ARTIGOS
Recepción: 31 Mayo 2014
Aprobación: 16 Agosto 2016
Resumo: O objetivo geral desse ensaio é apresentar uma aproximação entre a perspectiva metodológica da pesquisa-ação e a aprendizagem organizacional na perspectiva socioprática. Especificamente, visa-se (i) verificar a pesquisa-ação enquanto metodologia cujos propósitos são, em si, transformadores da realidade e (ii) demonstrar a pertinência da aproximação proposta aos processos emancipatórios, inclusive pautando-se pelo plano ético. Fez-se um apanhado das origens, do perfil e do desenvolvimento da pesquisa-ação, deixando claras as diferenças entre esta e a pesquisa clássica, bem como a reversão da relação entre sujeito e objeto, em que este se torna sujeito do próprio conhecimento e da sua realidade, jamais presumindo neutralidade. Os achados apontam à singularidade da aproximação entre a pesquisa-ação com o processo de aprendizagem organizacional socioprática, constituindo-se esta em uma abordagem multiparadigmática capaz de engendrar a emancipação por meio da articulação de espaços críticos e reflexivos. É uma abordagem não apenas restrita a inquietações técnico-abstratas, mas de caráter emancipador, necessitando ser integrada à agenda dos estudos organizacionais.
Palavras-chave: Pesquisa-ação, Aprendizagem Organizacional, Perspectiva Socioprática, Emancipação.
Abstract: The general objective of this essay is to present an approach between the methodological perspective of action research and the organizational learning in the social practice perspective. Specifically, it aims to (i) verify action research as a methodology which purposes are, themselves, transformers of reality and (ii) demonstrate the relevance of the proposed approach to emancipatory processes, including the ethical plan. It was constructed a synopsis of the origins, the profile and the development of action research, making clear the differences between action research and classical research, as well as the reversal of the relation between subject and object, in which that becomes subject of the own knowledge and its reality, never presuming neutrality. The findings point to the uniqueness of the approach between action research and the socio-practical organizational learning process, constituting itself in a multiparadigmatic approach capable of engendering emancipation through the articulation of critical and reflection spaces. It is an approach not only restricted to technical and abstract concerns, but with emancipatory character, that needs to be integrated into the organizational studies agenda.
Keywords: Action Research, Organizational Learning, Social Practice Perspective, Emancipation, Alternative Methodology.
1. INTRODUÇÃO
A ciência tradicional, desde Newton, trabalhou com a ideia de um conhecimento objetivo, especialmente pela experimentação em laboratório, numa relação de distanciamento entre o sujeito e o objeto da pesquisa. Como tipo ideal de estudo científico, sustentava-se aquele baseado nos pressupostos de que a ciência desempenha um papel de neutralidade, no qual há isenção total do pesquisador frente às questões sociais, e a realidade era considerada unicamente pelos resultados das pesquisas baseadas no método indutivo.
A ideia de neutralidade científica advém do positivismo, que apregoa como fato que a sociedade é regida por leis que atuam independentemente da vontade e ação do homem, podendo, desta forma, ser estudada pelos mesmos métodos empregados pelas ciências da natureza e explicar os fenômenos de forma neutra e casual (OLIVEIRA, 1988). Ao adotar uma postura antipositivista, Oliveira (1988) afirma a não neutralidade dos indivíduos, compreendendo as ciências humanas e sociais como plenas de métodos mais dinâmicos. Da mesma forma, ao refletir de modo crítico sobre os problemas epistemológicos da pesquisa, Japiassu (1975) havia antecipado o problema da objetividade da ciência. Para ele, as ciências voltadas ao estudo do homem apresentam-se como técnicas de intervenção na realidade e, portanto, estão longe da imparcialidade. Dessa forma, ele qualifica a neutralidade científica como um mito, visto que o cientista dialoga com interesses políticos e ideológicos, os quais governam desde a seleção de seu objeto de estudo. Tese semelhante defendeu Habermas (1980) em seu estudo Conhecimento e interesse.
Tais questões, atinentes aos desdobramentos da ciência como um todo, são necessárias de ser postas, pois seu debate introduziu o desenvolvimento de métodos mais ousados de pesquisa. Entre eles localiza-se a pesquisa-ação, que parte de um pressuposto de alteração da relação entre sujeito e objeto frente à pesquisa tradicional, valorizando o objeto a ser pesquisado, em que este também é considerado como um sujeito do conhecimento. Por isso, as perspectivas avessas a formas mais ousadas de pesquisa e presas às questões positivistas ainda questionam a sua validade científica.
Contudo, as ciências humanas e sociais, enquanto portadoras de objetos de pesquisa completamente diferentes das ciências naturais, contribuíram para o enfraquecimento do positivismo e a emergência de outros métodos. Aliada à complexidade dos fatos humanos, surgiu a necessidade do pesquisador ser um ator, exercendo a sua influência no âmbito social, o que fez com que se caminhasse em direção ao desenvolvimento de outros paradigmas.
Neste sentido, a pesquisa-ação tornou-se uma abordagem metodológica particularmente interessante para a Administração, tendo sido desenvolvida como um desdobramento crítico da observação participante e estabelecida como tendência inovadora na pesquisa científica. Isso porque é uma perspectiva que permite preencher lacunas inerentes à transposição da epistemologia positivista às ciências sociais aplicadas e eleger caminhos de investigação alternativos, que possam atender à própria natureza dos arranjos sócio-organizacionais. O cientista não apenas faz uso de teorias e pesquisas bibliográficas, mas também atua interativamente nas organizações, construindo conhecimentos também a partir da prática. A aproximação dos princípios da pesquisa-ação aos da aprendizagem organizacional socioprática constitui-se em uma contribuição inovadora para o avanço do conhecimento no âmbito da administração, uma vez que se pode reconhecer melhor os sujeitos envolvidos na pesquisa e identificar ideias mais apropriadas para compreender e gerenciar as questões da realidade organizacional.
