ARTIGOS
Recepción: 15 Diciembre 2014
Aprobación: 22 Abril 2017
Resumo: A sustentabilidade tem imposto desafios às organizações. Tem exigido, cada vez mais, que estas considerem, em suas estratégias, questões que vão além do foco estritamente econômico. Neste sentido, para que as organizações possam avançar em direção a estratégias orientadas para a sustentabilidade, é necessário que elas passem por um processo de mudança. Neste processo, as Escolas de Administração têm um papel fundamental, pois muitos dos gestores que estão à frente das organizações hoje, ou que estarão num futuro próximo, são influenciados e aprendem, nestas escolas, a ter uma determinada visão em relação ao ser humano, às organizações e à relação destes com a natureza. Sendo assim, este artigo buscou identificar se os cursos presenciais de Bacharelado em Administração, no estado do Rio Grande do Sul (RS), têm proposto a inserção da sustentabilidade em seus programas. Os resultados demonstraram que os cursos já têm disciplinas relacionadas ao tema inseridas em suas grades curriculares. Contudo a sustentabilidade não parece ser um tema central, demonstrando que a realidade dos cursos de Administração no RS, no que diz respeito à inserção da sustentabilidade, não se distancia daquela presente no Brasil e no mundo.
Palavras-chave: sustentabilidade, cursos de administração, organizações, estratégias sustentáveis.
Abstract: The sustainability has imposed challenges to organizations. It has required , increasingly, that organizations consider in their strategies issues that go beyond the strictly economic focus. In this sense, in order that organizations can move toward sustainability-oriented strategies, it is necessary that they pass through a process of change. In this process, the Business Schools play a fundamental role, once that many managers who lead organizations today, or will do it soon, are influenced and learn to acquire, in these schools, a particular vision in relation to human beings, organizations and their relationship with the nature. Therefore, this article aims to identify if the courses of Bachelor of Administration, in the state of Rio Grande do Sul (RS), have proposed the inclusion of sustainability into their programs. The results demonstrated that the courses already have disciplines related to the topic in their curricula, however sustainability does not seems to be a central issue in the courses.
Keywords: sustainability, business courses, organizations, sustainable strategies.
1. INTRODUÇÃO
A sustentabilidade tem sido um tema amplamente discutido, que tem imposto desafios à sociedade, demandando uma mudança de postura dos indivíduos e das organizações. Destas últimas, tem sido exigida, cada vez mais, uma preocupação diante das questões socioambientais e a adoção de estratégias sustentáveis (MARTINET e REYNAUD, 2004; WHITTINGTON, 2004; BARIN-CRUZ, PEDROZO, ESTIVALETE, 2006; BAUMGARTNER e KORHONEN, 2010). Quanto aos indivíduos, argumentos vão no sentido de que é preciso uma mudança que vai além do nível comportamental, envolvendo a alteração nos valores e, em última instância, de paradigma (STEAD e STEAD, 1994; STERLING, 2004; JACOBI, RAUFFLET e ARRUDA, 2011).
Neste sentido, Barin-Cruz, Pedrozo e Estivalete (2006) afirmam que, para que as empresas possam avançar em direção a estratégias orientadas para a sustentabilidade, é necessário que elas passem por um processo evolutivo. Os autores sugerem que o processo de transição de uma lógica financeiro-econômica para uma lógica sustentável só acontece por meio de um processo de aprendizagem pelo qual as empresas e os indivíduos dentro delas passam.
Neste processo, a educação e as Instituições de Ensino (IEs), de modo geral, e as Escolas de Administração, de modo específico, têm um papel fundamental. Como destaca Sterling (2004), é preciso conduzir a política e a prática educativa para longe de uma base na fragmentação, no mecanismo, no objetivismo e no reducionismo, para um ecologismo integrado e holístico e a compreensão dos sistemas adequados para um mundo pós-moderno.
Afirma Lozano (2010) que as universidades têm, ao longo dos séculos, sido os principais agentes de mudança social, mesmo que remanescendo tradicionais. Durante a última década, um número crescente de instituições de ensino superior têm se empenhado em incorporar e institucionalizar o Desenvolvimento Sustentável (DS) em seus currículos, pesquisas, operações, extensão, avaliação e relatórios. Apesar de uma série de esforços de instituições de ensino superior, o DS ainda é uma ideia inovadora na maioria das universidades, e não tem permeado todas as disciplinas, cursos e gestores universitários, ou mesmo todo o currículo.
Contudo, o surgimento de um número apreciável de sites, redes e centros de sustentabilidade e educação superior na última década, nacionais e internacionais (e.g.: CSF, 2013; GVces, 2013; ULSF, 2013), é uma evidência de que a inovação significativa está ocorrendo, principalmente entre instituições menores, que são mais flexíveis. Dado que há evidências crescentes de que o paradigma da sustentabilidade influencia o pensamento dominante, a política e a prática em setores como economia, política, agricultura, energia, gestão de recursos, transportes, saúde, produção, resíduos, engenharia, construção, design, e os negócios e as profissões – todas as áreas servidas pelo ensino superior – uma resposta correspondente pelo ensino superior é necessária e oportuna (STERLING, 2004).
Sendo assim, preparar os gestores para lidar com a sustentabilidade e promover as mudanças necessárias torna-se importante. Contudo, questiona-se: Qual o papel das Escolas de Administração neste processo? Estão elas trabalhando com o tema e buscando capacitar os atuais e futuros gestores para lidar com questões relacionadas à sustentabilidade? Como está sendo este processo de inserção da sustentabilidade nestas escolas?
