Artículos de investigación
Etnomatemática em Cenas: nas sulinas fronteiras de uma américa, de que “matemáticas” somos capazes?
Ethnomathematics in Scenes: in the southern borders of an america, what mathematics are we capable of?
Etnomatemática em Cenas: nas sulinas fronteiras de uma américa, de que “matemáticas” somos capazes?
Revista Latinoamericana de Etnomatemática, vol. 13, núm. 3, pp. 9-28, 2020
Universidad de Nariño
Recepção: 04 Junho 2020
Aprovação: 24 Setembro 2020
Resumo: O presente artigo se coloca como proposta pensar a etnomatemática em seus funcionamentos, territorilizações, demandas por institucionalização e aparelhamento. Diante deste desafio, esta escrita se assume como uma composição, ou uma bricolagem, de cinco cenas que marcam momentos e acontecimentos destacados junto à etnomatemática. A bricolagem dessas cenas ora problematiza a interioridade da etnomatemática, ora desafia e exercita seus limites e fronteiras como área, como prática, como produtora de conhecimento etc., em um exercício-convite a multiplicar acessos à leitura, compondo textos com estas e outras cenas trazidas à composição pela via da leitura, multiplicando, também, acessos à etnomatemática, praticando esgarçamento de limites e fronteiras.
Palavras-chave: Filosofia da diferença, Bricolagem, Humanidade vasta, Limites.
Abstract: This article proposes to think about ethnomathematics in its functioning, territorialization, demands for institutionalization and apliancement. Faced with this challenge, this writing assumes itself as a composition, or a bricolage, of five scenes that mark moments and events highlighted with ethnomathematics. The bricolage of these scenes sometimes problematizes the interiority of ethnomathematics, sometimes challenges and exercises its limits and boundaries as an area, as a practice, as a producer of knowledge, etc., in an exercise-invitation to multiply reading access, composing texts with these and other scenes. brought to the composition through the reading, also multiplying access to ethnomathematics, practicing borders and boundaries.
Keywords: Philosophy of difference, Bricolage, Vast humanity, Boundaries.
Rio Claro e Juiz de Fora, 2019: “Uma proposta”.
Eis que surge uma proposta ousada para uma edição de um periódico: colocar em foco as fronteiras e os limites da etnomatemática, buscando evidenciar convergências e contradições a partir dos olhares de autores interdisciplinares, um de cada continente. Nela, cada autor expressaria sua voz, suas experiências e sua compreensão da etnomatemática a fim de contribuir com esse debate.
Junto a essa proposta, um convite-desafio aceito por uma dupla de amigos brasileiros que possuem pés dentro e fora da etnomatemática: pesquisadora e pesquisador e educadora e educador matemáticos dedicados a problematizar, junto às filosofias da diferença, especialmente em aliança com os pensamentos de Nietzsche, Gilles Deleuze e Felix Guattari. É desde este lugar fronteiriço que o desafio é aceito e é desde este lugar problematizador que a produção vai se dando, colocando problema naquilo que vem se constituindo como etnomatemática nas fronteiras sulinas de uma américa.
Um desafio se mostra. Por onde seguir? Tratar de pesquisas sul americanas em etnomatemática? Problematizar a etnomatemática de modo a dar a ver outros possíveis para quem a assume ou a pratica? Tomá-la como área e como possibilidade de movimentos outros, que escapem de tentativas de conformar um dentro e um fora para a área? Desafiar seus limites, esgarçando-os?
Diante dos modos como fomos compreendendo este desafio, pensamos que nossa contribuição poderia vir em uma composição com cenas que trouxessem à tona limites e fronteiras da etnomatemática, como área, como prática, como produtora de conhecimento etc, na direção de não buscar pelo esgotamento de um ou de outro caminho que se colocava à nossa frente. Em cada cena, uma materialidade que pode funcionar como pivô para produzir com esses limites e com essas fronteiras. Dessa maneira, este texto se assume como uma composição, ou uma bricolagem, com cenas que oferecem diferentes entradas ao leitor, um convite a multiplicar acessos, compondo textos com suas próprias cenas, muitas vezes não registradas.
Adelaide, 1984: “Um convite-desafio colocado a uma comunidade”.
