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Fatores determinantes na atribuição de mandatos globais de P&D: o caso da General Motors do Brasil
Determinants of global R&D mandate: the case of General Motors of Brazil
Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, vol. 10, núm. 1, pp. 129-146, 2017
Universidade Federal de Santa Maria

Artigos



Recepção: 01 Novembro 2013

Aprovação: 23 Setembro 2015

DOI: https://doi.org/10.5902/19834659

Resumo: As empresas multinacionais têm acelerado a internacionalização das suas atividades e, ao mesmo tempo, promovido uma reorganização internacional das suas estratégias de P&D com a consolidação de redes globais de inovação. No caso da General Motors Corporation, tal reorganização resultou na definição de um novo conceito de arquiteturas globais de veículos, em projetos customizados em relação ao mercado de destino e na nomeação de cinco centros mundiais de engenharia responsáveis pelo desenvolvimento e pela gestão dessas novas arquiteturas. A subsidiária brasileira da General Motors foi um dos centros escolhidos, recebendo a atribuição por dois mandatos globais: a liderança na definição de todos os projetos globais na área de picapes médias e na colaboração de projetos destinados a mercados emergentes. A partir de um estudo de caso na subsidiária brasileira da General Motors, entre 2011 e 2012, este artigo analisa os fatores que motivaram a escolha para a instalação desse centro global no país, suas novas atribuições e os resultados para a unidade local. Concluiu-se que a General Motors do Brasil, ao se integrar à rede de engenharia global, inaugurou oportunidades únicas de adensamento das rotinas locais de desenvolvimento de produtos sem, entretanto, adensar suas capacidades em pesquisa.

Palavras-chave: indústria automobilística, engenharia brasileira, desenvolvimento de produtos globais, centro de excelência, General Motors.

Abstract: Multinationals firms have accelerated the internalization of their activities and reorganized R&D strategies management through global innovation network by allocation of global project responsibilities to their subsidiaries. This tendency has motivated this article which analyzes the restructuration process of the General Motors Corporation’s (GMC) product development strategies. In the case of General Motors Corporation, such reorganization resulted in the definition of a new concept of global architectures of vehicles, customized designs in relation to the market destination and the definition of five global centers responsible to the development and the management of these new architectures. The Brazilian subsidiary of General Motors (GMB) is one of these centers and became responsible for two mandates: to lead all global projects of medium pickups including the design activities, project and engineering; and collaborate in global project planned to emergent markets. Based on a case study in the Brazilian General Motors subsidiary during 2011 and 2012, this paper investigates the factors that motivate the choice of Brazil to be the global center, its attributions and results to the local firm. It remarks that GMB once integrated to the global engineering net catch opportunities to improve its local routines of product development. Nevertheless, it did not improve their research capabilities.

Keywords: automotive industry, Brazilian engineering, global product development, excellence center, General Motors.

1 Introdução

A formação de redes globais de inovação por meio da distribuição de responsabilidades compartilhadas em centros de excelência situados ao redor do globo é uma tendência que há anos vem sendo abordada pela literatura especializada como uma estratégia cada vez mais consolidada (MONTEIRO et al., 2013; DUNNING, 1994; MILLER, 1994; PATEL & PAVITT, 1994; PATEL, 1995; CANTWELL, 1995; ZANDER, 1997; BARTLETT & GHOSHAL, 1998; MUDAMBI; MUDAMBI; NAVARRA, 2007). Os centros de excelência possuem um rol de capacidades que tem sido explicitamente reconhecido pelas matrizes como uma importante fonte de criação de valor que pode ser disseminado para outras partes da empresa (FROST, BIRKINSHAW e ESIGN, 2002). O conceito de centro de excelência está também fortemente relacionado ao “mandato de subsidiárias globais” – ou seja, quando as subsidiárias assumem um papel relevante, ganham um mandato global que implica a responsabilidade pelo projeto e desenvolvimento de determinado produto para toda a corporação. (Birkinshaw, 2002).

Diante disso, este artigo, ao se inscrever na linha de pesquisas sobre internacionalização das atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de corporações multinacionais, busca estimular a reflexão sobre as oportunidades de atração e de adensamento dessas atividades em economias emergentes (GERYBADZE & REGER, 1997; REDDY, 1997; Hobday, 2005; Rajiv & Kozhikode, 2009; FU; PIETROBELLI; SOETE, 2011). Embora a Tríade – grupo de países que inclui os Estados Unidos, a Europa e o Japão – ainda seja responsável por grande parte dos investimentos diretos estrangeiros em P&D, algumas economias emergentes têm ganhado mais atenção. O caso dos BRICS – grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África – tem sido representativo dos esforços recentes de internacionalização e investimentos em atividades tecnológicas (UNCTAD, 2005; GASSMANN & HAN, 2004), agindo motivado pela busca de novas fontes de criação de valor, de eficiência tecnológica em certas áreas do conhecimento e de custos competitivos.

No contexto desse debate, prevalece uma questão pouco consensual acerca de quais seriam os fatores determinantes na escolha de uma subsidiária para que receba o mandato de um centro mundial de P&D. Com o propósito de compreender de forma mais aprofundada essa questão, este artigo analisa o caso da subsidiária da General Motors do Brasil (GMB), que, no ano de 2006, foi incorporada na rede de P&D da corporação como sendo um dos cinco centros globais de engenharia. A partir dessa determinação global, a GMB assumiu a responsabilidade pelo mandato de design, engenharia e manufatura de arquiteturas de picapes de porte médio para o mundo todo, além de autonomia para se envolver em outros projetos globais não necessariamente relativos às picapes médias.