Assim, este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa exploratória que teve como objetivo identificar se os cursos presenciais de Bacharelado em Administração, no estado do Rio Grande do Sul, têm proposto a inserção da sustentabilidade em seus programas. A pesquisa teve como foco os Cursos de Bacharelado em Administração por estarem estes diretamente relacionados às organizações e à formação de administradores. Muitos dos gestores que estão à frente das organizações hoje, ou que estarão num futuro próximo, são influenciados e aprendem, nestas escolas, a ter uma determinada visão em relação ao conhecimento, ao homem, às organizações e à relação destes com a natureza. Logo, parecem ser locais propícios para a promoção da transformação.
Sendo assim, apresenta-se, na sequência, o referencial teórico, que embasou este artigo, tratando-se dos temas “Sustentabilidade e as Organizações” e “Administração, Educação e Sustentabilidade”. Logo após, os procedimentos metodológicos são apresentados, seguido dos resultados e análises. Por fim, são apresentadas algumas considerações finais e as referências utilizadas neste estudo.
2. SUSTENTABILIDADE E AS ORGANIZAÇÕES
A sustentabilidade tem imposto desafios às organizações. Tem exigido, cada vez mais, que estas considerem, em suas estratégias, questões que vão além do foco estritamente econômico. Seja para se manterem competitivas no mercado, seja por compreenderem a amplitude de seu papel na sociedade, essa tem sido uma demanda com a qual as organizações têm se defrontado.
Diante deste contexto, novas abordagens foram surgindo, ao longo do tempo, com relação às estratégias organizacionais. Primeiro, tem-se aquelas relacionadas ao planejamento estratégico e à vantagem competitiva, focadas principalmente no ambiente externo, na indústria em que está inserida a organização (PORTER, 1989; PORTER, 1991). Também preocupada com a vantagem competitiva, porém com um enfoque interno à organização, tem-se outra que é a da Visão Baseada em Recursos – Resource-Based View (Penrose, 1959; Wernerfelt, 1984; Barney, 1991; BARNEY, WRIGHT e KETCHEN, 2001). Uma terceira abordagem é a que trata da cooperação e da coopetição, incorporando a importância do estabelecimento de parcerias para aumentar a competitividade (Bengtsson e Kock, 2000; Barnett, 2006; Padula e Dagnino, 2007; Bonel e Rocco, 2007; Walley, 2007). Importante destacar que estas três abordagens, embora tenham aspectos diferentes, seguem uma mesma lógica: a busca por diferencial competitivo para sobreviver no mercado. Como afirmam Barin-Cruz, Pedrozo e Estivalete (2006), estas lógicas estratégicas, no campo da gestão, tem o mesmo objetivo principal: a maximização dos ganhos dos acionistas (shareholders).
Contudo, é possível observar, nas décadas mais recentes, a emergência de uma abordagem que segue outra lógica. Esta incorpora a ideia de que as organizações, além de trazerem ganhos para os shareholders, devem preocupar-se também como os seus stakeholders – grupos ou indivíduos que podem afetar ou serem afetados pela atuação da organização (FREEMAN, 1984). Tem-se então debates sobre estratégias sustentáveis (e.g. MARTINET e REYNAUD, 2004; WHITTINGTON, 2004; BARIN-CRUZ, PEDROZO e ESTIVALETE, 2006; BAUMGARTNER e KORHONEN, 2010).
Logo, observa-se a necessidade das organizações se prepararem para essa mudança, e os gestores para administrar organizações cuja tomada de decisão é feita em um ambiente cada vez mais dinâmico e complexo, que envolve múltiplos interesses e variáveis. Neste sentido, contribui Tenório (2006) afirmando que é preciso entender que as empresas estão inseridas em ambientes complexos, nos quais suas atividades influenciam ou têm impacto sobre diversos agentes sociais, comunidade e sociedade. Consequentemente, a orientação do negócio visando atender apenas aos interesses dos acionistas tornou-se insuficiente, sendo necessária a incorporação de objetivos sociais no plano de negócios como forma de integrar as companhias à sociedade. Complementa o autor dizendo que a sociedade industrial buscava, basicamente, o sucesso econômico; já a sociedade pós-industrial busca: o aumento da qualidade de vida, a valorização do ser humano, o respeito ao meio ambiente, a organização empresarial de múltiplos objetivos e a valorização das ações sociais, tanto das empresas quanto dos indivíduos.
Conforme Starik e Rands (1995), a adoção de estratégias sustentáveis constitui um passo fundamental para alcançar e manter o status de uma Organização Ecologicamente Sustentável. No nível de estratégia empresarial, os gestores precisam questionar o que suas organizações significam e qual é o papel delas na sociedade, depois precisam tentar agir sobre os resultados. Estratégias empreendedoras, desse modo, dirigem atenção aos ambientes político-econômico, sociocultural e ecológico. Adicionalmente, tais autores salientam a importância de analisar as empresas com bases multi-nível e multi-sistêmica.
Baumgartner e Korhonen (2010) também dão destaque à importância dos diferentes contextos. Alegam que, no contexto da estratégia, é importante reconhecer o ambiente global em questão, que sempre inclui o ambiente maior socioeconômico, ou seja, o contexto cultural, o contexto político, o contexto regulamentar e o contexto de mercado. Políticas e estratégias reducionistas deixam de considerar cuidadosamente este contexto socioeconômico em que todas as políticas e estratégias estão inseridas. Isto leva a “becos sem saída” e resulta em sugestões que não são realistas ou não sobrevivem a longo prazo no desenvolvimento da sociedade.
Wals e Schwarzin (2012) alertam para o fato de uma organização sustentável não se referir a uma organização que consegue manter, por exemplo, a rentabilidade, mas sim aquela que, dado o que sabemos hoje, equilibra com sucesso Pessoas, Prosperidade e Planeta, procurando um equilíbrio dinâmico entre esses 3Ps da sustentabilidade. Em última análise, como um ato de equilíbrio, pode-se exigir uma mudança por completo da maximização do lucro para algo completamente diferente, como a maximização do significado, corroborando o questionamento trazido por Starik e Rands (1995) em relação ao significado e ao papel das organizações na sociedade.