Adelaide, Austrália, agosto de 1984. Mil e oitocentos participantes de mais de setenta países. Palestra de abertura do 5º Congresso Internacional de Educação Matemática. Ubiratan D’Ambrosio sobe ao palco para ministrar “Socio-cultural Bases for Mathematical Education” (D’Ambrosio, 1984, que viria a ser conhecida como marco de criação política da Etnomatemática. Por que a adjetivação política? Pois, por mais que um nome – etnomatemática, que figurou nos anais do evento como etno-matemática – ali fosse anunciado, já havia uma série de trabalhos que operavam ou apontavam uma ocupação com a relação entre matemática e sociedade (Gay & Cole, 1967; Zaslavsky, 1973, Fettweiss, 1935). Tal anúncio tratava-se, logo, de uma espécie de compromisso com a comunidade. Para criá-lo, D’Ambrosio, em seu pronunciamento, lançou à comunidade acadêmica um problema . um modo de lidar.
Como problema, D’Ambrosio afirmou que a Educação Matemática passava por uma de suas piores crises na história da humanidade, motivada pela articulação de dois elementos: a visão de uma matemática única, herança de uma cultura grega, e a proposta de uma “educação para todos”. Nesse panorama, uma reflexão sobre as raízes da matemática e seu papel para a sociedade se mostrava como urgência.
Para lidar com o problema posto, a estratégia oferecida por D’Ambrosio pressupunha a centralização do conhecimento no indivíduo e suas ações em uma realidade, que, por sua vez, passariam a produzir novos indivíduos, o que é demarcado pelo autor por um modelo de ciclo vital. Nessa perspectiva, saber e fazer são assumidos de maneira indissociável, compatibilizados coletivamente em um modo de compreender o comportamento humano de maneira hierárquica, passando pelos níveis “individual, coletivo, cultural e transcultural3” (D’Ambrosio, 1984, p.2).
O indivíduo passa, assim, a ser foco de atenção de educadores e o grande desafio da educação é o de trazer para o currículo a diversidade cultural em um período de mudanças rápidas das sociedades, algo até então ignorado pela Matemática e pela Educação Matemática.
A pergunta “como ensinar matemática?” se desloca para “que matemática ensinar?”, denotando o interesse em se atentar à relação entre matemática ensinada e sociedade ou, em outras palavras, entre
(...) etno-matemática e sociedade, em que ‘etnos’ passam a fazer parte da composição junto ao conceito bastante global e moderno de ‘etno’ como raça e/ou cultura, que implica linguagem, códigos, símbolos, valores, atitudes e assim por diante, que naturalmente implica ciência e práticas matemáticas.4 (D’Ambrosio, 1984, p.5).
A etno-matemática – como denotada à época – não teria praticamente barreiras com respeito à sociedade, operando como um “sistema poroso com permanente interação5” (D’Ambrosio, 1984, p. 5). A relação entre etno-matemática e sociedade seria caracterizada por “reação rápida por meio de um sistema de auto-regulação6”. (D’Ambrosio, 1984, p.5).
Na fala de D’Ambrosio, dois pontos são marcantes: a importância de uma Educação Matemática pautada em bases socioculturais e o entendimento da produção e transformação do conhecimento centradas no indivíduo, em uma perspectiva humanista. Estava, assim, lançado um convite à comunidade de Educação Matemática.
Etnomatemática, um convite para a Educação Matemática. Convite que fissura um território assumido por uma comunidade. Etnomatemática, um movimento que atravessa um território, desafiando-o. O desafio para a Educação Matemática: assumir bases socioculturais na produção do conhecimento matemático e no seu ensino.
Um território fissurado por um elemento com o qual ainda não opera? Processo de desterritorialização? O que vem a seguir? Um processo de reterritorialização? Novo território, nova Educação Matemática? Território expandido, Educação Matemática que se fortalece?
Nesse jogo de (des)[re]territorializações, alguns participantes: um estado e seu aparelho, protetor de seu território, estriador de caminhos a serem repercorridos; nômades e suas máquinas de guerra, fissuradores do posto e disposto, alisadores de espaços.
Mundo, 2014: “Uma etnomatemática se territorializa na Educação Matemática”.
