Recepção: 26 Fevereiro 2017
Aprovação: 21 Junho 2018
Resumo: Controle restrito de estímulos acontece quando o responder de um organismo fica sob con-trole de um elemento de um estímulo, mas não de todos. Diferentes populações apresentam esse fenômeno, dentre elas, crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista – TEA. O controle restrito pode prejudicar a aprendizagem de diversas habilidades, tais como, leitura e escrita. Um estudo anterior avaliou controle restrito em sílabas com de tarefas de MTS, porém com limitações no número de participantes e de sílabas avaliadas. O objetivo do presente estudo foi identificar controle restrito de estímulos no desempenho de crianças com diagnóstico de TEA, usando doze sílabas como estímulos, em tarefas de MTS de identidade. Participaram seis crianças diagnosticadas com TEA. O delineamento experimental foi intra-sujeito, com duas fases experimentais: treino e teste. Os resultados demonstraram prevalência de controle restrito, com mudança de na taxa desempenho e no padrão de erro ao longo das sessões, com predominância de controle restrito de estímulos pela primeira letra da sílaba (consoante). Esses dados são relevantes para o planejamento de procedimentos de ensino de leitura e escrita. Discute-se as implicações da identificação do fenômeno em ambientes terapêuticos e de pesquisa.
Palavras-chave: Controle restrito de estímulos, emparelhamento ao modelo, discrimi-nação condicional, autismo.
Abstract: Restricted stimulus control (RSC) happens when the response of an organism is under ex-clusive control of one element of a stimulus. The phenomenon may involve operant as well as respondent aspects Different populations may present RSC, among them, children diag-nosed with Autism Spectrum Disorders (ASD). RSC can increase the challenge of learn-ing to read and write. Previous research evaluated RSC using syllables stimuli, in choice matching-to-sample (MTS) procedure. However, previous studies used a small number of participants and stimuli, which may have masked restricted control. Previous results also suggest that the pattern of responding may be an important aspect to consider. The purpose of the current study was to invesigate restricted stimulus control in children with Autism Spectrum Disorder, using two-letter syllables. Patterns of error were analyzed to detect RSC. Six children (4-10 yrs) diagnosed with ASD participated in a matching- to -sample task. The experimental design was intrasubject, with two experimental phases: training in Identity Matching to Sample and Testing of RSC. Results showed prevalence of RSC with changes in the performance and error pattern throughout the sessions. RSC was especially related to the first letter of each stimulus (consonant). The results are relevant for planning alternative strat-egies to development of reading and skills. The implications and importance of identifying the phenomenon in therapeutic and research environments are discussed.
Keywords: Restricted stimulus control, matching to sample, conditional discrimination, autism.
O termo controle por estímulos tem sido amplamente usado pelos analistas do comportamen-to e envolve tanto aspectos operantes quanto respondentes. Quando se verifica uma relação consistente entre um evento antecedente e uma resposta, seja em situações de laboratório ou em condições naturais, há ocorrência de controle por estímulos (Matos, 1999). Costuma-se dizer, também, que esse processo envolve um histórico de reforçamento diferencial de deter-minadas respostas ou classes de respostas. Isso quer dizer que, na presença de determinado estímulo, uma resposta é seguida de uma consequência reforçadora, na ausência desse estí-mulo ou na presença de outros, essa mesma resposta não será seguida dessa consequência (Hübner, 2006).
Estímulos podem apresentar diversas características ou propriedades as quais podem controlar o responder dos organismos (McIlvane, 1998). Isso é o que se chama de Topografia de Controle de Estímulos. Em situação de laboratório, por exemplo, quando o responder de um organismo fica sob controle de todos os elementos de um determinado estímulo, o con-trole por estímulos foi estabelecido da forma esperada pelo experimentador. Entretanto, por vezes, os organismos não atentam para todos os elementos do estímulo, mas somente para alguns destes (ver Reynolds, 1961). Deste modo, há uma ocorrência limitada de topografia de controle de estímulos, isto é, ocorre controle restrito de estímulos (Da Hora & Benvenuti, 2007). Na presença de um estímulo composto, uma palavra, por exemplo, uma criança poderá até fazer uma nomeação correspondente (diante de “Paulo”, ler Paulo). Entretanto, se diante da palavra “Pedro” a criança também verbalizar a palavra “Paulo”, isso pode denotar controle pela primeira letra e não pelas demais.
