi averiguar a incorporação dos conceitos do desenvolvimento territorial endógeno nos projetos desenvolvidos pela Embrapa Pecuária Sul (COE et al., 2004). Nota-se que esses conceitos não estão presentes na grande maioria dos projetos, pois apenas um pesquisador apontou o território como um aspecto que é levado em consideração na elaboração de seus projetos.
A importância de considerar o território para o desenvolvimento de uma região fica evidenciada na definição de território apresentada por Zapata (2007): um espaço que contém pessoas interagindo. O território significa, assim, uma identidade histórica e cultural, em que há fluxos econômicos, sociais, culturais, institucionais, políticos e humanos. Trata-se de atores inteligentes organizados que podem fazer pactos, planos e projetos coletivos (NESKE; MIGUEL; BORBA, 2010).
Observa-se também que, apesar de a grande maioria levar em consideração outros aspectos, os pesquisadores não compreendem os conceitos de desenvolvimento sustentável apresentados neste trabalho, pois, segundo já visto, não existe projeto sustentável sem levar em consideração os aspectos culturais de seus interessados, como também sua participação direta nesse processo. A falta de preocupação com a cultura de uma comunidade ou uma região é típica de um desenvolvimento baseado em um modelo exógeno, que apenas impõe ou transfere um modelo preestabelecido, sem levar em consideração os aspectos culturais da região, bem como outras características próprias do local (COE et al., 2004; SACHS, 2002). Nesse sentido, destaca-se que tal situação é oposta ao que estabelece a missão da Embrapa: priorizar a sustentabilidade da agricultura, com soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação, para o benefício da sociedade brasileira, ou seja, desenvolver o local onde cada uma de suas 38 unidades está estabelecida – cada unidade detém uma especialidade de pesquisa agropecuária que corresponde à cultura econômica local.
Os traços culturais fazem parte do capital social e são característicos de uma comunidade que contribui para fazer com que seus membros se tornem propensos a colaborar na solução de problemas de interesse comum. Nesse ínterim, estão as redes de relações interpessoais e os sentimentos de confiança mútua entre os indivíduos que constituem essa comunidade, os quais tornam possível o empreendimento de ações conjuntas que beneficiem a coletividade (PUTNAM, 1996).
A questão 5, “Na sua opinião, qual é o modelo de pesquisa que predomina nos projetos desenvolvidos pela Embrapa Pecuária Sul?”, foi criada tendo em vista que a Embrapa, até recentemente, utilizava os pacotes tecnológicos como contribuição para o desenvolvimento. Porém, com o surgimento de uma nova visão de desenvolvimento, a empresa passou a almejar modelos mais sustentáveis. Sendo assim, procurou-se avaliar qual o modelo é predominante atualmente. Verificou-se que 11 entrevistados responderam que atualmente predomina um modelo produtivista e oito disseram que predomina um modelo tecnológico, o que demonstra que a maior preocupação da Embrapa Pecuária Sul é ainda proporcionar tecnologias que aumentem a produtividade/competitividade econômica. Ou seja, ainda predominam os pacotes tecnológicos como forma de desenvolver a região, o que indica que desenvolvimento visado pelos entrevistados equivale ao crescimento econômico.
Na questão 6,” Qual o papel que você atribui ao pesquisador da Embrapa Pecuária Sul no processo de desenvolvimento?”, constatou-se que nove pesquisadores responderam que o papel seria o de desenvolver/transferir tecnologias; quatro apontaram que seria proporcionar aumento da produtividade; um citou que seria investigar e inovar; um respondeu que seria apresentar uma atitude exploratória e metodológica; e, por fim, um pesquisador apontou que o papel seria atuar como um agente de desenvolvimento. Assim, considerando-se que apenas um respondente afirmou que seu papel seria atuar como um agente do desenvolvimento, é possível afirmar que existe pouco conhecimento dos conceitos de um desenvolvimento endógeno por parte da grande maioria dos pesquisados, tendo em vista que o papel de um pesquisador deve ser realmente este: o de um agente de desenvolvimento, fazendo com que a metodologia de pesquisa promova, além do conhecimento, a organização e a mobilização social, a valorização local, a participação e a equidade de oportunidades (COE et al., 2004).
Na questão 7, “Quais são os projetos da Embrapa Pecuária Sul que você identifica que refletem, atualmente, um desenvolvimento sustentável?”, oito pesquisadores responderam que todos os projetos evidenciam o desenvolvimento sustentável; outros oito afirmaram que vários projetos refletem um desenvolvimento sustentável; dois responderam que apenas três projetos incluem essa temática; e um não respondeu a esta questão. Com o objetivo de analisar o que os pesquisadores entendem por um desenvolvimento sustentável, nota-se que a grande maioria mostra ter uma opinião diferente sobre desenvolvimento sustentável daquela já exposta neste trabalho. Conforme já observado em questões anteriores, ainda predomina o modelo tecnicista (que leva em consideração apenas os aspectos técnicos da produção) e difusionista (que visa apenas divulgar, impor ou estender um conceito) nos projetos desenvolvidos pela Embrapa Pecuária Sul.
