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Criação de empresas à luz do modelo de decisão Effectuation: um estudo com mulheres empreendedoras de um município do nordeste brasileiro
Emanuelly Alves Pelogio; Luiz Célio Souza Rocha; Hilka Vier Machado;
Emanuelly Alves Pelogio; Luiz Célio Souza Rocha; Hilka Vier Machado; Miguel Eduardo Moreno Añez
Criação de empresas à luz do modelo de decisão Effectuation: um estudo com mulheres empreendedoras de um município do nordeste brasileiro
CREATION OF COMPANIES ALIGNED TO THE EFFECTUATION DECISION MODEL: A STUDY WITH WOMEN ENTREPRENEURS OF A BRAZILIAN NORTHEASTERN CITY
Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, vol. 9, núm. 4, pp. 644-663, 2016
Universidade Federal de Santa Maria
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Resumo: Este estudo teve como objetivo verificar se as mulheres empreendedoras no município de Currais Novos/RN utilizaram processos decisórios alinhados à lógica Effectuation ao longo da criação de suas empresas. Para tanto, realizou-se um estudo descritivo com abordagem de análise qualitativa, utilizando a técnica de história de vida temática que combina relatos e roteiro de entrevista semi-estruturado. Para a análise dos dados, usou-se a técnica de análise de conteúdo das entrevistas. Como resultado, tem-se que as mulheres empreendedoras pesquisadas não possuíam objetivos iniciais claros no momento da criação de suas empresas, não demonstraram aversão ao risco de perder o tempo e o dinheiro, ressaltavam a identidade dos produtos e serviços que ofereciam com forte ligação com a região Seridó/RN, tinham experiência no ramo de atividade em que decidiram abrir suas empresas. Conclui-se que as mulheres empreendedoras utilizaram, em grande parte, processos decisórios alinhados à lógica Effectuation ao longo da criação de suas empresas.

Palavras-chave:EmpreendedorismoEmpreendedorismo,Mulheres EmpreendedorasMulheres Empreendedoras,EffectuationEffectuation,Criação de EmpresasCriação de Empresas.

Abstract: This study aimed to ascertain whether women entrepreneurs in the Currais Novos city/RN used making decision processes aligned to the Effectuation logic throughout the creation of their companies. To this, was accomplished a descriptive study, whit a qualitative approach of analyse, using the thematic life history technique that match accounts and semi-structured interview route. To the interviews data analyse, was chosen the content analyse technique. As result, the entrepreneur women researched hadn’t clear initial aims at the companies’ creation moment, hadn’t aversion to the risk to lose the time and the money, they highlighted the products’ and services’ identity that offered with a strong link with Seridó/RN region, they had experience in the field of activity in which they decided to open their companies. This study conclude that the entrepreneur women used, in a big part, making decision processes aligned to the Effectuation logic throughout the creation of their companies.

Keywords: Entrepreneurship, Entrepreneur Women, Effectuation, Creation of Companies.

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Criação de empresas à luz do modelo de decisão Effectuation: um estudo com mulheres empreendedoras de um município do nordeste brasileiro

CREATION OF COMPANIES ALIGNED TO THE EFFECTUATION DECISION MODEL: A STUDY WITH WOMEN ENTREPRENEURS OF A BRAZILIAN NORTHEASTERN CITY

Emanuelly Alves Pelogio
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Luiz Célio Souza Rocha
Universidade Federal de Itajubá, Brasil
Hilka Vier Machado
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Miguel Eduardo Moreno Añez
Fundação Getulio Vargas, Brasil
Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, vol. 9, núm. 4, pp. 644-663, 2016
Universidade Federal de Santa Maria

Recepção: 11 Março 2014

Aprovação: 09 Outubro 2015

1 INTRODUÇÃO

Fazer da ideia, oportunidade, correr riscos e buscar a realização pessoal, são alguns componentes que movem o ato de empreender (PELOGIO et al., 2013). O empreendedorismo é um tema que emergiu nos meios acadêmicos com maior intensidade nos últimos vinte anos. Mas, sua importância para o desenvolvimento econômico já foi tema de estudos de autores como Schumpeter (1988), Gartner (1985), Filion (1999), Dornelas (2001) e Hisrich e Peters (2002), entre outros pesquisadores em todo o mundo. No Brasil, o tema ganhou maior importância a partir da abertura da economia ao comércio internacional, na década de 1990, o que fez com que micro e pequenas empresas crescessem de uma forma mais dinâmica, além de adquirirem importância jamais vista em períodos anteriores, não só no Brasil, mas também em todo o mundo.

Com isso, o empreendedorismo tem conquistado cada vez mais a atenção dos pesquisadores. E entre as diversas abordagens de pesquisa nesta temática, está a que focaliza as mulheres, pois, a participação delas vem aumentando consideravelmente nos últimos anos no mercado de trabalho. O incremento do número de mulheres empreendedoras é apresentado no Relatório GEM (Global Entrepreneurship Monitor), pesquisa de monitoramento global do Empreendedorismo. Em sua edição de 2013, o relatório do GEM traz dados que confirmam a importância da participação das mulheres, a pesquisa mostra que 52% dos novos empreendedores – aqueles com menos de três anos e meio de atividade – são mulheres. O que tem motivado o interesse de pesquisas sobre o exercício do papel empreendedor por mulheres (JONATHAN, 2005, NATIVIDADE, 2009). Segundo Machado et al. (2003), na posição de pequenas e médias empresárias, elas contribuem como uma fonte importante de empregos, inovação e desenvolvimento econômico. Ainda segundo os autores, no primeiro seminário sobre mulheres empreendedoras, em 1998, realizadas pela OECD, foram destacados três pontos que configuram a importância delas no papel empreendedor: a) econômico: gerando ocupações para elas e para outras pessoas; b) social: possibilitando o equilíbrio trabalho e família; e c) político: aumentando a sua autonomia (MACHADO et al., 2003).