O objetivo deste artigo consiste, assim, em analisar o papel que coube à subsidiária brasileira da GM, com base em duas indagações: (1) quais são os fatores que motivaram a escolha da GMB para sediar um dos cinco centros mundiais de desenvolvimento de produtos?; e (2) quais são as novas atribuições e responsabilidades delegadas para a GMB?

Acredita-se que o caso da indústria automobilística brasileira seja adequado para ilustrar esse movimento e estimular a reflexão sobre o tema, pois o Brasil conta com um parque automotivo bastante consolidado e acumula longa tradição na produção local de veículos. Ademais, um volume significativo de pesquisas tem mostrado que as principais montadoras instaladas no Brasil têm seguido estratégias mais descentralizadas de desenvolvimento de produtos (DP) associadas a políticas orientadas aos mercados locais, regionais e até mesmo globais, com um padrão relativo de autonomia, tornando-se parceiras das suas matrizes no DP (Lema; Quadros; Schmitz, 2012; Dias & Salerno, 2009; AMATUCCI & BERNARDES, 2009; CONSONI & QUADROS, 2009; BALSET & CONSONI, 2007). Como resultado, a maior parte das montadoras brasileiras tem investido na expansão da sua infraestrutura tecnológica e contratado um número crescente de profissionais qualificados, especialmente no campo das engenharias.

Este artigo se encontra dividido em seis seções, incluindo esta introdução. A seção 2 trata da discussão teórica sobre a globalização da P&D e a formação de centros de excelência. Esse debate indica que a consolidação de centros de excelência mantém relação com um conjunto de fatores, internos e externos às subsidiárias das Empresas Multinacionais (EMNS), com ênfase no processo de acúmulo de competências em determinadas áreas do conhecimento. A seção seguinte apresenta as diretrizes que orientaram a metodologia desta pesquisa. Já a seção 4 traz respostas à primeira questão de pesquisa, mostrando que fatores internos à GMB, tais como a trajetória de inovação delineada a partir de estágios de acumulação de conhecimento via processos dinâmicos de aprendizagem, influenciaram decisivamente na escolha da GMB como centro de engenharia global na corporação. A quinta seção, por sua vez, responde a segunda questão da pesquisa ao discutir os impactos que a reorganização que a corporação da GM promoveu na gestão da sua engenharia global deixou para a subsidiária brasileira. Por fim, seguem as considerações finais do estudo.

2 Globalização da P&D e nomeação de centros de excelência

Há uma extensa literatura sobre o processo de internacionalização dos centros de DP, serviços e inovação – considerando a montagem de redes globais de P&D e de centros de excelência – que alguns autores preferem chamar de “triadização”, visto que o movimento de descentralização se limitaria à Tríade, ou seja, ao Japão, à Europa Ocidental e aos Estados Unidos (Patel & Pavitt, 1998; Kumar, 2001; Archibugi & Pietrobelli, 2003; Narula & Zanfei, 2004). Estudos mais recentes têm revelado que os desdobramentos dessas tendências vêm se tornando mais visíveis nas economias emergentes com o aumento do investimento em tecnologia e a instalação de novos centros de P&D (GASSMANN & HAN, 2004; FU; PIETROBELLI; SOETE; 2011).

Se, por um lado, existem evidências incontestáveis sobre a triadização do investimento direto em P&D, fenômeno em que as EMNs privilegiam suas atividades de P&D nos países de origem, de outro, presenciam-se, cada vez mais, esforços de descentralização por meio de estratégias empresariais de investimentos em atividades tecnológicas fora das economias centrais (Sharma & Blomstermo, 2003; Eiu, 2004; UNCTAD, 2005). É notável a tendência relacionada às estratégias de descentralização das atividades de P&D nas EMNs e de ações corporativas mais agressivas na internacionalização das atividades tecnológicas que buscam combinar a redução dos custos operacionais e o aumento do valor adicionado nas transações econômicas em cadeias globais via exploração de vantagens locacionais, particularmente com a instalação de centros de excelência em economias emergentes (Ariffin & Figueredo, 2006; REILLY & SHARTKEY, 2014).

Frost, Birkinshaw e Ensign (2002) usam o termo “centros de excelência” para definir um mecanismo que as EMNs estão usando para identificar e alavancar a expertise encontrada em suas subsidiárias estrangeiras, principalmente no que tange ao processo de desenvolvimento de produto. Esse termo diz respeito a uma unidade organizacional que incorpora um conjunto de capacidades que tem sido reconhecido pelas firmas como uma importante fonte de criação de valor, com a intenção de que essas capacidades influenciem ou sejam disseminadas para outras divisões da firma. Para os autores, as EMNs estão mantendo centros de excelência com base nas especializações funcionais da subsidiária, coordenados por uma estratégia corporativa central. Algumas dimensões do conceito de centros de excelência são resumidas nos seguintes aspectos:

· tendem a ter uma presença física, isto é, são uma subunidade da matriz;

· representam um rol de capacidades superiores em relação às demais subunidades da corporação;

· são explicitamente reconhecidos e declarados como tal pela corporação;

· implicam que a matriz irá derivar valor daquelas subsidiárias reconhecidas como centros de excelência por meio do DP, de serviços e da difusão de ativos intangíveis como conhecimento e aprendizagem para toda a sua rede corporativa.

Tais centros devem desenvolver habilidades para gerir as capacidades dispersas entre as subsidiárias. Com o propósito de entender o gerenciamento do conhecimento na rede organizacional formada pela matriz e pelas filiais localizadas em diferentes países, Moore & Birkinshaw (1998) pesquisaram 16 empresas multinacionais de serviços da Europa e dos Estados Unidos. Chegaram a um modelo de quatro tipos de gerenciamento do conhecimento, mostrando que a formação de um centro de excelência reconhecido pela matriz e pelas demais unidades evolui de uma atuação passiva na geração de conhecimentos, os quais fluem exclusivamente do centro para as subsidiárias (center-driven); depois, algum conhecimento é desenvolvido a partir das adaptações ao país hospedeiro (country-focused). A partir desse ponto, o conhecimento desenvolvido localmente passa a fluir livremente entre as subsidiárias por meio de uma rede informal de relacionamentos dentro da firma (informal network); até que, a partir do reconhecimento formal da excelência de uma unidade e dos ganhos de competitividade que ela pode trazer para o grupo, tais unidades são “promovidas” a centros de excelência.