Abarcando esta proposta, neste ensaio faz-se um resgate da caracterização geral da pesquisa-ação na sua relação sujeito-objeto, diferenciando-a de outras metodologias que se baseiam no distanciamento entre essas duas dimensões. Em seguida, busca-se relacionar a pesquisa-ação com o processo de aprendizagem organizacional socioprática, constituindo-se esta aproximação em uma abordagem multiparadigmática. Realizar esta aproximação é de relevância para a área da Administração, tendo em vista tanto sua dimensão sociológica – que preza pelo social e humano no espaço organizacional – quanto a atenção que se tem destinado a perspectivas de investigação alternativas.
O objetivo geral desse ensaio é apresentar uma aproximação entre a perspectiva metodológica da pesquisa-ação e a aprendizagem organizacional na perspectiva socioprática. Especificamente, visa-se (i) verificar a pesquisa-ação enquanto metodologia cujos propósitos são, em si, transformadores da realidade e (ii) demonstrar a pertinência da aproximação proposta aos processos emancipatórios, inclusive pautando-se pelo plano ético. Para tanto, o desenvolvimento deste ensaio está organizado em três seções centrais além desta.
2. PESQUISA-AÇÃO: ORIGENS, PERFIL E DESENVOLVIMENTO
Na origem e evolução da pesquisa-ação propriamente dita incluem-se suas principais características enquanto metodologia de investigação transformadora da realidade e produtora de conhecimentos concernentes às mudanças. Também se debatem alguns dos aspectos de estudos realizados no campo da administração com base na pesquisa-ação. A pesquisa-ação já é, em si mesma, uma perspectiva metodológica pré-concebida do ponto de vista crítico. Em virtude disso, esta seção visa realçá-la como promotora da interação crítica e da integração entre sujeito e objeto.
Suas origens localizam-se na Antropologia, ciência que historicamente consolidou-se a partir do método etnográfico, que teve como um dos seus pioneiros Bronislaw K. Malinowski (1884-1942), fundador da metodologia da observação participante. Ao aproximar-se fisicamente dos povos sobre os quais os antropólogos escreviam, mas que muitas vezes jamais tinham visto, Malinowski (1978) promoveu uma verdadeira revolução na literatura antropológica. Tradicionalmente, os povos nativos eram tratados de modo vertical, dados por selvagens e considerados de forma colonial, num processo de conquista espiritual em que os povos do velho mundo dominavam os povos dos continentes descobertos. Tentavam-lhes impor a sua cultura, especialmente o credo religioso.
Mesmo preso a certas limitações do funcionalismo de sua época, Malinowski (1978) abre a possibilidade de se pensar sob um viés progressivo a noção de função. Sendo assim, os estudos do autor pressupunham o entendimento também dos valores e da constituição interna de diferentes culturas a partir das relações práticas que elas tinham e de como elas funcionavam verdadeiramente. Malinowski dedicou atenção ao papel que a cultura cumpre verdadeiramente dentro das comunidades, pois procurou vivenciá-la de forma intensa.
Nesse sentido, a ideia de instituição enquanto organismo social e político, que sistematiza e configura a vida dos povos antigos e das aldeias, passa a ser concebida por ele como um ambiente social de pesquisa, aceita como forma de geração de novas categorias e novos conceitos. Este fato abriu à possibilidade de que as culturas fossem respeitadas em sua pluralidade e diferenças, em que se amenizava aquela ideia consolidada no eurocentrismo em pensar uma cultura como sendo inferior ou superior. Com esta inicial desmistificação, promoveu-se uma abertura da própria pesquisa, uma vez que se passa a destinar o devido reconhecimento ao objeto estudado, num movimento que conferiu a tais comunidades uma consideração de alteridade.
Os primeiros estudos situados especificamente na pesquisa-ação são atribuídos por grande parte da literatura a Kurt Lewin – psicólogo alemão naturalizado americano e impulsionador da abordagem experimental (BURNES, 2004; CASSELL e JOHNSON, 2006) –, embora a literatura divirja e atribua também a pesquisa-ação como característica anterior dos estudos do antropólogo John Collier (BARBIER, 2004; TRIPP, 2005; DIONNE, 2007). Desenvolvida nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, a action research surge como uma resposta encontrada por Lewin aos problemas concretos e da vontade de eficácia, constituindo-se num verdadeiro plano de ação social e de modificação de comportamentos humanos (DIONNE, 2007).
Gustavsen (2008) assinala o Instituto Tavistock de Relações Humanas como organização pioneira em adotar a pesquisa-ação, sendo fortemente influenciado pelas pesquisas em psicologia social de Lewin. O Instituto trabalhou aspectos sobre organizações e questões voltadas ao trabalho no pós-guerra, visando atender aos desafios de reconstrução e de produtividade. Assim, neste período a pesquisa-ação serviu mais aos propósitos da racionalidade instrumental ao ter como um dos seus primeiros empregos a otimização do trabalho na indústria extrativista.
No entanto, quanto à sua fundamentação mais genuína, a pesquisa-ação sempre teve um propósito social, no que convém destacar o estudo de Schmidt (2006), que sublinha a posição de Carlos Rodrigues Brandão. Para este autor, a Antropologia inventou um método participante, a observação participante, sem que, contudo, tivesse se tornado, ela mesma, politicamente participante. Sob a influência do marxismo, a observação participante, que buscava “conhecer para explicar” o outro, se transmuta em pesquisa participante ou, como preferem outros teóricos, em pesquisa-ação, procurando então “compreender para servir”. Dessa forma, constitui-se na formação de uma articulação para dar sentido a uma prática científica que participa da vida social e política das classes populares. Com isso, passa a ser atribuído à pesquisa-ação um caráter de militância, geralmente associado ao pensamento de esquerda, incluindo ações ligadas à própria Teologia da Libertação.
Por sua vez, o estudo de Novaes e Gil (2009) propõe a diferenciação entre pesquisa-ação e pesquisa-ação participante. Segundo os autores, essa diferenciação deve ser aplicada devido à diversidade de modalidades desse tipo de pesquisa, pois cada uma implica diferentes fins e terminologias que precisam ser esclarecidos. Essa tese é defendida principalmente porque os autores referem que a pesquisa-ação em si surgiu para servir aos interesses da especialização no pós-guerra e estava baseada em influências norte-americana e escandinava, enquanto que a pesquisa-ação participante teve suas origens em programas educacionais da América Latina, ligados a trabalhadores rurais. Sendo assim, a pesquisa-ação participante, ao originar-se na ação educativa, assume um maior esforço de formação de consciência crítica e de criação coletiva de conhecimentos.
