Regras descritivas ocidentais e violência contra a mulher por parceiro íntimo1

Western descriptive rules and intimate partner violence against women

Isabella C. Callou
Universidade Federal do Pará, Brasil
Tamise M. Bastos
Universidade Federal do Vale do São Francisco, Brasil
Júnnia M. Moreira
Universidade Federal do Vale do São Francisco, Brasil
Jackeline M. de Souza
Universidade de São Paulo, Brasil

Regras descritivas ocidentais e violência contra a mulher por parceiro íntimo1

Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 24, núm. 1, pp. 79-94, 2016

Universidad Veracruzana

Recepção: 10 Setembro 2015

Aprovação: 13 Janeiro 2016

Resumo: Este estudo foi uma replicação de Gomes e Costa (2014) e objetivou verificar a concordância com regras descritivas relacionadas a comportamentos violentos contra a mulher. Foram aplicados 223 questionários a estudantes do Ensino Fundamental II, Médio e Superior de ambos os sexos, das cidades de Juazeiro-BA e Petrolina-PE. O questionário consistiu em 32 afirmativas relacionadas à violência contra a mulher. Para cada item, o participante deveria assinalar sua concordância ou discordância em uma escala que variava de Concordo Totalmente a Discordo Totalmente e assinalar se conhecia alguém que concorde, e ainda poderia escrever algum comentário. Os dados foram analisados por meio de análises descritivas de frequência e testes da estatística inferencial. Foram encontradas correlações fracas a moderadas entre Escolaridade e concordância com determinados itens, sendo que não universitários apresentaram maior concordância do que universitários. A variável escolaridade se mostrou significativa quando à concordância, inclusive superando a variável gênero. Isso indica que a concordância com regras relacionadas à violência contra a mulher pode ser encontrada inclusive entre as próprias mulheres e aponta para a importância da educação na reversão da violência. Porém, não foram avaliadas isoladamente outras variáveis que possam interagir com o nível educacional, tais como renda.

Palavras-chave: Violência contra a mulher, Regras descritivas, Estudo correlacional, Análise do Comportamento, Ciúme.

Abstract: This study was a replication of Costa and Gomes (2014) and aimed at verifying the compliance with prescriptive rules related to aggressive behavior against women. The questionnaire was administered in the cities of Juazeiro, Bahia, and Petrolina, Pernambuco, Brazil to 223 students of both genders and on different education levels, including Elementary School, Junior High School, High School, and College. The questionnaire had 32 statements containing descriptive rules related to violence against women. For each item, the participant marked their agreement or disagreement on a scale that ranged from Strongly Agree to Strongly Disagree, they also could write if they knew anyone who agrees, and add any comments. Data were analyzed quantitatively by descriptive frequency analysis, more specifically, using Pearson r test and Student t test. Correlations ranging from weak to moderate were found between Education Level and some categories on the questionnaire, in the sense that participants on levels under College showed more agreement with prescriptive rules related to aggressive behavior against women. Education Level surpassed the Gender variable on the correlation with agreement although there were some differences on gender independent on the level of education. These results suggest the importance of education on the reversion in the context of violence and besides it point to the curious fact that the agreement with rules related to violence against women can be found even between women, especially on itens related to jealousy and love. On the other hand, it is worth to note that other variables, like age and income, which could interact with Education Level, were not investigated separately in this work.

Keywords: Violence against women, Descriptive rules, Correlational study, Behavior Analysis, Jealousy.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (1994) adota o conceito de violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada (p.2)”.

Adeodato, Carvalho, Siqueira e Souza (2005) apontam que o âmbito familiar é o lócus primordial da violência destinada às mulheres, sendo a chance dessa agressão ser perpetrada pelo parceiro íntimo maior do que por estranhos (ver também Rada, 2014). Esses autores apontam que a violência contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo (VPI) é entendida como um problema de saúde pública. Isso converge com os critérios discutidos por Gonçalves (2006) para caracterização de um problema de saúde pública, quais sejam, a abrangência com que atinge a população, os prejuízos pessoal e social causados a mesma, e a possibilidade de controle do problema por meio de adoção de medidas de investimentos e de conhecimentos específicos.

Dados recentes (Brasil, 2014) apontam o registro de 485.105 atendimentos ao ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher), o que equivale a uma média de 1.348 atendimentos diários. Destes, 52.957 corresponderam a relatos de violência, sendo as agressões físicas mais frequentes (51,68%). Em 80% dos casos os agressores de violência contra a mulher eram homens com os quais as vítimas tinham ou tiveram algum vínculo afetivo-sexual.

Esses dados ilustram os casos desse tipo de violência no Brasil. Quanto às regiões, segundo estudo realizado pelo Data Senado (Data Senado, 2013), os relatos de violência contra a mulher são mais presentes na região nordeste. Em relação às denúncias (Brasil, 2014), os dados por regiões ou estado ainda são limitados. Os únicos dados descritos nesse documento sobre Pernambuco e Bahia, estados onde a presente pesquisa foi realizada, dizem respeito ao número de registros, sendo 4.615 e 1.789 em cada estado, respectivamente.

Conforme Waiselfisz (2011), em 2010, o estado da Bahia apresentou o número de 399 homicídios, enquanto que o estado de Pernambuco apresentou 249. Desse modo, esses estados ocuparam, respectivamente, o 8º e o 10º lugares no ranking nacional de violência contra a mulher. De acordo com Gomes (2008), em estudo realizado com uma amostra representativa de mulheres usuárias do Programa Saúde da Família nos seis distritos sanitários da capital pernambucana (Recife), o número de mulheres que relataram já ter sofrido ao menos um episódio de violência foi mais da metade (52,2%) de todos os casos relatados na pesquisa e dentre essas, 35,8% afirmaram que o parceiro íntimo atual ou mais recente foi o agressor. Quanto ao tipo de violência praticada por esse agressor, a violência mais frequentemente cometida foi a psicológica (70,8%), seguida de violência sexual (55,4%) e física (54,8%).