Importante destacar, ainda, o entendimento de um dos pesquisadores com relação ao conceito de sustentabilidade adotado pela Embrapa, que apontou: “pode ser situado no interior da ideologia liberal, que dá por certo as realizações da modernidade ocidental: como o poder da ciência e da técnica como instrumentos de dominação sobre a natureza e até a cultura, a fé no progresso ilimitado e a crença numa ciência objetiva, neutra e universal”. Portanto, sob essa perspectiva, todos os projetos da Embrapa Pecuária Sul se enquadram como sustentáveis, já que nessa concepção a sustentabilidade somente pode ser atingida se houver crescimento econômico.
Outro pesquisador fez um comentário muito importante referente à questão de sustentabilidade: “todos os projetos buscam melhorar a renda dos produtores, com menor impacto ambiental”. Tal asserção demonstra que, segundo esse entrevistado, a preocupação ambiental seria sinônimo de desenvolvimento sustentável.
7.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme exposto, o presente estudo foi realizado no contexto da Embrapa, em sua unidade Pecuária Sul, também chamada de CPPSSUL, localizada na cidade de Bagé. Essa empresa, por meio da utilização de inovações tecnológicas, visa ao desenvolvimento sustentável e à melhoria da qualidade de vida do homem do campo e da sociedade brasileira como um todo, conforme seu alinhamento estratégico (MAPA, 2015). Dessa forma, evidencia-se sua contribuição para a sociedade e para a produção científica agropecuária nacional, tendo em vista o conhecimento gerado em cada uma de suas 38 unidades de pesquisa (EMBRAPA, 2015).
Nesse contexto, este trabalho objetivou analisar a compreensão dos pesquisadores da Embrapa e a aplicação por parte destes dos conceitos de desenvolvimento endógeno sustentável. Para isso, estabeleceram-se objetivos específicos, alcançados a partir da análise das entrevistas.
Ainda que a Embrapa apresente um alinhamento estratégico em sua missão, em sua visão e em seus valores ao inovar em pesquisas para o desenvolvimento sustentável local, incitando o endógeno, os pesquisadores da unidade Pecuária Sul não demonstram identificar em totalidade tal motivação na prática. Nesse sentido, percebe-se que a Embrapa Pecuária Sul está em processo de buscar a promoção de desenvolvimento endógeno. Isso seria mais efetivo se o aumento de oferta de atração e a participação das demandas das famílias do campo locais fossem o objetivo norteador das pesquisas. Tal busca pode ser percebida em projetos vigentes comentados, de abordagem mais sustentável que tecnicista, como “dia de campo”, entre outros que primam pelo reconhecimento de peculiaridades em práticas cotidianas e da cultura locais, desde a gastronomia até o artesanato. A partir disso, atingiu-se o objetivo específico de identificar a percepção dos pesquisadores quanto à importância de um desenvolvimento endógeno para a obtenção do crescimento sustentável.
Já o segundo objetivo específico deste estudo, verificar o conhecimento dos pesquisadores em relação ao tema proposto, foi atingido ao verificar que os pesquisadores da Embrapa Pecuária Sul, por serem em teoria esclarecidos academicamente, possuindo título mínimo de mestrado ou doutorado, atuarem nessa empresa pública por intermédio de concurso e atuarem em projetos a fim de desenvolver sustentavelmente o local, têm conhecimento do tema e contribuem efetivamente para o alcance dos objetivos da instituição onde desenvolvem suas atividades profissionais.
Já para o último objetivo específico, averiguar a compreensão dos pesquisadores quanto a práticas que evidenciem o compromisso com os conceitos do desenvolvimento endógeno, foi explorado a partir de questões que abordaram a aplicação dos mecanismos de interação com os produtores locais. Os pesquisadores citaram que recebem demandas, em sua maioria, de associações e sindicatos rurais, e que práticas como empréstimo de propriedades e/ou animais para pesquisas, reuniões comunitárias, ações de transferências de tecnologias, workshops e trabalho direto com os produtores são as mais recorrentes praticadas por eles. Os entrevistados citaram, ainda, a preocupação em conduzir pesquisas e transferências de tecnologia com o uso de metodologias dialógicas, que valorizem a experiência e respeitem os objetivos do produtor rural, promovendo a soma de conhecimentos pesquisador-produtor e estimulando o trabalho em grupo e o associativismo, para, dessa forma, potencializar o processo produtivo e contribuir de maneira mais eficaz para o desenvolvimento da região.
De forma geral, todas essas práticas – que envolvem inovação na elaboração dos processos e pesquisas – contribuem para o desenvolvimento, como cita Elkington (2001), para a promoção da sustentabilidade, conforme a perspectiva do Triple Bottom Line, e para o desenvolvimento endógeno, segundo explicita Coe et al. (2004).
Quanto às limitações deste, destaca-se o fato de as entrevistas terem sido realizadas com pesquisadores indicados pela chefia geral por estarem com projetos ativos. Tendo isso em vista, sugere-se uma abordagem de um maior número de pesquisadores, entre outros colaboradores, a fim de obter uma visão sistêmica de outras unidades da Embrapa. O acesso a apenas uma unidade da Embrapa, a Pecuária Sul, localizada em uma região de pouca diversificação econômica, basicamente de produção primária, também constituiu uma limitação desta pesquisa, motivo pelo qual se sugere a realização de um estudo em outras unidades e de possíveis comparações entre estas. Além disso, não foram abordados os projetos em atividade e seus métodos, especificamente, por tratarem de diversas áreas de cunho técnico, tais como manejo de gado e cultivares. Recomenda-se, nesse sentido, que futuros estudos relatem projetos e identifiquem sua aceitação por parte dos moradores locais.
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