Embora se reconheça que existam essas origens diversas baseadas em pressupostos filosóficos concorrentes e a perspectiva de maior interesse aqui seja a desenvolvida em países latinos, não se pretende adotar neste ensaio uma nomenclatura diferente de pesquisa-ação para tratá-la como coisa distinta de pesquisa-ação participante, pois, como foi afirmado, a pesquisa-ação já é em si mesma pré-concebida de modo crítico. E nessa linha de análise, o que importa é apreender seu propósito central, destacado como a promoção da emancipação humana, por meio da articulação de espaços críticos e reflexivos (NOVAES e GIL, 2009; CHIU, 2006). Além disso, quando entendida a origem da pesquisa-ação, sabe-se distinguir quais aspectos a diferenciam de enfoques menos interativos, a exemplo da pesquisa participante.
Alguns autores tratam das especificidades da pesquisa-ação, ressaltando o seu papel no cumprimento de objetivos sociais. Thiollent (1994) analisa que a pesquisa-ação e a pesquisa participante são frequentemente tidas como sinônimos, o que sugere não ser correto, pois a primeira supõe uma forma de ação planejada de caráter social, educacional, técnica e baseia-se na participação, o que nem sempre é encontrado nas propostas da segunda, embora as duas sejam alternativas ao padrão de pesquisa tradicional. Dionne (2007, p. 76) segue a mesma ideia ao destacar que os objetivos da pesquisa-ação, enquanto instrumento de intervenção na realidade, são diferentes dos da pesquisa clássica, pois visam a “uma mudança a realizar, uma situação a modificar”. Isso implica o fato de que não se possa, geralmente, definir leis universais de explicação, o que é um dos principais aspectos que caracteriza a pesquisa-ação como antipositivista. É importante que se observem as diferenças entre pesquisa-ação e pesquisa clássica, sistematizadas e comparadas por Dionne (2007):
A partir de sua evolução, a pesquisa-ação, aplicada em seus primórdios (década de 1960) no setor de mineração de carvão pelo Instituto Tavistock, no Reino Unido (VERGARA, 2008; GUSTAVSEN, 2008) passa a ter maior proeminência em outras áreas. Atualmente, a abordagem tem sido empregada com maior frequência nas áreas da educação, comunicação, organização, serviço social, tecnologia rural, militância política ou sindical (THIOLLENT, 1994). E também no campo socioeconômico e comunitário (DIONNE, 2007), bem como no âmbito da saúde (HUZZARD e AHLBERG, 2010).
Como assevera Dionne (2007), a pesquisa-ação é a principal metodologia de apoio ao desenvolvimento local, pois foca nos processos de resolução de problemas peculiares. Porém, é importante observar que as mudanças tópicas empreendidas, ao serem tomadas em conjunto, podem consolidar um efeito cascata e vir a alterar toda a configuração de determinada realidade. Nesse sentido, a ambição sociopolítica como uma ferramenta de transformação social firma-se como o maior traço discriminador da criticidade da pesquisa-ação e de sua atuação no mundo efetivo. Com efeito, a solução de problemas concretos pode levar ao questionamento de outras questões relacionadas, mais amplas e complexas numa sociedade.
Nessa ótica, Gustavsen (2008) assinala que a tradição da pesquisa-ação é, antes de tudo, uma forma de construtivismo local, podendo fornecer impulsos importantes para processos locais. Para ele, em 1950 a construção dessa abordagem viu-se às voltas do pensamento sistêmico. No entanto, foi além, não só para identificar uma razão universal, mas também rumou a aspectos maiores que resultassem num desenvolvimento global da realidade estudada. A despeito de ainda lhe ser atribuído um lugar menosprezado na ciência tradicional, a pesquisa-ação trouxe grande contribuição aos estudos organizacionais, a partir de vários movimentos que tencionavam buscar melhorias nos processos de desenvolvimento organizacional. Mas, ainda, frente às pesquisas ortodoxas, a pesquisa-ação é considerada como uma ciência minoritária, em que é vista como sem padrão ou normas fixadas, tendo sido considerada uma forma de pesquisa inferior, como abordado por Deleuze e Guattari (DRUMMOND e THEMESSL-HUBER, 2007).
Por outro lado, Dionne (2007, p. 35) demarca que o pesquisador em pesquisa-ação, enquanto implicado na mudança social, “não pode se limitar ao propósito ‘positivista’ de neutralidade, nem pretender se isolar do fato social”. Na medida em que estabelece uma relação com a complexidade da vida humana, o pesquisador é um técnico do social, sendo capaz de exercer seu papel dialeticamente, o que implica seu trânsito por diferentes áreas do conhecimento (BARBIER, 2004). Nesse sentido, a pesquisa-ação não deixa de conter em si um método, definindo procedimentos de investigação. Mas vai para além, constituindo-se numa perspectiva metodológica em que permanecem imbricados pressupostos axiológicos, praxiológicos e epistemológicos. Assim, deve-se ter em vista seu propósito fundante de abertura ao trabalho social, minimizador do sofrimento humano pela adoção de uma práxis pedagógica e política bem definida (BARBIER, 2004).
Ao desempenhar um papel político, o pesquisador envolve igualmente outros indivíduos. E numa pesquisa de colaboração interorganizacional, esses indivíduos não podem se pretender politicamente neutros. É por isso que Huzzard e Ahlberg (2010) caracterizam os atores que operam junto do pesquisador como indivíduos de fronteira, uma vez que eles assumem um papel de construtores do discurso subjacente ao esforço de desenvolvimento. O pesquisador não atua só e não pode ser unicamente ele quem pode ou deve convencer os demais sujeitos da pesquisa de seus propósitos e necessidade. Assim, em um projeto de pesquisa-ação, a relação entre o pesquisador e o pesquisado é, necessariamente, objeto de reflexão crítica e dialógica, vinculado a outros indivíduos em que a construção do conhecimento é uma realização conjunta.