A discussão acadêmica, ligada ao conceito tanto de centros de excelência quanto de mandatos globais em EMNs, tem enfatizado o gradualismo do processo de formação de competências: a partir de adaptações dos produtos ou serviços para a realidade local, competências são desenvolvidas e eventualmente devolvidas à rede corporativa. Dessa forma, o desenvolvimento e o reconhecimento das capacidades da subsidiária podem ser entendidos como um processo cumulativo e path dependent que é moldado por fatores externos e internos (ROTH & MORRISON, 1992).

Os fatores externos dizem respeito às interações da subsidiária com fontes de conhecimento e ao dinamismo da indústria local. No que concerne à interação com as fontes de conhecimento, o desenvolvimento de competências é facilitado pela participação ativa da subsidiária na estruturação de relacionamentos com consumidores locais, fornecedores e concorrentes. Quanto ao dinamismo da indústria local, Frost, Birkinshaw & Ensign (2002), embora confirmem que a visão clássica da EMN seja a de que a matriz responde a estímulos locais mediante a geração de inovações e capacidades e, então, encontra aplicações e sucesso em mercados internacionais, desenvolvem seu argumento baseado em outro pressuposto. Para eles, o país hospedeiro influencia o processo de desenvolvimento da subsidiária, ou seja, os investimentos no exterior podem ser motivados em parte pelas habilidades e capacidades residentes no país de destino.

Os fatores internos, por sua vez, referem-se aos relacionamentos que a subsidiária estabelece não somente com a matriz, mas também com as demais unidades da corporação. Se a subsidiária vende algum produto ou serviço a outra unidade, o relacionamento com esse cliente pode ser uma importante fonte de ideias sobre como melhorar os produtos ou serviços oferecidos. Nesse sentido, essas interações intrafirma funcionam da mesma forma que as relações de mercado, isto é, por meio do estímulo de novas ideias e do desenvolvimento de novas capacidades. Outros fatores internos que também são colocados como determinantes para a formação de centros de excelência são: o investimento feito pela matriz na subsidiária e seu grau de autonomia. A alocação dos investimentos na subsidiária é o processo mais clássico de desenvolvimento de suas capacidades, embora se saiba que a decisão da matriz em investir em determinada subsidiária parte da constatação de que preexistam certas capacidades naquela firma. E a questão da autonomia refere-se à habilidade da subsidiária em identificar e explorar oportunidades sem a permissão explícita da matriz (AMBOS et al., 2010).

3 Procedimentos metodológicos

Quanto à forma de abordagem do problema em estudo, este trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa e exploratória. Segundo Flick (2004), a pesquisa qualitativa apresenta as seguintes características: observa os fatos sob a ótica de alguém interno à organização; busca uma profunda compreensão do contexto da situação; e enfatiza o processo dos acontecimentos, isto é, a sequência dos fatos ao longo do tempo. De acordo com Yin (2001), a essência de um estudo de caso é que ele tenta iluminar uma decisão ou um conjunto de decisões, entendendo por que elas foram tomadas, como foram implementadas e qual resultado geraram. Quanto aos meios, utilizou-se o método de estudo de caso com entrevistas presenciais em profundidade, assim como uma pesquisa bibliográfica em periódicos, relatórios de pesquisa e instituições de classe (VOSS; TSIKRITSIS; FROHLICH, 2002).

O estudo de caso é justificado pelo fato da GMB ser o primeiro centro de desenvolvimento global da indústria automobilística instalado no Brasil e pela importância desta subsidiária na redefinição da estratégia global de DP da corporação. Para atenuar as possibilidades de distorção na captação das informações, como recomendado por Eisenhardt (1989), foram aplicadas entrevistas com executivos de diferentes níveis hierárquicos da GMB. Foram realizadas oito entrevistas presenciais com executivos e engenheiros da GMB entre 2011 e 2012, conforme Quadro 1, as quais foram complementadas por meio de e-mail e contato telefônico.

Quadro 1
Relação dos cargos dos entrevistados na GMB

Fonte: Entrevistas na GMB (2011 e 2012)

Para a construção do plano de análise, foi elaborado um protocolo de pesquisa com base nas proposições teóricas de Frost, Birkinshaw & Ensign (2002), com o intuito de investigar os fatores determinantes (externos e internos à subsidiária) de formação de centros de excelência. Como orientação para as entrevistas, foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado, considerando os constructos expostos no Quadro 2.

Quadro 2
Fatores determinantes na formação de centros de excelência

Fonte: adaptado de Frost, Birkinshaw e Ensign (2002).

4 Fatores que antecederam o mandato global da GMB: a ênfase nos condicionantes internos

Um elemento crítico na disputa das subsidiárias por novos mandatos globais é o desenvolvimento de processos ativos de aprendizagem e o acúmulo de competências. No caso brasileiro, todas as montadoras de automóveis com unidades produtivas no país são subsidiárias de EMNs. Suas trajetórias têm sido distintas ao longo do tempo, revelando avanços e retrocessos em relação à evolução da formação de suas competências técnicas, tanto que algumas dessas subsidiárias têm evoluído das simples operações de produção e atividades voltadas à nacionalização para a concepção e coordenação de projetos mais sofisticados e complexos em DP (PADILHA et al., 2010), os quais têm sido exportados para outros mercados, inclusive o europeu. O estágio mais avançado tem incluído competências para o projeto e gerenciamento de uma completa arquitetura de veículos.