Dentro da temática do empreendedorismo, vários estudos também abordam questões relacionadas às reais causas de sucesso ou fracasso de novos empreendimentos (FIORIN; MELLO; MACHADO, 2010), às características de empresas e de empreendedores de sucesso, ou ainda, ao modo como deve ser o plano de negócios ou a análise competitiva ideal de um novo empreendimento de forma que se reduzam chances de fracasso (DORNELAS, 2001, GEM, 2010, TASIC, 2007). Enfim, estas parecem ser questões centrais que vêm sendo apresentadas neste campo de estudo. Mas, as respostas a estes questionamentos são, no entanto, pouco conclusivas. Afinal, também parece existir consenso entre acadêmicos e praticantes do empreendedorismo de que é quase impossível chegar a um padrão definitivo a respeito da forma ideal ou padrão de se estabelecer um novo empreendimento, seja no Brasil, seja em outro país, mais ou menos desenvolvido (TASIC, 2007, ROCHA et al., 2016).

Até pouco tempo, tinha-se a ideia de que procedimentos e atitudes padronizadas bastavam para o sucesso nos negócios. Porém, tal ideia encontra-se em processo de transformação, uma vez que, as próprias condições nas quais as empresas são criadas atualmente são muito diferentes das encontradas no passado. O empreendedor necessita dirigir e gerenciar os negócios utilizando uma administração diferenciada e dinâmica e de uma forma criativa e inovadora, valendo-se das inovações tecnológicas criadas pela sociedade atual. A incerteza do ambiente torna o processo de escolha e decisão ambíguo, assim como os objetivos estabelecidos (CHERUBIN, 2002).

Assim, explorações acerca do processo de criação de empresas podem esclarecer algumas questões a respeito do processo empreendedor e da estratégia empresarial que questionam a noção de causalidade, linearidade e previsibilidade nas pesquisas sobre empreendedorismo e também sobre a noção determinista inerente ao modelo de decisão clássico para a criação de novos negócios (TASIC, 2007).

Neste contexto, uma guinada teórica mais radical no estudo do empreendedorismo (CASTANHAR, 2007) foi proposta por Sarasvathy (2001a, 2001b) ao propor um modelo de decisão que denominou de effectuation como alternativa ao modelo de decisão clássico que se baseia no princípio de causalidade. Assim, segundo Sarasvathy (2001a, 2001b, 2008), os modelos clássicos de decisão consideram um determinado efeito como dado e se concentram na seleção de meios (causas) que possam produzir o efeito desejado. Por outro lado, o modelo de decisão effectuation considera um conjunto de meios (causas) como dados e se concentra na seleção (escolha) entre possíveis efeitos que podem ser criados com aquele conjunto de meios.

Com base neste contexto e considerando que a análise da criação de empresas é estratégica para compreender o desenvolvimento de organizações (MARLOW, 1997), o presente estudo tem como guia a seguinte questão de pesquisa: ao longo da criação de suas empresas, as mulheres empreendedoras de um município do Nordeste Brasileiro utilizaram processos decisórios alinhados à lógica effectuation? Alinhado a esta problemática, o presente estudo teve como objetivo verificar se as mulheres empreendedoras no município de Currais Novos/RN utilizaram processos decisórios alinhados à lógica Effectuation ao longo da criação de suas empresas.

Como justificativa, tem-se que o presente estudo poderá contribuir para o enriquecimento da literatura sobre empreendedorismo realizado por mulheres e abordagem effectuation, além de contribuir para o debate sobre o papel da mulher empreendedora na economia e no mundo do trabalho.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O EMPREENDEDORISMO

A palavra empreendedorismo é derivada da palavra francesa entrepreneur, que significa aquele que assume riscos e começa algo novo (DORNELAS, 2001). Conforme apontam Hisrich e Peters (2002), o termo já era usado desde a idade média para descrever tanto um ator quanto uma pessoa que gerenciava grandes projetos. Nos estudos sobre empreendedorismo, encontra-se pelo menos os seguintes aspectos referentes ao empreendedor: 1) iniciativa para criar um novo negócio e paixão pelo que faz; 2) utilização de recursos disponíveis de forma criativa transformando o ambiente social e econômico onde vive; e 3) aceitação em assumir os riscos e a possibilidade de fracassar (DORNELAS, 2001, HISRICH; PETERS, 2002).

Embora não exista um consenso sobre o conceito de empreendedor e empreendedorismo, a noção de que os empreendedores desempenham uma função social de identificar oportunidades, convertendo-as em valores econômicos é observada (JULIEN, 2010). Neste sentido, existe uma ampla gama de definições que associam a prática de empreender com o ato de criação de uma organização econômica inovadora (ou redes de organizações) para o propósito de obter lucratividade ou crescimento sob condições de risco e incerteza (GARTNER, 1985, SCHUMPETER, 1988). Enfim, o empreendedorismo é um campo de conhecimento em formação, carecendo, ainda, da definição de muitos conceitos e, principalmente, maior coesão entre os estudos e abordagens (SHANE; VANKATARAMAN, 2000). Além disso, a complexidade intrínseca ao processo de criação de empresas por empreendedores exige a adoção de uma abordagem complexa, ou seja, considerar todas as abordagens de análise do empreendedorismo, e até mesmo ir além delas, uma vez que o fenômeno do empreendedorismo é complexo demais para ser analisado apenas do ponto de vista das regras econômicas (JULIEN, 2010).

Outros autores buscaram conceituar o que seria o processo empreendedor. Hisrich e Peters (2002) afirmam que o processo empreendedor é usualmente desenhado como deliberado, linear, e, em grande parte, racional, no sentido em que há uma busca intencional por oportunidades, sua avaliação, mensuração e, por fim, a ação do empreendedor no intuito de criar a empresa. Percebe-se, ainda, uma convergência no campo de estudo do empreendedorismo para a ideia de intencionalidade, onde a ação é normalmente descrita a partir da elaboração sistemática de um plano de negócios, aquisição de recursos e execução deliberada do plano (TASIC, 2007). Novas teorias, no entanto, afirmam que são os processos cognitivos e a noção de emergência estratégica (MINTZBERG, 1978, MINTZBERG; WATERS, 1982) que melhor descrevem o modelo sob o qual empreendedores organizam recursos sob incerteza, delimitam objetivos sob ambiguidade e finalmente agem. Esta é a essência da abordagem effectuation proposta por Sarasvathy (2001a, 2001b, 2008).