Para Huzzard e Ahlberg (2010), os pesquisadores de ação são conectados à prática como atores entre muitos envolvidos na produção do conhecimento comum. São, assim, parte de um todo. Quando este todo não se move em direção aos mesmos propósitos da natureza da pesquisa-ação surge uma resistência, que é derivada da falta de confiança entre os entes do processo (GUSTAVSEN, 2008). Por isso, em se tratando de espaços organizacionais tradicionais, como os de empresas de capital privado, têm-se limitações quanto ao emprego da metodologia, visto que se precisam respeitar certos contornos. Primeiro, devido à institucionalização de procedimentos, em que existem direcionamentos de gestão que seguem aspectos políticos e simbólicos, muitas vezes instransponíveis e que tornam limitado o uso da pesquisa-ação. Segundo, devido à desconfiança que pode ser gerada junto aos colaboradores, sujeitos da investigação.
Ao situá-la numa perspectiva mais radical – e não como mera extensão complementar da pesquisa tradicional –, a pesquisa-ação é defendida por Barbier (2004, p. 17) como uma revolução epistemológica a ser ainda amplamente explorada, expressando “uma verdadeira transformação da maneira de conceber e de fazer pesquisa em Ciências Humanas”. Segundo Betti (2009), a corrente francesa de pesquisa-ação, à qual René Barbier pertence, se volta para a educação não formal, tendo o grupo como alvo de conscientização para uma ação conjunta. Provavelmente pela sua forte tradição de mobilização social ao longo da história é que o pensamento francês influenciou diretamente o sentido político que adquiriu a metodologia na América Latina.
Ao referenciar a postura acadêmica do pesquisador, Barbier (2004) confirma a tendência expressa acima, pois especula que a pesquisa-ação integral ainda estaria em seus primórdios, tendendo a aprofundar ainda mais a sua contribuição, rumo a uma pesquisa transpessoal. Nesse sentido, o autor aposta que a pesquisa-ação seria conduzida por caminhos que levassem ao pessoal e comunitário ao mesmo tempo. Esse prenúncio possibilita estabelecer um vínculo com o propósito deste ensaio, visto a defensa da pesquisa-ação enquanto metodologia mais adequada ao processo de aprendizagem organizacional socioprática e por incluir instrumentos que têm por essência lançar um olhar mais arrojado sobre a ciência, abrindo-a a seu contexto e papel funcional-social.
2.1. Reversão da Relação Sujeito-Objeto e Perspectiva Emancipatória
Tradicionalmente, no seu válido combate histórico à metafísica, a pesquisa clássica pressupôs uma relação que tentou apanhar e preservar o objeto em si mesmo. Isso foi buscado por meio da tentativa de objetividade do conhecimento científico, que deu os seus primeiros grandes passos especialmente quando Francis Bacon criticou a teoria dos ídolos, ou o conjunto de crenças e superstições que poderiam interferir nos resultados do conhecimento, e quando, em seguida, Galileu complementou o método experimental de Bacon, nele incluindo o processo de mensuração dado pela introdução da matemática na ciência moderna (KÖCHE, 2009).
Contudo, o grau de exigência de um conhecimento cada vez mais objetivo como critério de verdade da pesquisa experimental por meio do método indutivo inclinou-se cada vez mais para um conhecimento que pretendeu neutralizar epistemologicamente tanto o sujeito do conhecimento, quanto o objeto a ser analisado. Nisto, evidentemente, as pesquisas do campo qualitativo, mais abertas às influências sociais do contexto histórico, foram secundarizadas como não científicas, ao passo que a pureza buscada pela pesquisa tradicional em relação à apreensão do objeto em si mesmo favoreceu o seu isolamento analítico e, por consequência, a sua passividade.
Registre-se que a unilateralidade desse processo técnico do saber da ciência moderna foi duramente criticada pelos filósofos da Escola de Frankfurt no período pós Segunda Guerra como sendo uma estratégia que, ao invés de conduzir os homens a se libertarem do medo e torná-los senhores de sua história, criou uma nova forma de dominação do homem pelo homem e do homem sobre a natureza (FRAGA, 2007). Assim, um dos pontos-chave da pesquisa-ação, já perfeitamente visível e distinto em suas origens na observação participante, por exemplo, em Malinowski (1978), foi reverter esse quadro vertical da relação do sujeito em relação ao objeto. O objeto do conhecimento não era mais somente o elemento quantitativo, biológico ou inanimado, mas o elemento social do modo de vida das comunidades humanas. Mesmo com suas limitações, o funcionalismo de Malinowski foi importante nessa abertura, ao recolocar conceitos tradicionais da ciência não mais de forma abstrata e arbitrária para enquadrar o objeto a ser conhecido, mas sim para observar que função, isto é, que papel – no sentido de utilidade e necessidade – desempenhava determinada relação ou elemento na lógica da vida social do meio estudado, e não apenas na lógica apriorística de determinada metodologia abstrata. Portanto, a crítica de Malinowski à arbitrariedade das categorias utilizadas revelava uma preocupação com sua adequação e respeito às particularidades de cada cultura (DURHAM, 1978).
Assim, no sentido de entender o objeto como interferindo nos conceitos, a ciência sofre uma ruptura epistemológica e se inclina a tomar o objeto também como sujeito não só de sua própria realidade como do próprio conhecimento, abrindo-se o caminho para um comprometimento recíproco, dialético. Nesse sentido, a pesquisa-ação rechaça a ideia da ciência como neutra e como pacificadora do seu objeto, por meio de uma reversão da questão metodológica tradicional. É justamente essa reversão, também epistemológica, que possibilita confirmar a pesquisa-ação como uma metodologia promotora da emancipação humana, pois a interação sujeito-objeto do conhecimento se torna também uma interação entre teoria e práxis, ou seja, entre conhecer e agir.
