Resumo: O objetivo desta pesquisa foi analisar a relação entre o atendimento do stakeholder franqueado e o desempenho financeiro da franquia. Para isso, foram propostas duas hipóteses de pesquisa, argumentando-se que tanto o suporte quanto a marca podem representar o atendimento dos interesses dos franqueados e ter uma relação positiva com o desempenho. As variáveis analisadas foram obtidas pela avaliação dos franqueados publicada pela Associação Brasileira de Franchising (Guia Oficial de Franquias): a variável suporte considera a avaliação quanto ao treinamento, à consultoria de campo e ao manual de operações, e a variável marca considera a força da marca, sua solidez e sua transparência. Utilizou-se a técnica de regressão linear múltipla para o teste das hipóteses. Os resultados obtidos não confirmaram as hipóteses, uma vez que não foi encontrada uma relação significante entre suporte e desempenho financeiro e que foi encontrada uma relação negativa entre marca e desempenho financeiro na amostra analisada. Embora tenha sido verificada essa relação negativa, ela não enfraquece o uso da teoria dos stakeholders no estudo de franquias, devido à proposição da literatura atual de que, ao invés de priorizar o atendimento a um stakeholder mais importante, deve-se considerar o potencial de criação de valor no relacionamento com diversos grupos de stakeholders simultaneamente.
Palavras-chave:FranquiasFranquias,StakeholdersStakeholders,Desempenho Social CorporativoDesempenho Social Corporativo,Desempenho Financeiro CorporativoDesempenho Financeiro Corporativo.
Abstract: The aim of this research was to analyze the relation between the attendance of the franchisee stakeholder and the financial performance of the franchise. It was proposed two research hypotheses by arguing that both the support as the brand may represent attendance of the interests of franchisees and have a positive relation with performance. Variables support and brand were obtained by publications of franchisees by the Brazilian Franchising Association (Official Guide to Franchising). The variable support considers the assessment of the franchisee regarding training, consulting and field operations manual and the variable brand refers to the perception of the franchisee on the brand strength, solidity and transparency. The multiple linear regression was used to test the hypotheses. The results did not confirm the hypothesis, since it was not found a significant relation between support and financial performance and found a negative relationship between brand and financial performance in the analyzed sample. Although it was found negative relation, it does not weaken the use of stakeholder theory in the study of franchises, given the current literature proposition that, instead of giving priority service to a more relevant stakeholder, should consider the potential of creation value in the relationship with several stakeholder groups simultaneously.
Keywords: Franchising, Stakeholders, Corporate Social Performance, Corporate Financial Performance.
Artigos
Atendimento dos interesses do stakeholder franqueado e sua relação com o desempenho financeiro em redes de franquias
ttendance of franchisee stakeholder’s interests and its relationship to financial performance in franchise networks
Recepção: 05 Maio 2016
Aprovação: 29 Novembro 2016
O sistema de franquias caracteriza-se pela relação contratual entre franqueador e franqueado. Essa relação permite a troca de recursos tangíveis e intangíveis entre as partes. O franqueador fornece conhecimento, suporte, planejamento e outros recursos aos franqueados, e o franqueado, por sua vez, remunera o franqueador pela aquisição e manutenção da franquia e comercializa os seus produtos e serviços (GILLIS, 2007; SHANE, 2005).
Para analisar a relação entre franqueador e franqueado, muitos estudos empregam a teoria da agência, considerando o franqueador como o principal e o franqueado como seu agente (BAKER; DANT, 2008). Adotando essa corrente teórica, os estudos enfatizam principalmente os mecanismos de monitoramento e controle adotados pelos franqueadores para evitar o comportamento oportunista do franqueado. Embora essa abordagem seja relevante para o estudo das franquias, outros fenômenos e tipos de relações podem ser abordados ao analisar as franquias à luz de outras teorias. Dentre as abordagens com potencial de exploração acerca de redes de franquias, emerge a teoria dos stakeholders, ainda pouco utilizada como enfoque teórico principal para o estudo das franquias (PERRIGOT et al.; 2013; ALTINAY; MILES, 2006).
