Resumo: O objetivo deste artigo foi identificar as políticas de incentivo ao uso de bicicleta como meio de transporte desenvolvidas por organizações em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, bem como a vinculação de tais políticas aos programas de gestão socioambiental dessas organizações. Examinou-se também se essas políticas influenciaram os trabalhadores na decisão de utilizar a bicicleta como meio de locomoção ao trabalho. Constatou-se que bicicletários, vestiários, chuveiros, armários, kit de ferramentas e campanhas de promoção são alguns dos componentes das políticas de incentivo ao uso de bicicletas e que a grande maioria das organizações estudadas não vincula suas políticas socioambientais ao incentivo ao uso de bicicletas como meio de locomoção ao trabalho. Em relação aos trabalhadores, observou-se que as políticas de incentivo têm resultados positivos na escolha da bicicleta como forma de locomoção urbana. Diante disso, este trabalho mostra a relevância de introduzir meios de transporte que promovam melhores condições de saúde física e mental à população, que ajudem a solucionar problemas de mobilidade e a melhorar o uso de espaços públicos e que contribuam para a redução da emissão de poluentes atmosféricos.
Palavras-chave:bicicletabicicleta,mobilidade urbanamobilidade urbana,gestão socioambientalgestão socioambiental,sustentabilidadesustentabilidade.
Abstract: The aim of this study was to identify the incentive policies developed by organizations in Porto Alegre/RS to encourage the use of bicycle as a mean of transportation. We also investigated whether these incentives are linked to social and socioenvironmental management programs. Finally, we examined if these influenced workers on the decision to use cycling to commute to work. The survey found that bicycle racks, changing rooms, showers, lockers, tool kit and promotional marketing are some of the components of policies to encourage the use of bicycles. It was observed that most of the studied organizations did not link their social and environmental policies with the practices to encourage the use of bicycles. Regarding cyclists, it was observed that policies encouraging the use of bicycles have positive results in choosing this mean as urban mobility. This work shows the relevance to introduce means of transport that promote better physical and mental health to the population, to help address mobility problems, the use of public spaces, and contribute to reducing the emission of air pollutants.
Keywords: bicycle, urban mobility, environmental management, sustainability.
ARTIGOS
Políticas organizacionais para inc entibar bicicletas na mobilidade urbana em porto alegre, rio grande do sul
Organizational Policies to encourage Bicycles in Urban Mobility in Porto Alegre, RIO GRANDE DO SUL
Recepção: 19 Fevereiro 2015
Aprovação: 03 Outubro 2016
A questão da mobilidade vem ganhando visibilidade em Porto Alegre nos últimos anos devido aos crescentes congestionamentos em horários e locais antes não afetados por essa problemática. Nos últimos dez anos, enquanto a população da cidade aumentou 3,62%, a frota de veículos, somente no período de 2005 a 2010, aumentou 20,38% (MOBILIZE, 2011). Além dos congestionamentos, outro problema agravado pelo aumento da circulação de veículos é a poluição do ar. Estatísticas da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2005) apontam que os transportes são responsáveis por até 70% da poluição do ar urbano. Associado a esses fatores, há um aumento do sedentarismo, que, segundo a OMS (2017), é a quarta maior causa de mortes no mundo e está associado a alguns tipos de câncer e de diabetes.
Shinkle e Teigen (2008) e Hook (2003) sugerem que pessoas que andam ou utilizam bicicleta para ir ao trabalho, entretanto, são menos propensas a ter excesso de peso ou obesidade. Nesse panorama, utilizar a bicicleta para deslocamentos urbanos figura como uma alternativa eficaz para a redução de congestionamentos e da poluição do ar e para a prática esportiva. Heinen, Maat e Wee (2009) constataram, por exemplo, que incentivos provenientes dos empregadores aumentam o número de ciclistas.
Nesse contexto, argumenta-se que as organizações que incentivam o uso de bicicletas estão realizando uma ação socioambiental. A origem dessa compreensão está na afirmativa do Instituto Ethos (2018) de que a responsabilidade socioambiental é uma forma de gestão em que há metas para impulsionar o desenvolvimento sustentável da sociedade, e o incentivo a meios de transporte menos poluentes e promotores de saúde integra esse rol de atividades. Diante disso, esta pesquisa busca identificar as políticas de incentivo ao uso de bicicleta como meio de transporte desenvolvidas por organizações em Porto Alegre, bem como verificar se essas políticas são vinculadas ao programa de gestão socioambiental da organização e se tiveram influência na decisão dos ciclistas de pedalar até o trabalho.
A Lei n.º 12.587/2012 define mobilidade urbana como a condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano. Conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2011), a maioria dos deslocamentos no Brasil ocorre para o trabalho, e o sul do Brasil é uma das regiões que mais utiliza automóvel como meio de locomoção e a que apresenta a menor porcentagem no uso de bicicleta.
Informações do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN, 2012) indicam que, no período de 2005 a 2012, o número de automóveis em Porto Alegre aumentou exponencialmente. Conforme Machado e Oliveira (2009), isso implica maiores congestionamentos e aumento da poluição – em regiões congestionadas, o tráfego de veículos é responsável por cerca de 90% das emissões de gases de efeito estufa, ameaçando a saúde humana. Segundo Machado (2010), para realizar um gerenciamento da mobilidade sustentável, é preciso reduzir congestionamentos, acidentes e poluição, sendo necessárias ações de desestímulo ao automóvel e de priorização ao transporte coletivo, aos pedestres e aos ciclistas.
O uso de bicicletas como meio de locomoção apresenta diversos benefícios. Conforme o Plano de Mobilidade por Bicicleta nas Cidades (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007), esse é o veículo de transporte de menor custo de aquisição e manutenção, com grande eficiência energética, baixa perturbação ambiental, alta equidade. Além disso, contribui à saúde física e mental, permite maior flexibilidade nos deslocamentos, como circular em locais não permitidos a outros veículos, exige menor necessidade de espaço público, tanto nas vias públicas quanto em estacionamentos, e possibilita maior rapidez em deslocamentos de curtas distâncias. Estima-se, ainda, que, para distâncias de até 6 km, a bicicleta é mais rápida que um automóvel e que, para distâncias entre 6 km a 10 km, os tempos de deslocamentos são equivalentes (ASSOCIAÇÃO TRANSPORTE ATIVO, 2008).
