Resumo: Os conflitos são inerentes ao ser humano e quando envolvem questões socioambientais apresentam múltiplos atores geralmente com interesses contrapostos, porém legítimos. Este artigo buscou responder: qual a percepção dos superficiários quanto às ações desenvolvidas pelo Estado na intermediação de negociações de conflitos relacionados aos danos ambientais causados em superfície por subsidência de minas antigas de carvão. Os procedimentos metodológicos adotados para responder essa questão envolveram pesquisa bibliográfica e documental e entrevistas com atores direta ou indiretamente envolvidos nos conflitos. Os conflitos atuais decorrem da subsidência de minas subterrâneas devido à expansão da cidade sobre as áreas lavradas no passado. Com o aumento das construções e arruamentos em superfície ocorre o afundamento das minas antigas contrapondo os interesses das empresas detentoras dos direitos minerários e dos superficiários gerando conflitos. Como conclusão, observou-se que, dependendo dos interesses em jogo e do poder de barganha dos atores, esses conflitos têm sido resolvidos, de duas formas, pela via judicial ou por meio de negociação entre as duas partes principais envolvidas.
Palavras-chave:Conflitos socioambientaisConflitos socioambientais,Mineração subterrâneaMineração subterrânea,SubsidênciaSubsidência.
Abstract: Conflicts are inherent to the human being and when they involve environmental issues multiple stakeholders with conflicting but legitimate interests are involved. This article sought to answer: What is the perception of surface owners as to the actions taken by the state in mediating conflicts of negotiations related to environmental damage caused by surface subsidence of old coal mines? The methodological procedures adopted to answer this question involved bibliographical and documentary research and interviews with actors directly or indirectly involved in the conflicts. Today's conflicts stem from the subsidence of underground mines due to the expansion of the city on the mined areas in the past. As buildings and streets spreaded over the land surface, collapses of old mines started occcurring, opposing the interests of landowners and companies holding mining rights, this way generating conflicts. In conclusion, it was observed that, depending on the interests at stake and the bargaining power of the actors, these conflicts have been resolved via lawsuits in the courts or through negotiation between the two major parties involved.
Keywords: socio-environmental conflicts, Underground mining, Subsidence.
Artigos
Percepção da população acerca das soluções propostas pelo Estado para conflitos socioambientais de minas subterrâneas de carvão em Criciúma - SC
Population´s perception of the solutions proposed by the State for socio-environmental conflicts associated with underground coal mines in Criciúma - SC
Recepção: 13 Março 2016
Aprovação: 31 Março 2017
A mineração propicia desenvolvimento e agrega tangíveis benefícios econômicos à sociedade ao mesmo tempo em que causa danos ambientais significativos durante a vida útil da mina e após o seu fechamento. De acordo com Sánchez (2011, p.117), especificamente quanto ao encerramento das atividades minerárias, seu adequado planejamento “pode proteger acionistas, governos, fornecedores, comunidades locais e as gerações futuras dos impactos socioeconômicos do fechamento, assim como reduzir o passivo ambiental.” Muitas vezes, os benefícios da atividade minerária são apropriados por uma geração e os danos ambientais são o triste legado para a subsequente. Esta transferência de externalidades negativas entre gerações torna-se mais séria quando os danos ambientais decorrentes da mineração tendem a se intensificar ao longo do tempo, como os referentes ao passivo ambiental das minas de carvão de Criciúma e os graves conflitos socioambientais resultantes (Autores, 2014).
Em algumas regiões do Brasil e de outros países, amplas áreas mineradas preteritamente encontram-se abandonadas representando importantes passivos ambientais herdados pela geração atual. Esses legados de degradação demandam ações do poder público, de empresas minerárias e da população para que os impactos ambientais sejam minimizados. No caso de antigas lavras subterrâneas de carvão esses danos materializam-se pelo fenômeno da subsidência, que consiste no afundamento ou colapso do solo e de camadas de rochas superficiais sobre áreas mineradas em subsuperfície, repercutindo em conflitos para os superficiários atuais desses terrenos (Baccin, 2011).
A expansão da mineração subterrânea em Criciúma, Santa Catarina, para atender a demanda por energia a partir da década de 1970, atraiu novos moradores, direcionando o crescimento de forma pouco planejada para as áreas periféricas outrora mineradas subterraneamente. Como no passado, a recuperação das áreas mineradas não era uma atividade rotineira ao término da atividade minerária, em função da limitada atuação de dispositivos legais até então, os bairros da cidade se expandiram sobre áreas com vazios em subsuperfície correspondentes a antigas galerias, “salões” e poços, dentre outros componentes da mineração de carvão. Com a expansão do uso e ocupação do solo sobre antigas áreas mineradas começaram a surgir diversos casos de subsidência e conflitos entre usuários do solo e do subsolo envolvendo a população, as empresas mineradoras, o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), os órgãos ambientais e o Ministério Público.
No Brasil não há uma legislação especifica que trate da subsidência de minas, os profissionais da área de mineração questionam se isso seria necessário. Para as minas subterrâneas com direitos minerários outorgados após a aprovação da Resolução CONAMA 001/86, o assunto vem sendo tratado no âmbito da recuperação de áreas mineradas, nos estudos de impactos ambientais e nos planos de recuperação de áreas degradadas (PRADs). A Constituição Federal (1988), visando amenizar impactos ambientais de atividades potencialmente poluidoras e/ou degradadoras do meio ambiente às presentes e futuras gerações, incluiu no parágrafo 2º do artigo 225, a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado por parte daquele que explorar os recursos minerais. Este assunto foi regulamentado três anos depois pelo Decreto Federal no 97.632/89.
Segundo Sánchez (1995), a legislação existente que pode se aplicar à subsidência é vaga e requer que a empresa de mineração recupere a área para algum outro uso produtivo, porém não especifica nenhum critério para a recuperação. Os conflitos eclodem quando o sentido e a utilização de um espaço ambiental por um determinado grupo ocorrem em detrimento dos significados e dos usos que outros segmentos sociais possam fazer de seu território e, com isso, assegurar a reprodução do seu modo de vida (Zhouri, 2008).