3 CONSIDERAÇÕES SOBRE MULHERES EMPREENDEDORAS

A presença da mulher no mundo dos negócios aumenta nas pequenas e grandes empresas e nos mais diversos ramos de atividades. Dessa maneira, não só constroem para si uma alternativa de inclusão ou permanência no mercado de trabalho, mas também geram empregos e promovem inovação e riqueza, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico do país (SEBRAE, 2009, 2011). O desenvolvimento econômico de várias localidades tem se favorecido com a atuação das mulheres empreendedoras (JONATHAN, 2005; MACHADO, 2009). O resultado traduz, além do espírito empreendedor, o espírito de independência da mulher. E é nesse contexto que as mulheres tornam-se empreendedoras. Como afirma Murado (1992), a micro ou pequena empresa pode ser, para a mulher, um local que permite o desenvolvimento de suas potencialidades, onde ela terá oportunidade de exercer papéis diferentes dos que lhe eram anteriormente destinados. Esta ideia também é defendida por Jonathan (2005).

O crescimento das iniciativas empreendedoras por parte das mulheres é mencionado no GEM (2013), estudo realizado para mensurar a taxa de atividade empreendedora. Nos resultados da pesquisa GEM 2012, a proporção dos empreendedores iniciais do gênero masculino no total de empreendedores brasileiros foi um pouco superior à do feminino. Segundo dados do GEM (2013), as mulheres estão comandando a abertura de novos negócios no Brasil. No GEM 2013, ocorre uma inversão dessa situação: o percentual de empreendedores iniciais do gênero feminino (52,2%) se tornou maior do que o masculino (47,8%). Observa-se que as mulheres são maioria dos empreendedores iniciais em quase todas as regiões, ou seja, a força empreendedora feminina é maioria em quatro das cinco regiões brasileiras. Apenas no Nordeste elas ainda não ultrapassaram os homens, mas estão quase lá, com aproximadamente 49% de participação entre os novos empresários, dado que não foi observado no GEM 2012. Esse é um indicador significativo de um movimento emergente da atuação da mulher no mercado de trabalho, e, mais especificamente, na administração dos seus próprios negócios.

Diante disto, a análise do empreendedorismo por mulheres vincula-se ao espaço de trabalho da mulher na nova economia contemporânea, na qual esta passa a desempenhar um papel fundamental tanto no processo de produção como nas suas motivações, atitudes e comportamentos sociais, assumindo papel chave como empreendedora, identificando oportunidades, explorando suas habilidades criativas na atividade produtiva e assumindo riscos e incertezas nos empreendimentos (GEM, 2010).

Os estudos sobre empreendedorismo por mulheres tratam de questões que vão desde a personalidade das mulheres empreendedoras, o modo de gerenciar, o estilo administrativo, as estratégias adotadas pelas empreendedoras, sua forma de relacionar-se com o mercado até a forma como adquirem capital para seus investimentos (GOMES; SANTANA; SILVA, 2005, JONATHAN, 2005, JONATHAN; SILVA, 2007, MACHADO, 2009).

O desejo de realização, a independência financeira e a identificação de oportunidades de negócios são algumas razões que motivam a criação de empresas por mulheres. Mas, existem outros fatores, tais como a trajetória pessoal e profissional anterior, que são importantes para uma análise mais abrangente desse processo (MACHADO et al., 2003).

Machado et al. (2003) citam várias razões para a criação de empresas por mulheres que podem esclarecer um pouco mais os motivos pelos quais elas se tornam empreendedoras: algumas mulheres iniciam seus negócios a partir de algum hobby que já praticavam; outras mulheres são forçadas a iniciar os negócios por alguma circunstância, tal como a morte do marido ou separação; algumas mulheres criam empresas a partir da própria motivação e coragem; outras mulheres engajam-se nos negócios familiares; e algumas mulheres criam empresas em busca de independência financeira e autonomia. Outra razão para mulheres abrirem empresas é a necessidade de um horário de trabalho flexível. Deste modo, ao criar a própria empresa, elas têm como expectativa conciliar trabalho e família (LEMOS; MELLO; GUIMARÃES, 2013, MARTINS et al., 2010). Esse fator ocorre principalmente nos casos de mulheres empreendedoras que possuem filhos pequenos.

Desta forma, vários estudos têm demonstrado que mulheres abrem empresas por diferentes motivos, tais como: desejo de realização e independência, percepção de oportunidade de mercado, dificuldades em ascender na carreira profissional em outras empresas, necessidade de sobrevivência e como uma maneira de conciliar trabalho e família (FERRAZ; CAVEDON, 2004, GIMENEZ; MACHADO; BIAZIN, 1998, LEMOS; MELLO; GUIMARÃES, 2013, MARTINS et al., 2010). Além dessas razões, outros fatores estão ligados à decisão de iniciar um empreendimento, independentemente do gênero, tal como a existência de modelos empreendedores na família (MACHADO et al., 2003). Entretanto, de acordo com Jonathan (2005), existem vários desafios e questões enfrentadas pelas empreendedoras para criar e fazer seus negócios crescerem, dentre eles estão o acesso à informação, à tecnologia, ao crédito/capital e às redes sociais. Apesar da relevância do processo de criação de empresas, uma vez que o mesmo pode influenciar a trajetória das empresas criadas, os estudos que abordam a criação de empresas por mulheres, de acordo com Machado et al., (2003), estão centrados nos motivos por que elas se tornam empreendedoras, não focando no processo na íntegra.