Ano de 2014. A Etnomatemática celebra 30 anos desde o marco de criação de seu espaço político na Educação Matemática: o pronunciamento de Ubiratan D'Ambrosio, em 1984, no 5. Congresso Internacional de Educação Matemática, em Adelaide, Austrália. O que acontece desde então?
No ano seguinte, em 1985, é criado o International Study Group on Ethnomathematics (ISGEM).
O International Study Group on Ethnomathematics foi fundado em 1985 pelos educadores matemáticos Gloria Gilmer, Ubiratan D’Ambrosio, Gil Cuevas e Rick Scott. Desde então ele tem promovido programas e reuniões de trabalho nas conferências anuais do National Council of Teachers of Mathematics (EUA) e no International Congress of Mathematics Education. Em 1990, O ISGEm se tornou afiliado ao National Council of Teachers of Mathematics (EUA). (ISGEm, 2016, Tradução e grifos nossos)7
Na explicitação do grupo, uma baliza. Não foi criado por quaisquer pessoas, mas por educadores matemáticos. Além disso, uma sociedade – National Council of Teachers of Mathematics – e um evento – International Congress of Mathematics Education – se fazem presentes e uma afiliação é assumida. Desejo de território ou de terras para percorrer?
Desde então, etno-matemática passou a ser chamada de etnomatemática, tomado como programa de produção de conhecimento, como frente de pesquisa da Educação Matemática, como teoria do conhecimento ou como atitude de ensino. Foram criadas redes de interação, como a Red Latinoamericana de Etnomatemática, mais recentemente chamada de Red Internacional de Etnomatemática, com objetivos atualizados a partir de 2018 para:
“- Colaborar em projetos comunitários para o fortalecimento, promoção, investigação, estudo e difusão do pensamento matemático de povos e comunidades e grupos socioculturais.
- Fomentar a pesquisa etnomatemática, desde seus diferentes enfoques, dimensões ou perspectivas.
- Fomentar a pesquisa em formação de professores e no desenvolvimento curricular com pertinência sociocultural.
- Desenvolver ações conjuntas com organizações governamentais e não governamentais como auxílio para o desenvolvimento de políticas públicas que garantam a diversidade social e cultural.
- Fortalecer as bases epistemológicas, históricas e filosóficas da Etnomatemática.
- Fomentar espaços de formação e capacitação dos membros da comunidade da RELAET. (RELAET, 2019, tradução nossa).8”
Uma rede que se internacionaliza. Objetivos se atualizam, assumindo a etnomatemática, como área, e uma ocupação com a formação de seus membros. Mecanismo de proteção e de acolhimento? Aliança para a potencialização de movimentos? Quanto de movimento e de território acolhe a etnomatemática?
Eventos específicos foram criados. o International Congress on Ethnomathematics (ICEM)9, a cada quatro anos, com a primeira edição em 1998, em Granada, Espanha. O mesmo ocorre em países com o Brasil, com o Congresso Brasileiro de Etnomatemática (CBEM), a partir de 2000, em São Paulo. Etnomatemática: um novo território?
Cursos, seminários, conferências, apresentações em congressos têm dado visibilidade acadêmica à etnomatemática. Agora, o Primeiro Congresso Internacional em Etnomatemática traz esta nova área de pesquisa à maturidade. (D’Ambrosio, 1999, p.50, tradução nossa).10
Como área de estudo ou pesquisa, a etnomatemática cresceu muito, e nichos de seu estudo podem ser encontrados por todo o mundo. O Brasil, em especial, é considerado um dos países com maior tradição de pesquisa nessa área, com crescimento expressivo.
Com esse crescimento, um reconhecimento da etnomatemática é manifestado pelas agências de fomento e seu nome passa a figurar em frentes de trabalhos de grupos de pesquisa. Em setembro de 2012, encontravam-se cadastrados no diretório de pesquisas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) 54 grupos de pesquisa que a assumiam como frente de investigação (CNPq, 2012); em fevereiro de 2014 este número já subia para 69 (CNPq, 2014).
Etnomatemática, territorializada nas políticas de avaliação dos órgãos de fomento e nas políticas de distribuição de recursos, institucionaliza modos de compreender a matemática e a cultura e a relação entre elas. Enquanto essa institucionalização vai se dando, com seus aparelhamentos e estabelecimentos de fronteiras territoriais, outros agenciamentos pedem passagem e desafiam os processos de institucionalização e aparelhamento em curso: quanto de interioridade suporta uma fronteira? Quanto de esgarçamento suporta uma fronteira até, em seu limiar, outros agenciamentos tomarem de assalto estas relações entre matemática e cultura?