Neste sentido, Whittington (2004) também destaca o papel social das organizações. Segundo ele, a estratégia de gestão deve ser entendida como uma prática social. Deve aproximar-se das recomendações da Sociologia, em detrimento das recomendações da Economia. Isto é, deve haver uma preocupação com as consequências da ação estratégica, principalmente no que diz respeito aos impactos sociais e ambientais que dela derivam.
Assim, pode-se dizer que, além dos modelos clássicos da estratégia, o discurso e a prática da empresa são hoje fortemente influenciados por dois referenciais: o financeiro e o sustentável, que são contrários. O primeiro relaciona-se à teoria da agência – as relações de agência são definidas como um contrato por meio do qual um dirigente engaja um agente para cumprir uma ação em seu nome, o que necessita uma delegação de autoridade de decisão ao agente. A empresa é vista como um nó de contratos: um conjunto de relações da agência. Tem-se assim a predominância da racionalidade do Homo Economicus. O segundo exige uma racionalidade múltipla; a empresa deve ser capaz de reduzir a incerteza de seus parceiros sobre seu comportamento futuro: é necessário gerar confiança; a estratégia torna-se multidimensional, pois deve levar em conta os diversos grupos de interesses (MARTINET E REYNAUD, 2004).
Sendo assim, é preciso preparar os gestores para que conduzam as organizações neste processo de mudança necessária para a sustentabilidade, considerando não apenas os shareholders, mas os stakeholders. Importante salientar que a quantidade de stakeholders relacionados a uma organização pode ser vasta, incluindo funcionários, acionistas, fornecedores, distribuidores, clientes, comunidade, governo, organizações ambientais e sociais, compreendendo, inclusive, como acrescentam Stead e Stead (2000), o próprio planeta terra. O Quadro 1 resume e relaciona as propostas de posicionamentos estratégicos dos diferentes autores apresentados.
Neste processo de mudança nas organizações, os gestores têm um papel fundamental. E as Escolas de Negócios poderiam preparar tais gestores para ampliar o escopo das organizações, fazendo com que estas incorporem os objetivos dos stakeholders, além dos objetivos dos shareholders. Neste sentido, a educação demonstra ter um papel fundamental. Por meio dela, é possível disseminar o conceito de sustentabilidade, instruindo e incentivando ações neste sentido e contribuindo na formação de sujeitos críticos, ativos e transformadores da sociedade. Como afirma Nobre (2015), a educação destaca-se como o processo fundamental e como agente de transformação que deverá proporcionar mudanças nos valores e decisões dos gestores bem como nas estratégias empresariais a fim de contribuir para desenvolver um futuro sustentável em termos de integridade ambiental, social e econômica no cenário organizacional e da indústria.
Contudo, segundo Starik et al (2010), até hoje, a maioria dos cursos de Administração costumam abordar as preocupações ambientais como um conjunto de questões legais e éticas, tendo pouco a ver com desempenho econômico, decisões estratégicas, ou operações de negócios do dia-a-dia, exceto com fatores de custo. Logo, é preciso avançar no que diz respeito à compreensão da relação entre estratégias organizacionais e sustentabilidade.
Neste processo, os cursos de Administração tem um importante papel, pois é ali que muitos gestores aprendem a ter determinada visão de mundo e das organizações. Trabalhando com temas relacionados à sustentabilidade e ao papel das organizações diante dos desafios que a sustentabilidade impõe, estes cursos podem ser responsáveis por ampliar a visão dos atuais e futuros tomadores de decisões nas organizações, expandindo o escopo da organização, buscando mais do que a simples geração de retornos financeiros, podendo se transformar em mais um agente em busca da sustentabilidade. Nas próximas seções, são discutidos os temas educação e sustentabilidade, focando-se, ao final, nos cursos de Administração.
3. ADMINISTRAÇÃO, EDUCAÇÃO E SUSTENTABILIDADE
Como discutido, novas necessidades têm sido postas às organizações, exigindo-se destas transformações. Neste sentido, mudanças também são demandadas no âmbito individual. É preciso preparar os gestores para lidar com tais questões. Nesse sentido, o tema educação torna-se importante, aqui focado no ensino em Administração por estar diretamente relacionado às organizações.
Alguns estudos já demonstram que uma preocupação com a questão da sustentabilidade tem sido verificada nos cursos de Administração e tem levado a mudanças (e.g.: KEARINS e SPRINGETT, 2003; JACOBI, RAUFFLET e ARRUDA, 2011; PALMA, OLIVEIRA e VIACAVA, 2011; DEMAJOROVIC E SILVA, 2012; BRUNSTEIN, GODOY e SILVA, 2014). Como afirmam Brunstein, Godoy e Silva (2014, p. 2), “assistimos ao fortalecimento da reflexão acadêmica e das experiências práticas de educação para a sustentabilidade em salas de aula e em cursos de Administração, que paulatinamente crescem em quantidade e densidade”. Contudo, ressalta-se que apesar de haver um movimento em curso das escolas de ensino superior em todo o mundo, falta ainda “a construção de ações educativas mais robustas no que diz respeito a formar uma nova geração de administradores preparados para responder às exigências de uma lógica sustentável” (CARVALHO, BRUNSTEIN e GODOY, 2014, p.114).