Com relação às características da mulher empreendedora, Souza (1998, p.121) a considera como aquela “que tem a capacidade de descobrir e avaliar oportunidades nos negócios, de reunir os recursos necessários para aproveitá-los e de trabalhar de forma apropriada para conseguir êxito”. Contudo, ressalta que algumas qualidades são muito importantes para o desempenho deste papel, tais como: a) confiança em si própria; b) consciência de tarefa necessária e do resultado buscado; c) consciência de assumir riscos; d) originalidade; e) consciência do futuro; f) flexibilidade; g) necessidade de realização; e h) grande desejo de ser independente.

Machado (2009) sintetiza algumas dificuldades encontradas por mulheres empreendedoras: Esforço para cumprir responsabilidades com cuidado da casa, dos filhos e dos negócios, falta de experiência e aceitação de si, menor autoconfiança em suas habilidades para o papel empreendedor do que os homens; Falta de tempo para si mesma, dificuldade de conciliar trabalho e família gerada por conflitos entre trabalho e papéis familiares, falta de suporte por parte dos maridos por inveja e por problemas de relacionamento na esfera doméstica; poucos contatos sociais e poucos canais de informações nos negócios; Dificuldade para atuar no mercado internacional por restrições às exportações pela falta de networks de suporte à exportação, necessidade de conhecimentos em tecnologia de informação; Dificuldade em obter empréstimos bancários e falta de credibilidade frente aos bancos; baixo capital inicial, a maioria das mulheres obtém dinheiro para iniciar suas empresas de suas economias pessoais, empréstimos com a família ou amigos, enquanto os homens tendem a obter capital de recursos externos.

Apesar das dificuldades encontradas pelas mulheres empreendedoras, como as mencionadas, o número de negócios que vem sendo criado por mulheres é crescente, como apontam dados mencionados anteriormente. Mas, como aponta Machado (2009), a atuação é mais concentrada em serviços ou setores específicos, e, além da expansão há evidências sobre a afirmação no papel empreendedor, como constatou o estudo de Machado (2009) com empreendedoras que não tiveram sucesso nos negócios, mas que estariam dispostas a empreender novamente.

4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ABORDAGEM EFFECTUATION

De acordo com a lógica effectuation, o empreendedor tem papel central no processo de criação das empresas e é parte de um ambiente dinâmico, envolvendo múltiplas decisões, que são interdependentes e simultâneas. Afinal, é a partir da ação do empreendedor que as aspirações genéricas começam a se cristalizar em novos negócios. Mas, como aponta Sarasvathy (2001a), esta intervenção não é planejada de modo coerente ou prescrita de maneira determinista, da forma que muitas pesquisas em empreendedorismo e estratégia parecem enfatizar. Ao contrário, a autora defende a ideia de um processo não-linear.

O modelo effectual é resumido por Sarasvathy (2001a, 2001b, 2008) em quatro princípios: 1.Perdas aceitáveis, ao invés de retornos esperados: modelos baseados em causalidade baseiam-se na maximização do retorno potencial de uma decisão, selecionando estratégias ótimas (que otimizem a relação meios/retorno). No processo effectual, o tomador de decisão (o empreendedor, no caso) determina previamente um nível de perda aceitável e experimenta tantas estratégias quanto possíveis, dadas a limitada dotação de recursos disponíveis. O effectuator prefere opções (estratégias) que criem mais opções no futuro do que aquelas que maximizam o retorno esperado no presente; 2.Alianças estratégicas, ao invés de análises competitivas: os modelos de causalidade, como o modelo de estratégia de Porter (1980), enfatizam análises competitivas detalhadas (em várias dimensões) sobre a competição em determinado mercado. O modelo effectual, por outro lado, enfatiza alianças estratégicas e pré-comprometimentos com stakeholders, como uma forma de reduzir e/ou eliminar incertezas e construir barreiras que reduzam a competição num determinado mercado (diminuindo a concorrência); 3.Exploração de contingências, ao invés da utilização de conhecimento pré-existente: quando o conhecimento pré-existente, tal como experiência pessoal ou o domínio de uma nova tecnologia, representa a principal fonte de vantagem competitiva, modelos de causalidade podem ser preferíveis. O modelo effectual, entretanto, pode ser um processo mais apropriado para explorar contingências que surgem inesperadamente ao longo do tempo; 4.Controlar um futuro imprevisível, ao invés de prever um futuro incerto: a lógica do controle explorada na abordagem effectuation está presente, à medida em que se analisam os recursos básicos disponíveis no início da empresa que são “Quem eu sou”, “O que eu sei” e “Quem eu conheço”.

Assim, os processos decisórios baseados na causalidade se baseiam nos aspectos previsíveis de um futuro incerto. A lógica para usar os processos baseados na causalidade é: na medida em que podemos prever o futuro, podemos controlá-lo. Para o modelo effectual: na medida em que nós podemos controlar o futuro, não necessitamos prevê-lo (SARASVATHY, 2001a, 2001b, 2008). Neste sentido, a racionalidade effectual não é meramente um desvio da racionalidade clássica causal. É, sim, um modo de racionalidade alternativo, baseado em uma lógica distinta da lógica causal (SARASVATHY, 2001b).

Conforme a visão clássica de estratégia, o mercado é uma entidade pré-estabelecida e conhecível. Portanto, de acordo com esta abordagem, para que um novo negócio se torne realidade, segue-se o processo STP, representado pela figura 1, (do inglês, segmentation-targeting-positioning), no qual se deve partir da definição e segmentação de mercados-alvo, seguidos do estabelecimento de planos de marketing e do posicionamento de um conjunto de produtos e serviços (KOTLER, 1991). Desde meados dos anos 1960, essa visão clássica de estratégia é a forma que prevalece na análise de novos negócios, amplamente disseminada como prática em organizações e um dos pilares de sustentação das teorias e manuais de apoio aos novos negócios no Brasil e no mundo (DORNELAS, 2001).