Uma máquina de guerra11nômade não para de alisar os espaços, de confrontar os aparelhos de estriagem do Estado. Nômade, flui por entre os códigos e as estrias descodificando, alisando. Potência afirmativa de um fora. Como sedentarizar o nômade e sua máquina de guerra? Eis um problema do Estado que constitui, em seus aparelhos de captura, modos desta sedentarização. Sedentarizar, territorializar... Territorializar é dar terra: distribuir colônia. Mais do que isso, colonizar é manter a colônia sempre à sombra do signo colonizador.
Na colonização: um signo, um modo, uma língua, uma existência, um saber... se impõem. Estrias moldando os fluxos. Controle e pretensão de aniquilação de tudo que se coloca fora das estrias, fora dos estratos, fora dos aparelhamentos...
Saberes coloniais ou colonizados: formar colônias, dar terras e sedentarizar saberes nômades. Codificar e sobrecodificar. Uma matemática ocidental, colonizadora de outros saberes? Uma etnomatemática colonizada por uma matemática ocidental universalizada? Como uma etnomatemática se encontra com este problema da colônia? Como uma etnomatemática se encontra com o problema da ocupação de espaços em uma educação matemática? Estriagem e alisamentos. Que relações aí se estabelecem?
Goiânia, 2016: “Sobre modos de funcionamento e de conjuração junto à etnomatemática”.
Ano de 2016. A cidade de Goiânia, localizada na região centro-oeste brasileira, sedia o 5. Congresso Brasileiro de Etnomatemática (CBEM). Um congresso muito emblemático para a área, na medida em que foi criado e ocorre articuladamente ao International Congress on Ethnomathematics (ICEM). O número de edições de cada evento é igual. Ambos acontecem a cada quatro anos, porém organizados de maneira a não se sobreporem. O CBEM acontece sempre dois anos após o ICEM com a proposta de reunir os pesquisadores brasileiros que, dois anos depois, participarão do ICEM seguinte, de maneira que um evento alimente o outro.
O 5. CBEM12 privilegiou grupos de trabalho, em número de quatro, chamados de “GT 1 – Etnomatemática, práticas educativas e formação de professores”, “GT 2 – Fundamentos teóricos e filosóficos da Etnomatemática”, “GT 3 – Etnomatemática em diferentes contextos socioculturais” e “GT 4 – Metodologia de pesquisa em Etnomatemática”. Cada um deles foi coordenado por uma dupla de pesquisadores, com a função de fomentar e articular as discussões do Grupo.
Os autores do presente artigo coordenaram o “GT 2 – Fundamentos teóricos e filosóficos da Etnomatemática”, com o qual operaremos para problematizar, neste artigo, a maquinaria de funcionamento da própria Etnomatemática.13
Um nome designado a um grupo: Fundamentos Teóricos e Filosóficos da Etnomatemática. Uma nomeação. Uma designação. Uma marca? Uma inquietação: o que se quer quando se designa um nome? O que se quer quando se nomeia “fundamentos”? O que se quer com “fundamentos teóricos”? E com “fundamentos filosóficos”?
Um nome? Uma nomeação!
Desnomear?
Desnomear. Atritar o nome, deslizando-o de sua acepção primeira. Nomear de outro nome em um jogo de leva e traz. Profanar nomes deslizantemente.
GT 2 - Fundamentos Teóricos e Filosóficos da Etnomatemática Um nome nomeia? Nome que nomeia uma fundamentação para a etnomatemática?
Que fundamentação?
Fundamentação como ação de amparar, de sustentar?
Aquilo que dá fundamento?
Fundamento como solo para a etnomatemática?
Solo no qual se planta a etnomatemática?
Fundamento como substantivo que sustenta?
Sustenta e mantém modos já consolidados?
O que fica em jogo, para além de um jogo de palavras? Funcionamento! Funcionamento? Como funcionou, ao longo do 5º CBEM, o GT de fundamentos? Um funcionamento.
Funcionamento. Maquinaria. Engendramento. Modos de existir de algo ou alguém.