Esses dados merecem atenção na medida em que além de afetar negativamente a saúde física, psicológica e reprodutiva das mulheres, Adeodato et al. (2005) apontam que os índices de violência doméstica no Brasil são responsáveis por um declínio de 10,55% do PIB do país. Segundo o Ministério da Saúde e Agência Brasil (2012), em 2011, a questão da violência contra a mulher gerou um investimento público de 5,3 milhões apenas com internamentos.

Por fim, segundo dados da OMS (2012), em reconhecimento das consequências em larga escala deste problema, vários países sancionaram leis que criminalizam a VPI e a violência sexual, providenciando ainda mais dispositivos de saúde, serviços de cunho legal e social destinados às mulheres vitimadas, com o objetivo de não somente reduzir o sofrimento causado como também os custos no longo prazo que a violência pode trazer para união, em termos de recursos humanos, econômicos e de saúde pública (OMS, 2012).

Quanto às explicações atribuídas como causa da violência, alguns estudos elencam como principal variável o consumo de álcool (Tumwesigye, Kyomuhendo, Greenfield & Wanyenze, 2012; Zaleski, Pinsky, Laranjeira, Ramisetty-Mikler & Caetano, 2010). Outras pesquisas apontam o ciúme como principal causa da violência contra a mulher (Deeke, Boing, Oliveira & Coelho, 2009; Fonseca, Ribeiro & Leal, 2012; Garcia, Ribeiro, Jorge, Pereira & Resende, 2008).

A partir do referencial teórico da análise do comportamento, Laurenti e Lopes (2009) esclarecem que apesar do ciúme ser tratado como causa dos comportamentos violentos dos agressores, para a filosofia behaviorista radical os sentimentos não são considerados as causas do comportamento, mas sim outros comportamentos a serem explicados (Skinner, 2000). Logo, explicações causais são rejeitadas e explicações baseadas em relações funcionais entre eventos ambientais e respostas do organismo são utilizadas (ver Azrin, 1959; Neto, Alves & Baptista, 2007 para exemplos de análises funcionais em situações de violência).

A definição da violência contra a mulher pressupõe um destaque em relação ao gênero, o qual é definido por Sant’Ana (2003) como um conjunto de padrões comportamentais que, em uma dada cultura e momento histórico, são socialmente aprovados para cada sexo. A partir da análise do comportamento, os referidos padrões comportamentais fornecidos estão relacionados a diversas formas de aprendizagem operante, incluindo a aprendizagem por modelação e o controle instrucional (por regras).

De acordo com Catania (1999), como as pessoas se comportam, algumas vezes, depende daquilo que lhes foi instruído a fazer, de modo que, constantemente, as pessoas estão seguindo instruções (regras). Regras podem evocar comportamentos independentemente de suas consequências imediatas – determinando a sua forma e probabilidade de ocorrência - ou estabelecer as funções de estímulos como reforçador, aversivo ou discriminativo (Albuquerque & Paracampo, 2010).

Segundo Paracampo, Albuquerque, Carvalló e Torres (2009), regras prescritivas especificam o comportamento que será emitido pelo ouvinte, enquanto que regras descritivas não especificam tal comportamento. No que tange às regras que podem estar relacionadas à violência contra a mulher, um exemplo de regra prescritiva seria “Agrida sua esposa, se ela o trair”; enquanto que uma regra descritiva, as quais são foco do presente trabalho, um exemplo seria “A mulher que trai merece ser agredida”.

Além da presença do controle instrucional, a Análise do Comportamento entende o fenômeno da violência como sinônimo de coerção (Andery & Sério, 1997). Este conceito é apontado por Sidman (1989/2003) como o “uso da punição e da ameaça de punição para conseguir que os outros ajam como nós gostaríamos e a nossa prática de recompensar pessoas deixando-as escapar de nossas punições e ameaças” (Sidman, 1989/2003, p.17).

A fim de compreender o comportamento violento direcionado à mulher e a presença de controle instrucional, Gomes e Costa (2014) realizaram uma pesquisa com o objetivo de verificar a concordância dos participantes com regras descritivas comuns na comunidade verbal ocidental relacionadas à violência contra a mulher. Questionários constituídos por 25 sentenças afirmativas foram aplicados em 252 participantes de ambos os sexos. Os resultados mostraram que homens não universitários apresentaram maior concordância com as regras descritivas apresentadas e que a maior parte dos participantes conhecia alguém que concordava com as afirmativas. Além disso, quanto maior o nível de escolaridade dos participantes, menor era a concordância com as regras descritivas presentes no questionário. Esses resultados sugerem que o nível de escolaridade é mais significativo que o gênero em relação à concordância com regras descritivas relacionadas com práticas de violência contra a mulher.

A presente pesquisa é uma replicação do estudo de Gomes e Costa (2014) e objetivou verificar a concordância com regras descritivas relacionadas à violência contra a mulher; verificar a relação entre nível de instrução e concordância com as regras; e ainda verificar a relação entre gênero e concordância. O questionário utilizado no presente trabalho foi adaptado a partir da sugestão de Gomes e Costa (2014) de que fossem utilizadas regras menos explícitas. Com isso, objetivou-se dificultar a identificação pelos participantes das categorias às quais pertenciam as afirmativas e ainda tornar menos explícita a concordância ou discordância esperada e reforçada socialmente.