A teoria dos stakeholders tem obtido relevância nas pesquisas nacionais e internacionais ao propor que as organizações devem considerar a importância dos stakeholders principais do negócio, para que haja um bom desempenho em longo prazo. Stakeholders são definidos por Freeman (1984) como indivíduos ou grupos que afetam ou são afetados pela organização na realização de seus objetivos. Estudos recentes, como o de Harrison, Bosse e Phillips (2010), enfatizam que, ao manter um relacionamento de justiça e reciprocidade com os stakeholders, a empresa pode obter vantagens competitivas. Ao analisar as franquias pela ótica da teoria dos stakeholders, o relacionamento com o stakeholder franqueado pode ser entendido não apenas pela relação de conflito, como na teoria da agência, mas também pela relação de reciprocidade. Dessa forma, a postura de lealdade e comprometimento com o negócio do franqueado geraria valor para a franquia, que, por sua vez, retribuiria fortalecendo o suporte ao franqueado.
Nesse sentido, torna-se relevante o estudo do relacionamento entre franqueador e franqueado à luz da teoria dos stakeholders. Considerando que o atendimento dos interesses dos stakeholders tem potencial para gerar impacto positivo no desempenho financeiro das firmas, emerge, no contexto das franquias, a seguinte questão de pesquisa: qual a relação entre o atendimento do stakeholder franqueado e o desempenho financeiro da franquia?
O objetivo desta pesquisa consiste, assim, em analisar a relação entre o atendimento do stakeholder franqueado e o desempenho financeiro da franquia. Para avaliar o nível de atendimento do stakeholder franqueado, foram considerados o suporte e o desenvolvimento da marca provido pelo franqueador ao franqueado, por contituirem mecanismos essenciais para o funcionamento de uma rede de franquias (MONROY; ALZOLA, 2005; PITT; NAPOLI; VAN DER MERWE, 2003; NYADZAYO; MATANDA; EWING, 2011). O suporte envolve o pacote de serviços para funcionamento das unidades franqueadas, compreendendo os treinamentos ao franqueado, a consultoria de campo, o manual de operações e outras atividades com esse fim. Já a marca tem a sua relevância para atração tanto de consumidores quanto de novos franqueados às redes.
Assim, a contribuição desta pesquisa está em testar empiricamente a relação entre atendimento dos interesses do stakeholder franqueado e desempenho das franquias no contexto brasileiro, além de contribuir para o campo de estudos ao utilizar as premissas da teoria dos stakeholders nos estudos de franquias.
O modelo de negócios de franquias tem, dentre suas principais finalidades, o estabelecimento de estratégias para a distribuição e comercialização de produtos e serviços desenvolvidos, que são produzidos pelo franqueador e comercializados em diversas localidades pelos franqueados (Hisrich; Peters, 2004). Nesse modelo de negócios, o atendimento dos interesses dos franqueados ocorre tanto com o fornecimento de um suporte que o capacite a gerenciar a franquia quanto por meio de uma marca de expressão, capaz de propiciar a atração de consumidores (Melo; Borini; Cunha, 2014; Monroy; Alzola, 2005; Nyadzayo; Matanda; Ewing, 2011).
Há diferentes formatos de franquias: as franquias “produto e marca” e as franquias de “formato de negócios”. As franquias de “produto e marca” consistem em um modelo simplificado, limitando-se a autorizações para a comercialização de produtos e o uso da marca. Já as franquias de “formato de negócios” envolvem transferência de conhecimentos e padrões de operação, estruturação de estratégias de marketing e treinamentos, dentre outros assessoramentos ao franqueado (ELANGO; FRIED, 1997; BERMAN; EVANS, 1998; ALON, 2001; COUGHLAN, 2002; ROSEMBLOON, 2002).