Este fenomeno tem sido investigado em um número considerável de pesquisas, rece-bendo o nome de:(a) atencao seletiva- seletive attention- (Reynolds, 1961; Treisman, 1969); (b) superseletividade de estímulos - stimulus overselectivity - (Dube & McIlvane, 1999; Reed, 2017); (c) controle seletivo de estímulos – selective stimulus control- (Allen & Fuqua, 1985); (d) controle restrito de estímulos – restricted stimulus control – (Dube et al., 2010; Moreno et al., 2014).
No que diz respeito às populações que apresentam controle restrito de estímulos, foi verificada a ocorrência do fenômeno em diferentes grupos, dentre eles, animais não-humanos (Gibson & Reed, 2005; Moreno et al. 2014), crianças com desenvolvimento típico e atípico (Lovaas, Schreibman, Koegel & Rehm, 1971) e adultos com desenvolvimento atípico (Domeniconi, Costa, De Rose & Souza, 2009). Apesar de diferentes populações apresentarem controle restrito, um estudo que fez comparações entre elas demonstrou que crianças com algum atraso de desenvolvimento cognitivo ou com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam controle restrito em maior frequência do que crianças com desenvolvimento típi-co (Lovaas et al., 1971).
As crianças com esse diagnóstico poderão não aprender por meio de estratégias tradi-cionais de ensino, precisando de procedimentos alternativos para a aprendizagem de diversas habilidades, dentre elas, escrita e leitura. Controle restrito de estímulos é relatado como uma das maiores barreiras do ensino de leitura, dificultando a generalização de leitura recombina-tiva (Alves, Kato, Assis & Maranhão, 2007). Desse modo, a identificação precoce da presença de controle restrito de estímulos é importante para que procedimentos de intervenção sejam planejados para revertê-lo e o desempenho dessas crianças não seja prejudicado nesses proce-dimentos de ensino, seja em ambiente clínico ou de pesquisa.
A identificação de controle restrito de estímulos pode ser um processo difícil e sua pre-sença só poderá aparecer em fases avançadas dos procedimentos de ensino em vigência (Alves et al. 2007). Dentre os critérios adotados para considerar presença de controle restrito estão: (a) critérios baseados nas taxas de acerto dos participantes (Dube & McIlvane, 1999), sendo que valores próximos a 33,3% indicariam respostas ao acaso, acima ou iguais a 90% indicariam ausência de controle restrito e valores intermediários indicariam presença do fenômeno e (b) análise do padrão de resposta, com resposta majoritária a um dos elementos do estímulo com-posto em detrimento dos demais (Lovaas et al., 1971; Lovaas & Schreibman, 1971).
Quando se trabalha com poucos estímulos por tentativa, taxas de acerto consideradas altas podem mascarar a presença de controle restrito. Desse modo, uma análise adicional do padrão de resposta, poderá fornecer maiores indicativos de quais elementos estão controlando o responder dos participantes em diferentes paradigmas de teste.
Diversos paradigmas experimentais têm sido usados para a identificação do fenômeno desde o estudo pioneiro de Lovaas et al. (1971). Dentre os procedimentos usados estão o (a) ensino de uma discriminação simples com um estímulo composto e teste de seus elemen-tos, de modo a verificar quais elementos controlaram ou não o responder dos participantes (Lovaas et al., 1971; Lovaas & Schreibman, 1971); (b) ensino de discriminação simples dos elementos, em separado, e uso de tarefas de discriminação condicional em que respostas aos elementos não foram reforçadas, somente em tentativas em que o estímulo composto foi apresentado (Koegel & Schreibman, 1977) e (c) alternância entre tarefas de emparelhamento ao modelo – (MTS com atraso - DMTS - e simultânea - SMTS) com estímulos arbitrários (Domeniconi et al, 2009; Dube & McIlvane, 1999).