O Ministério das Cidades (2007) relata que a bicicleta é o veículo individual mais usado no Brasil, mas a sua predominância ocorre em cidades com menos de 50 mil habitantes, o que corresponde a 90% do total de cidades do país. Já nas grandes cidades, a situação é contrária, havendo grande necessidade de resolução de problemas de tráfego. Conforme o Relatório Geral de Mobilidade Urbana da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP, 2012), em municípios brasileiros que possuem mais de um milhão de habitantes, como Porto Alegre, apenas 1% das viagens são realizadas por meio de bicicletas.
Em uma pesquisa de demanda manifesta efetuada pela Prefeitura de Porto Alegre e divulgada no Plano Diretor Cicloviário Integrado de Porto Alegre (PDCI, 2008), foi constatado que os principais motivos para o não uso de bicicletas são o medo de acidentes e a falta de local seguro para deixar o veículo. Ao encontro disso, Ritta (2012), em uma pesquisa realizada com alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), identificou que o principal motivo de não utilização da bicicleta é a insegurança em trafegar nas vias de rolamento junto aos automóveis devido à carência de ciclovias na cidade.
Em relação a utilizar a bicicleta como meio de locomoção ao trabalho, Heinen, Maat e Wee (2011) constataram que três fatores afetam diretamente a escolha por pedalar para o trabalho: segurança; benefícios diretos, em especial conforto, tempo e flexibilidade; e conscientização. No que concerne às ações de incentivo ao uso de bicicleta, o PDCI (2008) indica que seriam fontes de estímulo: instalação de ciclovias (49,24%), bicicletários (33,88%), integração com outros meios de transporte (9,53%) e chuveiros e vestiários (5,89%). Ritta (2012) identificou resultados da mesma ordem. Segundo Shinkle e Teigen (2008), educar os motoristas, ciclistas e pedestres sobre seus direitos e suas responsabilidades pode efetivamente incentivar o ciclismo.
No Canadá, há a premiação Bicycle Friendly Business Award (Prêmio Empresa Amiga da Bicicleta), concedida às empresas com as melhores ações de incentivo ao uso de bicicletas, em seis categorias: estacionamento da bicicleta, empresas suburbanas, pequenas empresas, grandes empresas, melhor desenvolvimento de competências e melhor geral. Em 2012, a empresa vencedora da categoria melhor geral foi a Patagonia Toronto, em que os funcionários participavam de um programa chamado Drive-Less (Dirija Menos), que os apoiavam na escolha de meios alternativos de transporte para o trabalho, pagando dois dólares para cada viagem de bicicleta ao trabalho, até um montante de 500 dólares por ano (TORONTO, 2015).
Visando à inclusão da bicicleta nos deslocamentos urbanos, o Brasil instituiu o Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta, que prevê ações voltadas à criação de uma maior quantidade de ciclovias, à integração da bicicleta com os meios de transporte coletivos e à difusão do conceito de mobilidade urbana (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007). Nesse contexto, em Pernambuco o governo lançou o Programa Pedala PE, que prevê a construção de ciclovias, a instalação de bicicletários e vestuários e a realização de campanhas educativas. Como incentivo, o governo está fornecendo 75% de desconto no Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), no período de 2012 a 2024, para fábricas de bicicletas que se instalarem no estado. Também instituiu o selo Empresa Amiga da Bicicleta, oferecido às empresas que comprovarem possuir ou instalarem bicicletários e vestiários (GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, 2014).
Porto Alegre, por sua vez, instituiu o Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI, 2008) por meio da Lei Complementar n.º 626, de 15 de julho de 2009, que prevê ações de incentivo ao uso de bicicletas como mobilidade urbana. Para isso, estão sendo executadas novas ciclovias, e estão previstas campanhas de promoção ao ciclismo e orientação a ciclistas e motoristas. Entretanto, até o ano de 2017 poucas das ações planejadas foram efetivamente executadas.
Em setembro de 2012, teve início na cidade o sistema de compartilhamento de bicicletas (Bike Poa), com o objetivo de promover mobilidade sustentável e saúde. Porto Alegre abriga, ainda, um evento de promoção ao uso de bicicletas, chamado de Massa Crítica, que ocorre mensalmente e possui forte atuação de dois grupos de ciclismo, o POA Bikers, que é mais focado no uso da bicicleta como modalidade esportiva, e o Pedalegre, que busca incentivar o uso da bicicleta e proporcionar a integração entre os ciclistas. Também atua na cidade um grupo de voluntários que ensinam as pessoas a pedalarem no trânsito com mais segurança, chamado Bike Anjo. Ainda no ano de 2012, Porto Alegre sediou o 1º Fórum Mundial da Bicicleta (BIKE POA, 2018; MASSA CRÍTICA, 2018; POA BIKERS, 2018; PEDALEGRE, 2018, BIKE ANJO, 2018; FÓRUM MUNDIAL DA BICICLETA, 2018).
Conforme a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2014), o período entre 2005 a 2014 foi declarado como a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Para Silva, Rosini e Rodrigues (2009, p. 63), “a grande discussão entre os atores econômicos e sociais é como promover o crescimento econômico e a competitividade sem provocar danos ao meio ambiente e às futuras gerações”, cabendo não somente ao Estado, mas também às empresas e aos consumidores, o envolvimento em prol do desenvolvimento sustentável. Talvez o marco dessa transformação seja o Relatório da Comissão Brundtland (WCED, 1987), que levou a diversas iniciativas globais em prol da sustentabilidade, impactando diretamente o âmbito organizacional. Vale ressaltar que o Brasil é signatário de muitas dessas iniciativas, como o Protocolo de Kyoto.
Conforme Nascimento, Lemos e Mello (2008), a responsabilidade social empresarial é associada ao engajamento visando ao desenvolvimento sustentável, isto é, à sustentabilidade nos negócios. Nascimento (2007) ressalta que não é possível separar a gestão ambiental da gestão social, visto que o impacto ambiental gera impactos sociais.