Na perspectiva do franqueado, o maior benefício de aderir ao sistema de franchising reside na aquisição de um modelo de negócio formatado, com know-how de operação constituído e, em muitos casos, com marcas reconhecidas pelos consumidores. Entretanto, nesse relacionamento existem aspectos negativos, sobretudo por causa do reduzido grau de autonomia que é concedido ao franqueado – por se tratar de um sistema de franchising que opera por padrões previamente definidos, a autonomia do franqueado é limitada. Diante disso, a satisfação dos interesesses do stakeholder franqueado é de importância para a sustentabilidade das redes de franquias, devido à sua relevância para a ancoragem desse modelo de negócios. Tanto o provimento de suporte ao franqueado como o desenvolvimento da marca são drivers competitivos em redes de franquias, de modo que o êxito dessas redes de negócios depende desse funcionamento.
Para o franqueador, as vantagens de se operar pelo sistema de franchising residem na rápida expansão proporcionada por esse modelo, nos ganhos de escala propiciados pelas unidades franqueadas e na facilidade de recursos financeiros obtidos, sendo estes oriundos dos franqueados mediante as taxas a serem remuneradas ao franqueador. Já as desvantagens para o franqueador consistem no compartilhamento do seu know-how, no aumento de custos de supervisão dos franqueados e no compartilhamento das decisões com os conselhos de franqueados (DAHAB, 1996; ROSSINI, 1997; NEVES, 2005).
A teoria dos stakeholders propõe que o objetivo da empresa é servir como veículo para a coordenação dos interesses dos stakeholders (BOAVENTURA et al., 2009). No entanto, essa proposição de função para as firmas gerou diversas críticas, que alegavam que esse posicionamento significaria múltiplos objetivos e que os gestores não teriam critérios claros para a tomada de decisão, podendo resultar em um comportamento oportunista por parte do gestor (PHILLIPS; FREEMAN; WICKS, 2003).
Segundo Handelman e Arnold (1999), cada stakeholder possui seus objetivos e suas metas, o que pode resultar em conflitos de interesses. Para o setor de franquias, o conflito de interesse pode ocorrer principalmente devido à diversidade de negócios, a perfis diferenciados de empreendedores franqueados e ao pagamento de royalts para o franqueador.
Nesse contexto, alguns autores estudam como um grupo stakeholders pode desenvolver estratégias para ter seus interesses atendidos pela empresa focal (Frooman, 1999; Rowley, 1997). Segundo Freeman, Wicks e Parmar (2004), os stakeholders podem utilizar o processo político para apropriar-se de valor ou para regular o valor criado para outros em busca do atendimento de seus interesses. O grupo de stakeholders franqueado possui nesse âmbito um potencial relevante perante o grupo franqueador, inclusive no quesito suporte e marca, que podem ser considerados elementos de negociação e de pressão exercidos pelos franqueados.
Por outro lado, em literatura recente, Freeman (2010) alega que os gestores devem tirar o foco da relação nos conflitos e centrar no potencial de criação de valor ao atender os interesses de vários stakeholders ao mesmo tempo. Harrison, Bosse e Phillips (2010) propõem que a empresa deve manter um relacionamento com os stakeholders baseado em confiança e reciprocidade, o que levaria ao compartilhamento de informações entre os stakeholders e a organização, tornando a alocação de recursos mais eficiente e gerando vantagens competitivas.
O atendimento dos interesses dos stakeholders, portanto, tem potencial de gerar vantagens competitivas. O levantamento de Mascena et al. (2015) aponta que o atendimento aos interesses dos stakeholders pode ser influenciado pela contribuição do stakeholder para a empresa, o que estaria ligado ao princípio de justiça organizacional; e pela orientação da função-objetivo da empresa para shareholders ou para stakeholders.
A corporate social performance (CSP) é conceituada por Clarkson (1995) como uma medida de desempenho social mensurada por meio da capacidade de gerenciar e satisfazer os diferentes stakeholders da organização. Adicionalmente, Wood e Jones (1995) definem CSP como uma configuração organizacional com princípios de responsabilidade social, políticas, programas e resultados observáveis relativos aos relacionamentos sociais, visando ao atendimento das necessidades e do interesse de todos os elementos que vão afetar e ser afetados por ações corporativas e que devem ser consideradas em abordagens globais de desempenho corporativo das empresas.