Como colocar uma maquinaria para funcionar?
Uma (des)organização.
Desorganizar. Tirar a poeira de estruturas que envelhecem com o tempo. Chacoalhar a ordem.
Mensagear. Estratégia de deslizamento de uma organização.
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O que uma desorganização produz?
Produz acolhimento. Produz?
Produz discussões. Produz?
Produz diálogo. Produz?
Produz descentralização. Produz?
Produz aprofundamento. Produz?
Produz?
Produzir: verbo, ação. Mudança de modos. Mudança nos modos. Efeito de uma maquinaria.
Que mais produziu o GT 2? Que mais se produziu no GT 2? Que produziu o GT 2 como GT?
Dois dias de trabalho. Oito horas e quarenta e cinco minutos de encontro do grupo. Treze apresentações atualizadas em voz, leitores privilegiados, comentários, discussões.
Números: dois oito quarenta cinco treze… números alinhados que dizem alguma coisa, mas não dizem, ainda, do ímpeto de se esticar uma linha e mantê-la esticada. Uma linha que se mantém esticada, tensionada, ao longo de todo o grupo de trabalho.
Em meio ao grupo, uma voz constata: “O Ubiratan aparece em quase todos os trabalhos. É como se fotos de diferentes teóricos fossem colocadas ao seu lado.”
Ubiratan D'Ambrosio e Bertrand Russell.
Ubiratan D'Ambrosio e Michel Foucault.
Ubiratan D'Ambrosio e Pierre Bourdieu.
Ubiratan D'Ambrosio e Ludwig Wittgenstein.
Ubiratan D'Ambrosio e Edgar Morin.
Ubiratan D'Ambrosio e Jacques Derrida.
Ubiratan D'Ambrosio e Clifford Geertz.
Ubiratan D'Ambrosio e Gilles Deleuze.
Ubiratan D'Ambrosio e Friedrich Nietzsche
Muitas fotos em composição d’ambrosiana. Lado a lado, cara a cara. Compondo uma maquinaria com rostos frente a frente. O que essa maquinaria produz?
Um grupo de trabalho.
O que acontece quando se colocam tantas faces em um mesmo retrato?
Diferentes lentes teóricas sobre a etnomatemática?
Diferentes lentes teóricas junto à etnomatemática?
Lentes que difundem uma etnomatemática. Na ambiguidade das palavras, difusão que ora socializa, ora diversifica. Diversidade que torna possível o diálogo. Uma questão de disponibilidade, de doação, de abertura, de composição.
Ubiratan D'Ambrosio e Bertrand Russell e Michel Foucault e Pierre Bourdieu e Ludwig Wittgenstein e Edgar Morin e Jacques Derrida e Clifford Geertz e Gilles Deleuze e Friedrich Nietzsche e... e... e...
Nesse salão com tantas personalidades, a etnomatemática se mostra.
Mostra-se como agente e como paciente. Como produtora e como produto.
Etnomatemática-produtora que produz junto à lei brasileira 10639/03, que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas brasileiras. Etnomatemática-produtora de novos conceitos, como a etnoestatística. Etnomatemática- produto de capitais sociais, que permitiram seu surgimento. Etnomatemática-produto de uma busca pela paz em meio à Guerra Fria. Etnomatemática-produto-produtora-junto-a- materialidades.
Cultura como pano-de-fundo. Cultura como composição. Cultura como possibilidade de produção. Culturas e práticas que se estendem como um tapete que possibilita novas produções. Culturas e práticas como materialidade dos estudos.
Etnomatemática e práticas de cozinheiras e a Guerra Fria e uma obra de Boaventura e marcadores de tempo Tapirapé e práticas africanas e a história de Ouro Preto e... Na esteira desse tapete, surgem produções. Temas caros à etnomatemática se mostram.
Mostram-se de diferentes maneiras. Mostram-se assumidos. Mostram-se problematizados. Complexidade. Paz. Quebra de um certo paradigma científico. Prática pedagógica descolonizadora. Etc. Ou ainda, visando à potência da velocidade produzida pela lógica da conjunção, que desacredita as fronteiras entre os temas: complexidade e paz e quebra de um certo paradigma científico e prática pedagógica descolonizadora e prática pedagógica descolonizadora e... e...