Vale ressaltar que o conceito de arquitetura ou plataforma de veículos tem sido tratado como sinônimo tanto pela literatura quanto pelas empresas. Pesquisas têm mostrado que, embora tais conceitos recebam definições variadas entre as montadoras de automóveis, não chegam a implicar concepções tão divergentes (Robertson & Ulrich, 1998; Muffatto & Roveda, 2002; Ulrich & Eppinger, 2004). Em um esforço de formalização conceitual, para a Corporação General Motors, a arquitetura corresponde à parte estrutural do veículo, algo que não é visível pelo cliente e que inclui um conjunto relativamente grande de componentes e sistemas, fisicamente conectados, que formam uma base comum, a partir da qual pode ser desenvolvida uma série de produtos diferenciados. De maneira ampla, abrange a parte inferior do veículo (assoalho, fixação do painel de instrumentos e bancos, ar-condicionado e compartimento do motor) mais o sistema de suspensão, conforme Figura 1.


Figura 1
Visão conceitual de arquitetura de veículo
Fonte: GMB (2011).

Como decorrência desse processo de divisão de competências, várias montadoras de automóveis têm se tornado parceiras de suas matrizes e/ou de outras subsidiárias do grupo no que concerne às atividades ligadas ao DP (Lema; Quadros; Schmitz, 2012). Uma das evidências desse movimento é o que ocorre com a GMB ao se tornar responsável pelo desenvolvimento e pela gestão de uma arquitetura de produto (picapes de porte médio). Porém, esse estágio não foi alcançado em curto prazo; ao contrário, a trajetória de aprendizado da GMB pode ser organizada em cinco estágios até ser escolhida como um centro de DP global (BALSET & Consoni, 2007).

O primeiro estágio pode ser chamado de nacionalização, o qual corresponde às capacidades básicas e de rotina necessárias para operar em um país. Isto é, não há capacidade inovativa nesse estágio, daí a necessidade de analisar as mudanças e possíveis evoluções ao longo do tempo.

O segundo estágio, a tropicalização, abarca todas as adaptações que são realizadas nos veículos. Portanto, refere-se a um conceito bastante amplo e que envolve uma diversidade de atividades e complexidade de conhecimentos, não somente em relação ao produto em si, mas também em relação aos componentes e sistemas, como, por exemplo, uso de combustíveis alternativos (caso do álcool), reforço na suspensão por conta das condições locais de rodagem e busca por materiais mais adequados ao mercado ou de custo menor. Um aspecto relevante é que a tropicalização muitas vezes se traduz como uma necessidade, por se referir a uma adaptação que deve ser feita no automóvel.

O terceiro estágio, projeto derivativo parcial, inclui as competências necessárias para projetar um novo veículo no país, com base em uma arquitetura preexistente. Os exemplos típicos referem-se ao desenvolvimento das versões sedan, perua (station wagon) e picapes leves a partir de arquiteturas hatch. Em geral, demanda a atuação da engenharia do produto, sobretudo nas fases finais do ciclo de DP, e menos em conceito ou planejamento. A arquitetura básica do veículo, já praticamente pronta, receberá poucas alterações, mas ocorrerão mudanças significativas na carroceria do veículo, com novo design, o que vai demandar uma série de trabalho adicional para validar o veículo (por exemplo, novos testes). No entanto, a sinergia com a arquitetura original, os componentes, a parte ferramental e mesmo os aspectos relativos à validação do veículo mantém-se elevada.

O quarto estágio, projeto de derivativo completo, é um avanço em relação ao estágio anterior, pois inclui competências necessárias para projetar e desenvolver novos modelos. Embora ainda prevaleça uma sinergia grande com a arquitetura de origem, ela agora sofre modificações, o que significa que conduzir projetos de derivativos completos potencializa alterar aspectos da arquitetura original (dimensões e especificações originais), de forma a atender às demandas de vários mercados, e não somente aquelas dos países emergentes. Tal conceito supera a concepção corrente, de que a diferenciação em relação à arquitetura original ocorre somente nas partes externas e nos acessórios.

O quinto estágio inclui o desenvolvimento por completo de uma arquitetura. De acordo com Balset & Consoni (2007), em meados dos anos 2000, algumas montadoras instaladas no Brasil já haviam acumulado esse tipo de competência, embora não detivessem mandatos globais que as autorizassem a desenvolver esse tipo de atividade. Havia, portanto, um claro limite para o avanço das competências em DP no Brasil; a superação dependeria, além das capacidades já acumuladas, de definições traçadas a partir da corporação dessas empresas.

Essa realidade foi alterada, no caso da GMB, três anos após a conclusão com êxito da minivan Meriva, desenvolvida a partir da plataforma do Corsa e que se traduziu em um dos casos de DP mais complexos até então conduzidos por uma montadora no Brasil, classificado como Derivativo Completo. Tratou-se de um projeto proposto pela unidade brasileira, projetado e coordenado por ela e, depois, incorporado no portfólio de produtos globais da corporação.

A reputação alcançada pela subsidiária brasileira devido à elevada capacitação da engenharia no desenvolvimento de projetos e os fatores associados à expansão de mercado local foram decisivos para que, em 2006, a GMB fosse nomeada como um dos cinco centros globais de engenharia da corporação, denominado ADT (Arquitecture Development Team). Esse status confere à GMB mandato global para liderar o projeto, o desenvolvimento e o gerenciamento da arquitetura de todos os veículos do tipo picapes médias. Em termos práticos, trata-se efetivamente de avançar para o último estágio da tipologia de competências em DP, o de plataformas globais, algo até então inédito no Brasil. O Quadro 3 resume esse esforço, apresentando um detalhamento acerca de todos os estágios de capacidade tecnológica vivenciados pela empresa no Brasil.