A gestão dos conflitos socioambientais advindos da lavra subterrânea de bens minerais é dificultada pela separação entre a propriedade do solo e do subsolo (Autores, 2014). Em face da “dicotomia” entre a propriedade do solo e do subsolo para fins de exploração mineral. Sizenando (2011) destaca que as relações sociais produzem continuamente espaços e territórios de formas contraditórias, solidárias e conflitivas, com vínculos indissociáveis entre si. As dificuldades de gestão dos conflitos resultantes do uso do solo e do subsolo nessas áreas mineradas no passado se acentuam pelo fato da contínua expansão do tecido urbano. A dinâmica urbana nesse contexto contempla relações sociais e econômicas que se imbricam permanentemente na busca de evolução social e resultados econômicos cabendo ao Estado, nas suas três esferas de governo, o difícil papel de administrar os problemas complexos decorrentes dessas relações.
A partir do contexto anterior, estabelece-se como questão de pesquisa: qual a percepção dos superficiários quanto às ações desenvolvidas pelo Estado como agente intermediador na busca de soluções para os conflitos socioambientais decorrentes da subsidência de minas de carvão em Criciúma. O presente estudo tem como objetivo discutir ou analisar a percepção dos superficiários acerca da resolução dos conflitos socioambientais relacionados aos danos causados em superfície por subsidência de minas antigas de carvão pelo poder público.
Percepção é o entendimento, a mediação entre o sujeito e o que está externo a ele, ou seja, entre as pessoas e o meio em que se inserem (Teramussi, 2008). Chauí (2001) conceitua percepção ambiental como o resultado do contato entre nossos sentidos e o mundo. Yoshida (2005) por meio de teorias da percepção ambiental analisou conflitos de mineração em área urbana para mensurar como a população afetada percebe o empreendimento, os impactos e a atuação do poder público frente a essa problemática. Tuan (2012) comenta que a percepção é mutável, ou seja, pode variar ao longo do tempo, pois o ambiente em questão pode sofrer alterações e as experiências vividas por uma pessoa naquele contexto podem mudar o seu modo de agir e pensar.
Este artigo está estruturado em cinco partes. A primeira refere-se à introdução que contempla a justificativa, a questão de pesquisa e o objetivo a atingir. A revisão da literatura é apresentada na segunda parte ao passo que na terceira, são contemplados os procedimentos metodológicos adotados na condução da pesquisa. A quarta parte apresenta a análise e discussão dos resultados e, por fim, na última parte apresentam-se as considerações finais, as limitações da pesquisa e as recomendações para futuros estudos.
A revisão da literatura contemplou três construtos relacionados ao problema de pesquisa que forneceram os subsídios técnicos para o desenvolvimento da pesquisa.
Barbanti (2010) conceitua conflitos ambientais como embates sociais nos quais a dimensão ambiental é fator preponderante, capaz de influenciar de forma decisiva no comportamento dos atores e na dinâmica do processo conflituoso. Nascimento (2001) destaca que esses conflitos reúnem diversos atores que se posicionam de forma articulada entre si ou em situação de confronto.
Little (2001) destaca que os conflitos socioambientais decorrentes dos impactos da ação antrópica e natural vêm impondo desafios à gestão ambiental e que esta ainda não se encontra preparada para se defrontar com tais situações. Leff (2001) aponta que novos conhecimentos interdisciplinares e o planejamento intersetorial do desenvolvimento são fundamentais para evita-los.
Os conflitos socioambientais relacionados à mineração manifestam-se de várias formas como, por exemplo, enquanto antagonismos entre exploração mineral e preservação de áreas importantes do ponto de vista ecológico como a Serra do Gandarela, imersa no Quadrilátero Ferrrífero (Marent, Lamounier, e Gontijo, 2011).
Nicolai-Hernández (2005) menciona que tem sido comum os interesses privados serem associados às agressões ambientais. Segundo esse autor, o Estado também sistematicamente vem sendo citado como responsável por danos ambientais por meio de obras públicas irregulares e/ou de grande impacto ambiental, como ator direto ou indireto da degradação ambiental, porém em outras situações posiciona-se como agente para ampliar os espaços de conquistas e na manutenção e ampliação dos direitos da população.
Percebe-se a situação antagônica do Estado, potencializando e evidenciando a ação ou a falta de ação deste no espaço público e do seu papel como gestor dos recursos públicos. Em relação ao seu papel de gestor, Sánchez (1994) menciona que o Estado tem condições de melhorar a qualidade ambiental e/ou prevenir a degradação, pela via legal, por meio das diversas agências governamentais e valendo-se da aplicação dos instrumentos de política pública existentes.
Nos países desenvolvidos observa-se atualmente uma nova tendência no campo da resolução de disputas ambientais, via uso da teoria da decisão, da análise de decisão e de métodos de estruturação de problemas (Bredariol, 2001). Essas abordagens, no entanto, ainda não são nem cogitadas para a resolução de conflitos ambientais no Brasil. Tradicionalmente em nosso país a maioria dos conflitos ambientais tem sido resolvida no Judiciário, embora a busca de soluções pela via da negociação começa a dar evidências de ganhar alguma expressão. Essas soluções negociadas envolvem a intervenção de uma terceira pessoa, como facilitador do diálogo entre as partes (pessoas ou organizações), promovendo, desta forma, uma nova visão da questão controversa, mediando e solucionando o problema (Muszkatm, Oliveira, Unbehaum e Muszkat, 2008).
Paes (2011) enfatiza que a proteção ao meio ambiente como um bem de uso comum é, antes de tudo, uma obrigação do Estado. Desta forma, cabe à administração pública exercer o princípio da prevenção por meio das licenças, das sanções administrativas, da fiscalização e das autorizações. Porém como os danos ambientais no Brasil são frequentes e a reparação ainda não ocorre de forma plena e satisfatória devido à dificuldade de recomposição natural, Jannuzzi e Berté (2012), apontam como alternativas cabíveis à reparação, a compensação ecológica e a indenização, pois ambas dispõem de fundamento legal para tal fim.
Especificamente para mediação de conflitos quanto à atividade minerária, Nascimento e Bursztyn (2010) relatam que os conflitos socioambientais vivenciados pelas comunidades rurais do município de Içara, SC na disputa com a instalação de uma grande mineradora de carvão, foi determinante para o fortalecimento de ações ambientais e de estruturas de governança ambiental local e até para a institucionalização da gestão ambiental municipal. Bacci, Diniz e Aquino (2011, p. 216) pontuam que “os conflitos existentes entre mineração e comunidade e mineração e poder público devem ser enfrentados dentro de uma perspectiva de participação”. Yoshida (2005) avaliou que uma população afetada por atividade minerária manifesta sua percepção frente a mesma com preconceito pelo histórico negativo da operação da atividade e reforçando a falta de envolvimento com a comunidade.