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 223 indivíduos das cidades de Petrolina-PE e Juazeiro-BA. Sendo que 136 deles eram estudantes universitários e 87 eram estudantes não-universitários (cursando ensino fundamental e médio). O critério de inclusão foi consentir a participação, possuir idade igual ou superior a dezoito anos e se encaixar em alguma das modalidades de ensino acima citadas. Destes, 122 eram Homens (54,7%) e 101 Mulheres (45,3%).

A idade média dos participantes foi de 22,54 anos (variando de 18 a 76). Daqueles que responderam à questão do estado civil (98,7%), 84,8% eram solteiros e 13,9% eram casados. No que diz respeito à orientação sexual, dos participantes que responderam (87%), 77,1% eram heterossexuais, 4,5% homossexuais, 4,5% bissexuais e 0,9% assexuais. No quesito religião, daqueles que responderam (87,9%), 67,7% afirmaram possuir alguma religião e 20,2% afirmaram não possuir religião. Quanto à escolaridade, 61% da amostra foi composta de Universitários (30,5% da universidade pública e 30,5% de faculdades particulares), 39% foi composta por Não-Universitários (27,4% eram estudantes do ensino médio e 11,7% eram estudantes do ensino fundamental em escolas públicas).

Instrumentos

Para a realização da presente pesquisa foi utilizado o Questionário sobre comportamentos do homem e da mulher em relacionamentos íntimos. A parte inicial do questionário abordou informações gerais dos participantes, como idade, sexo, orientação sexual, escolaridade, religião e orientação sexual, afim de caracterização da amostra e levantamento de variáveis independentes para comparação de grupos e correlações. A segunda parte do questionário foi adaptada a partir do instrumento usado no estudo de Gomes e Costa (2014), do qual foi excluído o item 14. A retirada desse item se deu em virtude da exclusão da categoria “Outros”. O item 25 do estudo original (item 24 na presente pesquisa), que também fazia parte da categoria “Outros” foi incluído na categoria “Ciúme relacionado ao amor”. Além dos itens já previstos no estudo original, outros 8 itens foram criados a partir da literatura encontrada (Schraiber et al., 2007; Fonseca et al., 2012; Zaleski et al., 2010) e por sugestões das autoras do primeiro estudo (Gomes & Costa, 2014), totalizando a versão final com 32 itens

Para cada item, os participantes deveriam selecionar uma das seguintes opções de resposta: concordo totalmente, concordo em parte, discordo em parte e discordo totalmente. O participante deveria ainda indicar se conhecia alguém que concordasse com o respectivo item. Para cada item, havia espaço disponível para comentários opcionais.

Os 32 itens do questionário foram distribuídos em 11 categorias sendo 6 delas propostas no estudo de Gomes e Costa (2014) e 5 elaboradas pelas autoras do presente trabalho a partir das sugestões das autoras (ver Tabela 1). Os itens e suas respectivas categorias não foram avaliados de forma independente por terceiros. Essas novas afirmativas foram validadas semanticamente por meio da aplicação do questionário em 5 pessoas.

Tabela1
Categorias e itens do Questionário sobre comportamentos do homem e da mulher em relacionamentos íntimos.
Categorias Itens do questionário
1.Papel tradicional feminino e masculino* 4. A mulher deve ficar do lado do marido, independentemente da situação. 5. À mulher cabe se preocupar com a família e a casa, por isso é compreensível que sua carreira seja menos importante que a do seu marido. 12. A mulher deve fazer de tudo para fazer o relacionamento dar certo. 15. Ao marido cabe a responsabilidade de prover o sustento da família, enquanto a esposa cuida do lar. 18. Por ser mais frágil, a mulher precisa da proteção do homem. 19. É esperado que o homem tome partido das coisas, tenha atitude, seja o chefe da família. 20. O companheiro tem o direito de alertar a sua mulher que determinadas roupas não são adequadas e impedi-la de usá-las, pois ele deve protegê-la de situações de assédio.
2.Privacidade da relação* 8. Não se deve interferir quando um casal estiver brigando, melhor deixar que eles se resolvam.
3.Modelo de família intacta é o ideal* 17. A mulher deve entender que um casamento infeliz é melhor que uma família desfeita, porque nesse caso os danos seriam piores. 28. É preferível manter um casamento infeliz a ter uma família desestruturada.
4.Responsabilidade da vítima* . 1.Em alguns casos, a mulher dá motivos para apanhar. 3.Algumas mulheres só se comportam adequadamente se os companheiros são violentos. 11.É compreensível que o companheiro se altere e agrida a companheira que se interessa por outros homens. 13.Quando a mulher sai sozinha, sabendo que seu companheiro não gosta disso, se torna compreensível que ele seja violento. 14.Se a mulher apanha e mesmo assim continua com o companheiro é porque não se importa em apanhar. 16.Se a mulher tem muito amigo homem, então não se pode confiar muito. 23.Se a mulher apronta, deixando seu companheiro irritado, ela tem alguma culpa caso sofra violência doméstica. 26.A mulher que apanha e continua com o parceiro gosta de apanhar.
5.Ciúme relacionado ao amor* 9. É normal ter ciúme quando se ama. 21. Só sente ciúme aquele que quer proteger a quem ama. 24. A pessoa está certa em desconfiar se o seu parceiro não demonstra ciúme.
6.Ciúme relacionado à violência* 6. É natural que o ciúme leve o homem a ser agressivo, porque ele não quer perder a companheira. 22.Não se pode manter controle sobre suas ações quando se sente ciúme.
7.Atribuição da violência ao caráter/natureza do homem- internalismo** 2. Depende da natureza do homem ser violento. Alguns são naturalmente agressivos, outros não.
8.Atribuição da violência à educação – aprendizagem** 25.É a criação da família que faz com que o homem seja ou não violento. 27.Alguns homens são violentos por terem aprendido a ser assim. 29.Quando uma pessoa vê alguém sendo violento, ela tende a repetir isso,caso se encontre numa situação semelhante.
9.Sexualidade feminina em função da masculina** 31. É desnecessário denunciar o homem que pressiona a parceira a ter relações sexuais, pois este é um dos seus deveres enquanto companheira. 32.A mulher deve procurar satisfazer sexualmente o companheiro, mesmo quando não está afim, pois o homem busca fora o que não encontra em casa.
10.Maior tolerância à violência quando ocorrida verbalmente** 30. Quando ocorre uma briga com agressão apenas verbal entre o casal, outras pessoas não devem interferir.
11.Atribuição da violência ao consumo do álcool** 7. Geralmente o homem que bate na mulher está sob efeito do álcool ou outras drogas.
* Categorias retiradas do estudo de Gomes e Costa (2014) ** Categorias criadas pelas autoras da presente pesquisa.