De forma mais pragmática, Strand (1983) conceitua CSP como uma organização que responde a demandas sociais. Outros autores como Surroca e Tribó (2008) defendem que CSP está ligada à teoria dos stakeholders, pois inclui o objetivo de atender os interesses dos stakeholders. Todos os conceitos oferecem, dessa forma, uma visão integrativa entre a sociedade e a empresa que promove a integração social e os objetivos econômicos.
Diversos estudos assumem que a CSP está diretamente ligada à eficiência incremental e aos ganhos em satisfação. Nesse sentido, tem sido discutido que, quanto maior for a CSP, maior será o impacto na reputação da organização (TURBAN; GREENING, 1996), apoio do consumidor (Lev, Petrovits; Radhakrishnan, 2010) e melhor será o relacionamento com o governo (Campbell, 2007). Todos esses fatores combinados aumentam a eficiência organizacional, influenciando diretamente na satisfação dos envolvidos quanto à empresa. O estudo de Klein e Dawar (2004), por exemplo, mostrou que a CSP influencia a imagem que a organização possui em um momento de crise do produto.
Muitos estudos analisaram a relação entre a CSP e o desempenho financeiro corporativo (corporate financial performance - CFP). A diversidade de pesquisas sobre esta relação motivou algumas análises agregadas da produção, como o artigo de Margolis e Walsh (2003), que analisou 127 estudos sobre CSP-CFP entre 1972 e 2002, e o artigo de Boaventura, Silva e Bandeira de Mello (2012), que analisou 58 artigos sobre CSP-CFP no período de 1996 a 2010. As análises encontraram estudos com relações positivas, negativas ou neutras. O trabalho de Boaventura, Silva e Bandeira de Mello (2012) encontrou 38 artigos que resultaram em uma relação positiva entre CSP e CFP; 11 artigos que resultaram em uma relação negativa e 18 artigos que resultaram em uma relação neutra ou não significante.
A relação entre CSP e CFP também é estudada em amostras brasileiras, sendo mensurada de diferentes formas, como no estudo de Oro et al. (2014), que encontrou relação positiva entre capital intelectual de natureza social e ambiental e desempenho econômico-financeiro, e o estudo de Crisóstomo, Freire e Vasconcellos (2011), que averiguou relação negativa entre o desempenho em responsabilidade social e a CFP.
3 HIPÓTESES DA PESQUISA
3.1 Relação entre suporte ao stakeholder franqueado e desempenho financeiro
Os franqueados percebem o valor na parceria por meio de suas percepções de benefícios gerados pelos serviços dos franqueadores (Vargo; Lusch, 2004). Ademais, quanto melhor for o canal de comunicação do franqueador com o franqueado, mais fácil será obter a satisfação dos franqueados (Chiou; Hsieh; Yang, 2004). Paralelamente, a coordenação e a cooperação entre franqueado e franqueador fortalecem a marca da franquia (Davies et al., 2011).
Em relação aos serviços de suporte prestados pelos franqueadores, há os treinamentos realizados por estes, que contribuem para que o franqueado possa ter o conhecimento necessário para desenvolvimento satisfatório do conceito de negócio, que consiste em transmitir know-how sobre as operações e os serviços relacionados ao trabalho rotineiro (Monroy; Alzola, 2005). Além desses treinamentos convencionais, existem consultorias de campo realizadas pelos franqueadores in loco. A atitude do franqueador no sentido de ajudar o franqueado é algo que influencia o desempenho da rede de franquia (Nijmeijer; Fabbricotti; Huijsman, 2014). Por fim, além dessas relações de transferência de conhecimentos presenciais, existem também manuais de operação elaborados por franqueadores que auxiliam os franqueados nos processos a serem realizados em suas rotinas operacionais, estabelecendo os padrões e as regras a serem seguidos (Perrigot et al., 2013). Percebe-se, então, que o suporte depende de recursos dispendidos pelo franqueador, seja para desenvolver e aplicar treinamentos, distribuir e atualizar constantemente manuais de operações ou para oferecer consultorias in loco, consistindo em um esforço de atendimento ao interesse do stakeholder franqueado.