Enquanto na antiguidade a posse da terra estava ligada a crenças e motivos religiosos, no mundo contemporâneo, por influência da cultura ocidental, ela é conferida por direitos de propriedade por ser a terra (solo) é um bem, uma mercadoria. A função social da propriedade assim como sua função ambiental são conceitos capazes de impor limites ao interesse privativo do proprietário em prol dos interesses da coletividade, seja para as gerações atuais ou futuras (Freitas, 2009).
Segundo Gazola (2008), o exercício do direito de propriedade deve pautar-se no crescimento da riqueza social. A propriedade que antes era um direito absoluto contra tudo e todos opostos, a partir da edição da Nova Constituição em 1988, passa a desempenhar um papel social. Essa função social deve atender diferentes requisitos se em área urbana ou rural conforme determinam os artigos art. 182, §2º e 186 da Constituição Federal de 1988.
Em 2001, o Estatuto da Cidade estabeleceu as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (Welter e Pires, 2010).
A função social da propriedade urbana tem por finalidade a integração da sociedade no processo de desenvolvimento nacional e uma melhor distribuição de terras, pautada pela justiça e moral (Santos, 2013). Cumpre-se a função social quando as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor são atendidas (Erenberg, 2008).
Ao longo de sua história, o homem, se apossou do ambiente natural e o transformou continuamente. Neste cenário de mudanças, o solo (incluindo também o subsolo) vem sendo apropriado e utilizado das mais variadas formas. A urbanização é apenas uma das formas do seu uso e ocupação possibilitando a formação de comunidades, bairros e cidades em espaços geograficamente definidos.
O crescimento dos aglomerados urbanos impõe muitas transformações nos espaços físicos, ambientais e sociais redesenhando o papel do Estado nessas relações e definindo a participação institucionalizada do poder público neste contexto. O desenvolvimento econômico regional, em geral, tem como uma de suas condicionantes o uso do solo, o qual varia dependendo da vocação natural de cada região. As regiões detentoras de bens minerais, quando exploradas adequadamente, tornam-se importantes provedoras de matérias-primas e insumos para manutenção do conforto e comodidade da vida humana e para o progresso da civilização (Tanno e Sintoni, 2003).
Segundo Santos (1997, p.71) “a história da cidade se produz através do urbano que ela incorpora ou deixa de incorporar”. O ser humano, dentre as espécies animais, é o que melhor se adapta ao ambiente natural, criando nele seu próprio entorno, modificando-o para atender às suas necessidades. As transformações que ocorrem com a expansão urbana resultam da implantação dos investimentos privados e da ação do Estado. Na região de Criciúma, a rápida expansão da malha urbana a partir da década de 1970 decorreu, em grande parte, de investimentos privados impulsionados direta ou indiretamente pela mineração de carvão (Carvalho, 2008).
De acordo com Erenberg (2008) como a cidade acolhe diferentes usos do solo, articulado com fluxos de pessoas e veículos, deve-se manter sua função essencial na preservação do meio ambiente natural e construído, e do patrimônio histórico-cultural.
No entanto, à medida que a zonas urbanas se expandem em função do intenso fluxo migratório, emergem nas periferias os bolsões de miséria, verdadeiros guetos urbanos, onde se manifestam problemas socioambientais como violência, consumo de drogas, poluição, etc. Nesses ambientes urbanos de contrastes convivem, lado a lado, mundos desiguais onde alguns detêm tudo que o dinheiro pode proporcionar, enquanto outros padecem da falta de atendimento das necessidades mais vitais como alimento e abrigo. Segundo esse autor, a gestão do uso do solo e ocupação do solo nesses ambientes densamente ocupados impõe grandes desafios às gestões públicas na atualidade.
A Lei nº 10.257 de 09 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade, regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 e estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana. Este instrumento legal surgiu com a finalidade de fazer cumprir a função social da cidade e da propriedade urbana pela via do planejamento.
O Estatuto da Cidade poderia ser considerado uma legislação inovadora que permite, segundo Saule Junior (2001, p.11), “[...] o desenvolvimento de uma política urbana com a aplicação de instrumentos de reforma urbana voltados a promover a inclusão social e territorial nas cidades brasileiras, considerando os aspectos urbanos e sociais e políticos de nossas cidades.”
Este autor enfatiza que em função das expectativas de sua aplicação prática, este instrumento possibilita tornar as cidades lugares mais equilibrados e equitativos ambiental e socialmente para aos seus habitantes e às futuras gerações.
No campo dos instrumentos urbanísticos, o estatuto consagra a ideia do “solo criado”, por meio da institucionalização do direito de superfície e da outorga onerosa do direito de construir (Rolnik, 2001). Cabe ressaltar que o estatuto, por si só, não garante a sustentabilidade urbana nem a redução de conflitos de uso e ocupação do solo, como os observados em Criciúma e em outras cidades da região carbonífera catarinense.
Para Genz (2014), cabe ao plano diretor delimitar a área de aplicação do referido estatuto, que vem a ser um conjunto de intervenções urbanas com participação de proprietários, moradores, usuários e investidores privados, sob a coordenação do poder público municipal, para a realização de transformações urbanísticas estruturais que possam trazer melhorias sociais e valorização ambiental.
Esse instrumento de intervenção urbanística é obrigatório somente para cidades com mais de 20.000 habitantes, porém, pode ser aplicável a todos os municípios quando há a necessidade de se fazer cumprir a função social da propriedade urbana (Gazola, 2008). A existência do plano diretor é condição básica para o município dispor sobre as limitações urbanísticas à propriedade urbana, propiciando tomadas de decisão com a participação da comunidade para efetivar as diretrizes fixadas no estatuto da cidade (Capena, 2007). Trata-se, portanto, de um instrumento para políticas públicas de desenvolvimento e crescimento urbano, que pode contribuir para minimizar as vulnerabilidades inerentes a este processo.
Preis (2012) destaca que dentre os planos diretores que a cidade de Criciúma já aprovou ficam evidentes as dificuldades de implantação, principalmente quando questões territoriais afloram na forma de conflitos e os interesses públicos e privados envolvidos precisam ser discutidos e mediados. Segundo esse autor, a preocupação com a recuperação ambiental, os entraves políticos e o processo de fragmentação espacial em curso também se apresentam como obstáculos à implantação, pois acabam fortalecendo a especulação imobiliária.
Enquanto na antiguidade a posse da terra estava ligada a crenças e motivos religiosos, no mundo contemporâneo, por influência da cultura ocidental, ela é conferida por direitos de propriedade por ser a terra (solo) é um bem, uma mercadoria. A função social da propriedade assim como sua função ambiental são conceitos capazes de impor limites ao interesse privativo do proprietário em prol dos interesses da coletividade, seja para as gerações atuais ou futuras (Freitas, 2009).