A práxis seria uma aplicação reflexiva da teoria, como a teriam concebido Marx e Lenin, segundo Ernst Bloch:
Teoria e práxis oscilam constantemente. Oscilando alternada e reciprocamente, a práxis pressupõe teoria, tanto quanto ela própria desencadeia e necessita, por sua vez, nova teoria para dar seguimento a uma nova práxis. Nunca o conhecimento concreto foi tão valorizado como aqui, onde ele tornou-se a luz para o ato, e o ato nunca foi tão valorizado como aqui, onde ele tornou-se coroamento da verdade. (BLOCH, 2005, p. 268).
Na medida em que o pesquisador não é mais apenas um diagnosticador, e as comunidades pesquisadas passam a ser consideradas em sua alteridade, torna-se possível construir um ideal de emancipação pensado coletivamente. Isso se expressou notavelmente na América Latina na área da educação, especialmente por meio de Paulo Freire. Tal como a crítica à ciência tradicional, a pedagogia do oprimido freireana recusa a unilateralidade do processo do conhecimento e do ensino, criticando métodos verticais de aprendizagem como educação bancária, pois estes pressupõem os educandos como pessoas sem um saber prévio a ser considerado e, por consequência, como entes passivos no processo do conhecimento. Ao ser influenciado pela dialética do senhor e do escravo de Hegel, pela teoria do ser social de Marx e por alguns pensadores da fenomenologia, Paulo Freire coloca em destaque a tese mestra de que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1987, p. 52). Portanto, o método freireano fornece subsídios importantes para a defesa da pesquisa-ação enquanto proposta teórico-metodológica em termos da aprendizagem organizacional socioprática.
3. PESQUISA-AÇÃO NA APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL SOCIOPRÁTICA
Diante das afinidades que se fazem presentes, a aproximação entre pesquisa-ação e aprendizagem organizacional socioprática é proposta nesse estudo de modo inovador, não tendo sido verificada a sua ocorrência no campo dos estudos sobre aprendizagem organizacional ou das epistemologias. Tendo se desenvolvido ao longo dos últimos trinta anos, a aprendizagem organizacional (AO) apresenta-se como um campo relativamente recente de conhecimento na área organizacional. Nesse período, diversas foram as perspectivas de análise que estes estudos suscitaram no meio acadêmico, despertando, crescentemente, o interesse dos pesquisadores organizacionais. Estudos em AO tiveram impulso a partir da década de 1970, sobretudo com a publicação do trabalho pioneiro de Argyris e Schon (1978) sobre os circuitos simples e duplos de aprendizagem. Com o passar do tempo, o campo de pesquisa em AO abriu-se para um leque de conceituações e diversos focos e perspectivas de análise foram sendo incorporadas ao estudo do fenômeno.
Para o propósito desse trabalho optou-se pelo foco na perspectiva social da aprendizagem organizacional, por esta guardar relações mais próximas à perspectiva da pesquisa-ação, uma vez que aquela se vincula ao coletivo. Assim como Medeiros e Antonello (2008), não se tem a pretensão em contribuir na aprendizagem organizacional no sentido da gestão do conhecimento, pois ela implica controle e ordem, em que a solução de problemas emerge de estímulos externos. Na perspectiva aqui defendida, a AO busca enfatizar a aprendizagem no âmbito das coletividades e não gerar conhecimentos restritos ao valor econômico. De modo semelhante, a pesquisa-ação tem como importantes parâmetros considerar elementos como participação, responsabilidade, reflexão e questionamentos cooperativos, agindo no intuito de promover a transformação e a mudança social e não o acúmulo de capital. Tendo em vista essas afinidades, refinar essa aproximação é essencial, verificando de perto as potencialidades da pesquisa-ação na promoção da aprendizagem organizacional.
A perspectiva socioprática defende que a AO não é somente um processo cognitivo ou que acontece dentro da mente das pessoas, mas uma realização coletiva, fruto das interações entre as pessoas, inseparável do intercâmbio de experiência, conhecimentos e significados sobre práticas e processos profissionais (GHERARDI, 2000; GERGEN, 1985). A prática como objeto de estudo pode ser vista sob duas abordagens, uma concebida como o que os atores fazem e a outra como um conceito normativo-epistêmico, em que a geração de conhecimento e aprendizagem reside nas práticas em si por meio da participação (GEIGER 2009; GHERARDI, 2000). Assim, a prática na perspectiva normativo-epistêmico permite compreender as organizações numa concepção mais ampla, e não estritamente racionalista, cognitivista ou positivista.
A noção de prática associa-se diretamente à de aprendizagem. Medeiros e Antonello (2008) consideram que a aprendizagem na prática é situada e socialmente construída, ocorrendo a partir da interação e das trocas simbólicas entre indivíduos, das percepções entre corpos, artefatos e objetos, ações e atividades. O conceito adotado pelos autores deriva de outros trabalhos que já anunciavam a tônica sobre a aprendizagem na prática, a exemplo de Gherardi (2000, 2009) e Strati (2007), ensejando aquilo que o homem é enquanto criador. Nisto, a pesquisa-ação tem grande valor ao ser vista como modelo capaz de criar a teoria baseada na prática, isso quando efetivamente considerada ciência-ação ou fundamentada na ação (EDEN e HUXHAM, 2001).
A perspectiva social da aprendizagem procura explicar qual a natureza dos engajamentos sociais que promovem o contexto para aprendizagem (GHERARDI, 2009), focalizando a maneira pela qual as pessoas atribuem significados às suas experiências de trabalho, sendo que estes podem derivar de fontes explícitas ou tácitas. A forma de atribuição de significados é associada por Strati (2007) à maneira como as pessoas pensam a estética na vida organizacional. Assim, para compreender as necessidades das pessoas em qualquer espaço social, seja ele empresa ou não, o pesquisador tem de levar em conta que não está interagindo numa situação fixa e objetiva, mas com culturas e símbolos de um dado momento, os quais representam a imagem de uma dada realidade, num determinado espaço de tempo.