Quadro 3
Estágios de capacitação tecnológica da GMB

Fonte: adaptado de Quados & Consoni (2009), Balset & Consoni (2007), Clark e Fujimoto (1991) e Clark e Wheelwright (1993) e das entrevistas conduzidas na GMB.

Conforme as entrevistas realizadas revelaram, o reflexo imediato do novo posicionamento da GMB pode ser verificado nos investimentos em recursos tecnológicos destinados ao Brasil. Desde 2006, ano em que a GMB obteve o mandato de centro de engenharia global, o Centro Tecnológico da GMB recebeu investimentos de cerca de US$ 100 milhões, destinados à aquisição de novos equipamentos e ao aumento da estrutura física, passando de uma área de 19.211m² para uma área de 30.169m². Apenas o Centro de Design, que passou a contar com o Centro de Realidade Virtual (CRV), teve sua área praticamente triplicada, passando de 79 funcionários a 190 profissionais. O Campo de Provas de Cruz Alta, um dos mais completos da corporação, foi modernizado e recebeu novos laboratórios e pistas de testes. Parte desses recursos também se destinou a contratação de mais de 1.200 novos funcionários, a maioria engenheiros, o que fez com que o staff da empresa fosse duplicado em menos de cinco anos, saltando de cerca de 660 para 1.280 engenheiros em 2010 apenas no departamento de DP. Ao todo, o Centro Tecnológico da GMB contabiliza mais de 2.000 pessoas, atuando em tempo integral em atividades relacionadas ao DP. Ademais, foi efetivado um aporte de R$ 5 bilhões para renovação de toda a linha de produtos da GMB, além do compromisso quanto ao lançamento de novos produtos entre o período de 2008 a 2012.

Indicadores de resultados do esforço tecnológico, expressos em dados de patentes, também são significativos. Do total de 107 patentes depositadas pelas montadoras de automóveis no período entre 2000 a 2011 no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), 50 foram de inventores nacionais. A GMB é o principal destaque, responsável pelo depósito de 21 dessas patentes com inventores nacionais, seguida pela Fiat (com 15 patentes), pela Volkswagen (11 patentes) e pela Ford (três patentes). Honda, Toyota, Renault e PSA possuem patentes apenas com registro no exterior.

A argumentação relativa aos fatores internos propostos por Frost, Birkinshaw & Ensign (2002) ajuda a interpretar a trajetória da GMB. Quando a corporação montou sua subsidiária no Brasil, tinha como objetivo apenas explorar o amplo mercado local, por meio de produtos que foram concebidos e projetados no exterior. Entretanto, para tornar essa unidade um centro global de excelência na fabricação de picapes de tamanho médio, a matriz levou em consideração as competências que foram desenvolvidas localmente ao longo dos anos de operação, por meio do aprendizado local adquirido a partir de constantes adaptações e tropicalizações de produtos ao mercado brasileiro. A escala de produção e vendas no mercado interno legitimava esse tipo de investimentos em produtos mais adequados ao mercado local.

Ademais, o relacionamento seguinte que a GMB desenvolveu com outras unidades da corporação, sobretudo com a Opel, unidade da GM na Alemanha, contribuiu para legitimar as capacidades da unidade brasileira em DP colaborativo e integrado na rede de P&D da corporação. Uma prática bastante adotada pela GMB, de estimular funcionários brasileiros a tornarem-se residentes por um período de tempo em outras unidades da corporação, e vice-versa, com a GMB também acolhendo funcionários estrangeiros, configura outro dos aspectos internos que promove a maior integração entre as equipes de P&D das unidades da corporação.

A seguir, é apresentada a discussão acerca da contribuição dos fatores externos para a escolha da nomeação da GMB como centro de excelência.

5 Reorganização dos mandatos globais em DP e o novo papel da GMB: a ênfase nos condicionantes externos

A seção anterior explora o caso da GMB, dando ênfase aos fatores internos à empresa que viabilizaram os avanços conquistados nos últimos anos. Por meio de um processo cumulativo e path dependent, a GMB conseguiu acumular um conjunto de competências em DP, consolidando uma ampla infraestrutura tecnológica com o emprego expressivo de pessoal qualificado em funções ligadas à Engenharia de Produto. Já esta seção se propõe a discutir as mudanças que têm ocorrido no âmbito da corporação a fim de investigar os seus impactos no que diz respeito às atividades de P&D conduzidas no Brasil.

Até o início do ano 2000, a organização das operações mundiais da Corporação General Motors encontrava-se estruturada ao redor de quatro regiões: GMNA (General Motors North America); GME (General Motors Europe); GMAP (General Motors Asia Pacific); e GMLAAM (General Motors Latin America, Africa e Middle East). Desses centros, apenas GMNA e GME possuíam mandato para o desenvolvimento de arquiteturas completas de veículos. As regiões que recebiam esses veículos empreendiam esforços para adaptá-los e adequá-los às realidades de seus mercados, oferecendo suporte técnico e de engenharia, como também ficavam responsáveis por gerenciar as mudanças referentes às suas regiões, tais como expansão, introdução de novos produtos e implementação de novas unidades fabris.