Segundo Gazola (2008), o exercício do direito de propriedade deve pautar-se no crescimento da riqueza social. A propriedade que antes era um direito absoluto contra tudo e todos opostos, a partir da edição da Nova Constituição em 1988, passa a desempenhar um papel social. Essa função social deve atender diferentes requisitos se em área urbana ou rural conforme determinam os artigos art. 182, §2º e 186 da Constituição Federal de 1988.
Em 2001, o Estatuto da Cidade estabeleceu as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (Welter e Pires, 2010).
A função social da propriedade urbana tem por finalidade a integração da sociedade no processo de desenvolvimento nacional e uma melhor distribuição de terras, pautada pela justiça e moral (Santos, 2013). Cumpre-se a função social quando as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor são atendidas (Erenberg, 2008).
No atual sistema jurídico brasileiro as riquezas do subsolo são consideradas propriedade da União e a exploração dos recursos minerais é disciplinada por regime federal ou de domínio público. A Constituição Federal de 1988, no seu art. 20, inciso IX, definiu expressamente, como bens da União, os recursos minerais, inclusive os do subsolo. No âmbito dessa concepção, a União outorga a propriedade do minério extraído ao particular e simultaneamente assegura o controle do Estado sobre o patrimônio mineral. Dessa forma o Estado garante a soberania sobre o subsolo mineralizado e assegura a participação da atividade privada na produção de bens minerais (Scotto, 2011).
Na legislação minerária brasileira os três poderes – federal, estadual e municipal - compartilham as responsabilidades. As leis, regulamentações, concessões, diretrizes, fiscalização e cumprimento, emanam em nível federal. Adicionalmente, o Ministério Público, nas esferas federal e estadual, também fiscaliza e emite normas e diretrizes que se aplicam à mineração.
O Código de Mineração é o instrumento legal básico que dispõe sobre as formas e condições de habilitação e execução das atividades de pesquisa e lavra de substâncias minerais, sendo sua aplicação de alçada do Departamento Nacional de Produção Mineral DNPM. (Sintoni, 2003). A suas disposições legais se aplicam às massas individualizadas de substâncias minerais ou fósseis, encontradas na superfície ou no interior da terra e que compõem os recursos minerais do País (Silva, 2010).
Segundo Valiati (2013), o Código de Mineração também explicita a responsabilidade dos titulares das lavras sobre os danos causados direta ou indiretamente pela mineração (lavra, beneficiamento e transporte dos minérios) a terceiros, incluindo-se, neste caso, os superficiários em áreas de lavra. Esse autor enfatiza que, em qualquer situação, os danos causados a terceiros são de responsabilidade do causador, mesmo que a responsabilização tenha que ser feita via processo judicial.
Scotto (2011) destaca que no Código de Mineração de 1934, a propriedade do solo não atingia as minas e jazidas, de modo que a posse da superfície (solo) não gerava direitos sobre o subsolo quando nele havia minério. Essa diferenciação entre a propriedade do solo e subsolo oriunda do referido Código persiste nos dias atuais, pois foi mantida no texto da Constituição de 1988.
O atual ordenamento jurídico para aproveitamento dos recursos minerais é lastreado na Constituição Federal de 1988 e baseia-se nas disposições do Código de Mineração de 1967. Segundo Obata e Sintoni (2003), este Código considera a mineração como atividade de utilidade pública e estabelece que as suas atividades, obrigatoriamente, devem estar enquadradas em uma dentre cinco formas de aproveitamento minerário. O enquadramento em uma dessas formas legais ocorre em função do tipo de substância mineral a ser explorado e do modo de sua ocorrência ou utilização.
O carvão mineral, segundo o Código de Mineração, insere-se na classe IV de jazidas (combustíveis fósseis sólidos) e o seu aproveitamento (extração e lavra) é disciplinado pelo regime de concessão. Neste contexto, a concessão de lavra, outorgada pelo DNMP, é o único título minerário que dá direito à extração de carvão (Valiati, 2013).
Em relação à legislação ambiental, Bortot e Loch (2000) mencionam que até o surgimento de obrigações legais de recuperação de áreas mineradas (Resolução CONAMA 001/86 e PRADs), as iniciativas de minimizar os impactos da lavra e beneficiamento por parte das empresas mineradoras de carvão eram tímidas. Em Criciúma e região, essas iniciativas praticamente nem eram percebidas em função do cenário desolador da paisagem, toda descaracterizada pelos rejeitos da mineração de carvão. Somente em anos recentes, estudos e medidas técnicas voltadas à minimização desses impactos vêm sendo adotadas. Para Sánchez (1995) a legislação brasileira aplicável nos casos de subsidência é vaga e exige apenas que a área afetada pela mineração de carvão seja recuperada para algum uso futuro após a lavra.
A subsidência de camadas de rocha e solo sobre minas subterrâneas de carvão provocam danos ambientais diferenciados em função dos tipos de rochas existentes nas regiões em que ocorrem (Atores, 2014; Clark, 2009; Santos, 2003). Como essas minas geralmente foram lavradas pelo método de câmara e pilar (Figura 1), a subsidência ocorre em função do desabamento do teto das câmaras (espaços irregulares em branco) ou pelo desmoronamento ou remoção dos pilares (partes de cor preta) que são grandes blocos de carvão não minerados.
O uso e ocupação do solo em áreas mineradas subterraneamente no passado pelo método de câmara e pilar e hoje urbanizadas, resulta no aumento de sobrecarga em função da construção de edificações e do aumento da movimentação de pessoas e veículos, provocando o abatimento das camadas superficiais. Situações deste tipo têm sido registradas em Criciúma, afetando construções, ruas, pátios e quintais. Segundo Baccin (2011), um dos grandes problemas causados por subsidências em áreas urbanas são rachaduras em residências e em outras estruturas de superfície.
Os impactos de subsidência sobre minas antigas são mais intensos e as atividades de uso e ocupação do solo mais se desenvolveram nas áreas urbanas (Santos, 2003). Os efeitos desses impactos são particularmente mais danosos sobre as populações de baixa renda, dos bairros mais afastados das áreas centrais, que são as mais vulneráveis devido à ocupação periférica e desigual típica da maioria das cidades brasileiras (Gonçalves; Mendonça, 2007). Situações deste tipo ocorrem em Criciúma onde os loteamentos se expandiram sobre áreas de minas subterrâneas antigas hoje contendo “vazios” em subsuperfície nos locais minerados cujas rochas sobrepostas se abateram parcialmente ou ainda não se abateram.