Diante disso, alguns estudos testaram a relação entre suporte e desempenho financeiro em diferentes contextos. O estudo de Lai e Choi (2015) procura entender o impacto de indicadores de suporte no retorno financeiro da rede de hotéis analisada. Para os autores, o suporte possui vital impacto na satisfação do cliente, pois melhora sua experiência de hospedagem. O setor aéreo também foi objeto de estudo de Sim, Song e Killough (2010), que analisaram a relação entre suporte e retornos financeiros. Esses autores indicam que o esforço para reduzir falhas no manuseio de bagagens de clientes tem relação com o retorno financeiro tanto de curto quanto de longo prazo, principalmente pela intenção de recompra baseada na última experiência vivida com a companhia aérea.
Dessa forma, argumenta-se que, quanto maior for o suporte do franqueado ao franqueador, maior será o atendimento do interesse do franqueador, devido à transferência de conhecimento e à assistência fornecida. O suporte, por sua vez, impacta na percepção de qualidade do serviço pelos clientes, resultando no aumento de receita e no maior desempenho financeiro da franquia. Assim, propõe-se a seguinte hipótese:
Hipótese 1: O atendimento aos interesses dos franqueados, avaliado pelo suporte oferecido pelo franqueador, tem relação positiva com o desempenho financeiro da franquia.
3.2 Relação entre marca da franquia e desempenho financeiro
O brand equity da rede de franquia contém atributos de caráter tanto objetivo quanto subjetivo que influenciam a percepção do franqueado (Erenkol; Duygun, 2010). O poder da marca de uma franquia é um elemento determinante para atrair e reter franqueados (Ghantous; Jaolis, 2013), pois diminui o seu risco de investimento (Grace; Weaven, 2011). Dessa forma, uma percepção positiva da marca faz com que o franqueado tenha maior envolvimento com o negócio e busque melhor desempenho (Nyadzayo; Matanda; Ewing, 2011).
Os ganhos obtidos com a marca devem ser entendidos como maiores que o recurso dispendido pelo franqueado para que ele valorize a marca (Grace; Weaven, 2011), principalmente quando os recursos do franqueado são escassos e ele tende, por isso, a valorizar mais seu dinheiro. Portanto, quando o franqueador investe no desenvolvimento da marca, ele minimiza o risco e o dispêndio do franqueado para atração de clientes, gerando maior satisfação do franqueado.
O estudo de Grigore (2009) apoia-se na teoria dos stakeholders para investigar a percepção de stakeholders sociais, influenciados por estratégias criadas pelo suporte da empresa voltado à comunicação institucional, e sua relação com o impacto da marca e imagem da organização e, consequentemente, com o seu desempenho financeiro. Outro estudo que levanta parâmetros ligados ao entendimento da relevância da marca para os stakeholders foi organizado por Anić, Piri Rajh e Rajh (2010), que ressaltam que o conhecimento da marca é positivamente relacionado com qualidade e preço dos produtos oferecidos e que juntos esses atributos trazem lealdade e resultados financeiros para as empresas.
Dessa forma, argumenta-se que, quanto maior for o investimento no desenvolvimento da marca da franquia pelo franqueador, maior será o atendimento do interesse do franqueador, devido à percepção de maior potencial de retorno de seu investimento e minimização de seus riscos em permanecer na relação com o franqueador. Por sua vez, a marca da empresa aumenta a percepção de qualidade do serviço pelos clientes, resultando no aumento de receita e em maior desempenho financeiro da franquia. Assim, propõe-se a seguinte hipótese:
Hipótese 2: O atendimento aos interesses dos franqueados, avaliado pela marca da franquia, tem relação positiva com o desempenho financeiro da franquia.
Esta pesquisa pode ser classificada como descritiva com uma abordagem quantitativa (GIL, 2008), tendo como objetivo analisar a relação entre o atendimento do stakeholder franqueado e o desempenho financeiro das franquias.
Os dados utilizados são provenientes de fontes secundárias, publicadas pela Associação Brasileira de Franchising (Guia Oficial de Franquias) e pelo Serasa Experian (Guia de Franquias – Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios). Esses guias apresentam uma relação anual de 800 a 1000 redes de franquias, aproximadamente, contendo informações relativas ao franqueador e franqueado e abordando itens como faturamento, idade, segmento e a pesquisa de satisfação do franqueado com relação aos atributos institucionais. As edições analisadas desses anuários compreenderam os anos de 2007 a 2013. Para mensurar o desempenho do negócio, os parâmetros foram baseados na nota de 0 a 10 que o franqueado atribui ao franqueador revelando sua satisfação com o suporte e a marca.