A responsabilidade social ou responsabilidade socioambiental empresarial (RSE), termo que vem sendo mais utilizado, é o conjunto de ações socioambientais desenvolvidas por uma determinada empresa. Essas ações visam a identificar e minimizar os possíveis impactos negativos resultantes de sua atuação, bem como desenvolver ações para construir uma imagem positiva, fortalecendo as condições favoráveis aos negócios da empresa (Nascimento; Lemos; Mello, 2008, p. 46).
A Global Reporting Initiative (2018) relaciona a sustentabilidade a três dimensões: econômica, ambiental e social. A dimensão econômica vincula-se aos clientes, aos fornecedores, aos funcionários, aos investidores e ao setor público. A dimensão ambiental, por sua vez, diz respeito a aspectos como energia, emissões, resíduos e transporte. Já a dimensão social concerne à relação com os funcionários, à saúde e segurança, à comunidade e ao treinamento e à educação.
Silva, Rosini e Rodrigues (2009) entendem que a responsabilidade socioambiental pode vir a ser uma ferramenta competitiva para a empresa. Segundo Borger (2006), já é percepção de muitas organizações que ações de responsabilidade socioambiental são um investimento passível de benefícios futuros e de vantagem competitiva. Para Barbosa e Rocha-Pinto (2009), as empresas podem obter maior vantagem competitiva e retorno financeiro se conseguirem ligar benefícios ambientais e sociais com as demandas de mercado.
Nesse contexto, figura como uma ação socioambiental a promoção ao uso de bicicletas como forma de locomoção ao trabalho. Heinen, Maat e Wee (2009) perceberam que incentivos dos empregadores aumentam o número de ciclistas. Além disso, apresentaram resultados de outras pesquisas, em que foi constatado ser a existência de estacionamentos seguros, chuveiros, armários e vestiários os principais incentivos. Hunt e Abraham (2007) verificaram que estacionamento seguro é o item mais importante para a promoção desse uso, podendo implicar: redução do absenteísmo, funcionários mais saudáveis, redução de necessidade de espaço para estacionamento e menores custos de locomoção.
Para incentivar o uso de bicicletas como meio de locomoção urbana, uma das etapas sugeridas no manual “De Bicicleta para o Trabalho” é a melhoria da infraestrutura física, instalando bicicletários adequados e em locais seguros, com uma vaga para cada vinte trabalhadores, e, se a organização dispuser de espaço, instalando vestiários e chuveiros. Também apresenta grande utilidade a instalação de armários para guardar roupas e itens de higiene. Outras facilidades que podem ser oferecidas são secadores de cabelo, quadro de avisos, tábua e ferro de passar roupa e kit de ferramentas, como bomba de ar, câmaras de ar, kits para remendos de furos e conjuntos de chaves (ASSOCIAÇÃO TRANSPORTE ATIVO, 2008). A Bicycle Victoria (2009) ressalta, ainda, que é possível oferecer protetores solares como forma de incentivo.
Do ponto de vista cultural, o manual “De Bicicleta para o Trabalho” enfatiza a necessidade do apoio da chefia e da direção, o que pode ocorrer por meio de eventos, premiações, convênios com lojas de bicicletas, descontos em compras ou cursos, flexibilidade com as vestimentas e com os horários de trabalho, bem como de exemplo dos próprios chefes ao pedalarem (ASSOCIAÇÃO TRANSPORTE ATIVO, 2008). Algumas outras recomendações fornecidas em The International Bicycle Fund (2014) são a determinação de dias específicos para ir de bicicleta ao trabalho, a realização de palestras, a escrita de colunas na intranet ou em revistas da empresa sobre o tema, o uso cartazes e a organização de passeios.
Por fim, o manual “De Bicicleta para o Trabalho” sugere que seria benéfico à organização divulgar os incentivos que fornece e que é “amiga da bicicleta” em propagandas para clientes, fornecedores e funcionários, o que pode ocorrer mediante jornal local, assessoria de imprensa e relatórios anuais (ASSOCIAÇÃO TRANSPORTE ATIVO, 2008). Também é possível, a um baixo custo, divulgar tais ações por e-mail, intranet, memorandos, materiais de integração e orientação, sinalização e cartazes.
No estado de Santa Catarina, a empresa Fornos Jung possui, desde o ano 2000, um programa de incentivo ao uso de bicicletas como meio de mobilidade urbana, chamado Bike to Work (De Bicicleta para o Trabalho), vinculado à sua gestão socioambiental, conforme informou Elton Jung, diretor da empresa (JUNG, 2012). Segundo ele, 28% dos colaboradores utilizam a bicicleta ao menos três vezes na semana para locomoção, seja devido à redução de custos (29%), à saúde (21%) e ao fato de o transporte mais rápido (21%). A empresa possui bicicletário, vestiários e chuveiro, armários com cadeado e uma pequena oficina com ferramentas e ar comprimido para encher pneu. Além disso, todo colaborador que quiser participar do programa recebe uma bicicleta já com equipamentos de segurança, e, caso não tenha condições de adquirir os itens de segurança, estes são custeados pela empresa. Ademais, a bicicleta não precisa ser devolvida no desligamento.
O custo inicial do projeto, descontado o custo interno de seus colaboradores, foi de R$ 4.515,00 reais. No Bike to Work, estão envolvidos (em tempo parcial) um empregado do setor de gestão de pessoas, para organizar e monitorar o programa, e um comprador, para adquirir as bicicletas. O custo estimado é de R$ 250,00 para cada 30 horas de trabalho cumpridas por um empregado. Conforme Elton Jung (2012), essa é uma das soluções de baixo investimento e rápida aplicação para o sedentarismo, o caos no trânsito urbano e a poluição. Relata, ainda, que algumas vantagens para as empresas são o aumento da produtividade, a redução do absenteísmo, a melhoria da imagem institucional e a menor necessidade de estacionamento.