Coulon (1990) argumenta que alguns terrenos nessas áreas jamais poderiam ter sido vendidos a terceiros já que nenhuma construção deveria ser permitida sobre elas. Esse autor enfatiza que nessas situações a especulação imobiliária deveria ter sido coibida, uma vez que o poder público dispunha de meios para detectar que essas áreas haviam sido mineradas subterraneamente ou se tratavam de áreas de servidão de minas antigas, neste caso envolvendo propriedades limítrofes e/ou imóveis assentados sobre elas.
Segundo este autor, nos dias atuais, quando se registram casos de subsidência nessas áreas, invariavelmente registram-se conflitos entre superficiários e empresas mineradoras que acabam sendo encaminhadas para o Judiciário. Isso porque as empresas mineradoras que detinham direitos de lavra no passado já fecharam e/ou tiveram esses direitos “caducados”, deixando os superficiários afetados sem amparo legal, ou seja, sem respaldo de regulamentações vigentes no âmbito do Código de Mineração em vigor. Não raro, em situações como essas, fica difícil até mesmo ao Ministério Público atribuir responsabilidades pelos danos causados.
O presente estudo é de natureza qualitativa descritiva, fundamentado em levantamento bibliográfico e documental e em entrevistas conduzidas com superficiários afetados pelos impactos de subsidência em Criciúma e com especialistas no assunto. Essa abordagem permitiu compreender a configuração atual dos conflitos socioambientais decorrentes dos impactos em superfície da subsidência de minas de carvão na cidade de Criciúma, locus da pesquisa, que têm como atores envolvidos as empresas mineradoras, órgãos públicos ligados à mineração e ao meio ambiente, o Ministério Público e a população local.
Pode-se dizer que a pesquisa também teve caráter exploratório pelo fato dos conflitos relacionados à subsidência de minas em Criciúma ainda não terem sido objeto de estudos sob a ótica da gestão socioambiental.
Segundo Malhotra (2002), por meio de entrevistas é possível extrair crenças, atitudes e sensações subjacentes dos respondentes sobre determinados temas. A afirmação de Bogdan e Taylor (1975) de que falas e depoimentos de pessoas, reunidos e sistematizados permitem entender suas percepções e comportamentos fortalece a importância da condução de entrevistas em situações como a do presente estudo.
A pesquisa de campo foi conduzida entre os meses de outubro e dezembro de 2013. A coleta de dados primários foi realizada junto a três superficiários, donos de terrenos situados em áreas lavradas subterraneamente para carvão no passado, aqui especificados como S1; S2 e S3. Também foram entrevistados especialistas em mineração de carvão caracterizados neste trabalho como E1; E2 e E3. A identidade dos superficiários e especialistas foram preservadas pelo fato de todos eles estarem envolvidos, como reivindicador de direito ou provedor de provas judiciais em ações civis públicas junto ao MPSC.
O roteiro aplicado aos superficiários abordou assuntos como titularidade de propriedade do solo, tempo de moradia no local, construções existentes, evidências de impactos de subsidência (abatimento da superfície, rachaduras no solo, quebras de rede de água e esgoto, trincas em paredes, emperramento de portas) e tentativas de busca de informação e ajuda junto aos órgãos públicos.
O roteiro utilizado nas entrevistas com os especialistas enfocou sete itens: (i) informações sobre a população residente sobre as áreas mineradas no passado, hoje suscetíveis à subsidência; (ii) danos ambientais decorrentes de subsidência; (iii) responsabilidades quanto a possíveis indenizações; (iv) comportamento das empresas mineradoras frente às políticas ambientais; (v) encaminhamento dos conflitos e situações litigiosas; (vi) a subsidência de minas no contexto do plano diretor e do estatuto da cidade; e (vii) intervenção do Ministério Público Federal de Santa Catarina nos conflitos de subsidência.
Com o intuito de complementar as informações obtidas junto aos superficiários e aos especialistas, também foram analisados alguns documentos da Promotoria Pública Federal em Criciúma em que havia denúncias de superficiários relativas a impactos e danos de subsidência; bem como visitas in loco em terrenos afetados por subsidência e que foram objeto de ações judiciais.
A triangulação das informações obtidas baseou-se na análise de conteúdo. Inicialmente realizou-se uma pré-análise dos estudos disponíveis sobre os impactos em superfície da mineração subterrânea de carvão abordando sob a ótica das teorias sobre conflitos existentes na literatura e a partir dela elaboraram-se os pressupostos da pesquisa e as questões norteadoras das entrevistas e do levantamento documental. Para o tratamento das informações obtidas, foram criadas as categorias e subcategorias de análises à semelhança do que preconiza Bardin (2004), porém, sem seguir a risca todos os preceitos da análise de conteúdo típica como preconizada por esta autora.
Foram definidas quatro categorias de análise fundamentadas nos construtos teóricos da pesquisa. Essas categorias deram origem a dez subcategorias de análise que se constituíram na “espinha dorsal” do roteiro de entrevista semiestruturado aplicado aos superficiários e aos especialistas. Para efeito de análise de dados essas subcategorias foram integradas originando oito tópicos, conforme apresentado na Tabela 1.
Tradicionalmente, a maioria dos conflitos ambientais no Brasil tem sido resolvida no Judiciário, embora as negociações por via da intervenção de uma terceira pessoa, como facilitador do diálogo entre as partes em embate, venham ganhando espaço. Essas abordagens por diálogo vêm sendo úteis, principalmente, na solução de pequenos embates, promovendo uma nova visão da questão controversa, mediando e solucionando o problema.
Para Theodoro, Cordeiro e Beke (2009), como não existe uma diretriz específica de quem deve proceder à busca de soluções negociadas, alguns fóruns no país vêm tratando dos conflitos em diferentes instâncias. Alternativas como a conciliação, a mediação e a arbitragem, vêm se tornando uma prática de resolução extrajudicial dos conflitos.
Os conflitos são inerentes ao ser humano e existem desde a origem da humanidade. Em geral, se originam das mais diversas formas, que vão desde diferentes percepções de um mesmo objeto ou situação ou ocasionados pela posse ou perda de algo, fomentando uma dicotomia entre as partes que tem interesses ambivalentes. Para superar a perspectiva dicotômica do conflito, alguns autores propõem primeiro a busca da compreensão dos seus fatores subjacentes para, em seguida, explorar a via do entendimento.