Desnomear. Deformar nomes. Brincadeira de adultos que profanam nomes que lhe são caros. Desenhar junto a nomes.
GT 2 - Fundamentos Teóricos e Filosóficos da Etnomatemática Filosofia que fundamenta uma etnomatemática?
Etnomatemática que é fundamentada em uma filosofia?
Filosofia e etnomatemática?
Filosofia da etnomatemática?
Afinal, do que tratou esse Grupo de Trabalho?
Afinal, o que produziu esse Grupo de Trabalho?
Produziu um corpo!
Produziu corpos que se atravessam!
Produziu atravessamento de corpos!
Ubiratan D'Ambrosio e Bertrand Russell e Michel Foucault e Pierre Bourdieu e Ludwig Wittgenstein e Edgar Morin e Jacques Derrida e Clifford Geertz e Gilles Deleuze e Friedrich Nietzsche e Gustavo Alexandre de Miranda e Daniel Clark Orey e Caroline Mendes dos Passos e Claudio Fernandes da Costa e Júlio César Augusto do Valle e Janderson de Souza e Lucas Ogliari e João Severino Filho e Cintia Peixoto e Isabel de Lara e Carolina Tamayo Osorio e Sônia Maria Clareto e Roger Miarka e Diego Gondim e Jorge Isidro e... e... e...
O convite-etnomatemática, feito em 1984 por D’Ambrosio foi amplamente aceito e se mantém há mais de trinta anos. Convite de frente e verso, com um problema e um modo de lidar. O problema: uma educação com elementos de alguns passa a ser para todos. O modo de lidar: uma educação pautada no indivíduo.
Uma maneira de compreender o conhecimento e sua produção é assumida. Nela, indivíduos formam coletivos. Um coletivo carrega tradições, práticas... Um coletivo forma uma sociedade. Uma cultura é posta. Aliás, se em um primeiro momento a etno- matemática, posterior etnomatemática, fala da relação entre matemática e sociedade, nos
discursos posteriores a relação mais frequente é entre matemática e cultura. No discurso de D’Ambrosio, em 1984, cultura aparece em um nível intermediário da cadeia de conhecimento, que se inicia com o indivíduo, passa pelo coletivo e culmina no transcultural. Indivíduo como alimentador do coletivo? Processo de produção que se inicia pelo indivíduo? Há outros caminhos possíveis?
Culturas são dispostas e trans?postas...
... em nome de um ...
... passado?
... presente?
... futuro?
Indivíduo como pedra angular, alimentador do coletivo, da sociedade, da cultura... “Cada cabeça, uma sentença”. Cada ser, uma contribuição, autorregulada e compatibilizada em grupo. Modos se mostram...
Humanidade: modos de ser humano.
Uma educação pautada em diferentes modos de ser humano.
Modos já produzidos?
Modos que estão no passado?
Há algo de presente e de futuro nesses modos?
Quanto de passado, presente e futuro há na humanidade?
Quanto de humanidade assume uma educação?
Quanto de humanidade suporta uma educação?
Rio de Janeiro, 2019: “Humanidade vasta, conhecimento vasto e valores: que vida afirma?”
Rio de Janeiro, outubro de 2019, no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ailton Krenak14, em conversa com Suely Ronilk pergunta: Por que continuar reproduzindo valores de uma humanidade vasta que deu errado? Diante do questionamento de Krenak, resta o silêncio. Um silêncio inquieto. Um silêncio absorto no absurdo: essa humanidade vasta que deu errado... Que valores sustentam esta humanidade vasta?
Uma afirmação: a “humanidade vasta” deu errado!!!. Outra afirmação: continuamos a reproduzir os valores que sustentam essa tal humanidade!!. Uma tal humanidade vasta, em sua vastidão – universalidade, totalidade – se restringe a um único signo, a um modo único de participação na “humanidade”: branco, europeu, ou euroestadunidense, do sexo masculino, heterossexual, cisgênero, com seus atributos físicos “perfeitos”, tanto física como intelectualmente, empregado e contribuinte na produção de riquezas e coleta de impostos... Muito especialmente, e acima de tudo, de pele branca.