O modelo estratégico, dinâmico e interativo, effectuation, delineia um processo específico de como as organizações podem criar o que fazer sob incerteza. O processo é orientado à ação, intersubjetivo e, sem usar modelos preditivos, transforma o meio organizacional do empreendedor em novos conjuntos de meios/fins construídos.


Figura 1
Modelos de decisão causal e effectual.
Adaptado de Sarasvathy (2008, p.39).

A diferenciação entre os processos effectual e causal representa-se esquematicamente pelas Figuras 2 e 3. Tem-se, na Figura 2, a representação do processo causal que busca selecionar entre meios dados aqueles considerados úteis para se atingir um objetivo pré-determinado. Na Figura 3, que representa o processo effectual, tem-se o esforço de imaginar novos fins possíveis, usando um dado conjunto de meios, eliminando, consequentemente, a premissa de objetivos pré-existentes.


Figura 2
Processo Causal.
Adaptado de Sarasvathy (2001c, p.3).


Figura 3
Processo Effectual.
Adaptado de Sarasvathy (2001c, p.3).

O processo effectual, como demonstra Sarasvathy (2008), parte de três categorias básicas de meios (do empreendedor e dos stakeholders): identidade, conhecimento e redes sociais. Os empreendedores começam por quem eles são, pelo que eles conhecem e quem eles conhecem de forma a imaginar coisas que eles possam vir a realizar. Isto reflete uma ênfase em eventos futuros que eles podem controlar ao invés de prever (SARASVATHY, 2008). Em seguida, segundo a autora, os empreendedores começam a divulgar seu projeto para outras pessoas de modo a obter inputs sobre como proceder com algumas das coisas que eles poderiam (possivelmente) fazer. As pessoas com quem eles conversam poderiam ser potenciais stakeholders, amigos e familiares ou pessoas aleatórias que eles conhecem ao longo do tempo. À medida que os empreendedores encontram pessoas que queiram participar nos esforços de construir algo (“algo” pode ser vago ou concreto, mas está sempre aberto a mudanças), eles prosseguem no sentido de obter comprometimentos reais destes stakeholders potenciais (SARASVATHY, 2008).

Qualquer parte do compromisso do stakeholder se transforma, então, em um “retalho” de uma “colcha” cada vez maior, cujo padrão passa a fazer sentido apenas por meio de contínuas negociações e renegociações de sua proposta para que novos stakeholders embarquem no empreendimento (SARASVATHY, 2008). Em outras palavras, stakeholders comprometem recursos em troca de uma oportunidade de remodelar os objetivos do projeto, de influenciar qual futuro em última instância será criado. Este processo de negociação e persuasão define dois ciclos na formação paralela de uma nova empresa e um novo mercado: (a) um ciclo expansivo que aumenta os meios disponíveis e (b) um conjunto convergente de restrições sobre os objetivos da crescente rede de stakeholders (SARASVATHY, 2008).

Em algum ponto no processo effectual, contudo, o ciclo convergente encerra o processo de aquisição de stakeholders, e o espaço para negociações e readaptações do formato daquilo que será criado e a dependência mútua terminam. À medida que as estruturas da empresa e do mercado começam a se tornar visíveis, pode ser importante reavaliar o equilíbrio entre predição e controle, como abordagem estratégica (SARASVATHY, 2008).

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente estudo trata-se de uma pesquisa descritiva, pois descreve determinado fenômeno visando entender sua relevância. Busca, ainda, familiarizar-se com o fenômeno, aumentar a gama de conhecimento sobre o objeto proposto e possibilitar o surgimento de novas ideias a serem aprofundadas em trabalhos futuros (VERGARA, 2004). Segundo Martins, Mello e Turrioni (2014) a finalidade primária de uma pesquisa descritiva não é a criação de teorias, embora por meio dos fatos descritos ela possa fornecer sugestões úteis para a construção e refinamento da teoria. A pesquisa também é um estudo de casos múltiplos ou estudo multicasos. De acordo com Yin (2005), este tipo de estudo tem ganhado, ao longo dos anos, muitos adeptos, por possibilitar o estabelecimento de comparações e a obtenção de resultados mais robustos. Este trabalho tem as mulheres empreendedoras de um município do Nordeste Brasileiro e suas empresas como elemento estudado, onde se buscou respostas para a problemática levantada.

Tendo em vista o tema e o objetivo definidos para o estudo, este trabalho adotou uma abordagem de análise qualitativa, por criar a possibilidade em enfatizar o registro de conteúdos significativos do discurso dos sujeitos que fizeram parte desta investigação. Os sujeitos são privilegiados desde que apresentem os atributos de que o pesquisador necessita para sua investigação em número suficiente para permitir certa reincidência das informações, porém não despreza informações ímpares cujo potencial explicativo deve ser considerado (MINAYO, 2004). Na sua homogeneidade fundamental relativa aos atributos, o conjunto de informantes deve ser diversificado para que a informação contenha o conjunto das experiências e expressões que se pretende observar com a pesquisa (GONÇALVES, 2005). Este estudo recorreu a uma seleção intencional de sujeitos em função da relevância que estes apresentavam em relação ao tema abordado. Isso significa que os sujeitos foram escolhidos em função de sua representatividade social e teórica dentro da situação considerada. Os sujeitos participantes desta pesquisa foram cinco mulheres empreendedoras, que atuam em um município do Nordeste Brasileiro, proprietárias de cinco empresas distintas. Os nomes dessas empreendedoras (Ana, Bia, Carla, Dani e Eva) utilizados no estudo são fictícios para preservar suas identidades. A escolha destas mulheres se deu por ser o grupo social mais relevante teoricamente para a pesquisa, uma vez que, criaram suas empresas, permanecem na gestão e possuem o reconhecimento local pelo trabalho que desenvolvem. Concluída a seleção dos sujeitos, a pesquisa direcionou-se para a coleta de dados e para o uso de técnicas de pesquisa voltadas à obtenção do material sobre o assunto da investigação (GONÇALVES, 2005). Para as finalidades desta pesquisa, de acordo com a definição de Denzin (1970), utilizou-se a história de vida tópica que enfatiza uma etapa ou setor da vida pessoal do sujeito ou de uma organização. Este tipo de história de vida, segundo o autor, combina relatos e roteiro de entrevista semi-estruturado, e, é realizada como uma entrevista prolongada, na qual o pesquisador constantemente interage com o informante. Este método parece ser ainda mais válido quando um ou poucos casos são trabalhados e existe uma grande relevância em se entender o contexto no qual a organização foi construída (MINAYO, 2004). O roteiro semi-estruturado de entrevistas foi concebido a partir de uma adaptação do roteiro de entrevista utilizado por Tasic (2007).