Assim, apesar de já ser possível identificar algumas ações neste sentido, observa-se que este ainda é um processo incipiente. Limita-se, muitas vezes, a uma disciplina ao longo do curso (algumas vezes facultativa) que trate do assunto ou, majoritariamente, de temas relacionados a ele – como, por exemplo, disciplinas com foco em Gestão Ambiental e Responsabilidade Social Corporativa (Corporate Social Responsibility – CRS). Tal fato é demonstrado em um estudo feito com 40 universidades federais brasileiras, que aponta que apenas 13 (cerca de 33%) cursos de graduação em Administração apresentam disciplinas relacionadas à sustentabilidade (PALMA, OLIVEIRA e VIACAVA, 2011).
Jacobi, Raufflet e Arruda (2011), corroboram tal ideia, ao afirmar que o conceito de sustentabilidade tem sido difundido nas Escolas de Administração de duas maneiras: a primeira, por meio da introdução de novos cursos nos programas, tais como CSR ou Sustentabilidade; a segunda, por meio da promoção da sustentabilidade como uma oportunidade em determinada disciplina. Com relação à primeira, afirmam que o pensamento dominante da Administração, em suas definições do conceito de sustentabilidade nas organizações, fundamentalmente aborda a questão social e os desafios postos pelas questões ambientais como oportunidades de negócio, seja como uma forma de reduzir custos, seja como uma forma de posicionamento diferenciado de produtos e serviços. A responsabilidade social das empresas se mostra, ao menos na prática, ainda como apenas reativa, ou seja uma resposta à cobrança da sociedade e à necessidade de manterem uma imagem e uma reputação de organização socialmente responsável e, principalmente, como uma resposta a exigências legais. Quanto à segunda, alegam os autores que inserir a sustentabilidade como foco em uma única disciplina, como, por exemplo, a introdução da ecoeficiência na área de produção e logística, tem o potencial de melhorar a eficiência. No entanto, tal estratégia provavelmente falhará em seu questionamento e no redesenho de todo o processo.
Jacobi, Raufflet e Arruda (2011) também destacam alguns desafios com os quais a promoção da sustentabilidade na educação superior tem se confrontado: 1) a maioria das instituições de ensino superior tem dado um enfoque fragmentado para a sustentabilidade; 2) a promoção da interdisciplinaridade como uma condição para a educação da sustentabilidade tem encontrado muita resistência nas instituições, por razões tanto administrativas quanto pela relutância dos docentes; 3) a necessidade de uma mudança profunda e duradoura no processo organizacional dentro das instituições – o ensino superior deve abordar a sustentabilidade de forma mais sistêmica, que envolva toda a instituição nas mudanças em andamento, em colaboração com estratégias de aprendizagem.
A discussão sobre sustentabilidade e educação é ampla, envolvendo diversos conceitos, que devem ser esclarecidos para uma melhor compreensão do tema. Segundo Sterling (2004), com a introdução dos quatro termos – educação ambiental (EA), educação para o desenvolvimento sustentável (EDS), educação para a sustentabilidade (EPS) e educação sustentável (ES) – desde a Cúpula da Terra no Rio, pontos de vista variados surgiram. Historicamente, os termos relacionados à sustentabilidade surgiram cerca de 25 anos mais tarde do que a educação ambiental, ecoando uma mudança de preocupação e percepção na sociedade em geral, do ambientalismo como questão única para uma visão mais holística da interdependência dos problemas e, especificamente, dos aspectos econômicos, sociais e ambientais. Sterling (2004, p. 50) sugere que estes termos evoluíram, sendo que o aparecimento de novos termos indica um reconhecimento dos limites dos termos anteriores, respeitando ao mesmo tempo a sua validade (Figura 1).
Salientam Bursztyn e Drummond (2009) que, em pouco mais de 20 anos desde o seu lançamento, o conceito de DS se espalhou e se enraizou substancialmente no tecido institucional (público e privado), sensibilizou a mídia e moldou o universo das decisões públicas. Também destacam os autores que, na academia, após um estranhamento inicial, dado o caráter conservador da universidade, ele alcançou impacto e legitimidade, propagando-se em dois sentidos: como tema de interesse de diferentes disciplinas e como área interdisciplinar, de entroncamento de diversos campos.
Neste sentido, observa-se um aumento de trabalhos voltados a reflexões sobre como seria uma educação pautada na sustentabilidade. Buarque (1996), por exemplo, afirma que a educação ambiental capacita para a compreensão das relações existentes entre o homem e a natureza, ao buscar alternativas para uma vida equilibrada, a qual se torna possível por meio da formação do pensamento crítico, quando associa a ciência crítica à realidade.
Além da educação ambiental, encontram-se na literatura outras nomenclaturas propostas, como a EPS e a EDS, que complementam o primeiro conceito. A UNESCO adotou o termo educação para o desenvolvimento sustentável (EDS), que engloba o conceito de educação ambiental por possuir um conjunto de objetivos de largo alcance, calcado em valores e pensamento crítico, devendo ser integrado em outras disciplinas e não ser ministrado como uma disciplina independente. Na Assembleia Geral da ONU, realizada em dezembro de 2002, foi proclamada a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS) para o período de 2005 a 2014 (UNESCO, 2005).
Segundo Ceulemans e De Prins (2010), a DEDS tem dirigido a atenção para a integração do DS em todos os ambientes educacionais. Para o ensino superior, a integração do DS tradicionalmente pode estar situada em diferentes níveis, por exemplo, na educação, na pesquisa, nas operações da universidade e na comunidade externa.
Com relação ao primeiro nível – a integração do DS na educação ou nos currículos – em geral, duas tendências podem ser distinguidas na literatura: integração horizontal ou vertical. Na integração horizontal, o DS está entrelaçado em diferentes disciplinas do currículo, enquanto que a integração vertical pode ser entendida como a organização de disciplinas de DS separadas dentro do currículo. Embora ambas as opções tenham suas próprias vantagens e desvantagens, muitos autores e instituições são claramente a favor da integração horizontal. Todos eles focam na interdisciplinaridade e na necessidade de uma abordagem sistêmica e holística para o DS (CEULEMANS E DE PRINS, 2010).