Buscou-se identificar a influência nos trabalhadores de políticas de incentivo desenvolvidas por organizações em Porto Alegre no que concerne ao uso de bicicletas como meio de transporte. Visando atingir esse objetivo geral, foram definidos os seguintes objetivos específicos: identificar organizações em Porto Alegre que incentivam o uso de bicicleta como meio de transporte; verificar quais são os incentivos oferecidos por essas organizações; averiguar o número médio de usuários em relação ao total de pessoas que frequentam a instalação da organização; averiguar se os incentivos oferecidos pela organização influenciaram os usuários na decisão de utilizar bicicleta para ir até o local de trabalho; e verificar se as ações de incentivo ao uso de bicicleta são vinculadas ao programa de gestão socioambiental da organização.
Optou-se, assim, por uma metodologia qualitativa, com análise de casos, realizando visitas e entrevistas em organizações localizadas em Porto Alegre. Para a coleta de informações, a técnica escolhida foi amostragem por critério, na qual, conforme Gil (2000), a seleção é feita com base em um critério escolhido intencionalmente. Um dos critérios utilizados foi a presença de um bicicletário na organização, tendo em vista que isso, conforme defendem Heinen, Maat e Wee (2009), Associação Transporte Ativo (2008), PDCI (2008) e Ritta (2012), torna a organização uma incentivadora do uso de bicicletas. A escolha por investigar organizações somente em Porto Alegre baseou-se no estudo do Ministério das Cidades (2007), que informa que o uso de bicicletas é mais difundido em cidades pequenas e que, nas cidades com mais de um milhão de habitantes, apenas 1% das viagens são realizadas por esse meio.
As oito organizações pesquisadas foram: Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural/Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Emater/RS-Ascar), Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A. (Banrisul), Tribunal de Justiça/ (TJ/RS), Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), Organização Técnica de Assistência e Manutenção Ltda. (OTAM), TMSA – Tecnologia em Movimentação S/A, Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e Taurus. Foi realizada uma visita a cada uma dessas organizações, a fim de conhecer o bicicletário e as demais estruturas de apoio aos ciclistas, entrevistando-se o gestor da política de incentivos para compreender como se originaram essas ações, qual é a situação atual da estrutura fornecida e qual é a sua utilização. Também foram realizadas entrevistas com trabalhadores que utilizam a bicicleta para ir ao trabalho (que, em algumas ocasiões, será denominado “ciclista” neste estudo) e com trabalhadores que utilizam outros meio de locomoção (denominados “não usuário” ou “não ciclista”) para compreender se a opção por usar ou não bicicleta está atrelada aos incentivos fornecidos. No decorrer desta pesquisa, também será utilizado o termo “ciclismo” como sinônimo da expressão “uso de bicicletas para locomoção urbana”.
Os dados obtidos foram explorados por meio de uma análise descritiva. Conforme Angrosino (2009), na análise descritiva o processo de decompor o fluxo de dados obtidos visa buscar compreender os padrões e as regularidades. É possível, a partir disso, avaliar as declarações feitas pelas pessoas, analisar as atividades individuais e coletivas, observar as situações e buscar consistências e inconsistências nas informações. Van Den Hoonaard e Van Den Hoonaard (2008) sugerem, para isso, avaliar as transcrições de entrevistas, as notas de campo, os dados visuais, os documentos e as ocorrências na internet, sugestões que foram acatadas nesta pesquisa.
Os resultados das entrevistas com os gestores permitiram compreender a estrutura fornecida em relação ao tamanho da organização e o seu nível de utilização. No que concerne à quantidade média de empregados no prédio, ao número de vagas no(s) bicicletário(s) e à quantidade média de ciclistas, foram obtidos os resultados expostos a seguir no Quadro 1.
Empregados, bicicletários e quantidade de ciclistas
Fonte: elaborado pelos autores.Enquanto as organizações que têm maior quantidade de ciclistas são a TMSA, o HCPA e a Taurus, as que têm maior quantidade de ciclistas em relação ao total de funcionários do prédio são a TMSA, o Banrisul e o TJ/RS, sendo o menor índice apresentado pelo TRF4 e pelo HCPA, que não alcançaram 1% (Figura 1). Não foram encontrados estudos indicando metas a serem alcançadas ou níveis desejados a esse respeito.
Porcentagem de ciclistas/total de empregados
Fonte: elaborada pelos autores.Em relação ao bicicletário, cinco das organizações investigadas (TMSA, OTAM, TJ/RS, Banrisul e Emater) atendem a recomendação da Associação Transporte Ativo (2008) de haver uma vaga para cada 20 trabalhadores. O pior índice nesse quesito foi apresentado pelo HCPA (Figura 2).
Quantidade de empregados por cada vaga no bicicletário
Fonte: elaborada pelos autores.Todas as organizações investigadas oferecem segurança nos seus bicicletários; alguns se situam no interior do prédio da empresa, e outros, em estacionamentos controlados por vigias. A segurança nos bicicletários é um fator de estímulo ao uso de bicicletas, conforme indicado no PDCI (2008).
Merecem destaque os bicicletários da Emater/RS e do HCPA. O bicicletário da Emater/RS-Ascar localiza-se no pátio da empresa, junto ao estacionamento de veículos, separado da rua por um gradil e com o acesso controlado por um segurança e cumpre quase a totalidade das recomendações apresentadas nesta pesquisa, a da The International Bicycle Fund (2014) de estar em um local iluminado, protegido do tempo por uma cobertura ou um telhado, ou dentro de um edifício, e a da Associação de Ciclismo de Balneário Camboriú (ACBC, 2014) de estar próximo à entrada, em local sem impedimentos de acesso, e de o piso ser sem saliências. Sendo assim, apenas o suporte da bicicleta poderia ser maior para permitir cadear o quadro. O HCPA, por sua vez, é a única das empresas estudadas que cumpriu todas as recomendações contidas nesta pesquisa em relação à estrutura do bicicletário, tanto as da The International Bicycle Fund (2014) quanto as da ACBC (2014).