Quanto ao processo de tratamento e análise dos dados, foi escolhida a técnica de análise de conteúdo que, segundo Bardin (1977), consiste em um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. Na fase de análise, seguiu-se o caminho sugerido por Minayo (2004): ordenação dos dados (transcrição das entrevistas); classificação dos dados (categorização usando a técnica da análise temática, frequentemente utilizada em análises de conteúdo); e análise final. Este estudo trabalhou com categorias teóricas a priori (FLICK, 2004, MINAYO, 2004). As categorias de análise deste estudo foram obtidas com base na abordagem effectuation: “Clareza de Objetivos Iniciais”, “Tolerância às Perdas e Investimentos Iniciais”, “Controle de Recursos (“quem eu sou”, “o que eu sei” e “quem eu conheço”)” e “Alavancagem Sobre Contingências”. Essas categorias foram usadas para a codificação. No primeiro momento da análise dos dados, os pesquisadores “se entregaram” às narrativas dos sujeitos, resultando, dessa escuta atenta e sistemática, a identificação das categorias em suas falas. Finalmente, empreendeu-se um diálogo interpretativo e argumentativo entre os blocos de categorias.

6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

No Quadro 1 são apresentados os perfis das mulheres empreendedoras que atuam em um município do Nordeste Brasieliro.

Quadro 1
Caracterização dos Sujeitos de Pesquisa.

Dados da pesquisa (2011).

Como observado no Quadro 1, a atividade exercida anteriormente pelas empreendedoras foi relevante para a criação dos seus negócios. Em todos os casos, elas já dispunham de certa experiência no ramo de atividade no qual abririam suas empresas.

Similar ao estudo de Machado et al. (2003), observou-se que, apesar de todas as entrevistadas terem sido empregadas em outras empresas anteriormente, a falta de perspectiva na carreira não foi o principal motivo apontado por elas para a abertura das empresas. Todavia, considerando-se que a realização pessoal foi o principal motivo, pode-se supor que muitas das que mencionaram esse motivo não se realizaram no emprego anterior e deixaram a empresa na qual trabalhavam para encontrar realização na própria empresa. É possível, ainda, supor que o nível de autonomia e perspectiva na ocupação anterior não tenha permitido atingir uma realização pessoal, contribuindo para a decisão de iniciar a própria empresa (MACHADO et al., 2003).

Os dados relativos ao perfil das empresárias coincidem com os de outros estudos, principalmente nos seguintes aspectos: nível de escolaridade, pois as empreendedoras possuem elevado nível; e estado civil, pois na maioria dos casos as mulheres empreendedoras são casadas e têm filhos (MACHADO et al., 2003).

No Quadro 2 é traçado o perfil das empresas criadas por essas empreendedoras.

Quadro 2
Caracterização das Empresas em Estudo.

Dados da pesquisa (2011).

Com relação às atividades desenvolvidas pelas empresas, a maioria está diretamente ligada à moda feminina, com destaque para a venda de confecções. Este resultado coincide com os dados apresentados no GEM (2010). Sobre a idade das empresas, estas possuem de 6 a 11 anos de existência.

As principais razões apontadas pelas mulheres empreendedoras para a criação de suas empresas foram “Realização Pessoal” e “Independência Financeira”, essas razões foram citadas por todas as mulheres empreendedoras. A razão para empreender “Mudança para a Cidade onde foram criadas” fica em segundo lugar, pois foi citada por três empreendedoras (Ana, Carla e Eva). A razão “Percepção de Oportunidade de Mercado” foi citada por duas empreendedoras (Ana e Carla), e a razão para empreender “Crise Pessoal (divórcio)” foi citada apenas por uma empreendedora (Carla). Analisando as razões para empreender mencionadas anteriormente, o que se pode deduzir é que as razões para a criação de empresas nem sempre são positivas, mas parece que resultam de dificuldades ou incapacidade de conciliar trabalho e família (LEMOS; MELLO; GUIMARÃES, 2013, MARTINS et al., 2010). Desta forma, esses resultados assemelham-se com vários estudos que demonstram que mulheres abrem empresas por diferentes motivos (FERRAZ, CAVEDON, 2004, GIMENEZ et al., 1998). Quando se trata da criação de empresas por mulheres, não só razões econômicas têm sido apontadas, mas também as sociais e psicológicas (MACHADO et al., 2003).

Com relação às evidências de effectuation, a análise foi iniciada a partir da categoria “Clareza de Objetivos Iniciais”. Como aponta a abordagem effectuation, observa-se uma ambiguidade inicial de objetivos no momento da criação da empresa. Os comentários, apresentados no Quadro 3, das mulheres empreendedoras que atuam no referido município do Nordeste Brasileiro a respeito da clareza de objetivos iniciais mostram essa ambiguidade.

Quadro 3
Clareza de Objetivos Iniciais.

Dados da pesquisa (2011).