Procedimento

Após aprovação pelo Comitê de Ética e Deontologia em Estudos e Pesquisa CEDEP/UNIVASF (nº de registro 0009/240914) deu-se início à coleta nas instituições educacionais envolvidas. Os participantes foram abordados individualmente, em pequenos grupos ou nas salas de aula das respectivas instituições. Inicialmente, foi feita uma breve explanação sobre a pesquisa e sobre os critérios de inclusão. Após a concordância e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, os participantes preencheram os questionários.

Resultados e Discussão

Os dados foram analisados de forma quantitativa, utilizando-se o SPSS, versão 19.0 para Windows. Os dados sociodemográficos, os níveis de concordância e discordância com os itens e as respostas quanto a conhecer ou não alguém que concordasse com o item foram analisados descritivamente em termos de frequência e percentual.

As variáveis: (a) idade, (b) escolaridade e as (c) respostas às categorias do questionário foram analisadas usando o teste de correlação r de Pearson com objetivo de verificar as relações entre elas, bem como suas forças e direções. No presente estudo, correlações com r ≤ 0,30 foram consideradas fracas, com 0,30 ≤ r ≥0,70, consideradas moderadas e com o valor de r ≥ 0,70, consideradas fortes.

Os grupos de Universitários e Não-Universitários, de Mulheres Universitárias e Não-universitárias, e de Homens Universitários e Não-Universitários foram comparados através do teste t de Student. Consideraram-se diferenças estatisticamente significativas para um intervalo de 95% (significância < 0,05).

Calcularam-se as percentagens de concordância e discordância (totais ou parciais), a partir das respostas aos itens de cada categoria do questionário (Tabela 2). Vale ressaltar, que as escalas de resposta variavam em diferentes níveis (ver Instrumentos). As taxas (concordância/discordância) foram analisadas de forma separada (valor total de cada nível) e em conjunto (somatório de níveis). No geral, as taxas de concordância (totais ou parciais) encontradas foram baixas. As taxas de concordância total mais altas foram em resposta aos itens das categorias (10) Maior Tolerância à Violência Quando Ocorrida Verbalmente, 34,1% e (2) Privacidade da relação, 33,85%, corroborando os resultados de Gomes e Costa (2014). As taxas de concordância parcial dessas categorias também ficaram entre as maiores, sendo a maior em resposta aos itens da categoria (2) Privacidade da Relação, 40,8%, e categoria (10) Maior Tolerância à Violência Quando Ocorrida Verbalmente (30,5%). Quando analisadas em conjunto (somatório), essas taxas ultrapassaram 50%.

Tabela 2
Percentual de concordância e discordância com itens das categorias do questionário (n=223)
Categorias Discordância Total Discordância parcial Concordância parcial Concordância total
1. Papel tradicional feminino e masculino 35,75% 13,17% 29,73% 20,83%
2. Privacidade da relação 11,85% 13,45% 40,8% 33,85%
3. Modelo de família intacta é o ideal 72% 12,1% 9,2% 5,8%
4.Responsabilidade da vítima 58,25% 13,12% 17,93% 9,81%
5. Ciúme relacionado ao amor 23,63% 14,5% 35,87% 25,27%
6. Ciúme relacionado à violência 55,65% 14,8% 18,85% 10,55%
7. Atribuição da violência ao caráter/natureza 26,5% 9,9% 37,7% 25,6%
8. Atribuição da violência à aprendizagem 30,07% 16% 37,83% 14,63%
9. Sexualidade feminina em função da masculina 65% 8,95% 14,35% 10,75%
10. Maior tolerância à violência quando ocorrida verbalmente 16,1% 18,4% 30,5% 34,1%
11. Atribuição da violência ao consumo do álcool 29,6% 20,2% 33,2% 16,6%

Em consonância com esse resultado, frequentemente, as pessoas não consideram comportamentos agressivos, quer sejam insultos ou humilhações, como uma das formas de violência. Este fato é assinalado por Santos et al. (2014), ao afirmar que a violência psicológica possui difícil identificação por ser camuflada por comportamentos que podem não aparentar relação com a violência em outras modalidades, pela presença de laços afetivos com o agressor ou porque muitos apenas consideram como violência doméstica a modalidade física.

No entanto, comportamentos definidos como violência psicológica, quando analisados funcionalmente, encaixam-se na definição de coerção de Sidman (1989; 2003). No que diz respeito à ocorrência desse fenômeno na sociedade, o estudo de Schraiber et al. (2007) indicou que a maior taxa da forma exclusiva de violência sofrida pela amostra investigada foi a psicológica. A pesquisa de Silva, Coelho e Njaine (2014), que investigou as motivações da violência por parceiro íntimo a partir de depoimentos de homens e mulheres registrados em inquéritos policiais de uma delegacia da mulher, encontrou que o homem tem diferentes percepções sobre a situação, negando sua conduta, culpando a mulher e desqualificando-a. As autoras enfatizam que alguns comportamentos violentos não são enxergados como tal, banalizando o fenômeno, facilitando o aumento de sua ocorrência e tornando difícil sua identificação.