Para identificação da presença desse fenômeno, caso seja utilizada a tarefa de MTS, precisa-se garantir que os erros cometidos pelos participantes não ocorram em função destes não dominarem a tarefa. Desse modo, se o paradigma de teste for utilizar a tarefa de MTS de identidade, em que o estímulo de compracao considerado como correto compartilha igual-dade física com o estímulo modelo, deve.se fazer treino prévio.
Uma vez feito o treino da tarefa, pode-se partir para o procedimiento de teste. Dentre as modalidades de estímulos usados nesses procedimientos, houve uso de estímulos compostos de elementos (a) auditivos, visuais e táteis (Lovaas et al., 1971 e (b9 somente visuais (Dube & McIlvane, 1999). Como as crianças diagnosticadas com TEA podem apresentar controle restrito até mesmo com estímulos compostos de uma mesma modalidade (visual, por exem-plo), isso pode atrapalhar o ensino de diversas habilidades, tais como leitura e escrita. Tendo em vista que vários estímulos academicamente relevantes pertencem à modalidade visual e a aprendizagem dessas habilidades exige que a criança discrimine tanto diferenças entre pala-vras, quanto seus componentes (sílabas/letras).
Palavras e sílabas foram estímulos utilizados no estudo de Da Hora e Benvenuti (2007). Um dos objetivos desse estudo foi identificar controle restrito de estímulos no desempenho de uma criança com diagnóstico de TEA em tarefas de MTS (simultâneas e atrasadas) usando os estímulos citados acima. Nas duas primeiras etapas, os estímulos utilizados foram sílabas.
Nessas etapas, o desempenho do participante indicou ausência de controle restrito. To-davia, existem algumas limitações: (a) a pesquisa foi realizada somente com um participante e (b) o número de sílabas testadas foi pequeno. Assim, ainda precisa-se investigar se crianças diagnosticadas com TEA podem apresentar controle restrito em tarefas usando estímulos com relevância acadêmica mais simples (sílabas) como estímulos compostos, aumentando o nú-mero de participantes e de sílabas testadas.
Desse modo, a presente pesquisa teve como objetivo: identificar controle restrito de estímulos, padrão de erro e variações na taxa de resposta no desempenho de crianças com diagnóstico de TEA em tarefas de MTS de identidade usando sílabas como estímulos. Re-visando assim, por meio de um controle experimental mais rigoroso, um maior número de participantes e de estímulos, ampliando a compreensão do fenômeno e possibilitando uma análise de procedimentos de intervenção mais adequados.
MÉTODO
Participantes
Participaram desta pesquisa seis crianças com o diagnóstico de TEA (Tabela 1). Todas as crianças apresentavam comportamentos de sessão (i. e., atendiam comandos, mantinham-se sentadas, olhavam para os estímulos da tarefa) e estavam inseridas no ensino regular. Nenhu-ma dessas crianças era alfabetizada.

Os participantes 1 e 4 (P1 e P4) foram selecionados em uma clínica especializada em desenvolvimento infantil. Os demais (P2, P3, P5 e P6) foram selecionados no projeto “Aten-dimento e Pesquisa sobre Aprendizagem e Desenvolvimento” (APRENDE), da Universidade Federal do Pará (UFPA). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assina-do pelos responsáveis autorizando a participação das crianças no estudo, o qual foi aprovado pelo parecer no 405. 206 de 24/09/2013 – CEP-ICS/UFPA, conforme exigência do Conselho Nacional de Saúde (Resolução no 466/12).