De modo semelhante, Drummond e Themessl-Huber (2007) destacam a visão de Deleuze, para quem a realidade, ao ter duas dimensões interativas (a real e a virtual) não é dada como um estado estático, mas é continuamente transformada. Para Berger e Luckmann (2009), trata-se de uma realidade socialmente construída pela ação intencional, a qual está imbricada na inevitável historicidade do pensamento humano. Percebe-se, com isso, a importância das situações face a face, que colaboram no sentido de favorecer o intercâmbio contínuo entre expressividades ao ponto que, quando essas situações tornam-se menos intensas, as tipificações da integração social tornam-se progressivamente anônimas (BERGER e LUCKMANN, 2009).
A partir disso, destaca-se a pertinência da pesquisa-ação no processo de AO na medida em que seus procedimentos primam pelo contato face a face entre pesquisador e pesquisados, favorecendo a compreensão da estética organizacional pelo primeiro e facilitando a interferência em favor da mudança ao contar com o apoio de um grupo. Isso constitui o equilíbrio de objetivos como um dos passos fundamentais para o sucesso da pesquisa-ação, em que o pesquisador necessita se envolver, se comprometer e ser um verdadeiro amigo do problema em questão, como destacam Drummond e Themessl-Huber (2007), embasando-se em Deleuze e Guattari. Esses autores definem a pesquisa-ação como um processo de engajamento com os problemas abordados, sendo de suma importância que o pesquisador da ação, além de promover o envolvimento das pessoas, também se insira de modo intenso no trabalho de pesquisa.
Nesse sentido, a pesquisa-ação traz um elemento em comum com a aprendizagem no que tange à dialética recíproca de transformações contínuas, abordada por Deleuze e ilustrada por Drummond e Themessl-Huber (2007 p. 445) pela ideia de que “o jardim cultiva o jardineiro tanto quanto o jardineiro cultiva o jardim, para melhor ou para pior”. Disso depreende-se que o pesquisador transforma a prática organizacional por meio de sua mediação no processo de conscientização dos participantes da ação, como também é influenciado e aprende com o seu envolvimento.
Taylor e Pettit (2007) assinalam que o mundo de práticas fundamentais é complexo, desordenado e dinâmico, sendo que para se alcançar uma real aprendizagem exige-se uma integração de diferentes teorias, disciplinas e abordagens, combinando-se uma ampla gama de capacidades, conceitos e habilidades, destacando seu desenvolvimento para responder às dinâmicas do poder. Os autores afirmam ainda a necessidade em entender e trabalhar com múltiplas dimensões e níveis de aprendizagem e conhecimento envolvidos na pesquisa-ação transformativa.
Dessa forma, o processo de pesquisa-ação precisa se mover por meio de epistemologias estendidas de aprendizagem e conhecimento, incorporando tipos de reflexão que considerem aspectos sociais, situacionais e dialógicos (TAYLOR e PETTIT, 2007; CHIU, 2006). Com isso, opõe-se a procedimentos científicos tradicionais clássicos, como o experimentalismo, que contém em si “uma lógica artificial quanto à realidade dotada de vida” (BARBIER, 2004). Chiu (2006) avança nessa dimensão quando se pauta pelo relacionamento dialético entre reflexão, conhecimento e experiência e, por isso, defende que na visão de mundo participativa a natureza do conhecimento é de caráter multidimensional. Assim sendo, a reflexão na pesquisa-ação exige múltiplas perspectivas, incorporando-se no processo de pesquisa que o autor qualifica como em primeira, segunda e terceira pessoa.
No contexto da aprendizagem socioprática, tem-se a contribuição da noção de colaboração reflexiva como um adequado processo reflexivo para ambientes sociopráticos, significando este um processo sociointeracional em que os indivíduos não só resgatam seus repertórios pessoais de experiência, como também ativam o repertório de competências sociais, favorecendo contextos fecundos para a geração de conhecimentos inovadores sobre uma prática. Nesse sentido, podem existir contextos organizacionais mais ou menos favoráveis à aprendizagem, tendo-se a cultura como mediadora (SOUZA-SILVA, 2007; SOUZA-SILVA e DAVEL, 2007).
Souza-Silva (2007) propõe a noção de cultura organizacional de aprendizagem socioprática e a baseia em duas categorias de valores e crenças: valorização da aprendizagem socioprática e valorização do elemento humano. Nesta proposta, a cultura organizacional de aprendizagem socioprática inclui aspectos interpretativos, sociolaborais e concreto-econômicos, devendo reunir elementos inscritos nas práticas sociais que criem condições favoráveis para que as pessoas aglutinem-se entre si, dispostas a partilhar de seus conhecimentos, práticas e experiências profissionais, propiciando aprendizagem e geração de conhecimento. Nesse ínterim, sustenta-se a pesquisa-ação como um importante instrumento para a promoção da colaboração reflexiva nos ambientes organizacionais e, portanto, como potencializadora na compreensão aprofundada (pelo pesquisador e pelo pesquisado) da aprendizagem organizacional.
Tanto a pesquisa-ação quanto a aprendizagem organizacional socioprática mostram-se em correlação com a sociologia do engajamento, o que contribui para concebê-las em perspectiva com a construção de uma visão mais ampla e democrática de ciência. Burawoy (2009, p. 237) defende a sociologia do engajamento (ou pública) como aquela que desenvolve suas atividades nas “trincheiras da sociedade civil”, sendo, portanto, vinculada a comunidades subjugadas. Envolve três conjuntos de relações de poder, a saber: a comunidade acadêmica, o próprio sociólogo em suas interações e as relações de poder nas comunidades estudadas (BURAWOY, 2009). Portanto, a sociologia do engajamento segue atendendo a comunidades como aquelas que Paulo Freire reconheceu quando elaborou a Pedagogia do oprimido e também as que Allain Touraine propõe pela sociologia da ação, que aprofunda a percepção dos movimentos sociais militantes por meio das discussões e intervenções orquestradas pelos sociólogos.
Na sua proposta de defender um interesse comum, o engajamento é definido como um resultado reflexivo de uma prática que é corpórea, coletiva e orquestrada, regulada por métodos que, por sua vez, são discutidos continuamente dentro de uma comunidade de praticantes. A sociologia do engajamento proporciona uma estrutura teórica e metodológica ajustada ao estudo das práticas, porque está baseada num conjunto de mudanças que propõe uma diferente concepção de ação (GHERARDI, 2009).