A grande mudança que ocorreu em 2006 foi a criação do conceito de arquiteturas globais de veículos, já pensadas em relação ao mercado de destino, e a nomeação de outros três centros, que se somaram à GMNA e GME, como responsáveis pelo desenvolvimento e gerenciamento dessas arquiteturas. Como resultado, a Corporação General Motors passou a contar com cinco Centros Globais de Engenharia na sua estrutura corporativa (os ADT), que passaram a ser representados pelos seguintes países: Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul, Brasil e Austrália. Ser um ADT, portanto, implica ter total autonomia sobre o desenho de arquiteturas sob sua responsabilidade, conforme ilustra o Quadro 3. Vale ressaltar que a Austrália é considerada um centro global de engenharia (um ADT), porém, na prática, a unidade compartilha responsabilidades pelo desenvolvimento de arquiteturas de veículos com tração traseira com os Estados Unidos.

Quadro 4
Centros globais de engenharia da Corporação General Motors por atribuição de responsabilidades

Fonte: elaborado pelos autores com base nas entrevistas na GMB (2011 e 2012).

Para um melhor detalhamento acerca das dimensões desses ADT, a Tabela 1 traz informações sobre o número de engenheiros alocados nesses centros e o orçamento global, distribuídos entre essas unidades no ano de 2010. O que se percebe é uma relação entre o número de engenheiros e o orçamento destinado à região, em uma clara analogia ao total das responsabilidades ligadas aos mandatos globais. Estados Unidos (GMNA) e Alemanha (GME), por serem os centros mais consolidados e que acumulam maior tradição e competência no desenvolvimento de produtos globais, recebem os maiores investimentos e empregam maior número de engenheiros nos seus centros tecnológicos. Ademais, além das responsabilidades ligadas ao DP, são esses os centros responsáveis por conduzir a maior parte da pesquisa tecnológica na corporação.

Tabela 1
Engenharia Global da Corporação General Motors em 2010

Fonte: elaborado pelos autores com base nas entrevistas na GMB (2011 e 2012).

A Figura 3 complementa tais informações, ao trazer em escala uma ilustração acerca da distribuição do número de engenheiros pelas regiões em que a Corporação General Motors mantém ADT, revelando uma maior participação desses profissionais nas unidades dos Estados Unidos e, em segundo lugar, da Alemanha (Opel). Coreia do Sul e Brasil vêm em seguida, com volumes de engenheiros praticamente equivalentes. Os demais centros que aparecem nessa figura referem-se aos Vehicle Engineering Center (VEC). Os VECs têm como função promover alterações nas características do veículo ou da arquitetura desenvolvida por outra unidade, de forma a ajustá-la à realidade dos seus mercados. Isso também implicaria desenvolver derivativos, executando atividades mais localizadas de engenharia, além de oferecer suporte e manter a conexão com o ADT da sua região, com exceção para o caso da Índia (Bangalore) que abriga um Laboratório de Pesquisa, o India Science Laboratory, que complementa atividades conduzidas pelo Centro de P&D de Warren.


Figura 2
Distribuição do volume de engenheiros pelos ADT e VEC da corporação General Motors em 2010
Fonte: elaborado pelos autores com base nas entrevistas na GMB (2011 e 2012).

Fonte: elaborado pelos autores com base nas entrevistas na GMB (2011 e 2012).

A GMB, até meados do ano 2000, era um VEC responsável pela região da LAAM (Latin America, Africa e Middle East), ou seja, tinha autonomia para desenhar interiores e exteriores de veículos, mas não era responsável pelo desenvolvimento de nenhuma arquitetura global. A reorganização que ocorreu na corporação também implicou maior reequilíbrio das atribuições e carga de trabalho. O resultado foi a nomeação da GMB como um ADT e sua focalização na região da América Latina, com responsabilidade pelas unidades localizadas na Argentina, no Equador, na Colômbia e na Venezuela; já os VECs da África do Sul e do Oriente Médio passaram a integrar a unidade da Ásia.

Ser um ADT significa assumir dois tipos de responsabilidade e autonomia: ser o detentor de uma arquitetura completa de veículos e, portanto, ter responsabilidades pelo gerenciamento do projeto; e estar habilitado a criar veículos que, mesmo baseados em arquiteturas globais de propriedade de outros ADT, sejam mais convergentes com seus mercados de destino. A GMB é exemplo de um ADT que tem assumido funções em ambos os tipos de responsabilidades. Quanto ao primeiro tipo de responsabilidade, o centro passa a ser proprietário de uma arquitetura global. A GMB foi designada como ADT responsável pela arquitetura de picapes médias, o que equivale a veículos do porte da Chevrolet S10, da Ford Ranger e da Toyota Hilux. Na prática, todas as unidades da corporação que necessitarem de uma picape de porte médio no seu portfólio de produtos deverão recorrer à GMB para relatar o interesse e fornecer inputs de seus próprios mercados, que serão inseridos durante o projeto de desenvolvimento da arquitetura. Isso significa que as novas gerações de picapes médias destinadas a mercados globais, sejam eles emergentes ou não, devem ser desenvolvidas a partir de uma arquitetura global projetada no Brasil.

Essa mesma diretriz se aplica a unidades que queiram veículos mini ou pequenos, demanda essa que deverá ser reportada para o ADT da Coreia do Sul, responsável por esse tipo de arquitetura; ou veículos de porte médio ou ainda compactos com alta tecnologia, devendo recorrer à Opel, unidade central da GME. Tais demandas, no entanto, devem ser feitas simultaneamente ao projeto da arquitetura, a fim de possibilitar a inserção de características e particularidades relativas aos mercados de destino dessa arquitetura.

Com a nova organização da engenharia de produtos da corporação, as arquiteturas globais passam a ser desenvolvidas considerando-se conceitos globais de componentes e suas interfaces, bem como processos globais de manufatura. Isso permite que um veículo baseado em arquitetura global possa ser fabricado em qualquer planta da Corporação General Motors no mundo, além de utilizar as tecnologias disponíveis na corporação, dependendo apenas da definição do produto em função do mercado-alvo. Esse conceito também torna possível desenvolver veículos para quaisquer mercados, já que uma arquitetura global tem a flexibilidade de atender a diversos requisitos legais e culturais.