Ambiente experimental
Para os participantes P1 e P4, a coleta foi conduzida em uma sala de suas respectivas casas as quais atendiam aos critérios exigidos (i.e., arejadas; isoladas minimamente de ruídos, e adequadas para organização dos materiais necessários à pesquisa). Para os participantes P2, P3, P5 e P6, a coleta aconteceu em uma sala de pesquisa do APRENDE/UFPA, que também atendia às exigências.
Material e equipamento
Utilizou-se fichas, vídeos, músicas, brinquedos e alimentos como itens de preferência para os participantes. Além disso, usou-se um notebook dotado do software PROLER (Assis & Santos, 2010), versão 7.1 para Windows escrito em Java; folhas de registro para avaliação de preferências; canetas esferográficas e uma câmera digital para filmagem das sessões.
Estímulos
Os estímulos utilizados neste estudo foram (a) figuras conhecidas (SOL, BOLA e CARRO) e (b) sílabas (Figura 1). As figuras eram muito diferentes entre si, variando em tamanho, forma e cores. As sílabas foram escolhidas pela sua relevância acadêmica, por sua facilidade de identificação e foram divididas em três grupos (Figura 1).

O critério de escolha para a composição dos grupos de sílabas foi que as consoantes não apresentassem similaridade física muito próxima (e.g., P e B; M e N). Quanto à escolha de vogais, buscou-se variar de grupo para grupo, tentando minimizar repetições de exposição aos mesmos estímulos. Em cada grupo de sílabas, havia dois pares de sílabas que começavam com a mesma consoante e dois pares que tinham a mesma vogal como segunda letra.
Os estímulos foram apresentados na tela do notebook. Cada estímulo foi apresentado dentro de um retângulo de cor branca. As células de apresentação dos estímulos de compa-ração eram quadradas com fundo levemente acinzentado. Movimentos da seta em cima da célula a deixavam com uma tonalidade azul claro (Figura 2).

Teste de Preferências
Antes do início de cada sessão experimental, o participante era submetido a uma forma breve do teste de preferências de estímulos Multiple Stimulus Without Replacement Assessment-MSWO (Carr, Nicolson & Higbee, 2000), objetivando identificar seus itens preferidos na-quele dia, utilizando itens de naturezas diversas, previamente indicados pelos profissionais ou cuidadores.
PROCEDIMENTO GERAL
As sessões ocorreram até três vezes por semana com duração média de 20-30 minutos. Os participantes permaneciam sentados diante de uma mesa dotada de um computador. A de-pender da etapa do estudo, as sessões tinham: (1) 8 sequências de 3 tentativas cada ou (2) 6 sequências de 4 tentativas cada. Independendo da etapa do estudo, em cada sessão, realiza-vam-se 24 tentativas.
No início de cada sequência, a pesquisadora solicitava ao participante que tocasse na célula INICIAR. Uma vez que o participante fazia isso, era apresentado o estímulo modelo e solicitado que ele tocasse nele. Não houve tempo limite de apresentação do estímulo modelo, o mesmo permanecia na tela até que o participante o tocasse. O toque no estímulo modelo produzia a apresentacao dos estímulos de comparacao. Em seguida, era solicitado á crianca que tocasse no estímulo igual ao modelo.
Delineamento Experimental
O delineamento utilizado no presente estudo foi intra-sujeito. Houve duas fases: (1) Treino (MTS de Identidade) e (2) Teste (Identificação de Controle Restrito de Estímulos).
Treino (MTS de Identidade)
Nessa fase, foram realizadas tentativas de SMTS com figuras conhecidas. Os participantes P2, P3, P5 e P6 passaram por um treino breve de MTS de identidade de escolha única (Dube, Iennaco & McIlvane, 1993), em que o toque ao estímulo modelo era seguido pela apresen-tação de um estímulo de comparação. Uma vez que esses participantes executaram 6 tentati-vas corretas, eles avançaram para a etapa seguinte.