No intuito de compreender a valorização da pesquisa-ação enquanto perspectiva metodológica que contribui na aprendizagem organizacional socioprática, toma-se como referência de análise características da aprendizagem organizacional socioprática, descritas por Souza-Silva (2007): (i) é baseada na prática e em contextos sociointeracionais; (ii) é mediada por artefatos materiais e simbólicos; (iii) possui natureza espaço-temporal; (iv) é enriquecida por meio das perturbações das ordens estabelecidas.
No que se refere ao conhecimento como vinculado à prática e aos contextos sociointeracionais, a aprendizagem é vista como um processo. Desta forma, a aprendizagem representa parte integral das experiências diárias e de engajamentos nas práticas cotidianas de comunidades e organizações. A ação de conhecer é sempre concebida como uma ecologia social, sustentada pelo pertencimento a padrões sociais como comunidades, sistemas de atividades e culturas locais. Dessa forma, o foco do processo de aprendizagem migra da mente dos indivíduos para estruturas de participação, sendo que a aprendizagem já não é mais entendida como um evento individual, isolado e particularizado, mas passa a ser compreendida como dependente de contextos sociais, nos quais se pensa, trabalha, reflete e inova coletivamente (SOUZA-SILVA, 2007).
Dentre os aspectos da sociointeratividade, emergem questões concernentes às emoções humanas, dimensões comumente negligenciadas pelos pesquisadores e organizações. Tanto pesquisas utilizando-se da pesquisa-ação quanto as no campo da aprendizagem organizacional têm constatado que as emoções podem contribuir ou inibir os processos de aprendizagem. Meynell (2005) destaca a emoção do entusiasmo como um indicador apropriado de possibilidades, que pode surgir como resultado de um processo de aprendizagem organizacional. Acredita-se que os horizontes, opções, perspectivas e capacidades do indivíduo têm o potencial de se expandir por meio de seus relacionamentos, interações e conversações com e em relação ao outro. Por outro lado, a frustração pode limitar o aprendizado organizacional.
Baseando-se nos estudos de Heron e Reason, Taylor e Pettit (2007) consideram que a dimensão pessoal é muito restringida ao nível do self, do emocional, do espiritual, artístico e psicológico; salientam que as experiências de aprendizagem consideram muito mais os aspectos macro que os micro, ficando as dimensões pessoal e coletiva em segundo plano. Segundo Barbier (2004), é inconcebível pensar a pesquisa-ação sem participação coletiva. Nesse plano, a compreensão do mundo sensível no sentido do envolvimento integral é essencial, pois o reconhecimento do outro como sujeito de desejo, de intencionalidade e de possibilidade solidária afeta a forma como este será tratado, trazendo consequências para o seu próprio envolvimento no processo de interação.
Seguindo a visão de Meynell (2005), a pesquisa-ação pode ser vista como contribuinte à aprendizagem organizacional por considerar aspectos da dinâmica emocional e conversacional. A abordagem implica uma consideração do outro (sujeito pesquisado) como engajado e coparticipante num processo interativo e mútuo, em que os observadores escolhem reconhecer a presença um do outro com a consciência de que cada um tem a sua perspectiva.
É necessário atentar aos artefatos materiais e simbólicos como aqueles que são historicamente situados e desempenham papel importante na ação de conhecer, pois estão ligados ao contexto de uma prática (SOUZA-SILVA, 2007). Todavia, a mediação desses artefatos, na busca pelo entendimento da mudança social, especialmente no que se refere às relações de poder, complexifica o processo de aprendizagem organizacional. Segundo Taylor e Pettit:
As pessoas podem ter um relacionamento próprio de aprendizagem para a mudança social intencional, em que a reflexão na experiência é um componente vital de aprendizagem. Então, como consequência, o compartilhamento de experiências deveria facilitar a geração de conhecimento. A aprendizagem acontece na ação, entretanto, a complexidade de trabalhar com processos de mudança social e relacionamentos de poder associados leva à complexidade da aprendizagem. (TAYLOR e PETTIT, 2007, p. 239).
Nessa mesma linha de análise, Hilsen (2006) destaca que a pesquisa-ação enseja a construção de categorias, as quais são limitantes das ações, porque o poder em suas perspectivas multidimensionais emerge como balizador da amplitude da pesquisa, influenciando a produção dos resultados, controlando o acesso aos processos, prevenindo conflitos e reforçando a sua existência por meio do processo social, pelos artefatos materiais e discursivos.
Já a preocupação com o lugar e o momento em que acontece a aprendizagem organizacional socioprática preconiza que a ação de conhecer deve ser entendida como produzida dentro de uma prática situada geograficamente, temporariamente e de forma relacional. Taylor e Pettit (2007) apresentam a pesquisa-ação como a mais profunda abordagem para a aprendizagem, descrevendo que a relação entre pesquisa-ação e aprendizagem da ação gera novos entendimentos em torno dessa relação, sobretudo no que tange ao espaço para relacionamento e construção de confiança, dentro dos quais os participantes, coaprendentes, tornam-se mais conscientes de suas próprias identidades e das dos outros.
No entanto, pode haver uma perturbação das ordens estabelecidas, sobre o que Souza-Silva (2007) avalia que nesses momentos a aprendizagem se intensifica, gerando oportunidades fundamentais de inovação. A pesquisa-ação promove reação semelhante quando, nos espaços comunicativos, caos e ordem coexistem, pois todo questionamento subverte a ordem estabelecida de ver e fazer, ao passo que uma condição suficiente de ordem também é necessária para conter o caos e a confusão (GAYÁ WICKS e REASON, 2009). Os autores destacam que a orientação prática e libertadora da pesquisa-ação a posiciona sempre como uma perspectiva que visa encaminhar e solucionar questões práticas, como também emancipar as pessoas da opressão, cumprindo seu duplo objetivo em direção a ação e questionamento ou novos conhecimentos (DIONNE, 2007).