No Banrisul, não havia espaço físico para a instalação do bicicletário dentro do seu prédio, realizando-se, portanto, uma busca nas imediações. Verificou-se, assim, que havia a possibilidade de usar o espaço de um muro junto à divisa do edifício da Ugapoci (nas imediações). Em cima desse espaço, foi desenhado e projetado o bicicletário. Houve um acordo de que não seria pago aluguel em troca de ceder três espaços no bicicletário para a Ugapoci, que, posteriormente, por não haver interessados em pedalar, devolveu as vagas ao Banrisul. Esse bicicletário fica em um estacionamento, que é vigiado por um segurança e que possui uma planilha de controle de entrada e de saída diária, marcando inclusive a hora em que o ciclista chegou e a hora em que saiu. Esse controle, além de promover segurança, visa acompanhar os ciclistas e saber se, de fato, têm pedalado e com qual frequência, para melhor controle de uso e distribuição das vagas, sendo repassado ao administrador do programa de incentivos ao uso das bicicletas, que faz estatísticas de uso. O bicicletário não cumpre a recomendação da The International Bicycle Fund (2014) de ser protegido do tempo por uma cobertura ou um telhado ou de estar dentro de um edifício, bem como a recomendação da ACBC (2014) de não utilizar suportes de encaixe de rodas. Apesar disso, deve-se levar em conta a solução criativa ante o empecilho de ausência de espaço.
Inclusive, dentre as organizações investigadas, merece destaque o programa de incentivo ao uso de bicicletas do Banrisul por ser o programa mais consolidado: o Banribike. O programa existe na agência central do Banrisul, foi idealizado e é administrado de forma voluntário pelo entrevistado, que também utiliza a bicicleta para locomoção até o trabalho. Desde o início do Banribike, já se inscreveram cerca de 80 pessoas, ainda que nem todas tenham chegado a participar (em torno de 50 a 60 pessoas já participaram). Para participar do Banribike, existe uma sistemática: é necessário preencher uma ficha de inscrição, em que o interessado indica há quanto tempo pedala, se utiliza equipamentos de segurança, a distância de sua casa até o local de trabalho, se já possui experiência em pedalar em ambiente urbano, qual é a frequência com que pretende ir ao trabalho pedalando, dentre outros aspectos. Antes de ingressar no programa, são realizados exames médicos, e é fornecido um manual do ciclista, que trata de temas como segurança viária, condicionamento físico, segurança contra roubo, manutenção, primeiros socorros, legislação e responsabilidade civil do empregador.
Verificou-se, ainda, que seis das organizações investigadas oferecem vestiário e sete delas oferecem chuveiros, fatores incentivadores ao uso de bicicletas, segundo informa o PDCI (2008). Além disso, seis das organizações oferecem armários, e apenas uma organização oferece kit de ferramentas, itens que constituem algumas das recomendações contidas em manuais de mobilidade por meio de bicicletas.
O Banrisul, por não dispor de espaço físico, realizou um contrato com uma academia situada em frente ao prédio, prevendo o uso do vestiário, chuveiro e armário e pagando, para isso, um preço inferior ao de uma mensalidade. O contrato prevê 23 banhos diários, não sendo vinculado ao nome dos ciclistas, pois o bicicletário também é compartilhado entre empregados que pedalam em dias alternados.
Já no Tribunal de Justiça não há estrutura com vestiário, chuveiro e armário por falta de espaço. Para aqueles que necessitam, a opção disponível é utilizar o vestiário do Foro Central, prédio localizado nas imediações do Tribunal de Justiça.
Tendo por motivação a pesquisa de Schmitt (2006), que sugere que é possível enfrentar menos tráfego em horários flexíveis, esse questionamento foi realizado aos entrevistados, verificando-se que três das organizações investigadas oferecem essa possibilidade: Banrisul, TRF4 e HCPA.
Foi questionado, também, o ano de início dos incentivos (em relação à estrutura dos bicicletários) e se foram de iniciativa das organizações ou fruto de reivindicações dos empregados. Enquanto os bicicletários estão presentes há mais de dez anos em três organizações (OTAM, HCPA e Taurus), nas demais, figuram há menos de cinco anos. Apenas em duas organizações (TJ/RS e Taurus) a iniciativa de apoiar o uso de bicicleta partiu da organização.
No Banrisul, durante diversas gestões, desde 2000, foi encaminhado o projeto para incentivar o uso de bicicletas entre os funcionários à diretoria, o qual foi negado, sendo aceito somente na quarta administração após o pedido inicial. No início do programa, inscreveram-se cerca de quarenta pessoas para as vinte vagas, sendo realizada uma triagem, em que se utilizou como critérios de preferência a experiência, o número de dias que o inscrito pretendia pedalar e a maior distância de casa até o trabalho. No caso do TJ/RS, na época de inserção do bicicletário, havia um servidor esportista que praticava triátlon. Ele utilizava a bicicleta para ir ao trabalho, incitando a preocupação sobre a segurança do veículo ao saberem que deixava sua bicicleta solta no estacionamento – um equipamento caro e equipado para competições. Então, instalou-se um primeiro bicicletário, na época com quatro ou seis vagas.
Já na OTAM, o entrevistado ressaltou que muitos dos empregados do ambiente fabril possuem baixo poder aquisitivo e que a grande maioria utiliza a bicicleta para locomoção ao trabalho por necessidades econômicas, sem qualquer vínculo com preocupações ambientais ou questões de saúde, afirmando que, por experiência de convivência, percebe que estes empregados, à medida que incrementam seu salário, passam a utilizar moto ou carro para sua locomoção. Apenas a Emater/RS-Ascar e o Banrisul realizaram uma pesquisa acerca da aceitação antes do início da política de incentivos.
Em relação aos custos de implantação, apenas o Banrisul possui esse registro disponível; as demais organizações ou haviam instalado há muito tempo ou sequer sabiam quem poderia ter essa informação. Quanto aos custos de manutenção, estes foram considerados irrisórios por quatro organizações, três delas não disponibilizaram essa informação, e o Banrisul considerou o custo de manutenção atual elevado, mas necessário pela falta de espaço para vestiários e pelas atuais prioridades do banco.
Embora os benefícios financeiros sejam algumas das possibilidades de incentivo contidas no manual “De Bicicleta para o Trabalho” (ASSOCIAÇÃO TRANSPORTE ATIVO, 2008) e praticadas pela empresa catarinense Fornos Jung (JUNG, 2012) e por empresas no exterior, como é o caso da Patagonia Toronto (TORONTO, 2015), nenhuma das organizações investigadas possui esse tipo de prática.