Para os participantes P1 e P4, foi realizado um treino mais extenso em que se ensinou a tarefa em três etapas. Na primeira etapa, o toque do participante ao modelo, produzia so-mente um estímulo de comparação idêntico ao modelo. Uma vez que o participante efetuou 6 tentativas consecutivas corretas, passou para a segunda etapa. Nessa etapa, o toque ao mo-delo produzia dois estímulos de comparação (um idêntico ao modelo e outro não-idêntico). Uma vez que o participante executava 6 tentativas consecutivas corretas, ele avançava para a terceira etapa. Na terceira etapa, o toque ao modelo produzia a apresentação simultânea de três estímulos de comparação. Um deles era idêntico ao modelo e os demais não eram.
Para ambos os treinos (extenso e breve), houve consequências diferenciais para erros e acertos. Quando o participante selecionava o estímulo de comparação programado como correto, havia a apresentação de uma animação gráfica com desenho animado de preferência do participante e a pesquisadora fazia um elogio. Como os participantes P1 e P4 estavam habituados com uso de economia de fichas, para eles havia também a entrega de uma ficha.
Caso o participante tocasse no estímulo de comparação programado como incorreto, havia o escurecimento da tela por 3 segundos. Na tentativa seguinte, a pesquisadora fornecia dicas para minimizar erros, levando em conta que a aprendizagem, sempre que possível, deve evitá-los (ver Melo, Hanna & Carmo, 2014). Essas dicas eram verbais (“vamos tentar nova-mente”, “preste mais atenção”), gestuais (apontou-se o estímulo considerado como correto) ou físicas (guiou-se a mão do participante para que ele tocasse no estímulo considerado como correto). Todos esses procedimentos de correção e/ou ajuda foram planejados de acordo com as necessidades específicas de cada participante. Essas dicas foram esvanecidas até que o participante respondesse de forma independente.
Teste (Identificação de Controle Restrito de Estímulos)
Esta fase foi dividida em três etapas. Na Etapa 1, foram realizadas 24 tentativas divididas em 6 sequências de 4 tentativas com o Grupo 1 de sílabas (BO, BA, TO, TA). Em cada tentativa, o estímulo modelo era uma das sílabas do grupo em questão. O estímulo comparação consi-derado como correto era a sílaba idêntica ao modelo (Figura 3). Cada sílaba era apresentada 6 vezes como estímulo modelo, de forma balanceada. Os dois estímulos comparação incorretos compartilhavam somente uma letra (primeira ou segunda) com o estímulo modelo. O mesmo ocorreu na Etaá 2 (sílabas do Groupo 2 - VE,VE;VI, DE,DI) e na Etapa 3 (sílabas do Grupo 3- SU, SO;GU,GO). Desse modo, goram realizadas 3 sessoes de 24 tentatias cada. Ao partícipante era solicitado a tocar o estímulo modelo (reposta de observacao). Independientemente de a reposta ser a consideradas como correta ou ñao, a consequencia programada era o início imediato de uma nova tentativa.