Como ser partícipe dessa “humanidade vasta”? Como tomar parte neste mundo humano? Processo de “humanização”, processo civilizatório, modo de constituição de pertencimento ou “de como alguém se torna humano”. Processo civilizatório e colonizador do pensamento, dos saberes, dos modos de existir... A colonização, como processo de sobrecodificação, no qual tudo se remete a significantes estabelecidos no e pelo signo colonizador. Unicidade. Que vida se afirma com e nesta humanidade? Que valores a sustentam? Afirmação negativa de vida: nega a variação, nega outras existências, ao afirmar como vida, um modo único de existir, um único modo de ser “humano”.
O próprio Krenak continua, em sua fala, a colocar problema: por que esta incapacidade de correr risco, de ir além da experiência passada? De onde vem essa óbvia necessidade de ter certeza e esse medo enorme de habitar a incerteza?
Certeza, segurança, negação do risco: que conhecimento continuamos reproduzindo na constituição da humanidade vasta? Conhecimento vasto!
Esse poderia ser hoje, e parece mesmo ser, um problema junto ao qual a etnomatemática pode se movimentar: como se constituir em um conhecimento distinto do conhecimento vasto? Que valores sustentam este conhecimento? Colocando o alemão Nietzsche na conversa com o líder indígena Krenak: o problema do conhecimento é o problema do valor, o problema da existência. O valor maior é a vida. Ou, “o primeiro problema é o da hierarquia dos tipos de vida” (Nietzsche, 2013, p. 42). Que valores se afirmam com este conhecimento vasto? Que estilo de vida esta humanidade vasta afirma? Que estilo de vida este conhecimento vasto afirma?
Conhecimento vasto. Ciência vasta. Matemática vasta. Afastamento da vida, da experiência. Valores que afirmam uma vida em que a experiência é substituída por abstrações e intelecções, conceitos e explicações acumulados, um saber instituído, um mathema.
A ciência moderna, a que se inicia em Bacon e alcança sua formulação mais elaborada em Descartes, desconfia da experiência. […] A partir daí o conhecimento já não é um pháthei máthos, uma aprendizagem na prova e pela prova, com toda incerteza que isso implica, mas um mathema, uma acumulação progressiva de verdades objetivas que, no entanto, permanecerão externas ao homem. (Larrosa, 2002, p. 28)
Uma matemática vasta remetendo a um mathema, produzindo um saber como acumulação progressiva de verdades objetivas? Matemática vasta: uma herança dos gregos? Um modo de produção de verdades objetivas, com artigo indefinido, que se consolidou como “o”, artigo definido, de produção de verdade da civilização branca ocidental, desde os gregos?
Uma matemática desenvolvimentista: verdades se acumulando progressivamente. Progresso. Linearidade. Desenvolvimento. A mat[h]emática europeia como o ápice de uma cadeia de ocorrências que leva, cada vez mais, a verdades mais verdadeiras e mais objetivas: superioridade de um mathema. Uma história: evolução de conceitos, de modos de existir, de dinâmicas de vida... Evolução: seguir um caminho único que, progressivamente, leva à Matemática, única e verdadeira, que traz certezas incontestes.
Um primeiro mapa histórico, amplamente aceito, possui três grandes balizas, que operam como únicas, para a produção e circulação de conhecimento: a Grécia Antiga, o
Renascimento (europeu, ou melhor, de parte da Europa), em que se “redescobre” o conhecimento grego, e, posteriormente, a Europa (também parte dela) junto a suas nações culturalmente dependentes. Com o surgimento de novos elementos históricos, como a tradução de papiros egípcios e a descoberta de tábuas de argila mesopotâmicas, tal modelo de desenvolvimento do conhecimento passa a agregar outros balizadores. Passa-se a assumir que, paralelamente ao mundo grego, produzia-se conhecimento em outros lugares15. O próprio mundo grego foi problematizado. De que Grécia a história da matemática falava? Afinal, um império tão vasto, tanto do ponto de vista geográfico como histórico, não poderia ser reduzido a uma única região.
Novos mapas para essa história surgem. Em comum, o intento inicial de manter uma lógica desenvolvimentista para a produção do conhecimento em uma sequência temporal, que culminaria de algum modo em uma corrente atualmente chamada de matemática. A história da matemática passa a assumir contribuições de diferentes culturas, mas ainda sem abrir mão de uma matemática vasta.