Neste sentido, Buarque (1991) alega que a organização das disciplinas científicas passou a ser influenciada pela necessidade de se compreender as mudanças globais e as discussões crescentes em torno do DS, o que tem exigido enxergar o homem não mais desconexo da natureza. Contudo, alerta-se que isso significa romper com a especialização e com as fronteiras e barreiras existentes entre as diferentes áreas do conhecimento – introduzida durante o século XX e ainda muito presente na sociedade e nas IEs.
Destacam Bartholo Jr. e Bursztyn (2001) que, no mundo da ciência e da tecnologia, no século XX, começa a haver uma progressiva especialização, que exige profissionais de competência cada vez mais focada em campos do saber cada vez mais restritos e delimitados. Concomitante a esse movimento, tem-se também uma grande especialização no campo da educação. Segundo os autores,
do ensino universalista, clássico e abrangente (...) passamos à segmentação e especialização, preparando jovens para um mercado de trabalho compartimentado e restrito. Com isso, ganhamos em eficiência (no que se afere com indicadores mensuráveis). Mas perdemos o rumo. São cada vez mais opacos os objetivos e fins maiores de tal esforço. Perdemos a visão de conjunto. E, mais grave, o espírito crítico e a consciência da necessidade, da utilidade e, principalmente, das implicações do uso de cada saber específico, ao ser encaixado em um mosaico mais ampliado de saberes (BARTHOLO JR. e BURSZTYN, 2001, p.161).
Salienta Bursztyn (2008) que a interdisciplinaridade desempenha um papel importante no debate sobre a crise e o futuro das IEs, principalmente da universidade. Se o século XX pode ser identificado como uma era de especialização na academia, há uma tendência agora para adicionar espaços interdisciplinares na organização disciplinar tradicional de investigação e formação.
Ampliando o debate, Sterling (2004) utiliza o termo educação sustentável (ES) como um termo mais amplo para incluir EA, EDS e EPS. Para além destes termos, ES é utilizado para sugerir uma mudança de paradigma educacional, ao invés de uma modificação no paradigma existente.
A fim de enfrentar as condições atuais de estilos de vida insustentáveis, a complexidade sistêmica e a incerteza, Sterling (2004) argumenta que uma mudança de cultura educacional que se baseia e vai além das tradições de "educação ambiental" e expressões posteriores de educação para sustentabilidade é necessária. Essa cultura pode ser referida como "educação sustentável", um termo amplo que sugere um paradigma educacional holístico preocupado com a qualidade das relações ao invés do produto, com as emergências ao invés de resultados predeterminados.
Segundo Sterling (2004), a falta de progresso fundamental com a "reorientação" da educação e a acomodação e contenção da educação para sustentabilidade do mainstream sublinha a necessidade de articular um paradigma educacional alternativo e ecologicamente aterrado, que possa levar a uma mudança de cultura e fornecer uma visão mais integradora da educação. Para ajudar a responder a este desafio, o autor sugere o conceito de ES não como mais uma vigência igual à EPS e EDS, mas como o próximo passo lógico na evolução do campo. Sugerindo uma mudança de cultura educacional, a ênfase aqui não é sobre os resultados desejados como na "educação para o desenvolvimento sustentável”, mas sobre as qualidades do próprio ensino por meio do qual a sustentabilidade se manifesta como uma propriedade emergente.
Wals e Jickling (2002) também contestam a interpretação instrumental de "educação para a sustentabilidade" ou "para o desenvolvimento sustentável". Segundo os autores, é preciso diferenciar o ensino superior para além do treinamento e condicionamento, pois a prescrição de estilos de vida particulares ou (códigos de) comportamento é problemática, uma vez que sufoca a criatividade, homogeneíza o pensamento, reduz as escolhas e limites do pensamento autônomo e graus de autodeterminação. Sugerem que a integração da sustentabilidade no ensino superior está intimamente ligada ao desenvolvimento de qualidades emancipatórias, portanto, terá de proporcionar aos alunos uma forma de compreender e transformar o complexo mundo do qual eles fazem parte.
Conforme Wals e Jickling (2002), a integração de aspectos da sustentabilidade não pode ser realizada sem pensar criticamente sobre a reestruturação de arranjos didáticos. Esta reorientação requer muitas oportunidades para os membros da equipe e estudantes embarcarem em novas formas de ensino e aprendizagem. Para que isso aconteça, eles têm que ter a oportunidade de re-aprender a sua maneira de ensinar e aprender e re-pensar e re-moldar seus relacionamentos mútuos. Esses novos arranjos didáticos pressupõe uma orientação para o problema, aprendizagem experiencial e aprendizagem ao longo da vida. Neste sentido, sugerem-se as seguintes mudanças na orientação educativa (WALS E JICKLING, 2002):
· de aprendizagem de consumo para a aprendizagem pela descoberta e resolução criativa de problemas;
· de arranjos centrados no professor para arranjos centrados no aluno;
· da aprendizagem individual para a aprendizagem colaborativa;
· da aprendizagem dominada pela teoria para a aprendizagem orientada pela práxis;
· da pura acumulação de conhecimento para a orientação problemática;
· da aprendizagem orientada pelo conteúdo para a aprendizagem auto-regulada;
· da aprendizagem baseada no pessoal institucional para a aprendizagem com e de pessoas de fora;
· de baixo nível de aprendizagem cognitiva para mais elevado nível de aprendizagem cognitiva;
· da ênfase apenas em objetivos cognitivo para enfatizar também objetivos afetivos e habilidade relacionadas.