Levando em conta o posicionamento da Associação Transporte Ativo (2008) acerca da importância da realização de campanhas de incentivo, foi identificado que a metade das organizações realiza campanhas (Emater/RS-Ascar, Banrisul, TJ/RS e HCPA). Merece destaque a Emater/RS-Ascar, que realiza palestras para seus empregados e já realizou um passeio ciclístico, tendo participação de muitos empregados e cicloativistas.
A divulgação dos programas de incentivo entre os empregados é uma prática bastante recomendada na literatura, como, por exemplo, no site da The International Bicycle Fund (2014) e no manual “De Bicicleta para o Trabalho” (ASSOCIAÇÃO TRANSPORTE ATIVO, 2008), que fornecem, inclusive, algumas possibilidades de divulgação de baixo custo. Verificou-se que quatro organizações divulgam apenas informalmente essas ações: TRF4, OTAM, TMSA e Taurus. Em relação à divulgação entre os empregados, a Emater/RS-Ascar trabalha com campanhas e seminários; e o Banrisul, o TJ/RS e o HCPA, com campanhas e intranet.
No que diz respeito a novas demandas, a metade das organizações relatou não ter novos pedidos (Emater/RS-Ascar, TRF4, OTAM e TMSA). A Emater, apesar de não apresentar novas demandas, tem a expectativa de que, em breve, seja solicitada a ampliação do bicicletário. Dentre as organizações que têm novas demandas, citam-se o Banrisul, que necessita trocar de academia, pela necessidade de mais chuveiros, pois a academia teve aumento no número de clientes e algumas vezes há espera pelo uso do chuveiro; o TJ/RS, que tem demanda por vestiários e chuveiros; o HCPA, que necessita de novas vagas no bicicletário; e a Taurus, que prevê a necessidade de que o bicicletário tenha um teto de proteção. Todas as organizações pretendem atender as novas demandas.
Tendo em vista a existência de estudos relacionando o incentivo ao uso de bicicletas com a redução de custos com transporte, a saúde e o menor absenteísmo, como Bicycle Victoria (2009), Heinen, Maat e Wee (2009) e Associação Transporte Ativo (2008), foi questionado às organizações se de alguma forma possuem medição de resultados (formais ou informais) sobre redução de custos. Apenas a Emater/RS-Ascar e o Banrisul responderam que possuem relatos de resultados informais, enquanto as demais organizações não realizam qualquer tipo de medição. Na Emater/RS-Ascar, os empregados ciclistas relatam muita satisfação com a estrutura, tendo havido um aumento de usuários. No Banrisul, os resultados informais são de algumas pessoas que ingressaram no Banribike e emagreceram, sentindo-se mais saudáveis e tendo reduzido seus índices de colesterol. O entrevistado do Banrisul ressaltou que, com os dados que dispõe, até seria possível medir os resultados, mas, como a administração do grupo ocorre por meio de um trabalho voluntário, não teve tempo para tabular essas informações.
Em relação ao reconhecimento e a premiações de organizações que incentivam o uso de bicicletas, há relatos de casos de premiação, como o Bicycle Friendly Business Award no Canadá (TORONTO, 2015), concedido às empresas com as melhores ações de incentivo ao uso de bicicletas, e também o selo Empresa Amiga da Bicicleta, concedida a empresas em Pernambuco que tenham estrutura de apoio ao ciclismo. No caso das organizações entrevistas, nenhuma obteve algum prêmio ou reconhecimento até o momento.
Na literatura, há recomendação de que os governantes utilizem meios fiscais para incentivar o uso da bicicleta, desenvolvendo políticas voltadas ao empregador de forma voluntária ou compulsória (HEINEN; MAAT; WEE, 2009), bem como há relato de ações efetivas. Foi questionado, então, se as organizações recebem algum incentivo do governo para promover o apoio ao uso de bicicletas entre seus funcionários, como, por exemplo, redução de impostos, e todas as organizações responderam de forma negativa.
Quando questionadas se estariam dispostas a realizar mais iniciativas de apoio ao uso de bicicletas se recebessem incentivos do governo, seis das organizações disseram que sim (Banrisul, TJ/RS, TRF4, OTAM, HCPA e Taurus). O entrevistado do Banrisul ressaltou que, inclusive, uma das sugestões que foi encaminhada à diretoria é a possibilidade de fazer financiamento de bicicletas por intermédio do banco. A Emater/RS-Ascar, por sua vez, acredita que, mesmo com incentivos do governo, não ampliaria seu programa de incentivos; e a TMSA ficou em dúvida, respondendo que haveria necessidade de estudo para decidir a esse respeito.
Considerando que autores como Borger (2006) relatam que muitas organizações já entendem que ações de responsabilidade socioambiental são um investimento passível de benefícios futuros e de vantagem competitiva, foi questionado se a organização considera as ações de apoio ao ciclismo entre os funcionários como um diferencial competitivo. A essa questão apenas duas empresas responderam que sim, Banrisul e Taurus.
Questionadas se há programa de gestão socioambiental, todas as organizações responderam positivamente. E, quando questionadas se as ações de apoio ao ciclismo são vinculadas ao programa de gestão socioambiental, apenas três das organizações responderam que sim: a Emater/RS-Ascar, o Banrisul e o TJ/RS.
Questionados se possuem carro ou moto, cinco usuários disseram possuir carro (TJ/RS, TRF4, OTAM, TMSA e Taurus), nenhum afirmou possuir moto, e três relataram não possuírem automóvel nem moto (Emater/RS-Ascar, Banrisul e HCPA). O usuário da Emater/RS-Ascar relatou ter vendido sua moto após começar a pedalar e deixar de utilizá-la.
Ao questionar os entrevistados sobre a distância percorrida de sua residência até o trabalho, pode-se observar que há ciclistas que percorrem uma distância diária total de 30 km. Em relação ao tempo médio em que percorrem essa distância, nem todos os entrevistados puderem oferecer comparações da bicicleta em relação a outros meios de transporte, mas é importante observar que, em três organizações, os ciclistas percorrem o trajeto mais rápido de bicicleta do que por outros meios (Banrisul, TJ/RS e HCPA) e, em outras três situações, o trajeto é feito no mesmo tempo do que por outros meios de transporte (Banrisul, HCPA e Taurus).