Cabe mencionar, ainda, que a utilização de dados secundários oriundos de anuários de franquias é presente nos estudos sobre redes de franquias desde a década de 90, sendo possível elencar estudos nacionais e internacionais publicados em periódicos que usaram dados secundários para analisar as franquias (Melo et al., 2015; Melo et al., 2014; Mariz-Pérez; García-Álvarez, 2009; Davidovitsch; Caldas; Ferreira-da-Silva, 2009; Elango, 2007; Shane, 1998; Martin; Justis, 1993).
Para a construção do modelo, partiu-se da análise bibliográfica de publicações que tratavam da análise de somente um stakeholder, como empreendido nesta pesquisa. Estudos na teoria dos stakeholders envolvem tanto a relação simultânea com múltiplos stakeholders como relações entre duas partes: a empresa focal e um stakeholder relevante. Considerando que o principal stakeholder de uma franquia é o franqueado, optou-se por não analisar múltiplos stakeholders, mas apenas o stakeholder franqueado. O Quadro 1, a seguir, apresenta as publicações que embasaram a escolha das variáveis dependente, independente e controle, e da técnica estatística.
Por sua vez, o Quadro 2 apresenta a descrição das variáveis utilizadas nesta pesquisa.
Para análise dos dados, utilizou-se a técnica de regressão linear múltipla. Essa técnica, segundo Fávero et al. (2014), estima o valor da variável dependente, que nesta pesquisa é o desempenho financeiro da franquia, pela variação das variáveis independentes, que nesta pesquisa consiste no atendimento do stakeholder franqueado quanto ao suporte e à marca.
O uso dos dados secundários permitiu acesso a respostas de um elevado número de franqueados de diferentes setores. A Tabela 1 apresenta a quantidade de respostas considerando dois critérios: o ano da publicação do anuário e o setor da franquia.
Observa-se que o ano em que se obteve maior número de resposta dos franqueados é 2013. Quanto ao setor, o que possui o maior número de respondentes na amostra total é o de alimentação, cafeteria e confeitaria. As estatísticas descritivas também foram obtidas para a variável dependente (variação do faturamento de um exercício para o outro), as variáveis independentes (as notas atribuídas ao suporte e à marca pelos franqueados) e a variável de controle métrica (tamanho). As estatísticas descritivas são apresentadas na Tabela 2.
Observa-se que os dados obtidos não cobrem o tamanho total da amostra, sendo consideradas para análises estatísticas as observações sem missing values. Percebe-se, pelo desvio-padrão apresentado na Tabela 2, que as variáveis de marca e suporte têm pouca variação na amostra em comparação com a variação do faturamento e do tamanho, que tem elevado desvio-padrão. Isso pode ocorrer pois as variáveis suporte e marca variam entre as notas 0 e 10, enquanto o faturamento tem ampla variação.
Os resultados obtidos por meio da técnica estatística de regressão múltipla, utilizados para o teste das hipóteses propostas nesta pesquisa, são apresentadas na Tabela 3. O R² do modelo é de 0,099, o que indica que 9,9% da variação da variável dependente é explicada pelas variáveis independentes usadas no modelo.
Observa-se, na Tabela 3, que a variável marca apresenta relação negativa e significante com a variação do faturamento, enquanto a variável suporte não apresenta relação estatisticamente significante. Os resultados também incluem as variáveis de controle (tamanho, dummies para setor de atuação da franquia e para o ano) e a análise de multicolinearidade, pela estatística variance inflation factor (VIF).
Os resultados obtidos não confirmaram a hipótese 1, de que o atendimento dos interesses dos franqueados, avaliado pelo suporte oferecido pelo franqueador, tem relação positiva com o desempenho financeiro da franquia. Observa-se que, na amostra analisada, não existe uma relação estatisticamente significante entre o suporte e a variação no faturamento das franquias.