Na diferença disso, modos outros de compreender a historicidade, a temporalidade e a existência de um povo, de um conhecimento... Dois possíveis se abrem: a noção de involução e de limiar, tais como operadas na filosofia de Deleuze com Guatarri. A involução, como uma evolução em diferentes direções simultaneamente, sem linearidade. A involução não como o contrário da evolução, ou como o retorno a algo, mas como um movimento junto ao acontecimento, junto ao que acontece: mover-se no que há. A involução existe descolada do desenvolvimento que sempre caminha rumo a uma forma ideal a se atingir, a um objetivo a se alcançar.... Um movimento de desformar, não de passar de uma forma a outra, mas não buscar por formas e ir desformando sempre.
O limiar se constitui na ultrapassagem do limite, abertura de um novo agenciamento. “Podemos, então, estabelecer uma diferença conceitual entre o ‘limite’ e o ‘limiar’, o limite designando o penúltimo, que marca um recomeço necessário, e o limiar o último, que marca uma mudança inevitável” (Deleuze & Guattari, 2014). Mudança no agenciamento. O limiar marca a imprevisibilidade do novo agenciamento que irá se constituir
No limiar de um processo histórico, com a imprevisibilidade do novo agenciamento, assumindo a involução como modo de constituição da existência e do conhecimento, outros possíveis se abrem para compreender a história dos grupos sócio- culturais e, mais especificamente, da história da matemática (ou seriam histórias das matemáticas?). Simultaneidade de modos e de direções distintas. Uma história que se faz em tempos simultâneos, e não em um tempo linear. Uma matemática que se processa simultaneamente em distintos espaços e tempos, sem um lugar ideal a se chegar. Grupos culturais distintos produzindo, em simultaneidade de tempos e de direções, involutivamente, matemáticas.
Quando a cultura entra em cena na história da matemática, a etnomatemática passa a figurar nas discussões. Algumas pesquisadoras e alguns pesquisadores da área operam com modos distintos de compreender a matemática. Paulus Gerdes, por exemplo, assume a universalidade do conhecimento, que varia em termos de forma, mas não de conteúdo. Bill Barton, por sua vez, coloca em xeque a própria matemática, colocando-se o problema de que, se a matemática é um produto cultural, que matemática estaria aí se outras sociedades diferentes da nossa, com outras culturas e necessidades, tivessem imperado no planeta?
Nesse jogo, como opera uma etnomatemática? Com o que estabelece aliança? A que se destina? Ao conhecimento vasto, com um único modo de ser humano mais ou menos velado, que serve de referência aos outros, que operam sempre pela falta? A uma busca por uma metafísica do ser humano oferecendo acesso a diferentes modos de ser humano?
Uma etnomatemática colada a esta matemática vasta: uma etnomatemática vasta há? Uma etnomatemática remetendo a um mathema: uma etnomat[h]emática? Como compor uma matemática não vasta? Talvez se dos gregos escutássemos mais a Ésquilo do que a Euclides...
Agora os homens que convictamente veem no grande Zeus o vencedor final desfrutam o conceito de mais sábios, pois Zeus sem dúvida foi quem levou os homens pelos caminhos da sabedoria e decretou a regra para sempre certa: ‘o sofrimento [páthei] é a melhor lição [máthos]’. (Esquilo, 4?? a.C., p.9)
Uma etno[pháthei]mát[hos]emática?. Um saber que se constitua na incerteza, na experiência, no padecimento da experiência. Uma etnomatemática rente à experiência. Uma etnomatemática enquanto um saber da experiência. Uma etnomatemática em que, no lugar de mathema, afirma como valor páthei máthos.
Uma etnomatemática nas fronteiras sulinas de uma américa: de que “humanidade” somos capazes? De que “matemáticas” somos capazes? Que “vida” somos capazes de afirmar?
OPERANTES
CNPq. (2014). Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil. Recuperado el 15 de febrero de 2014, de http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/
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Notas
- Desarrollar acciones conjuntas con organizaciones gubernamentales y no gubernamentales para aportar al desarrollo de políticas públicas que garanticen la diversidad social y cultural. - Fortalecer las bases epistemológicas, históricas y filosóficas de la Etnomatemática. - Fomentar espacios de formación y capacitación de los miembros de la comunidad de la RELAET.”
Autor notes