Considerando a informação do manual “De Bicicleta para o Trabalho” (ASSOCIAÇÃO TRANSPORTE ATIVO, 2008) de que, para distâncias de até 6 km, a bicicleta é mais rápida que um automóvel e, para distâncias entre 6 km a 10 km, os tempos de deslocamentos são equivalentes, foi realizada uma pequena comparação e verificado que: no TJ/RS o ciclista percorre mais rápido com a bicicleta do que de carro uma distância de 1 km; no Banrisul o ciclista leva 25 minutos para percorrer 10 km, seja de bicicleta ou de carro; e na Taurus uma distância de 11 km é percorrida em 30 minutos de bicicleta e em 17 minutos de carro. Esses três resultados apresentados parecem estar de acordo com o informado no manual “De Bicicleta para o Trabalho” (ASSOCIAÇÃO TRANSPORTE ATIVO, 2008). A exceção ocorreu no HCPA, em que, para uma distância maior do que 10 km, a bicicleta ainda se mostrou mais rápida, talvez por se tratar de via bastante congestionada em horários de pico (Avenida Protásio Alves). Tais informações estão sintetizadas no Quadro 2 a seguir.
Distância percorrida x tempo
Fonte: elaborado pelos autores.Acerca da frequência com que pedalam até o local de trabalho, seis dos entrevistados pedalam cinco dias por semana (Emater/RS-Ascar, Bansirul, TJ/RS, OTAM, TMSA e Taurus), com exceção apenas de dias chuvosos. No HCPA, a frequência é de quatro dias por semana e, no TRF4, de três dias por semana. Nenhum dos entrevistados disse fazer isso esporadicamente, no verão ou em outras ocasiões. Levando em consideração a recomendação de World Health Organization (2010) de praticar entre trinta e quarenta minutos de atividade física leve ou moderada, na frequência de três a cinco dias na semana, seria possível afirmar que todos os usuários, tendo em vista unicamente a mobilidade ao trabalho, estão dentro da frequência recomendada de exercícios físicos.
Quando questionados acerca da motivação para pedalar até o local de trabalho, os entrevistados apresentaram respostas variadas, conforme indica o Quadro 3.
Motivação para pedalar até o local de trabalho
Fonte: elaborado pelos autores.Quando questionados se a estrutura oferecida pela organização teve influência na sua decisão de pedalar, apenas o servidor do TJ/RS respondeu que não, informando que, quando começou a pedalar, havia somente três vagas no bicicletário, espaço expandido atualmente. O empregado da Emater/RS-Ascar, por sua vez, respondeu que a estrutura influenciou de forma parcial, pois, quando começou a pedalar ao trabalho, ainda não havia o bicicletário, mas o fato de haver um estacionamento em local cercado e monitorado por vigias foi importante. Dentre os usuários que responderam afirmativamente a essa questão, o do TRF4 ressaltou que o principal fator foi a presença do bicicletário; o da OTAM mencionou que a estrutura oferecida pela empresa foi decisiva, sendo o bicicletário e o vestiário, respectivamente, os fatores mais importantes; o da TMSA respondeu que o principal fator foi a presença do bicicletário, pois não precisa de chuveiro pela proximidade de sua casa; e o ciclista do Banrisul relatou que tentou cerca de três vezes ir de bicicleta antes da implementação do programa Banribike, quando deixava o veículo em um condomínio próximo e tomava banho na casa de seu irmão, mas que dispensava muito tempo e não era prático, de forma que o programa tornou a atividade “excelente”, por haver local próximo e de fácil acesso para utilizar a bicicleta.
Em relação à satisfação, todos os ciclistas estão satisfeitos com a estrutura oferecida pelas suas organizações. O ciclista da TMSA disse que, “para melhorar”, irá fazer um pedido de instalação de bico de ar, para poder calibrar os pneus. Questionados sobre quais ações a organização poderia realizar de forma a incentivar os demais funcionários a pedalarem, os ciclistas ressaltaram a importância de bicicletários e chuveiros e sugeriram principalmente campanhas de incentivo e apoio aos ciclistas.
Quanto ao sentimento de segurança no trânsito enquanto ciclistas, seis dos usuários têm medo de pedalar no trânsito de Porto Alegre, principalmente em função da violência e falta de respeito com as bicicletas. Sobre a situação das atuais ciclovias, foi unânime a resposta de que são insuficientes e de que precisam de ampliação. Sobre sugestões do que pode ser realizado para ter um maior uso de bicicletas em Porto Alegre, foram sugeridas em maior quantidade a implantação e a ampliação de ciclovias, a instalação de bicicletários, campanhas educativas e maior sinalização voltada às bicicletas.
Questionou-se aos entrevistados qual é a distância percorrida de sua residência até o local de trabalho por trecho, em quanto tempo percorrem essa distância e com qual meio de locomoção (Quadro 4). Sete deles responderam que utilizam o automóvel em distâncias que variam de 1 km até 18 km. Ainda que se trate de uma amostra muito pequena para fazer generalizações, realizou-se uma comparação entre as distâncias, sendo possível observar que não há muita diferença entre os usuários, em que a média por trecho é de 7,12 km, em relação aos não usuários, em que a média por trecho é de 8,25 km. Isso pode vir ao encontro do proposto por Heinen, Maat e Wee (2011) sobre a análise convencional (decisão unicamente por custos, considerando tempo e esforço) não ser suficiente para explicar a escolha de utilizar a bicicleta, pois tal fator não justifica por que indivíduos em semelhantes situações e características socioeconômicas tomam decisões diferentes nesse sentido.
Distância percorrida, tempo e meio de locomoção
Fonte: elaborado pelos autores.Sobre o que acham dos colegas que pedalam para ir ao trabalho, todos os entrevistados têm um posicionamento positivo e favorável. A entrevistada da Emater/RS-Ascar afirmou que admira tal prática por ser uma atitude ecológica, que diminui a ocupação do estacionamento e que melhora o condicionamento físico, ressaltando, inclusive, que há dias em que precisa sair mais cedo de casa para conseguir uma vaga no estacionamento, que está sempre lotado.