Quanto ao segundo tipo de responsabilidade, a participação que os ADT podem ter em arquiteturas que não são de sua responsabilidade imprime grande flexibilidade no processo de DP. Torna-se, assim, factível projetar veículos que, embora com arquitetura única, contemplem as características específicas para cada mercado de destino, como, por exemplo, motorização, acessórios, tipo e design de carrocerias (sedan, wagon, picapes leves etc.), possam ser manufaturados em qualquer planta do grupo no mundo. Essa foi a situação observada a partir da parceria entre a GMB e a GMDAT para o desenvolvimento de um veículo cuja arquitetura é de domínio da Coreia do Sul (carros mini e pequenos). Devido às especificidades do mercado brasileiro, a GMB acumulou um conjunto de capacidades e experiência em propor soluções de baixo custo, sendo designada para desenvolver um veículo global de pequeno porte destinado a mercados emergentes.

Nesse caso, a GMDAT, proprietária da arquitetura do veículo, desenvolveu o projeto do veículo objetivando seu lançamento em mercados desenvolvidos, e a GMB ficou encarregada pela versão destinada aos mercados emergentes. Ao se inserir em projetos desse tipo, é delegado à engenharia da GMB total autonomia para desenvolver itens que não fazem parte da arquitetura, como, por exemplo, itens que envolvam o interior e exterior do veículo, já que são aspectos ligados ao design do veículo. Esse projeto tem resultado em modelos de veículos totalmente distintos no que concerne às opções escolhidas pela GMDAT (veículos para mercados desenvolvidos) e pela GMB (veículos para mercados emergentes) e foi finalizado no final de 2011, dando origem aos seguintes veículos já em comercialização neste mesmo ano: Chevrolet Cobalt (projeto brasileiro) nos mercados emergentes, chamado na Coreia do Sul de nova geração Chevrolet Aveo e nos Estados Unidos de Chevrolet Sonic.

A partir dessa nova configuração das atividades globais de engenharia e do desenvolvimento de arquiteturas globais, as interações entre os ADT têm sido consideradas aspectos críticos, tanto para aprimorar os projetos de veículos em curso quanto para ampliar e estimular o aprendizado entre essas unidades. O resultado esperado (e já identificado no caso da GMB) tem sido o incremento das capacidades tecnológicas já acumuladas pelas unidades ao longo das suas trajetórias de desenvolvimento. Inaugura-se, assim, um conjunto de novas oportunidades para a GMB, que passa a ser um agente ativo nas estratégias corporativas no que concerne tanto à concepção de novos produtos quanto à execução desses projetos. Fatores externos à empresa, tais como o dinamismo do mercado brasileiro e as determinações da corporação em reorganizar suas estratégias de P&D global, foram decisivos para legitimar esse novo posicionamento da unidade brasileira.

6 Considerações finais

Partindo-se da prerrogativa de que integrar redes globais de P&D é um dos meios para que subsidiárias de EMNs possam adensar suas rotinas de DP, incrementar a geração de novos conhecimentos e promover a maior agregação de valor às suas operações, este artigo procurou expandir a reflexão acerca de quais seriam os fatores determinantes desse salto. Para trazer subsídios a essa questão, este artigo apresentou uma análise da trajetória de constituição do centro global de engenharia na unidade brasileira da General Motos, a partir da identificação dos fatores, internos e externos, que foram determinantes para a ascensão da GMB a um novo status corporativo dentro do grupo.

Duas questões orientaram esse debate. A primeira delas buscou investigar os fatores que motivaram a escolha da GMB para sediar esse centro, permitindo concluir que a trajetória de inovação da GMB, sustentada a partir de estágios de acumulação de conhecimento via processos dinâmicos de aprendizagem e do uso de mecanismos de acesso às fontes externas de P&D, influenciou decisivamente a transformação tecnológica da empresa e a consequente decisão da atribuição de um novo posicionamento estratégico para a Corporação General Motors. Foi o passado da GMB, caracterizado por trajetórias de aprendizado e acúmulo de competências, que evoluíram entre os estágios de capacidades em DP (da nacionalização, passando pela tropicalização, ao desenvolvimento de derivativos parciais e completos), que culminou neste estágio atual, de capacidades para a concepção e o projeto de plataformas globais de veículos. Tais estágios se viram materializados a partir de projetos bem-sucedidos concebidos pela equipe da GMB, tais como o veículo Celta e o Meriva, além dos vários veículos derivativos destinados ao mercado consumidor local (Corsa Sedan e Classic, Astra Sedan, Picape Montana, entre outros). Essa trajetória interna da organização brasileira, somada a fatores externos como o potencial de crescimento do mercado, os custos competitivos, a disponibilidade de mão de obra qualificada e o fuso horário brasileiro, influenciou positivamente nessa escolha, tornando o Brasil um dos centros de desenvolvimento global da Corporação.

A segunda questão que orientou esta pesquisa consistiu em analisar quais foram as novas atribuições e responsabilidades delegadas para a GMB. Na perspectiva da matriz, as principais vantagens competitivas conquistadas a partir do desenvolvimento de produtos baseados em arquiteturas globais estão relacionadas à sua maior integração, flexibilidade e customização, além de ganhos de escala com custos operacionais mais reduzidos. Afinal, tornou-se possível desenvolver um mix maior de produtos para diversos mercados com menores custos, lead time e time to market, criando melhores condições ambientais de exploração dos recursos da engenharia global e de apropriação das competências locais existentes nessas regiões. Anteriormente a essa nova configuração, cada centro de desenvolvimento projetava veículos visando especificamente ao seu próprio mercado. Quando outra subsidiária se interessava pelos produtos já existentes, havia a necessidade de uma validação e adaptação dos produtos às condições dos novos mercados, incorrendo em um trabalho adicional de engenharia e, consequentemente, em custos mais elevados.