Como nessa fase do estudo, não houve consequências diferenciais para acerto ou erro, para manter os participantes engajados na tarefa, a experimentadora solicitava uma demanda alternativa, ou seja, algum comportamento previamente aprendido pelo participante que pu-desse ser seguido de reforçador. Para P1 e P4, isso ocorreu a cada tentativa, com uma ficha e elogio como consequências. Para P2, P3, P5 e P6, isso ocorreu ao final de cada sequência, com entrega de algum item preferido e elogio como consequências.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A maioria dos participantes atingiu critério de acerto para término do Treino em uma sessão, somente P1 precisou de três sessões para atingir critério (Figura 4). Esse fato era previsto, dada a natureza dos estímulos, conhecidos pelas criancas (figuras coloridas de uma bola, um carro e um sol) e que variavam em muitos aspectos(cor, forma e tamanho)

Nas sessões de Teste, todos os participantes apresentaram taxas de acerto com valores intermediários (P1-54%; P2-38%; P3-55%; P4-67%; P5-38% e P6-67%) na primeira sessão (Figura 4). Para os participantes P1, P3, P4, P5 e P6 essas taxas permaneceram com valores intermediários também na segunda sessão. Na terceira sessão de teste, o único participante que obteve taxa de acerto acima de valores intermediários foi o participante P4. Nessa sessão, apesar das taxas de acerto dos participantes P1 e P3 terem subido quando comparadas às da sessão anterior, ainda permaneceram com valores considerados como intermediários (acima de 33% e abaixo de 90%). Para o participante P2, houve um decréscimo na terceira sessão, retornando a um valor considerado como intermediário (83%). Para os participantes P5 e P6, houve decréscimo nessa última sessão. Para o participante P5 a taxa de acerto atingiu valores ao acaso e para o participante P6, atingiu um valor intermediário - 46% (Figura 4).
Quando se observa as taxas de acerto dos quatro primeiros participantes, percebe-se que houve melhora, de modo geral, no desempenho ao longo das exposições. Essa melhora pode ter ocorrido como resposta a novas contingências, mesmo sem consequências diferenciais. As crianças com diagnóstico de TEA podem apresentar dificuldades em generalizar responder aprendido anteriormente (MTS de identidade, no caso) a novas contingências (Spradlin & Brady, 1999), o que pode ter contribuído para o aumento gradual ao longo das sessões. Apesar disso, na maioria dessas sessões, mesmo com tendência crescente, os participantes obtiveram taxas de acerto com valores intermediários.
Se apresentar taxas de acerto intermediárias fosse o único parâmetro para evidência de controle restrito, poder-se-ia afirmar que os participantes P1, P3, P5 e P6 apresentaram o fenômeno em algumas sessões. E os participantes P2 e P4, apresentaram controle restrito em algumas sessões e isso mudou ao longo das exposições. Todavia, para uma análise mais acurada, tornou-se necessária a verificação dos padrões de erro (responder diferentemente do programado). Ou seja, qual elemento do estímulo controlou o responder do participante.
Ao analisar o controle restrito como o responder em uma faixa entre 33.3% e 90%(Dube & McIlvane,1999), estamos diante de uma ampla faixa de valores intermediários. Com isso, uma taxa de responder de 80%, por exemplo, pode representar tanto que há erros distribuídos entre todos os estímulos, quanto que o erro ocorre consistentemente em um único estímulo. No ambiente escolar, por exemplo, o padrão de acerto entre 75% e 90% pode levar os pro-fissionais a terem dificuldade para identificar o controle restrito, retardando o processo de intervenção. Sendo assim, esse trabalho amplia a discussão sobre a importância de analisar em que parte do estímulo o erro ocorre, e a compreensão de que mesmo uma taxa elevada de acerto pode haver controle restrito.
De modo geral, os erros cometidos pelos participantes demonstraram controle restrito pela primeira letra da sílaba (Figura 5). Na primeira sessão, a maioria dos erros cometidos por quatro participantes P1 (8 de 11), P2 (9 de 15), P3 (8 de 11) e P4 (7 de 8), aconteceu pela seleção de uma sílaba que compartilhava a mesma consoante (primeira letra) com o estímulo modelo, denotando controle restrito. Ainda nessa sessão, a maioria dos erros cometidos pelos participantes, P5 (9 de 15) e P6 (6 de 8), aconteceu pela seleção de uma sílaba que compar-tilhava a mesma vogal com o estímulo modelo, ou seja, controle restrito pela segunda letra.