Sendo assim, a ES (STERLING, 2004):
· implica uma mudança fundamental de propósito ou, no mínimo, um objetivo adicional fundamental para a educação;
· implica a incorporação e a exploração da natureza da sustentabilidade como intrínseca ao processo de aprendizagem. Isto é educação “enquanto” sustentabilidade – alimentando o pensamento crítico, reflexivo e sistêmico; criatividade; auto-organização e gestão adaptativa – ao invés de educação "sobre" sustentabilidade ou educação “para” determinados resultados do desenvolvimento sustentável;
· não é prescritivo, mas é indicativo e propositado;
· afirma tradições humanistas liberais na educação, mas vai além delas por meio da sinergia com os valores centrais, conceitos e metodologias sistêmicos e sustentáveis;
· desafia os efeitos limitantes de características do paradigma mecanicista dominante, como o controle top-down, a centralização, o gerencialismo, o instrumentalismo e a desvalorização das humanidades e das artes;
· é baseado no "sistêmico" ao invés do "sistemático" – isto é, a ênfase está na aprendizagem sistêmica como mudança, ao invés de controle sistemático em resposta à mudança.
Sterling (2004) destaca que essa mudança de cultura educacional requer um processo de aprendizagem em profundidade pelos atores educacionais – os decisores políticos, gestores, teóricos, pesquisadores e profissionais. Se as IEs estão a desempenhar um papel pleno e construtivo na transição para a sustentabilidade (se forem para proporcionar experiências de aprendizagem transformadoras para estudantes) então – como organizações que aprendem – essas instituições e seus atores precisam eles mesmos passar por algum tipo de experiência de aprendizagem transformadora.
Contudo, observa-se que os avanços nas IEs e, especificamente, nas Escolas de Administração, no que diz respeito à inserção da sustentabilidade, ainda têm sido poucos (JACOBI, RAUFFLET e ARRUDA, 2011; CARVALHO, BRUNSTEIN e GODOY, 2014). De acordo com Rands e Starik (2009), a sustentabilidade na educação em gestão é um fenômeno relativamente recente. Complementam Starik et al (2010) que, especialmente na última década, a atenção para a sustentabilidade dos negócios se expandiu significativamente. No entanto, a maior parte desta atenção tem ainda que ser integrada em qualquer nível na maioria das disciplinas e cursos das Escolas de Negócios.
Uma forma de identificar se há a integração da sustentabilidade nos cursos de Administração é por meio de pesquisa nos websites e currículos dos cursos. Estudos deste tipo já foram desenvolvidos no Brasil e no mundo (e.g.: CHRISTENSEN et al, 2007; WU et al, 2010; PALMA, OLIVEIRA e VIACAVA, 2011) e apontam que ainda é preciso avançar na inserção da sustentabilidade nestes cursos. Propõe-se fazer tal análise nos cursos de Administração do RS.
4. MÉTODO DE PESQUISA
O presente trabalho pode ser considerado um estudo de caráter exploratório que buscou identificar se os cursos presenciais de Bacharelado em Administração, no estado do Rio Grande do Sul, têm proposto a inserção da sustentabilidade em seus programas. As pesquisas exploratórias, conforme Gil (2007), têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias com o intuito de formular problemas mais precisos para estudos posteriores – são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar uma visão geral acerca de determinado fato. Acrescenta Malhotra (2006) que elas são comumente utilizadas na organização inicial de informações relevantes sobre o problema a ser investigado, dando base para pesquisas posteriores mais detalhadas.
Nesta etapa exploratória, foram pesquisadas as informações existentes nos websites dos cursos presenciais de Bacharelado em Administração no estado do Rio Grande do Sul, durante os meses de agosto e setembro de 2013. Incialmente, realizou-se uma triagem no e-MEC dos cursos de Administração melhor avaliados pelo MEC (Ministério da Educação) no estado do RS – sendo considerados apenas os que tiverem as melhores notas (4 e 5).
O e-MEC foi criado para fazer a tramitação eletrônica dos processos de regulamentação. Pela internet, as instituições de educação superior fazem o credenciamento e o recredenciamento, buscam autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos. Em funcionamento desde janeiro de 2007, o sistema permite a abertura e o acompanhamento dos processos pelas instituições de forma simplificada e transparente. Nele, é possível acessar as informações de todas as IEs cadastradas (e-MEC, 2013).
Utilizou-se como indicador o Conceito Preliminar de Curso (CPC). Este é composto a partir dos resultados do Enade e por fatores que consideram a titulação dos professores, o percentual de docentes que cumprem regime parcial ou integral (não horistas), recursos didático-pedagógicos, infraestrutura e instalações físicas. O conceito, que vai de 1 a 5 (sendo 5 o valor máximo), é um indicador preliminar da situação dos cursos de graduação no país (e-MEC, 2013).
Após esta primeira triagem, foram pesquisadas as informações constantes nos websites destes cursos para identificar se eles abordam a sustentabilidade ou temas relacionados na apresentação do curso e demais informações presentes no website. Os principais resultados são apresentados na sequência.
5. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Segundo dados do e-MEC, no Rio Grande do Sul, existem cursos presenciais de Administração em 94 municípios, que são oferecidos por 86 IEs. Destas, duas têm conceito 5 e treze, conceito 4. O Quadro 2 apresenta as IEs, as cidades onde atuam e seus respectivos conceitos (apenas aquelas com CPC igual a 4 e 5). Também são apresentadas partes de textos encontrados no website dos cursos pesquisados que estão relacionados à sustentabilidade e as disciplinas oferecidas pelos cursos relativas ao tema. Como poucos cursos apresentam a palavra sustentabilidade de forma direta, também considerou-se temas correlatos como meio ambiente, gestão ambiental, responsabilidade social e ética. Detalha-se ainda, em que parte do texto foi encontrado o tema (se na apresentação geral do curso, no perfil do egresso, etc.) e se as disciplinas oferecidas são obrigatórias ou eletivas, informando-se também a sua carga horária.