Os resultados apresentados na Tabela 3 também não confirmaram a hipótese 2, de que o atendimento dos interesses dos franqueados, avaliado pela marca da franquia, tem relação positiva com o desempenho financeiro da franquia. Pelo contrário, a relação obtida foi negativa, ao nível de significância de 5%. Ou seja, na amostra e no período analisados, quanto maior é a percepção positiva da força, da solidez e da transparência da marca pelo franqueado, mantendo as demais condições constantes e na presença das demais variáveis, menor é a variação anual do faturamento da franquia.
Nesse sentido, esta pesquisa encontrou uma relação negativa entre o atendimento do stakeholder franqueado e o desempenho financeiro, contrariando a literatura de avaliação do desempenho com stakeholders e do desempenho financeiro (CSP-CFP), em que predominam estudos que encontraram uma relação positiva entre esses aspectos (MARGOLIS; WALSH, 2003; BOAVENTURA; SILVA; BANDEIRA DE MELLO, 2012). Embora esta pesquisa apresente limitações com relação às variáveis disponíveis para análise, esses resultados apontam perspectivas para a aplicação da teoria dos stakeholders às redes de franquias.
Primeiramente, por serem redes complexas que envolvem um amplo número de stakeholders, a análise da relação entre o atendimento do stakeholder e o desempenho financeiro utilizando-se apenas de um grupo de stakeholders pode ser considerada uma abordagem limitada. Conforme proposto por Freeman (2010), as empresas devem buscar meios para atender simultaneamente os interesses dos stakeholders relevantes. Dessa forma, a capacidade das franquias em desenvolver uma relação de ganha-ganha envolvendo mais stakeholders pode ter maior potencial de geração de vantagens competitivas do que o foco apenas no franqueado. No entanto, embora a relação encontrada seja negativa, pode reforçar o que tem sido defendido na literatura recente da teoria dos stakeholders e enfatizado por Freeman (2010): de que, ao invés de pensar em trade-offs e em quem deve ser atendido primeiro ou atendido melhor, deve-se pensar no potencial de criação de valor conjunto no relacionamento entre a empresa e seus stakeholders, nesse caso, as franquias e seus stakeholders.
O objetivo desta pesquisa foi analisar a relação entre o atendimento do stakeholder franqueado e o desempenho financeiro da franquia. Os resultados obtidos não confirmaram as hipóteses desenvolvidas, uma vez que não foi encontrada relação significante entre suporte e desempenho financeiro e foi encontrada relação negativa entre marca e desempenho financeiro. No entanto, a relação negativa não enfraquece o uso da teoria dos stakeholders no estudo de franquias, tendo em vista a proposição da literatura atual de que, ao invés de priorizar o atendimento a um stakeholder mais relevante, deve-se considerar o potencial de criação de valor no relacionamento com diversos grupos de stakeholders simultaneamente.
Para o grupo de franquias analisado, a variação do faturamento pode não estar associada apenas ao nível de entrega de suporte e marca, mas também a outros atributos não considerados neste estudo, como, por exemplo, o delineamento da área de atuação das unidades franqueadas, o que mostraria a eficiência do franqueador, evitando a canibalização entre franqueados da mesma rede. Assim, esta pesquisa possui limitações, como a averiguação de somente três atributos relacionados à marca (força, solidez e transparência) e ao suporte (treinamento, consultoria de campo e manuais). Outra limitação consiste em não considerar outras variáveis que podem representar o atendimento aos franqueados e o desempenho financeiro. Ademais, o modelo de pesquisa construído também poderia ser aprimorado estatisticamente.
Nesse sentido, em estudos futuros, recomenda-se averiguar com maior profundidade os atributos relacionados à marca e ao suporte, tais como prospecção de ponto, instalação da franquia e consultoria jurídica e financeira, no que concerne ao suporte, e fidelização, propaganda e promoção, no que concerne à marca. Sugere-se, também, analisar outras variáveis de atendimento dos stakeholders, incluir mais stakeholders na análise e utilizar diferentes técnicas estatísticas para análise da relação entre o atendimento dos franqueados e o desempenho financeiro da franquia.