No caso de Criciúma, as divergências de interesses entre os superficiários o e Estado iniciam-se pela não coincidência entre a propriedade do solo e o poder do Estado, que proprietário dos recursos do subsolo pode conceder os direitos de uso do subsolo a empresas, conferindo amplo acesso a esse território (solo que não lhes pertence) às mesmas para explorar recursos concedidos, desencadeando inevitáveis fontes de conflitos entre direitos e interesses diversos e antagônicos, na maioria dos casos (Scotto, 2011).
O uso dos recursos naturais e os conflitos socioambientais constituem um cenário de importantes repercussões para o futuro das nossas sociedades devido às mudanças que promovem em termos dos sistemas ecológicos e das propostas de desenvolvimento social (Vargas, 2007). Ao mesmo tempo em que o uso de recursos naturais como os do carvão impulsiona o desenvolvimento econômico de regiões e de países, o seu aproveitamento (lavra e beneficiamento) gera externalidades negativas como degradação da paisagem, contaminação ambiental e conflitos socioambientais.
Os superficiários entrevistados (S1, S2 e S3) foram unânimes em afirmar que não há informações sistematizadas, de forma clara e objetiva, à população sobre áreas que apresentam riscos de subsidência à população em Criciúma. Segundo o S2, a construção civil tem tido um crescimento acelerado na cidade, com quantidades consideráveis de edificações verticais e de condomínios de luxo, mas mesmo assim a população continua desconhecendo o assunto. Ainda segundo S2, os imóveis não são vendidos rapidamente e os compradores não manifestam qualquer preocupação com riscos de subsidência de minas antigas.
Na visão de Valiati (2013) a população não é oficialmente informada sobre as áreas que foram mineradas subterraneamente no passado, nem pelas empresas, nem pelas autoridades competentes. Além disso, não existe em Criciúma e outros municípios da região nenhum arquivo público com registros de notícias sobre casos de subsidências de minas de carvão.
Carvalho (2008) destaca que somente em anos recentes os moradores da região carbonífera catarinense passaram a se conscientizar dos problemas ambientais decorrentes da explotação do carvão. Por conta disso, ações coordenadas de moradores de bairro e denúncias junto ao Ministério Público passaram a ser empreendidas tendo em vista a recuperação ambiental de áreas degradadas e o combate à poluição.
O Entrevistado S2, afirma que teve a propriedade urbana afetada o terreno cedeu e que mora na propriedade há mais de 20 anos. No depoimento de S1 percebe-se a preocupação com a busca de informações e a adoção de algumas medidas de precaução quanto aos riscos de subsidência:
“ Eu tinha noção dos riscos, pois quando era menino, vieram fazer pesquisa na propriedade do meu pai, furando todo o terreno; então, anos depois, quando fui construir, eu reuni uma boa documentação no DNPM pensando estar seguro e que não teria problemas futuros. Porém, quando a subsidência se manifestou é que as dificuldades realmente começaram”. (Entrevistado S1).
As dificuldades de obtenção de documentação confiável e válida para fins legais são observadas na fala do S3:
“como a região carbonífera não dispõe de mapas de risco de subsidência para áreas urbanas e rurais, não dispomos de registros confiáveis das condições do subsolo nas áreas que foram lavradas subterraneamente para carvão no passado”. (Entrevistado S3).
Menezes (2013) afirma que os registros de minas antigas são muito localizados e não possibilitam uma visão regional dos riscos, pois geralmente resultam de relatórios de vistorias elaborados por técnicos do DNPM, a partir demandas, quando este órgão recebe reclamações de casos de subsidência.
Pela interpretação dos depoimentos dos superficiários S1, S2 e S3, é possível reconhecer alguns tipos de danos ambientais mais comuns de subsidência em Criciúma.
“Há mais de 30 anos foi aberto um “buraco” por uma mineradora de carvão bem no meio do nosso terreno e, desde então, tenho percebido mudanças no local, com o terreno cedendo aos poucos” (Entrevistado S1).
“No local onde está a minha residência o terreno vem se movimentando até hoje devido a subsidência. Essa movimentação é mais perceptível durante as estiagens após períodos de vários dias chuvosos, quando rachaduras em edificações e cercados aumentam e novas fissuras aparecem. Os danos ambientais maiores geralmente são trincas que ameaçam a segurança de obras civis e causam o sumiço de água em poços artesianos e lagoas. A desvalorização dos imóveis afetados e os danos morais devido as dificuldades de se obter indenizações justas também precisam ser consideradas”. (Entrevistado S2).
“Na minha propriedade que foi afetada por subsidência, o solo continua cedendo e a lagoa mudou de formato, pois secou de um lado. Desde então, estamos preocupados e com medo de que nossas casas sejam atingidas” (Entrevistado S2).
Segundo Valiati (2013), em recente audiência de uma ação civil pública envolvendo superficiários afetados por danos subsidência e empresas mineradoras no Ministério Público Federal de Santa Catarina, observou-se, pelos registros dos testemunhos de agentes imobiliários que há desvalorização nos preços dos imóveis quando há registros de que a área foi minerada subterraneamente no passado, principalmente quando a lavra foi executada a pequenas profundidades.
Menezes (2013) comenta que o período em que houve maior incidência de abatimentos de minas subterrâneas de carvão por subsidência situa-se entre 1970 e o início da década de l990, em função de mudanças na legislação minerária possibilitando a retração (retirada) dos pilares originalmente mantidos para sustentar os tetos (camadas sobrejacentes) das minas. Este profissional complementa que nesse período houve um aumento expressivo na produção de carvão a partir de minas subterrâneas acompanhado por uma quantidade crescente de denúncias de casos de subsidência no Ministério Público e também de notificações junto ao DNPM.
Dentre os superficiários entrevistados dois deles têm visões similares quanto às responsabilidades envolvidas nos danos de subsidência. Os superficiários S1 e S2 consideram que as responsabilidades são do Estado - enquanto agente outorgante da concessão de lavra do carvão - e das empresas mineradoras que auferem grandes lucros com a explotação do minério. O S3 entende que a responsabilidade é só do Estado pelo fato deste ser o agente outorgado da concessão de lavra para as empresas mineradoras. Na visão do S3, essas empresas somente se preocupam o retorno econômico da atividade em detrimento do bem estar das pessoas que moram na região.
Segundo Valiati (2013), no entanto, os danos causados direta ou indiretamente pelo desenvolvimento de lavra são de responsabilidade do titular dos direitos minerários que deverão promover a sua recuperação da área ou a indenização dos superficiários
quando esta não puder ser recuperada. Na visão desse especialista, praticamente todas as áreas em que houve lavra de carvão são passíveis de identificação.