Ainda com relação à concordância, foram obtidos valores acima de 50% (soma das concordâncias total e parcial) para outras categorias: (7) Atribuição da violência ao caráter/natureza (63,3%); (5) Ciúme relacionado ao amor (61,14%); (1) Papel tradicional feminino e masculino (58,56%); e (8) Atribuição da violência à aprendizagem (52,46%).

Essas categorias parecem estreitamente relacionadas com os aspectos sociais e culturais apontados como atrelados a níveis mais altos de violência no estudo de Levinson (1989) citado por OMS (2012). O autor fez uso de dados etnográficos de 90 sociedades, de modo a verificar padrões culturais de espancamento de esposas, observando onde essa prática era comum, rara ou ausente. A análise proveniente desse estudo mostrou que essa forma de violência ocorre com maior frequência nas sociedades onde os homens detêm o “poder econômico e de decisão no lar, onde as mulheres não têm fácil acesso ao divórcio e onde os adultos recorrem rotineiramente à violência para resolverem seus conflitos” (p.25).

Com relação às porcentagens de discordância total, a categoria (2) Privacidade da relação apresentou o valor mais expressivo (72%). Quando se somam as porcentagens de discordância total e discordância parcial, ainda se sobressaem as categorias (9) Sexualidade feminina em função da masculina (73,95%); (4) Responsabilidade da vítima (71,37%); e (6) Ciúme relacionado à violência (70,45%). Quanto à categoria 6, o alto percentual de discordância parece apontar para a relação frequentemente estabelecida entre o ciúme e a violência contra a mulher (Deeke et al., 2009; Fonseca et al., 2012; Garcia et al., 2008;Souza & Da Ros, 2006). A discordância nessas categorias pode ser interpretada como parte do controle instrucional sobre o comportamento de denunciar casos de violência contra a mulher.

Esse controle instrucional, estabelecido por meio de campanhas educativas amplamente divulgadas nos meios de comunicação, associado à atuação de movimentos feministas e à criação de novos espaços de denuncia, como o aplicativo Clique 180 e o Disque 180, são responsáveis pelo menos em parte pelo aumento no número de denúncias (Brasil, 2014; Cabral, 1999). Desta forma, o alto percentual de discordância nas categorias 9, 4 e 6 pode estar relacionado com a maior tendência à denúncia, refletida também pelos altos níveis de prevalência desse tipo de violência (Brasil, 2005; Marinheiro, Vieira & Souza, 2006) a despeito das limitações presentes nos sistemas de denúncia (Okabe, Godoy & Fonseca, 2009). No entanto, a relação entre estas variáveis carece de investigação direta.

A Tabela 3 representa os dados obtidos através do teste de correlação (r de Pearson). Encontraram-se relações positivas e negativas, de fracas a moderadas, entre as variáveis testadas. Oito categorias se relacionaram fraca ou moderadamente de forma negativa com a variável escolaridade: (1) Papel Tradicional Feminino e Masculino (r = - 0,52, p < 0,01); (3) Modelo de Família Intacta é o Ideal (r = - 0,37, p < 0,01); (4) Responsabilidade da Vítima (r = - 0,38, p < 0,01); (5) Ciúme Relacionado ao Amor (r = - 0, 24, p < 0,01); (6) Ciúme Atrelado à Violência (r = - 0,27, p < 0,01); (9) Sexualidade Feminina em Função da Masculina (r = - 0, 28; p < 0,01); (10) Maior Tolerância à Violência Quando Ocorrida Verbalmente (r = -0,17; p < 0,01); e (11) Atribuição da Violência ao Consumo de Álcool e Outras Drogas (r = -0,19; p < 0,01). A categoria (8) Atribuição da Violência à Aprendizagem (r = 0,18; p < 0,01) foi a única a se relacionar positivamente com a escolaridade.

No que diz respeito às relações negativas entre as categorias e a escolaridade, apesar de algumas correlações fracas, esse dado parece corroborar evidências da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2012) que aponta a baixa escolaridade como fator de risco para a violência contra a mulher. Além disso, a significativa relação negativa e fraca entre a concordância com a categoria (11) Atribuição da Violência ao Consumo de Álcool e Outras Drogas e escolaridade sugere que as pessoas com maior escolaridade não consideram o consumo de álcool como um fator significativo atrelado à violência contra a mulher, compreendendo que essa violência pode acontecer mesmo sem o agressor ter consumido álcool ou outras drogas.

No que diz respeito às relações entre as categorias, as maiores correlações positivas encontradas foram entre as categorias (4) Responsabilidade da Vítima e (1) Papel Tradicional Feminino e Masculino (r = 0,59); (5) Ciúme Relacionado ao Amor e (1) Papel Tradicional Feminino e Masculino (r = 0,53); (5) Ciúme Relacionado ao Amor e (2) Privacidade da Relação (r = 0,59); (9) Sexualidade Feminina em Função da Masculina” e (4) Responsabilidade da Vítima (r = 0,50).