Do Quadro 2, observa-se que, dos 15 cursos pesquisados, 5 não apresentam nada nos seus websites referente à sustentabilidade, nem mesmo aspectos relacionados como ética, responsabilidade social e/ou ambiental. Além disso, a palavra sustentabilidade foi encontrada apenas no website de um dos cursos pesquisados. Este mesmo curso também é um dos que faz referência à questão ambiental, além de outros 3 cursos. Os temas correlatos encontrados com maior frequência estão relacionados à cidadania, ética e responsabilidade social. Destaque também deve ser dado a uma universidade que fala em Tópicos Emergentes, referindo-se a abordagens que devem permear todo o currículo do curso, incluindo ética, ecologia e meio ambiente.
Com relação às disciplinas, todos os cursos oferecem disciplinas que podem ter relação com a sustentabilidade. Disciplinas que tratam do tema ética foram as mais encontradas. Estas são oferecidas como obrigatórias por mais da metade dos cursos (8 dos 15 cursos analisados). Contudo, é importante ressaltar que tais disciplinas podem não abordar diretamente a discussão sobre sustentabilidade.
Observando-se as demais disciplinas, 6 cursos (40%) oferecem disciplinas obrigatórias diretamente relacionadas à sustentabilidade e/ou à gestão socioambiental, enquanto 3 oferecem disciplinas eletivas relacionadas a esses mesmos temas.
Esses resultados parecem positivos, se comparados a estudos similares realizados no país. No estudo desenvolvido por Palma, Oliveira e Viacava (2011) com cursos de Administração de 40 universidades federais, por exemplo, as autoras identificaram que 21 universidades (que representam aproximadamente 53% da amostra total) não oferecem disciplinas relacionadas à sustentabilidade. Ou seja, mais da metade dos cursos de Administração das universidades federais do Brasil não apresentaram uma disciplina que tenha como foco o tema Sustentabilidade ou outro relacionado a ele, como Gestão Ambiental ou Responsabilidade Social Corporativa. As autoras identificaram ainda que 6 universidades (em torno de 15% do total) ofereciam disciplinas eletivas relacionadas ao tema. Acrescentando os cursos que tratam de tal tema somente em disciplinas optativas aos cursos que não as oferecem, chegaram a um total de 27 universidades (68%) que poderiam estar formando administradores sem incluir na sua formação aspectos importantes relacionados ao meio ambiente e à sociedade.
Percentual aproximado ao encontrado por Palma, Oliveira e Viacava (2011) foi identificado no presente estudo. Excluindo-se a disciplina de ética – como proposto na pesquisa de Palma, Oliveira e Viacava (2011) – identificou-se que 60% dos cursos de Administração oferecidos no RS podem estar formando administradores sem incluir na sua formação aspectos importantes relacionados à sustentabilidade. O Quadro 2 mostra ainda que apenas 4 cursos oferecem mais de uma opção de disciplinas relacionadas aos temas explorados (sustentabilidade, responsabilidade social e/ou ambiental), desconsiderando-se as disciplinas de ética.
Além disso, identificou-se que, em alguns cursos, ainda existe fragmentação em relação à questão social e ambiental. No Quadro 2, é possível observar que 3 cursos oferecem disciplinas relacionadas somente à questão ambiental e outro curso somente relativa à questão social, demonstrando que a segmentação e a especialização ainda é bastante presente inclusive levando a fragmentação entre o social e o ambiental, como se pudessem ser temas tratados isoladamente. Tais dados parecem apontar na direção contrária à interdisciplinaridade, mesmo que identificado na minoria dos cursos.
Importante ressaltar também que uma análise das disciplinas oferecidas pelos 5 cursos que não apresentam nada nos seus websites referente à sustentabilidade demonstra que dois destes cursos oferecem apenas disciplinas relacionadas à Responsabilidade Social/Organizacional. Ressalta-se que este tema pode ser abordado sob a ótica de estratégias competitivas, não estando necessariamente relacionado a estratégias sustentáveis. Ou seja, é provável que estes cursos (que representam um terço das universidades pesquisadas) de fato não trabalhem o tema da sustentabilidade, dado que não apresentam elementos que apontem diretamente para isso nas informações publicadas.
Mesmo assim, os resultados do estudo parecem positivos, se comparados a estudos similares realizados no mundo. Wu et al (2010), por exemplo, realizaram uma pesquisa baseada no conteúdo da web das Escolas de Administração credenciadas no European Quality Improvement System (EQUIS) e na Association to Advance Collegiate Schools of Business (AACSB). Identificaram que apenas 6% delas possuíam disciplinas específicas ou disciplinas com alguns tópicos relacionadas à sustentabilidade e temas correlatos. Destes, 44,6% estão em cursos de graduação e 55,4% em cursos de pós-graduação. Os resultados também revelaram que, em apenas 57% destas escolas, as disciplinas relacionadas à sustentabilidade são obrigatórias.
Contudo, como se pode observar no presente estudo, apesar de todos os cursos oferecerem ao menos uma disciplina em que possam ser tratados assuntos correlatos à sustentabilidade, sendo estas majoritariamente disciplinas obrigatórias, a grande maioria deles não demonstra que a sustentabilidade é uma preocupação central. Constata-se isso devido ao fato de o tema não constar de forma direta na maior parte dos websites dos cursos, apenas de modo indireto em alguns deles.