Na perspectiva da subsidiária brasileira, a partir do seu novo mandato como centro de desenvolvimento global, a montadora assume a missão de liderar todos os projetos mundiais na área de picapes médias, incluindo as atividades de design, projeto e engenharia, passando a exportar serviços de tecnologia, seja pela expatriação de engenheiros para outras subsidiárias, seja pelo DP que serão produzidos e comercializados para outros mercados. Outra atribuição foi a responsabilidade pelo projeto de veículos destinados a mercados emergentes e de baixo custo. Para tal exercício, a GMB tem à sua disposição o conjunto de recursos e ativos tecnológicos mundiais da Corporação General Motors para a realização dos novos projetos, assim como os inputs estratégicos e mercadológicos e as soluções tecnológicas geradas pelas equipes sediadas nos sites globais de P&D da corporação.

Ao se integrar ao seleto grupo de subsidiárias que desenvolvem produtos globais, a GMB deixa de desenvolver projetos para o mercado local e regional, adquirindo autonomia e responsabilidade para desenvolver projetos que atendam a qualquer tipo de mercado.

Uma reflexão final, que dialoga com a literatura, questiona quais seriam as vantagens para uma subsidiária adquirir mandatos globais de P&D. A esse respeito, o caso da GMB evidencia que, ao assumir essa nova responsabilidade por projetos globais, surgiram diversos benefícios para a engenharia de DP brasileira, incluindo: o adensamento da sua capacidade inovativa; a assimilação de novas competências relacionadas aos novos conceitos em design, processos de produção e certificação de classe mundial; a participação nos fóruns de melhores práticas; o conhecimento sobre novos mercados; a aquisição de novas tecnologias; a interação de equipes multiculturais; e a formação de cultura de recursos humanos com uma nova mentalidade de liderança para projetos globais. Ademais, foram significativos os investimentos que a GMB recebeu para ampliação da sua infraestrutura tecnológica e contratação de novos profissionais técnicos, praticamente dobrando seu time de engenheiros no Brasil.

Ressalte-se que o adensamento das atividades em DP no Brasil, conforme já demonstrado, não necessariamente implica adensamento também das atividades de pesquisa tecnológica. A esse respeito, os principais avanços observados ocorreram naquelas atividades relacionadas às tecnologias de gestão e de desenvolvimento de produto (o incremento do “D” na sigla P&D), que reconhecidamente contribuíram para o aumento do esforço de capacitação tecnológica, do nível de ocupação das atividades de engenheiros e do adensamento de atividades inovativas incrementais na empresa. Entretanto, no que tange às atividades tecnológicas, que compreendem maior complexidade de conhecimento, não há ainda espaço para ilusão. É a matriz localizada nos Estados Unidos que continua a comandar as decisões, assim como o direcionamento para as novas localizações geográficas das principais atividades de pesquisas experimentais e tecnológicas que definirão o design dominante do setor, tais como novos materiais, novos conceitos baseados em inovação radical e busca por novas fontes de energia limpa. Esses novos domínios tecnológicos não constam, ao menos não em curto prazo, na agenda de pesquisa de engenharia da GMB, e muitos deles estão sendo direcionados para a China e Coreia do Sul.

Por fim, este estudo pretendeu apresentar uma contribuição ao debate sobre os desafios para a atração de investimentos e do adensamento das atividades tecnológicas de subsidiárias de multinacionais, assim como discutir os desafios para potencializar a conexão dessas empresas nas rotas dos fluxos globais de P&D na indústria automotiva brasileira. Algumas questões, no entanto, poderão ser aprofundadas em estudos posteriores visando à formação de competências para as estratégias de internacionalização das atividades de P&D e à reflexão de políticas públicas de inovação. Qual é o papel que os sistemas de inovação podem exercer no processo de atração e desenvolvimento das atividades de P&D nesses centros globais de desenvolvimento de produtos? Qual será a relevância estratégica que a Coreia do Sul, além de outros centros asiáticos como China e Índia, irá desempenhar na captura dos novos investimentos em áreas tecnológicas? Estudos projetam que o futuro tecnológico da indústria automotiva mundial caminha para o conceito de carros compactos movidos por energia renovável com alto coeficiente de participação de novos materiais e eletrônica/telemática embarcada. Com efeito, fatores como infraestrutura tecnológica e formação de engenheiros serão variáveis críticas, mas fundamental será a elaboração de uma estratégia pública nacional integrada para essa indústria, a exemplo da iniciativa do regime automotivo Inovar-Auto, que tem como um dos seus objetivos elevar as rotinas de P&D no setor. Finalmente, a própria coesão e a efetividade dos sistemas nacionais e setoriais de inovação terão impactos significativos nesse tipo de decisão corporativa, impactando a evolução dos centros e a atração de novos investimentos em P&D. Sob este último aspecto, não há garantias e não há como afirmar que esta estratégia, que atribuiu responsabilidades globais à subsidiária brasileira da General Motors quanto ao desenvolvimento de produtos, venha a ser permanente e tenha continuidade em longo prazo.

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Autor notes

2 Possui graduação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP e doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo, USP. São Paulo. São Paulo. Brasil. E-mail: bernardes@fei.edu.br
3 Possui graduação em Administração pela Universidade Católica de Pelotas, UCPEL, mestrado em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, doutorado em Estágio de Doutoramento pela Universita degli studi di Padova, UNIPD, Itália com período sanduíche em Università degli Studi di Padova e doutorado em Engenharia pela Universidade de São Paulo, USP. São Bernardo do Campo. São Paulo. Brasil. E-mail: gabriela@fei.edu.br


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