Tabela 3
Correlação (r de Pearson) entre escolaridade, idade e as onze categorias do Questionário sobre comportamentos do homem e da mulher em relacionamentos íntimos
ID ES 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
ID 1
ES -0,23** 1
1 0,13 -0,52** 1
2 0,06 -0,03 0,39** 1
3 0,22 -0,37** 0,39** 0,14* 1
4 0,13 -0,38** 0,59** 0,37** 0,32** 1
5 -0,10 -0,24** 0,53** 0,59** 0,25** 0,49** 1
6 0,20 -0,27** 0,41** 0,15** 0,18** 0,45** 0,41** 1
7 -0,03 -0,09 0,19** 0,27** - 0,04 0,39** 0,24** 0,28** 1
8 -0,15* 0,18** 0.06 0,06 - 0,004 0,105 0,11 0,17* 0,08 1
9 0,35 -0,28** 0.45** 0,22** 0,42** 0,50** 0,41** 0,29** 0,2** 0,02 1
10 0,46 -0,17** 0,35** 0,47** 0,22** 0,40** 0,30** 0,14** 0,21** 0,05 0,24** 1
11 0,13 -0,19** 0,27** 0,22** 0,12 0,28** 0,22** 0,14** 0,04 0,16* 0,16** 0,24** 1
Nota ID (Idade); ES (Escolaridade); 1 (Papel tradicional feminino e masculino); 2(Privacidade da relação); 3 (Modelo de família intacta é o ideal); 4 (Responsabilidade da vítima); 5 (Ciúme relacionado ao amor); 6 (Ciúme relacionado àviolência); 7 (Atribuição da violência ao caráter/natureza); 8 (Atribuição da violência àaprendizagem); 9 (Sexualidade feminina em função da masculina); 10 (Maior tolerância àviolência quando ocorrida verbalmente); 11 (Atribuição da violência ao consumo de álcool e outras drogas). ** p < 0,01 *p <0,05

No que diz respeito à correlação positiva entre as categorias, dá-se destaque às relações entre a categoria (4) Responsabilidade da Vítima, que além de ter sido uma das oito categorias que se relacionaram negativamente com a variável escolaridade, se relacionou positivamente com as categorias (1) Papel Tradicional Feminino e Masculino e (9) Sexualidade Feminina em Função da Masculina. A respeito disso, um estudo realizado por Gracia e Tomás (2014) com uma amostra significativa da população espanhola investigou relatos de responsabilização de vítimas de violência. Foram encontradas relações significativas entre a idade, nível educacional e status social dos participantes. De forma resumida, as pessoas que mais tenderam a responsabilizar as vítimas foram homens mais velhos, com baixo nível de instrução e de classe social mais pobre. Quanto ao nível educacional, os resultados encontrados por Gracia e Tomás se relacionam com os encontrados na presente pesquisa.

No que concerne a conhecer alguém que concordasse com os itens, as maiores percentagens situaram-se nas categorias (1) Papel Tradicional Feminino e Masculino, com 70,9%; (2) Privacidade da Relação, com 74,5%; (5) Ciúme Relacionado ao Amor, com 73,1%e (10) Maior Tolerância à Violência Quando Ocorrida Verbalmente, com 72,8%. As menores médias foram encontradas nas categorias (9) Sexualidade Feminina em Função da Masculina, com 56,5% e (4) Responsabilidade da Vítima, com 59,1%. Apesar de os valores não terem sido tão altos quanto os encontrados no estudo de Gomes e Costa (2014), as percentagens ainda podem ser consideradas altas. Mesmo sem assinalar concordância explícita, dizer que conhece alguém sugere que esse assunto foi verbalizado em interações passadas com conhecidos, denotando seu compartilhamento entre a comunidade verbal e, portanto, maior aceitação social de relatos que denotem concordância com algumas regras em detrimento de outras.

Os dados obtidos através do Teste t de Student permitiram estabelecer diferenças estatisticamente significativas entre a concordância com algumas das categorias e as variáveis escolaridade e gênero. A comparação dos grupos (Universitários e Não-universitários) com base na variável escolaridade indicou diferença estatisticamente significante em nove categorias: Papel Tradicional Feminino e Masculino, Modelo de Família Intacta é o Ideal, Responsabilidade da Vítima, Ciúme Relacionado ao Amor, Ciúme Relacionado à Violência, Atribuição da Violência à Educação – Aprendizagem, Sexualidade Feminina em Função da Masculina, Maior Tolerância à Violência Quando Ocorrida Verbalmente e Atribuição da Violência ao Consumo de Álcool ou Outras Drogas. Nessas categorias, o nível de concordância foi maior entre Não-universitários.

A Tabela 4 mostra que a maior diferença entre as médias de concordância entre os grupos Universitários e Não-Universitários foi de 0,76, na categoria Papel Tradicional Feminino e Masculino. Nessa categoria, o grupo Universitário apresentou média de concordância de 1,06, enquanto que o grupo Não-Universitário apresentou média de 1,82.

Tabela 4
Número de amostra, média, Desvio Padrão, valor de significância em relação às categorias em que foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos Universitários e Não-universitários.
Categorias Grupo N M DP P
Papel Tradicional Feminino e Masculino Universitários 136 1,06 0,61 0,00
Não-universitários 87 1,82 0,56 0,00
Modelo de Família Intacta é o Ideal Universitários 136 0,27 0,54 0,00
Não-universitários 87 0,81 0,88 0,00
Responsabilidade da Vítima Universitários 136 0,58 0,49 0,00
Não-universitários 87 1,11 0,59 0,00
Ciúme Relacionado ao Amor Universitários 136 1,48 0,64 0,00
Não-universitários 87 1,85 0,68 0,00
Ciúme Relacionado à Violência Universitários 136 1,35 0,73 0,00
Não-universitários 87 1,09 0,93 0,00
Atribuição da Violência à Educação – Aprendizagem Universitários 136 1,35 0,73 0,01
Não-universitários 87 1,10 0,82 0,01
Sexualidade Feminina em Função da Masculina Universitários 136 0,52 0,78 0,00
Não-universitários 87 0,95 0,96 0,00
Atribuição da Violência ao Consumo de Álcool ou Outras Drogas Universitários 136 1,16 0,89 0,00
Não-universitários 87 1,68 1,25 0,00
Maior Tolerância à Violência Quando Ocorrida Verbalmente Universitários 136 1,64 1,05 0,00
Não-universitários 87 2,10 1,04 0,00

No que diz respeito à maior diferença de concordância entre os grupos Universitários e Não-universitários na categoria Papel Tradicional Feminino e Masculino, o seguinte comentário de um participante do gênero masculino e do grupo Não-universitário é ilustrativo: “O homem ficou pra botar o sustento na casa e a mulher tomar conta”. É possível discutir tal posicionamento à luz da concepção de gênero adotada por Sant’Ana (2003), que destaca a influência social sobre a adoção de comportamentos descritos como apropriados a cada gênero, os quais são mantidos por modelos como amigos, familiares, escolas e meios de comunicação de massa.