A pesquisa identificou ainda a predominância de palavras como eficácia, eficiência, mercado, competitividade nos textos de apresentação dos cursos, o que demonstra que estes parecem focar principalmente em estratégias competitivas, voltadas a atender majoritariamente ao interesse dos shareholders, e não dos stakeholders como ressaltado por Martinet e Reynaud (2004), Whittington (2004) e Barin-Cruz, Pedrozo e Estivalete (2006). Cabe salientar, entretanto, que vários cursos destacam que isto deve ser feito de forma responsável. A grande maioria traz a possibilidade de atuação do administrador em diversos tipos de organizações. Contudo, o foco principal são as empresas, verificando-se também, com frequência, o incentivo ao empreendedorismo.
Logo, observa-se que os cursos de Administração do RS parecem estar longe do que é proposto pela educação sustentável e da formação de administradores preparados para lidar com estratégias sustentáveis. Esses cursos, majoritariamente, têm trabalhado com a integração vertical do tema, promovendo a sustentabilidade como uma oportunidade em determinada disciplina. Isso vai ao encontro do modo como Jacobi, Raufflet e Arruda (2011) afirmam que o conceito tem sido difundido nas Escolas de Administração. Se o objetivo fosse a integração horizontal do tema, menção a este deveria ser feita em, ao menos, algumas informações existentes nos websites dos cursos, como, por exemplo, na apresentação e/ou nos objetivos do mesmo.
Os resultados do presente estudo também estão de acordo com as conclusões de Carvalho (2011) ao estudar os modelos de inserção da sustentabilidade em 18 IEs de Administração brasileiras. De acordo com a autora, a opção de inserção da sustentabilidade predominante nestas instituições tem sido por meio da introdução do tema a partir de uma ou mais disciplinas específicas.
Assim, os resultados deste estudo demonstram que os cursos do RS pesquisados parecem estar de acordo com a preparação dos jovens para um mercado de trabalho compartimentado e restrito, focado na eficiência, conforme criticam Bartholo Jr. e Bursztyn (2001). Logo, trabalham um enfoque fragmentado da sustentabilidade, dando importância secundária a este assunto, evidenciando estar longe da visão mais integradora e holística exigida pela sustentabilidade.
Neste sentido, observa-se que os cursos de Administração ainda estão em um estágio inicial no que diz respeito à inserção de aspectos relacionados à sustentabilidade, corroborando com as conclusões já apontadas por outros estudos (e.g.: WU et al, 2010; JACOBI, RAUFFLET e ARRUDA, 2011; PALMA, OLIVEIRA e VIACAVA, 2011; CARVALHO, BRUNSTEIN e GODOY, 2014). De acordo com Carvalho, Brunstein e Godoy (2014), o movimento de integração da sustentabilidade nos cursos superiores de Administração é ainda incipiente, embora já existam iniciativas nesse sentido. Ao traçarem um panorama das discussões sobre educação para a sustentabilidade no ensino superior e nos cursos de Administração, as autoras concluem que tem-se um cenário ao mesmo tempo preocupante, pois não sinaliza para a construção de ações educativas mais robustas no que diz respeito a formar uma nova geração de administradores preparados para responder às exigências de uma lógica sustentável, e desafiador, dado que há um movimento em curso das escolas de ensino superior no mundo todo. Acrescentam ainda que as pesquisas indicam uma preocupação mundial nesse sentido, não sendo as dificuldades prerrogativas do contexto brasileiro ou de qualquer outro país específico.
Sendo assim, percebe-se que, se os cursos de Administração tiverem o objetivo de preparar gestores que conduzam as organizações no processo de mudança necessário para a sustentabilidade, ampliando o escopo destas para a inserção e o alcance dos objetivos dos stakeholders, além dos shareholders, precisam avançar e inovar em políticas e práticas educativas. Inovações neste sentido podem ser vistas como uma oportunidade para os cursos de Administração do RS destacarem-se tanto no Brasil quanto no mundo.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como destacado, as IEs, de modo geral, e as Escolas de Administração, de modo específico, têm um papel fundamental no processo de inserção da sustentabilidade no ambiente organizacional. Estas últimas influenciam no modo como os administradores entendem as organizações e seus objetivos, podendo ampliar a compreensão que estes têm das mesmas e levar ao desenvolvimento de estratégias sustentáveis, que procurem atender aos objetivos dos stakeholders. Assim, este artigo buscou identificar se os cursos presenciais de Bacharelado em Administração, no estado do Rio Grande do Sul, têm proposto a inserção da sustentabilidade em seus programas.
Os resultados demonstraram que todos os cursos pesquisados já têm disciplinas que podem estar relacionadas ao tema inseridas em suas grades curriculares. Contudo, a sustentabilidade não parece ser um tema central nestes cursos, sendo tratada de modo isolado em algumas disciplinas. Neste sentido, novos estudos podem ser realizados buscando aprofundar as investigações nestes cursos, principalmente naqueles que apresentaram temas relacionados à sustentabilidade nas informações disponibilizadas publicamente.
Esta é uma das limitações, pois este estudo apresenta uma pesquisa nos websites dos cursos, sem uma verificação in loco. Contudo, apresenta dados interessantes, demonstrando que a realidade dos cursos de Administração no RS, no que diz respeito à inserção da sustentabilidade, não se distancia daquela presente no Brasil e no mundo. Isso aponta para a necessidade urgente de ampliar as discussões e ações que visem à inserção da sustentabilidade nos cursos de Administração e nas IEs dado que, como destacam Starik et al, (2010), nem o "business-as-usual", nem abordagens de reforma incrementalista que a maioria dos indivíduos, organizações e sociedades têm empregado para abordar questões críticas de sustentabilidade global são, aparentemente, suficientes para nos mover longe suficientemente rápido para prevenir crises. Acrescentam os autores que nós, profissionais da educação na área da gestão, temos a oportunidade de ajudar a conduzir os nossos stakeholders, sejam eles alunos, colegas, ex-alunos, ou outros colaboradores, no sentido de uma mudança significativa e sustentável.
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