Em relação aos danos causados por subsidência às obras civis de superfície, Valiati (203) destaca que estes são objeto de denúncias por parte dos superficiários ao DNPM. Em caso de constatação do nexo causal entre a lavra do carvão e os danos ambientais reclamados, caberá a esse órgão, nos termos do Código de Mineração em vigor, exigir que a empresa titular dos direitos minerários faça o ressarcimento dos prejuízos causados. Segundo esse especialista, ainda hoje, depois de mais de 20 anos de fechamento de várias minas de carvão, várias ações civis públicas ainda são movidas por pessoas e comunidades afetadas por subsidência contra as empresas mineradoras. Na visão dele, vários dos casos de subsidência que se manifestam nos dias atuais e que resultam nessas ações são um legado da remoção indiscriminada de pilares, das minas lavradas pelo método de câmara e pilares, autorizado pelo DNPM entre a década de 1970 e início dos anos 1990.
Os conflitos ambientais de maior expressão envolvendo subsidência de minas em Criciúma, por envolverem o desabamento de minas antigas de empresas que já fecharam ou nem existem mais, geralmente são encaminhados ao Judiciário, via ações civis públicas individuais ou coletivas. Com relação a este assunto, o superficiário S2 mencionou ter pouco conhecimento sobre o trâmite de uma ação civil pública coletiva, junto ao Ministério Público Federal de Criciúma, de cidadãos afetados por impactos de mineração de carvão da região carbonífera, incluindo subsidência. Nesta mesma linha, o superficiário S1 complementou que alguns escritórios de advocacia estão se especializando no assunto, inclusive contando com o apoio de geólogos para auxiliar a coleta de dados do aparato técnico para os processos em ações litigiosas.
Segundo Valiati (2013), em qualquer situação na atividade minerária, os danos causados a terceiros são de responsabilidade exclusiva do agente causador, mesmo que a responsabilização tenha que ser feita via processo judicial. Um problema relativamente comum em Criciúma é a dificuldade de se comprovar a relação de causalidade entre os danos de superfície com a lavra pretérita de carvão em subsuperfície, principalmente quando os impactos afetaram obras civis e recursos hídricos. Esse especialista ressaltou que está em andamento, na região carbonífera catarinense, um processo de acompanhamento das medidas de recuperação ambiental decorrentes de uma ação civil pública coletiva de superficiários que, em 2000, condenou as mineradoras de carvão a repararem todos os danos ambientais causados, incluindo os resultantes de subsidência.
Fazendo referência a esta ação civil pública, o superficiário S2 afirmou que nunca foi contatado para participar de qualquer reunião ou audiência sobre o assunto, mas disse ter ouvido falar bem de um promotor de justiça federal, do escritório regional de Criciúma que é engajado em questões envolvendo danos de subsidência.
Valiati (2015) informou que um grupo de trabalho envolvendo especialistas denominado Grupo Técnico de Assessoramento (GTA) foi constituído para dar suporte técnico ao Ministério Público Federal em ações judiciais envolvendo impactos da mineração de carvão, incluindo subsidência.
O superficiário S1 afirma que “atualmente as empresas mineradoras se preocupam um pouco mais com o meio ambiente do que no passado, pois se não cumprirem a legislação ambiental recebem multas elevadas”. Fazendo alusão ao processo de licenciamento ambiental, ele acrescenta que “em algumas situações, essas empresas podem ser impedidas pela comunidade de iniciarem suas atividades”.
O superficiário S2 destacou que mesmo tendo em suas mãos uma documentação oficial obtida junto ao DNPM, preparada antes da lavra sob a sua propriedade, ele hoje enfrenta problemas de rachaduras em sua residência, além de correr o risco de ficar sem água potável, como já aconteceu com seus vizinhos. Na sua visão, a situação que ele enfrenta hoje advém da inobservância de critérios técnicos vigentes na época da lavra pela empresa mineradora e da falta de fiscalização desta atividade por parte do DNPM.
O superficiário S3 argumentou que apesar da existência da legislação ambiental, as empresas mineradoras efetuaram a retração (retirada) dos pilares das minas por algumas décadas, resultando em aumento dos casos de subsidência na região. Na sua visão, cabe a essas empresas, em atendimento à legislação, proceder à reparação dos danos ou a indenização dos superficiários afetados.
Segundo Valiati (2013), os conflitos entre a mineração de carvão e os superficiários têm sido frequentes em Criciúma e região, tanto em áreas de minas abandonadas como de minas ativas. Segundo o especialista, o encaminhamento de soluções a esses conflitos tem sido dificultado pelos elevados honorários cobrados pelos advogados para comprovarem o nexo causal entre a lavra subterrânea e o dano reclamado pelos superficiários. Em função da condição social, a maioria dos afetados, que são moradores de bairros da periferia da cidade, não tem condições de arcar com os custos envolvidos. O superficiário S1 comentou que a subsidência em sua propriedade começou há mais de 5 anos; inicialmente observou-se várias fases de movimentação do solo até uma aparente estabilização nos dias atuais. Em princípio, ele procurou o DNPM, mas não obteve qualquer apoio par resolver o problema.
O superficiário S2 também mencionou que o problema de subsidência na sua propriedade nunca foi resolvido. Como ele alega ter sido informado de que poderia construir na propriedade, devido aos danos causados na sua casa, atualmente se sente financeira e moralmente lesado. Segundo S2, o imóvel encontra-se com grande quantidade de trincas e rachaduras e como a empresa mineradora da área fechou há muito tempo, não há um ente responsável a quem possa recorrer.
Numa interpretação jurídica sobre essas situações observadas em Criciúma, Scotto (2011) destaca que os conflitos envolvendo impactos de subsidência de minas decorrem dos interesses incompatíveis e antagônicos presentes na “trama de direitos”. Isso ocorre por que o Estado não tem como deixar de "conceder" o direito à exploração mineral do subsolo às empresas mineradoras e, ao mesmo tempo, garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como previsto na Constituição Federal, às populações que habitam o local.
Dentre os superficiários, enquanto S2 e S3 mostraram algum conhecimento da existência de um plano diretor municipal, S1 mostrou total desconhecimento.
Ao ser perguntado sobre a função social da propriedade preconizada pelo Estatuto da Cidade, o superficiário S2 mencionou que nas situações em que as propriedades urbanas e rurais são afetadas por subsidência, a referida função social não se concretiza, pois os superficiários não são amparados sequer por informações sobre os impactos e danos a que estão sujeitos por parte do Poder Público municipal.