As categorias Atribuição da Violência à Educação – Aprendizagem e Ciúme Relacionado ao Amor obtiveram as menores diferenças de média (0,25 e 0,26 respectivamente) entre os grupos Universitários e Não-universitários. Embora descritivamente essa diferença pareça sutil, é estatisticamente significativa, e a concordância maior no grupo Universitário aponta que o nível educacional é relevante na identificação de variáveis ambientais, tais como a história de reforçamento/aprendizagem responsáveis por comportamentos violentos.

A atribuição da violência à educação-aprendizagem está alinhada com o pensamento dos analistas do comportamento (Andery & Sério, 2001; Sidman, 1989/2003; Skinner, 2007). Skinner (2007) propõe que comportamentos de corte, acasalamento, agressão intraespecífica e defesa do território são comportamentos sociais, e que a imitação complementa repertórios sociais inatos. Para ele, um repertório de imitação que coloca o imitador sob controle de novas contingências surge diante “do fato de que contingências de reforçamento que induzem um organismo a se comportar de determinada maneira afetarão frequentemente outro organismo quando ele se comporta da mesma forma” (Skinner, 2007, p.130). Esse raciocínio é facilmente aplicado para contextos em que comportamentos agressivos são aprendidos.

Além da aprendizagem por imitação mencionada por Skinner (2007), Neto et al. (2007) afirmam que parte importante dos determinantes ontogenéticos do comportamento humano é posta e executada por meio do grupo e estaria relacionada ao comportamento verbal. Essa ideia se encontra em consonância com os achados do presente estudo no que se refere ao controle instrucional do comportamento violento direcionado à mulher.

Com relação à segunda menor diferença entre as médias de concordância nos grupos Universitários e Não-universitários, a categoria Ciúme Relacionado à Violência, Koepke, Eyssel e Bohner (2014) encontraram resultados diferentes. Os autores investigaram as reações de estudantes universitários a situações de violência cometidas por parceiros íntimos quando as vítimas tinham ou não dado abertura sexual a outro homem. Como esses autores esperavam, os estudantes tenderam a aprovar mais o comportamento do agressor e culpar mais a vítima, quando a mesma tinha dado abertura a outro homem. Isto é, diante da situação de competição de reforçadores por um rival, a violência cometida se tornou compreensível pelos estudantes universitários. Porém existe a possibilidade de que a discrepância entre esses resultados e os do presente estudo seja devido às diferenças metodológicas.

Tabela 5
Número da Amostra, Média de concordância, Desvio Padrão e valor de significância e em relação às categorias em que foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos Mulheres Universitárias, Mulheres Não-universitárias, Homens Não-universitários, Homens Universitários e Homens Não-universitários
Categorias Grupo N M DP P
Papel Tradicional Feminino e Masculino Mulheres Não- Universitárias Universitárias 40 61 1,69 0,9 0,59 0,6 0,00
Homens Não-Universitários Universitários 47 75 1,93 1,19 0,53 0,6 0,00
Modelo de Família Intacta é o Ideal Mulheres Não- Universitárias Universitárias 40 61 0,65 0,2 0,91 0,43 0,00
Homens Não-Universitários Universitários 47 75 0,95 0,33 0,84 0,56 0,00
Responsabilidade da Vitima Mulheres Não- Universitárias Universitárias 40 61 1,03 0,53 0,6 0,43 0,00
Homens Não-Universitários Universitários 47 75 1,19 0,63 0,58 0,54 0,00
Ciúme Relacionado ao Amor Mulheres Não- Universitárias Universitárias 40 61 1,76 1,39 0,75 0,66 0,01
Homens Não-Universitários Universitários 47 75 1,93 0,63 0,62 0,63 0,00
Ciúme Relacionado à Violência Mulheres Não- Universitárias Universitárias 40 61 1,1 0,72 1,04 0,71 0,04
Homens Não-Universitários Universitários 47 75 1,1 0,65 0,85 0,69 0,00
Sexualidade Feminina em Função da Masculina Mulheres Não- Universitárias Universitárias 40 61 0,91 0,39 0,93 0,65 0,00
Homens Não-Universitários Universitários 47 75 1,68 1,32 1,0 0,85 0,01

Buscando verificar a influência das variáveis escolaridade e sexo na concordância com as regras descritivas, a Tabela 5 indica uma comparação feita entre homens Universitários e Não-universitários, e mulheres Universitárias e Não-universitárias. Os resultados indicaram que em ambos os sexos há diferenças nas concordâncias com as regras descritivas em função da variável escolaridade. Sendo que os Não-universitários apresentaram um nível de concordância maior quando comparados aos Universitários do mesmo sexo. Esses dados sugerem, portanto, que a principal variável que produziu diferença nos resultados, na presente amostra, não foi o sexo, mas sim a escolaridade. Tais resultados foram encontrados para 6 das categorias, a saber: Papel Tradicional Feminino e Masculino, Modelo de Família Intacta é o Ideal, Responsabilidade da Vítima, Ciúme Relacionado ao Amor, Ciúme Relacionado a Violência, e Sexualidade Feminina em Função da Masculina (Tabela 5). Além disso, houve diferença na categoria Atribuição da Violência ao Consumo do Álcool e outras Drogas, porém, a diferença foi apenas entre as mulheres Universitárias e Não-universitárias. Entre os homens o nível de concordância foi o mesmo, independente da escolaridade.