A abordagem effectuation sugere que existam apenas objetivos vagos no início e conexões específicas dos fundadores com os meios/recursos, em relação ao tipo de empresa formada a partir de “quem eu sou”, “o que eu sei” e “quem eu conheço” (SARASVATHY, 2001a, 2001b, 2008). Em geral, todas as mulheres empreendedoras, em estudo, tinham o objetivo geral de ter uma empresa, mas a noção de como esta empresa geraria receitas e em quais mercados elas iriam atuar, ainda era algo vago. Esta abordagem ainda sugere que os empreendedores fazem muito poucas pesquisas de mercado e/ou predições a respeito do valor potencial das escolhas alternativas disponíveis e do modelo de negócio (SARASVATHY, 2008). Desta forma, o resultado encontrado assemelha-se com o que sugere a abordagem effectuation, pois das cinco empreendedoras entrevistadas, apenas uma delas fez um plano de negócios (Eva) antes de iniciar sua empresa. As empreendedoras estavam focadas no desenvolvimento de um produto ou serviço diferenciado e não no modelo de negócio e na empresa.

A categoria de análise “Tolerância às Perdas e Investimentos Iniciais”, é representada no Quadro 4.

Quadro 4
Tolerância às Perdas e Investimentos Iniciais.

Dados da pesquisa (2011).

Como afirma Sarasvathy (2008), na lógica effectual os objetivos são atraentes mais pelo fato de eles serem “factíveis” do que em função de maximizarem os lucros. Ainda, segundo a autora, o empreendedor determina previamente um nível de perda aceitável e experimenta tantas estratégias quanto possíveis, dadas a limitada dotação de recursos disponível. Assim, o tomador de decisões prefere opções (estratégias) que criem mais opções no futuro do que aquelas que maximizam o retorno esperado no presente. Desde o início das empresas, é notável o comprometimento das mulheres empreendedoras com a ideia de ter seu próprio negócio. As empreendedoras não demonstraram preocupação ou aversão ao risco de perder o tempo e o dinheiro que estavam investindo na empresa em formação. A disposição em começar com muito pouco fica clara na descrição das entrevistadas. Neste sentido, algumas mulheres empreendedoras afirmam que caso o negócio não tivesse obtido sucesso, ainda assim teriam acumulado um bom conjunto de experiências que as levaria a outras empreitadas no futuro. A noção de tolerância à perda também fica clara quando as empreendedoras admitem que seus custos de oportunidade em montar um negócio naquele momento eram altos, mas a vontade de empreender era maior.

Verificam-se nos casos em estudo, que as mulheres empreendedoras, desde o início, optaram por construir uma empresa a partir dos recursos e meios que possuíam ou que rapidamente poderiam acumular, sem que houvesse (ou fosse possível à época) entender com clareza quais seriam os retornos obtidos. Neste sentido, a categoria “Controle de Recursos” parece estar presente, à medida que se analisam os recursos básicos disponíveis no início da empresa: “Quem Elas São”, “O Que Elas Conhecem” e “Quem Elas Conhecem”.

A decisão de empreender parece ser um dos principais recursos que define quem são as mulheres empreendedoras estudadas, sendo que a maioria (Ana, Bia e Dani), desde a juventude, já demonstrava algum interesse em ser dona de um negócio, ser empresária. Desta forma, o que foi mencionado pelas mulheres empreendedoras corrobora com a abordagem effectuation, pois a vontade de ter uma empresa e se tornar uma empreendedora ocorre antes da definição clara de uma ideia de negócio ou oportunidade a ser explorada (SARASVATHY, 2008). Outro fator marcante em suas empresas e citado pelas entrevistadas foi o fato de seus produtos e serviços terem uma identidade própria, como apresentado no Quadro 5.

Quadro 5
Quem Elas São: Produtos e Serviços têm uma Identidade Própria.

Dados da pesquisa (2011).

Desta forma, o fato das mulheres empreendedoras, em estudo, terem produtos e serviços com uma identidade própria reforça o que sugere a abordagem effectuation, pois a identidade do empreendedor, presente em seus produtos e serviços, é uma das categorias de meios que ele dispõe para iniciar seu negócio. Além disso, os dados mostram que a identidade pessoal é projetada no pequeno negócio, configurando a identidade das empresas.

Um aspecto que parece caracterizar bem o que as mulheres empreendedoras, em estudo, conhecem (Quadro 6) é a experiência que elas têm no ramo em que atuam e um conjunto de habilidades técnicas e emocionais complementares que parece gerar um bom equilíbrio e que acaba por definir o estilo de gestão da empresa, logo em seu início.

Quadro 6
O Que Elas Conhecem: Experiência no Ramo.

Dados da pesquisa (2011).

Segundo Sarasvathy (2008), as ideias surgem largamente por meio de experiências pessoais, ao invés de esforços deliberados de busca. Assim, corroborando com a abordagem effectual, apesar de não haver objetivos claros quanto à nova empresa que estavam criando, as mulheres empreendedoras, em estudo, traziam um conjunto de experiências que as permitiam visualizarem componentes básicos que deveriam estar presentes no novo negócio.

Porém, não só o conhecimento trazido pelas empreendedoras foi imprescindível para a criação do negócio, mas também a noção de comprometimento, entre parceiros, com o projeto foi essencial. Com isso, a utilização de redes de relacionamentos pessoais (Quadro 7) não apenas permite que as mulheres empreendedoras se alavanquem a partir de recursos muito básicos (oriundos destas redes sociais), mas também restrinjam e cristalizem seus objetivos ao longo do tempo.

Quadro 7
Quem Elas Conhecem: Redes Sociais/ Parceiros de Negócio.

Dados da pesquisa (2011).

A ideia de alavancagem por meio das redes sociais está presente na lógica effectual, defendendo que empreendedores, no início de seus projetos, tenderão a valer-se mais de estratégias cooperativas do que de estratégias competitivas que são mais ligadas a uma lógica causal (SARASVATHY, 2008). Similar ao que sugere a abordagem effectuation, todas as mulheres empreendedoras, em estudo, valeram-se mais das estratégias cooperativas no início de suas empresas.