Desde que as pesquisas científicas se abriram à possibilidade de reconhecer o objeto estudado como sujeito do conhecimento, pode-se dizer que as questões éticas também passaram a ter maior destaque no plano da ciência, sendo um importante elemento nas imbricações entre a aprendizagem organizacional socioprática e a pesquisa-ação, já que sujeitos em interação constituem-se a tônica desta relação. Sob a consideração de que é pela prática que os seres humanos vivem sua ética, Hilsen (2006) sustenta que, uma vez que a vida é relacional, a prática humana torna-se o centro das atenções, tanto de razões éticas quanto científicas, sendo inaceitável a noção de objetivação do outro.
Diante desse contexto, a prática social da ação manifesta a relevância de que a construção de conhecimento está imbricada nos relacionamentos sociais. Portanto, a forma como esta é conduzida e concretizada poderá trazer importantes implicações e desdobramentos para o universo coletivo, no qual a aprendizagem organizacional advinda gerará uma configuração organizacional, que, boa ou ruim, dependerá de como as escolhas são realizadas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo geral deste ensaio foi apresentar uma aproximação entre a perspectiva metodológica da pesquisa-ação e a aprendizagem organizacional na perspectiva socioprática. No debate dessa temática, em relação às abordagens e evolução da pesquisa-ação, verificou-se um distanciamento da pesquisa tradicional, amplamente fundada na forma positivista. A reversão da relação sujeito-objeto introduziu uma ruptura epistemológica em que o objeto passou a ser também sujeito, não só de sua própria realidade como do próprio conhecimento.
Nesse sentido, os principais aspectos que diferenciaram a pesquisa clássica da pesquisa-ação pautaram-se pela valorização da ação na construção do conhecimento, a partir de um enfoque participativo e coletivo. Seu propósito central está destacado como a promoção da emancipação humana, por meio da articulação de espaços críticos e reflexivos, incorporando tipos de reflexão que considerem aspectos sociais, situacionais e dialógicos. Do ponto de vista da reflexão crítica na pesquisa-ação, a reflexividade pressupõe o acontecer da pesquisa em primeira, segunda e terceira pessoa.
A criticidade da pesquisa-ação constitui-se numa condição sine qua non da sua existência como propósito emancipador. Parafraseando Deleuze, citado por Drummond e Themessl-Huber (2007), essa classificação direciona a pesquisa-ação como uma metodologia amiga das demandas concretas da realidade social e da constituição humana dos sujeitos que, ao mesmo tempo em que transformam a realidade, são continuamente por ela transformados.
Diante dessa dialética de transformações recíprocas, a instância ética emerge como elemento essencial na configuração da reciprocidade na pesquisa-ação, pois por meio da conexão com a interdependência humana, podem-se definir os destinos pelos quais o pesquisador é o que ele faz. É um princípio que, ao pressupor a pesquisa por meio da ação, e não a partir de critérios formais definidos a priori, sofre certa influência do existencialismo, corrente filosófica para a qual o elemento da existência precede o da essência, conforme definiu Sartre (2010).
Dito isso, nesse estudo identificou-se e delimitou-se a pesquisa-ação como mais do que portadora de um método e processos, mas como perspectiva metodológica que em suas raízes epistemológicas mantém com a aprendizagem organizacional socioprática fins potencializadores da emancipação. Ambas perspectivas, na concepção deleuziana são ainda minoritárias, mas convergem para a mesma direção. Essa correlação carece de ampliação, para o que se torna necessário realizar estudos quanto à sua fundamentação como abordagem multiparadigmática, o que poderá vir a expandir a perspectiva aqui apresentada.
No âmbito desse ensaio, pôde-se verificar que em função das características da aprendizagem organizacional socioprática, o alcance de tal aprendizagem em níveis organizacionais depende de uma série de fatores, seja de ordem política, social ou estrutural. Nesse contexto, a qualidade dos métodos adotados para a promoção dessa aprendizagem constitui-se como fundamental, sobretudo no que tange às habilidades requeridas dos indivíduos que cumprem o papel de facilitadores do processo de aprendizagem. A pesquisa-ação, se bem conduzida, pode ser uma metodologia suficientemente adequada para a compreensão da aprendizagem organizacional na perspectiva socioprática.
A pesquisa-ação tem se consolidado como proposta de construção coletiva ao carregar objetivos que não são definidos a priori. Assim, é uma abordagem que age em defesa do fato de que a ciência não é uma apropriação por grupos elitizados, mas também se constrói pelo popular, posição defendida pela sociologia do engajamento. Nesse sentido, democrática, progressiva e progressistamente, campos científicos como o da administração necessitam reconhecer e se desenvolver pautados pela preocupação e compromisso com o futuro do outro e não apenas se mover por uma lógica dominada pelo mercado. Muito ainda pode ser desenvolvido nas organizações por meio da aplicabilidade deste método, ainda tão pouco difundido e, por vezes, negligenciado na compreensão dos fenômenos organizacionais. Assim, recomenda-se também a incorporação da pesquisa-ação como parte da agenda dos estudos organizacionais, o que será possível na medida em que pesquisadores preocupados com compreensão da aprendizagem organizacional possam desenvolvê-la.
Tal direcionamento é capaz de posicionar os indivíduos e as organizações para uma aprendizagem que seja emancipadora e não somente portadora de uma inquietação técnico-abstrata da ciência. Enfim, emergindo como portadoras de uma proposta inovadora, tanto a pesquisa-ação quanto a aprendizagem organizacional socioprática deparam-se com desafios relacionados, em especial, à dimensão do poder, não só aquele implícito na dinâmica organizacional, mas também o poder da ortodoxia da ciência. Por isso, diante da aproximação aqui proposta, é essencial considerar que, no tocante ao seu caráter de abordagens alternativas, lhes são exigidos propósitos claros e boa articulação entre os sujeitos envolvidos, tanto para que os procedimentos de pesquisa sejam compreendidos, como no que diz respeito à afirmação de seus objetivos políticos, pois do contrário se permanece no mitológico terreno da neutralidade científica, infrutífero e pretensamente apolítico.
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