Essa conclusão também é sustentada por outras duas análises. A primeira foi a comparação das categorias em toda a amostra sem diferenciar a escolaridade dos participantes. Os resultados indicaram que apenas as categorias Papel Tradicional Feminino e Masculino, e Privacidade da Relação apresentaram diferenças entre homens e mulheres (p < 0,05). Na categoria Papel Tradicional Feminino e Masculino houve uma concordância maior entre os homens (M = 1,48; DP = 0,68), se comparados a mulheres (M = 1,22; DP = 0,71). Já na categoria Privacidade da relação houve uma maior concordância das mulheres (M = 1,85; DP = 1,02) em relação aos homens (M = 1,55; DP = 1,00). Essa maior concordância por parte das mulheres pode estar relacionada à frequente dificuldade da vítima em realizar ou mesmo sustentar a denúncia. Dificuldade esta reconhecida e enfrentada por medidas governamentais como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4424, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República quanto ao artigo 12, inciso I; artigo 16; e artigo 41 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), a qual torna possível que qualquer pessoa denuncie e ainda impede a desistência da denúncia.

A segunda análise que também indica uma maior prevalência explicativa da variável escolaridade em relação ao sexo foi a comparação dos sexos separadamente por nível de escolaridade. Ao comparar homens e mulheres com Ensino Fundamental, observou-se diferença (p < 0,05) apenas na categoria Modelo de Família Intacta é o Ideal, havendo uma maior concordância dos homens (M = 1,35; DP = 0,64), se comparados às mulheres (M = 0,59; DP = 0,83). Entre os participantes com Nível Médio de escolaridade não houve nenhuma diferença significativa entre homens e mulheres. Por fim, entre os participantes com Nível Superior incompleto (universitários), a única diferença observada entre homens e mulheres foi na categoria Papel Tradicional Masculino e Feminino, onde mais uma vez, houve uma maior concordância dos homens (M = 1,19; DP = 0,60) em relação às mulheres (M = 0,90; DP = 0,60).

A variável escolaridade se relacionou de forma negativa e fraca com a variável idade. De modo que, quanto menor o nível de escolaridade, maior a idade dos participantes (r = -0,223; p < 0,01). A variável idade também se relacionou de forma negativa e fraca com a Atribuição da violência à aprendizagem (r = -0,15; p < 0,05), porém não houve correlação entre a idade e outras variáveis. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de que aqueles que possuíam escolaridade menor (ensino fundamental e médio) eram estudantes da modalidade EJA - Educação de Jovens e Adultos. A presente pesquisa não controlou as variáveis idade e renda, as quais podem ter interagido com a variável escolaridade. Sugere-se que novas pesquisas investiguem o papel das variáveis citadas no fenômeno da violência contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo.

Outra limitação deste trabalho consistiu na composição da amostra no que diz respeito aos Não-Universitários. Tal fato ocorreu em detrimento de evasão escolar, que é observada com maior frequência nos meses finais do ano letivo, período em que aconteceram as coletas. Sugere-se que novos estudos sejam realizados em uma época do ano em que o período letivo não esteja em processo de finalização, com o intuito de que a amostra se torne mais homogênea.

Sugere-se ainda que trabalhos futuros investiguem diferentes populações como, por exemplo, profissionais que trabalham diretamente com o atendimento de mulheres vítimas de agressões, tais como em delegacias da mulher, Centro de Referência de Assistência Social - CRAS, Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS e instituições de saúde, ou ainda pessoas que realizaram denúncias.

Tal escolha contribuiria para o conhecimento acerca do comportamento verbal desses indivíduos em torno do fenômeno possibilitando discussões sobre a influência da concordância com regras descritivas relacionadas à violência contra a mulher sobre a atuação profissional junto às vítimas, bem como sobre o comportamento de denunciar. Estudos similares podem contribuir ainda para esclarecer a influência do contexto de trabalho sobre a concordância com as regras caso sejam comparados profissionais deste contexto e profissionais de outros contextos ou ainda não profissionais.

Como no presente estudo, baixa escolaridade se correlacionou com a concordância com as regras descritivas relacionadas à violência contra a mulher, outra sugestão seria verificar a concordância com essas regras descritivas entre vítimas de violência e agressores e a relação com escolaridade, tendo em vista que isso não foi investigado na presente pesquisa. Visto que baixa escolaridade é fator de risco para sofrer ou perpetrar violência contra a mulher (ver WHO, 2012), uma investigação direta com essa população traria evidências adicionais.

Ao gerar evidências de que tais regras efetivamente controlam comportamentos agressivos, pesquisas que demonstrem a correlação entre a concordância com essas regras e a violência poderiam auxiliar no planejamento e execução de programas de controle e prevenção da violência contra a mulher. O controle instrucional nesse caso poderia ser alterado por meio de intervenções específicas que promovessem o contato com as contingências de curto e de longo prazo e que, consequentemente, levassem a novas formas de se relacionar. A metodologia utilizada neste estudo poderia ainda servir como medida indicativa de necessidade e efetividade de intervenções caso a concordância com essas regras seja preditiva de comportamentos violentos, detectando necessidades de intervenções preventivas em populações específicas que apresentassem altos índices de concordância com as categorias.

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Notas

1 O presente estudo consistiu no Trabalho de Conclusão de Curso das duas primeiras autoras, orientado pela terceira autora.
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