Em seguida, similar ao que diz a abordagem effectuation serão apresentados exemplos que demonstram como as mulheres empreendedoras, em estudo, souberam transformar dificuldades ou surpresas que surgiram ao longo do caminho em oportunidades de negócio e consolidação dos objetivos estratégicos para suas empresas, ou seja, se “alavancar sobre as contingências” (quarta categoria de análise). A abordagem effectuation sugere que os empreendedores se alavancam com surpresas, transformando-as em novas oportunidades, ao invés de absorvê-las e evitá-las porque elas poderiam tirá-los dos esforços de construção do novo negócio (SARASVATHY, 2008).

Os objetivos iniciais (Quadro 8) que essas mulheres empreendedoras tinham para suas empresas não eram claros e precisos. Todavia, o fato de possuírem objetivos genéricos dotou a empresa de flexibilidade.

Quadro 8
Surpresas e Dificuldades Iniciais.

Dados da pesquisa (2011).

Para a abordagem effectuation (SARAVATHY, 2008), as empreendedoras souberam aproveitar corretamente as oportunidades e conseguiram transformar a surpresa em bons resultados.

Sucintamente, os dados dos cinco casos analisados mostraram que a abordagem effectuation fornece elementos para a análise e compreensão da criação das empresas que fizeram parte deste estudo, principalmente nos aspectos relativos à identidade das empreendedoras e de seus negócios, a suas redes sociais, as quais elas recorreram para solidificar seus empreendimentos e aos conhecimentos no ramo em que estavam abrindo seus negócios, oriundos de experiências profissionais anteriores.

O processo de criação de empresas por mulheres à luz da abordagem Effectuation, analisado neste estudo, pode ser esquematicamente ilustrado como mostra a Figura 4.


Figura 4
Compreensão da Criação de Empresas à Luz da Lógica Effectual
Os autores (2011).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo analisou a criação de empresas por mulheres empreendedoras de um município do Nordeste Brasileiro, buscando verificar se elas utilizaram processos decisórios alinhados à lógica effectuation ao longo da criação de suas empresas.

O processo de criação de empresas por mulheres, analisado neste estudo, pode ser resumidamente detalhado assim: as mulheres criaram suas empresas principalmente para obter realização pessoal e independência financeira, seguidos da intenção de se mudar para a cidade onde haviam sido criadas; o que determinou a escolha do ramo e do setor de atividades foram as oportunidades de mercado, aliada à experiência anterior, o que se comprova pelo fato de todas as empreendedoras terem aberto negócios em ramos de atividades similares ao ramo de atuação anterior.

Quanto aos processos decisórios alinhados à lógica effectuation, tem-se que as mulheres empreendedoras pesquisadas, de maneira geral, não possuíam objetivos claros no momento da criação das empresas; não demonstraram aversão ao risco de perder o tempo e o dinheiro que estavam investindo na empresa em formação; desde o início, buscaram oferecer produtos e serviços com uma identidade própria (“quem elas são”) com forte ligação com a região do Nordeste onde estavam situadas; tinham experiência no ramo de atividade em que decidiram abrir suas empresas (“o que elas sabem”); contaram com o comprometimento de parceiros no início do negócio (“quem elas conhecem”); e, souberam transformar as dificuldades iniciais em oportunidades de negócios. Ao longo da história das empresas criadas por essas mulheres, o espírito empreendedor parece ter sido um importante recurso, especialmente nos momentos em que foram necessárias decisões para que se alavancasse sobre as contingências e surpresas que surgiram ao longo de sua trajetória. Pouco planejamento, muita flexibilidade e alavancagem sobre as contingências parece resumir a forma de trabalhar dessas empreendedoras na construção de suas empresas.

Portanto, conclui-se que as mulheres empreendedoras estudadas utilizaram, em grande parte, processos decisórios alinhados à lógica effectuation ao longo da criação de suas empresas.

Este trabalho apresentou uma visão geral sobre os aspectos do processo decisório que une os temas de Empreendedorismo, Empreendedorismo realizado por Mulheres e Abordagem Effectuation. Estes temas são amplos e complexos, e, por isso é inevitável a existência de limitações em trabalhos que tenham a ambição de investigá-los.

Por se tratar de um estudo de análise qualitativa, as limitações relacionam-se ao fato de que os resultados das análises dos casos não podem ser generalizados. Outro limite, como afirma Machado (2009), são evidenciados em termos de ocultação e de revelação por parte dos sujeitos estudados, pois, apesar das técnicas utilizadas na entrevista buscasse amenizar esse viés, a ocultação sempre está presente nos estudos baseados em narrativas. A falta de triangulação dos dados também foi outra limitação deste estudo.

Como sugestão para estudos futuros, seria interessante realizar pesquisa similar em outras regiões, buscando analisar como a criação de empresas ocorre em diferentes contextos.

Material suplementar
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Notas

Figura 1
Modelos de decisão causal e effectual.
Adaptado de Sarasvathy (2008, p.39).

Figura 2
Processo Causal.
Adaptado de Sarasvathy (2001c, p.3).

Figura 3
Processo Effectual.
Adaptado de Sarasvathy (2001c, p.3).
Quadro 1
Caracterização dos Sujeitos de Pesquisa.

Dados da pesquisa (2011).
Quadro 2
Caracterização das Empresas em Estudo.

Dados da pesquisa (2011).
Quadro 3
Clareza de Objetivos Iniciais.

Dados da pesquisa (2011).
Quadro 4
Tolerância às Perdas e Investimentos Iniciais.

Dados da pesquisa (2011).
Quadro 5
Quem Elas São: Produtos e Serviços têm uma Identidade Própria.

Dados da pesquisa (2011).
Quadro 6
O Que Elas Conhecem: Experiência no Ramo.

Dados da pesquisa (2011).
Quadro 7
Quem Elas Conhecem: Redes Sociais/ Parceiros de Negócio.

Dados da pesquisa (2011).
Quadro 8
Surpresas e Dificuldades Iniciais.

Dados da pesquisa (2011).

Figura 4
Compreensão da Criação de Empresas à Luz da Lógica Effectual
Os autores (2011).
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