Na segunda sessão, a maioria dos erros cometidos pelos participantes P1 (5 de 6), P3 (7 de 10), P4 (7 de 8) e P6 (todos os 11), ocorreu pela seleção de uma sílaba que compartilhava a mesma consoante com o estímulo modelo indicando controle restrito pela primeira letra da sílaba (Figura 5). Nessa sessão, para o participante P2, não houve diferença no padrão de erro, de um total de dois erros cometidos, um ocorreu pela seleção de uma sílaba que compar-tilhava a consoante com o modelo e o outro pela seleção de uma sílaba que compartilhava a vogal com a sílaba modelo. Para o participante 5 (P5), de um total de onze erros, nove erros foram cometidos em função da escolha da sílaba que compartilhava a vogal com o modelo, denotando controle restrito pela segunda letra (Figura 5).
Na terceira sessão, houve uma redução de erros cometidos para os participantes P1, P3 e P4 em relação à sessão anterior (Figura 5). Para os participantes P1 e P3, não houve diferença significativa na quantidade dos dois tipos de erros possíveis. Para o participante P4, apesar de todos os erros terem ocorrido em função da escolha da sílaba que compartilhava consoante com o modelo, o número foi pequeno (dois erros). Para o participante P2, houve um pequeno aumento no número de erros em relação à sessão anterior (de 2 para 4) e os erros aconteceram em função da escolha da sílaba que compartilhava a vogal com o modelo. Para os participan-tes P5 (12 de 16) e P6 (8 de 13), a maioria dos erros aconteceu em função da escolha da sílaba que compartilhava a consoante com o modelo (Figura 5).
Para alguns participantes, o padrão de erros mudou em algumas sessões. Isso quer dizer que, se em uma sessão, o participante cometeu mais erros pela seleção de um estímulo que compartilhava a mesma consoante com o estímulo modelo, em outra ele cometeu mais erros pela seleção de um estímulo que compartilhava a vogal com o estímulo modelo. Isso acon-teceu para os participantes P1, P2, P3, P5 e P6. O único participante que manteve o mesmo padrão de erros (controle pela consoante) foi o participante P4
Quanto a isso, resultados semelhantes foram encontrados em pesquisa que usou estímu-los compostos de duas modalidades (auditiva e visual), em que somente 4 de 9 crianças com TEA apresentaram controle restrito claramente (Lovaas & Schreibman, 1971). Outras quatro crianças apresentaram seus padrões de erro alterados com as exposições às contingências e uma delas não apresentou controle restrito. No presente estudo, isso aconteceu com estímulos de uma mesma modalidade (visual) e o desempenho, bem como o padrão de erro mudou ao longo das exposições.
Os resultados mostram semelhanças e diferenças com Da Hora e Benvenuti (2007). Embora o participante no estudo de Da Hora e Benvenuti (2007) não tenha apresentando controle restrito nas tarefas de SMTS e DMTS com sílabas, ele apresentou, assim como os participantes do presente estudo, um padrão de erro na tarefa de DMTS (palavra/sílaba) e de SMTS (palavra/palavra) pela primeira consoante. Em ambas as pesquisas essa primeira letra foi uma consoante. Esse achado pode ser relevante para planejamento de formas alternativas do ensino de leitura e escrita
O paradigma usado na presente pesquisa priorizou o treino da tarefa com figuras con-hecidas e um teste em que se manteve a tarefa, mas modificou-se os estímulos ao longo das sessões. Os participantes mostraram evidência de responder restrito em tarefas de SMTS de identidade com sílabas durante as sessões, sendo que para o participante P4 o padrão de erros não mudou ao longo das sessões (erros cometidos pelo controle por consoante) e para os demais esse padrão mudou
Pesquisas futuras poderão estender o currículo de avaliação, verificando se crianças com diagnóstico de TEA podem apresentar controle restrito de estímulos com estímulos acade-micamente relevantes mais complexos, tais como palavras e suas figuras correspondentes. Currículos que visam identificar a presença desse fenômeno são muito importantes, tanto para ambientes terapêuticos quanto de pesquisa (Doughty & Hopkins, 2011). Como as populações que o apresentam precisam de procedimentos de ensino específicos, sua identificação poderá auxiliar na sua escolha e implementação.
Referências
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