Questionados sobre o motivo de não pedalarem até o trabalho, todos os entrevistados citaram a falta de segurança/medo do trânsito. Aqueles que responderam “distância” (TJ/RS, TRF4 e Taurus) percorrem, respectivamente, 12 km, 18 km e 8 km. Ainda assim, tanto o entrevistado do TRF4 quanto a entrevistada da Taurus comentaram que, se existissem ciclovias, a distância não seria um fator relevante. Aqueles que responderam “higiene” (TJ e HCPA) percorrem, respectivamente, 12 km e 4 km, embora o TJ ainda não tenha chuveiros e o HCPA disponha de ampla estrutura. Eles relatam que as ações da organização servem como uma motivação para utilizar bicicletas, mas são insuficientes, explicando que, para a mudança de comportamento, seria necessário também que fossem implantadas ciclovias na cidade.
Sobre a opinião acerca das atuais ciclovias em Porto Alegre, assim como ocorreu com os ciclistas, foi unânime a resposta de que precisam ser ampliadas. Sobre sugestões do que pode ser realizado para ter um maior uso de bicicletas em Porto Alegre, os entrevistados sugeriram principalmente a implantação de ciclovias e campanhas de educação no trânsito e de incentivo ao uso de bicicletas. Por fim, questionados se existe alguma ação que os faria pedalar até o trabalho (tanto da empresa quanto do governo), a metade dos entrevistados respondeu que, se, junto do apoio que a empresa oferece, novas ciclovias forem implantadas, estariam dispostos a pedalar.
Os dados apresentados permitem concluir que as organizações investigadas possuem uma infraestrutura de recepção aos ciclistas e algumas ações mobilizadoras que podem ser consideradas formas de incentivo ao uso de bicicletas como meio de mobilidade urbana e forma de locomoção ao trabalho. Os três principais fatores de incentivo identificados são bicicletários em locais seguros, vestiários com chuveiros e campanhas de incentivo. As entrevistas com os trabalhadores dessas organizações confirmam a hipótese de que, nas situações avaliadas, essas ações influenciaram positivamente a escolha por esse modo de locomoção, inclusive com relatos de que a estrutura oferecida pela organização foi decisiva para tal escolha. Todos os usuários respondentes estão satisfeitos com os incentivos oferecidos.
Entretanto, essa questão parece não ser percebida com a devida importância pelas organizações. Apesar de todas possuírem gestão socioambiental, apenas três compreendem que suas políticas de incentivos ao uso das bicicletas como forma de locomoção ao trabalho integram o rol de ações socioambientais executadas. Além disso, em alguns locais a impressão é de que a infraestrutura foi montada em atendimento a reivindicações dos empregados, sendo esquecida depois disso.
Outro ponto importante é que, apesar de não ser possível afirmar que seja uma raridade o incentivo ao uso de bicicletas em Porto Alegre pelas organizações, é possível dizer que essas ações possuem divulgação praticamente nula. Durante a realização das buscas para esta pesquisa, ao verificar o endereço eletrônico de diversas organizações a fim de identificar as ações relatadas de gestão socioambiental, nenhuma delas divulga o incentivo ao uso de bicicletas. Isso se repetiu nas entrevistas realizadas com os gestores. Essas organizações poderiam veicular a imagem de incentivo ao uso de bicicletas como uma ação socioambiental que busca promover um meio de transporte mais sustentável e como uma das soluções para o problema do forte tráfego de veículos enfrentado nas grandes cidades.
Além disso, poderiam realizar pequenas melhorias e mensurar os custos de manutenção da estrutura. Havendo interesse, o fator que demandaria um maior investimento financeiro a grande maioria dessas organizações já possui, que é a infraestrutura basal, fazendo referência principalmente a bicicletários e vestiários. Faz-se necessário melhorar o entendimento de que a promoção ao uso das bicicletas é uma questão socioambiental, bem como atuar junto aos trabalhadores com ações de divulgação, de incentivo e de promoção de uma mudança cultural. Essas ações, conforme exposto no referencial teórico, são possíveis de realizar a custos baixos, podendo ocorrer por meio de e-mail, intranet, cartazes ou palestras de funcionários ciclistas.
Em relação aos não usuários de bicicleta para locomoção ao trabalho, foi identificado que estes aprovam a estrutura fornecida pelas organizações, mas consideram que elas poderiam realizar mais campanhas de educação e motivação, uma vez que a estrutura fornecida serve de incentivo, mas não é suficiente. Eles sugerem, assim, que a implantação de ciclovias e campanhas de educação no trânsito, aliadas ao incentivo já fornecido pelos seus locais de trabalho, seria capaz de motivar o uso de bicicletas como meio de locomoção ao trabalho. Talvez seja interessante uma maior intervenção do governo para além da construção de ciclovias: promovendo campanhas de esclarecimento ou executando políticas de incentivo às empresas, conforme recomendação de alguns autores apresentados no referencial teórico.
Esta pesquisa demonstra a sua relevância ao introduzir a possibilidade de incentivar meios de transporte que promovam melhores condições de saúde física e mental à população, que ajudem a solucionar problemas de mobilidade e do uso de espaços públicos e que contribuam para a redução da emissão de poluentes atmosféricos. Dessa forma, pode servir de apoio à formulação de políticas governamentais, aos grupos de cicloativismo para definirem suas campanhas e às organizações para que obtenham maior conhecimento do que vem sendo realizado e para que vinculem essa prática à gestão socioambiental.
Empregados, bicicletários e quantidade de ciclistas
Fonte: elaborado pelos autores.Porcentagem de ciclistas/total de empregados
Fonte: elaborada pelos autores.Quantidade de empregados por cada vaga no bicicletário
Fonte: elaborada pelos autores.Distância percorrida x tempo
Fonte: elaborado pelos autores.Motivação para pedalar até o local de trabalho
Fonte: elaborado pelos autores.Distância percorrida, tempo e meio de locomoção
Fonte: elaborado pelos autores.