O superficiário S3 comentou que em 2011 participou de reuniões sobre a elaboração do plano diretor municipal, mas desde então não faz ideia se este instrumento de política pública urbana tem sido utilizado. Quando perguntado sobre o Estatuto da Cidade, ele demonstrou não conhecer nada sobre o assunto.
Mesmo considerando que subsidência de minas antigas de carvão é um problema sério com implicações no planejamento urbano de Criciúma, este assunto parece não ter merecido a devida atenção nas revisões recentes do plano diretor municipal. Em relação a essa questão, Genz (2014) enfatiza que a inexistência ou a abrangência apenas parcial de questões urbanas de um município comprometem o encaminhamento de políticas públicas locais que possam contribuir, de forma efetiva, para a sustentabilidade no crescimento das cidades. Neste sentido, esse autor destaca que a implementação do estatuto da cidade é de suma relevância, uma vez que este instrumento define normas de ordem pública e de interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, contemplando o equilíbrio ambiental.
No caso de Criciúma, no entanto, considerando a complexidade imposta pela não distinção entre a propriedade do solo e do subsolo nos casos de exploração minerária e da postergação dos danos de subsidência ao longo do tempo (externalidade intergeracional), há dúvidas se a implementação do referido estatuto naquela cidade trará algum benefício no sentido de assegurar direitos relacionados à função social da propriedade de superficiários afetados por subsidência.
O superficiário S1 mostrou desconhecimento sobre o tratamento que o Ministério Público Federal vem dando aos danos de subsidência na região carbonífera catarinense, mesmo tendo um processo referente a uma ação civil pública relativa a subsidência tramitando na justiça há mais de 10 anos.
Os superficiários S2 e S3 se mostraram informados sobre o assunto: S2 disse acompanhar o empenho do Ministério Público na solução dos conflitos de subsidência e o S3, em tom crítico, acha que os trâmites dos processos são muito lentos.
Segundo o especialista Menezes (2013), tem-se observado na região certa busca de organização por parte dos superficiários afetados por subsidência depois de anos tentando enfrentar o problema sozinhos. Exemplo disso é a ação civil pública impetrada por um conjunto de cidadãos afetados contra várias empresas mineradoras no Ministério Público Federal de Criciúma. Na sua visão essa atitude coletiva foi muito positiva, pois à medida que novas denúncias de subsidência nas áreas objeto desta ação são apresentadas, automaticamente são juntadas ao processo em andamento.
O outro aspecto positivo da iniciativa, segundo Menezes (2013), é que em função do vulto dos impactos arrolados na ação civil pública, os juízes envolvidos vêm sendo assessorados por um perito judicial e um técnico do Ministério Público Federal com conhecimentos de subsidência. Segundo ele, esses dois especialistas têm vistoriado todas as minas de carvão da região (em atividade ou paralisadas) com vistas a observar aspectos estruturais das rochas de cobertura que podem resultar em instabilidade na superfície e em problemas de subsidência. Além disso, os especialistas também têm vistoriado obras civis danificadas dando especial atenção a “vícios construtivos” que podem resultar em problemas estruturais em edificações e serem impropriamente associados a danos causados por subsidência.
Nascimento e Bursztyn (2012) destacam a importância do “efeito pedagógico” do apoio da comunidade de Criciúma aos superficiários afetados por subsidência nessa ação civil pública coletiva, destacando que tem servido de exemplo para outras comunidades da região também afetadas por rachaduras em edificações e redução de água nas fontes naturais das quais elas dependem para o suprimento de suas necessidades.
Pode-se considerar que os resultados da pesquisa identificam que os superficíarios herdaram um legado de externalidades ambientais de âmbito “intergeracional” oriundo da história da mineração subterrânea de carvão em Criciúma. Essas externalidades foram geradas pela lavra do carvão que outrora enriqueceu mineradores e contribuiu para o desenvolvimento regional, mas que hoje afeta edificações, obras civis, recursos hídricos superficiais e subterrâneos e paisagens que integram o patrimônio natural e construído do município.
Pelos depoimentos dos superficiários, observa-se que esses não compreendem a dimensão espaço – temporal entre a lavra subterrânea do passado e as consequências socioambientais no presente, bem como o “emaranhado legal” que amarra o Estado pelo fato dele ter uma dupla função, como agente regulador da mineração e “garantidor” do meio ambiente ecologicamente equilibrado à população que habita o local outrora minerado subterraneamente. Dessa forma, os superficiários também não entendem por que o processo de resolução dos conflitos de subsidência pela via judicial é tão moroso e os resultados das decisões nem sempre satisfatórios aos seus pleitos.
Os resultados dessa pesquisa mostram que os danos ambientais de subsidência afetam emocionalmente os superficiários, principalmente os economicamente menos favorecidos. Esses superficiários sentem medo e insegurança ante à sensação de que são sempre penalizados pelo fato de seus bens serem desvalorizados e nem sempre buscam apoio judicial, em função dos custos envolvidos na tramitação dos processos.
Pelas entrevistas realizadas e documentos consultados, pode-se afirmar que os superficiários reconhecem o esforço dos promotores de justiça de Criciúma na busca de reparação e/ou punição dos responsáveis pelos danos causados por subsidência aos superficiários locais. Por outro lado, os superficiários não enxergam a ineficiência do Poder Público Municipal quanto ao não estabelecimento de políticas públicas de planejamento para evitar o avanço da malha urbana sobre áreas mineradas no passado.
É possível concluir que os danos ambientais de subsidência de minas lavradas há várias décadas por empresas que, por via de regra, nem existem mais, sob a ótica da função social da propriedade (conforme explicitado na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade) comprometem o pleno direito de propriedade dos superficiários, uma vez que por via reflexa, impactam todas as benfeitorias agregadas ao solo, às suas residências, às estruturas por eles construídas, e às áreas agrícolas, além de comprometer o meio ambiente natural.
Como limitação do estudo, destaca-se a condução de entrevistas apenas com cinco stakeholders, três superficiários e dois especialistas. Neste sentido, para estudos futuros, recomenda-se a realização de pesquisa de maior profundidade para que a questão dos conflitos socioambientais de subsidência de minas subterrâneas antigas de Criciúma seja melhor compreendida e que seus resultados possam servir de embasamento para decisões judiciais em outras regiões mineiras que apresentem problemas semelhantes e para orientar políticas preventivas para situações similares e corretivas para os casos em curso.