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Conversas ao redor do livro: Treino parental para a leitura dialógica.
Vanessa Aparecida Leal Faria; Eileen Pfeiffer Flores
Vanessa Aparecida Leal Faria; Eileen Pfeiffer Flores
Conversas ao redor do livro: Treino parental para a leitura dialógica.
Talking about storybooks: Parental training for dialogic reading
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 26, núm. 4, pp. 467-486, 2018
Universidad Veracruzana
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Resumo: A leitura dialógica (LD) é uma importante atividade para o desenvolvimento de repertórios verbais. Treinos parentais de LD com vídeo modelação têm mostrado efeitos promissores, mas poucos estudos avaliaram diretamente o efeito do treino sobre o uso de estratégias de LD pelos pais, objetivo deste estudo. Pedro, Clara e Aline participaram com seus filhos de quatro fases em um delineamento de linha-de-base múltipla por participante: Linha de Base (LB), em que leram com seus filhos como de costume; Intervenção 1 - Aprendendo a fazer pergun-tas abertas; Intervenção 2 - Aprendendo a elogiar e ampliar; Intervenção 3 - Aprendendo a variar as perguntas. Cada intervenção incluía (1) feedback sobre repertórios adquiridos na fase anterior, (2) Instruções e (3) Vídeo Modelação. Houve pouca ou nenhuma interação além da leitura do livro na LB. Perguntas e elogios resultaram em diálogo ao redor do livro imediatamente após a Intervenção 1 para Pedro e Clara e após sugestões sobre escolha de obras para Aline, mantendo-se nas sessões subsequentes. Não houve resultados sistemáticos da Intervenção 2 e a Intervenção 3 afetou apenas o comportamento de Pedro. Discute-se a maior complexidade de algumas estratégias da LD e a necessidade de outras formas de treino para ensiná-las.

Palavras-chave:leitura dialógicaleitura dialógica, treino parental treino parental, vídeo modelação vídeo modelação, leitura compartil-hada leitura compartil-hada, comportamento verbal comportamento verbal.

Abstract: Parent-child shared reading of storybooks is an important activity for language development, especially if it is carried out dialogically. Dialogic Reading (DR) is a shared reading activity in which the adult intersperses reading out loud with questions about the story, praising and expanding the child´s verbalizations. It is important to ask open questions (not answerable with yes or no, nor simply by pointing), thus giving the child opportunities to engage verbally and produce increasingly complex responses. DR should begin early and be performed regu-larly in order to impact language, hence the importance of investigating effective instruction strategies. Parental DR training using video modeling has shown promising effects, but few studies have directly assessed the effects on parents´ behavior during shared reading, which was the aim of the present study. Pedro, Clara and Aline participated with their children in a four-stage training program using an across-subject multiple baseline design: Baseline (BL), in which they read with their children as usual; Intervention 1 - Learning to Ask Open Questions, focused on asking simple open questions about narrative and illustrations (e.g., who, when, how, where, etc.); Intervention 2 - Learning to Praise and Expand, focused on teaching parents to recognize and praise their children’s participation and to expand their responses; Intervention 3 - Learning to Vary Questions, focused on the inclusion of questions requiring the child to recall previous parts of the story, make inferences and relate the story to their personal experiences. Training and shared reading took place in participants´ homes. Each intervention included (1) feedback on repertoires acquired in the previous phase, (2) Instructions (3) Video Modeling. After each intervention, parents were instructed to apply what they learned during the following weeks and record reading sessions using a digital camera. Parents’ behavior was scored with an adapted version of the ACIRI (Adult / Child Interactive Reading Inventory) in which the three-point qualitative scale was replaced by response rate for countable behaviors. Results showed no interaction beyond straight reading of storybooks during BL, confirming previous studies. Parents´ questions and praise emerged immediately after Intervention 1 for Pedro and Clara. Aline was given a boost training session focused on selecting books for DR, to overcome a pattern of questions and answers centered on vocabulary. Parents´ open questions established a dialogue that was maintained through-out subsequent sessions and with different books. There were no results clearly attributable to Intervention 2 and only Pedro formulated some of the new types of questions taught in Intervention 3. We discuss the complexity of components taught in each intervention in terms of stimulus control, e.g., recall questions require the adult´s behavior to be sensitive to previ-ous parts of the story, which is not necessarily true in the case of simple wh- questions about illustrations. More explicit instruction methodologies may be needed for these more complex DR strategies. We suggest that future studies plan interventions based on the stimulus control relations involved in each DR strategy.

Keywords: dialogic reading, parental training, video modeling, shared reading, verbal behavior.

Carátula del artículo

Conversas ao redor do livro: Treino parental para a leitura dialógica.

Talking about storybooks: Parental training for dialogic reading

Vanessa Aparecida Leal Faria
Universidade de Brasília , Brasil
Eileen Pfeiffer Flores
Universidade de Brasília, Brasil
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 26, núm. 4, pp. 467-486, 2018
Universidad Veracruzana

Recepção: 22 Novembro 2017

Aprovação: 28 Fevereiro 2018

A prática da leitura compartilhada de livros infanto-juvenis durante a infância é um dos pre-ditores do desenvolvimento da linguagem, incluindo repertórios de ouvinte e falante (e.g., Gómez, Vasilyeva & Dulaney, 2017), compreensão da narrativa (e.g. Flores, Pires & Souza, 2014) e habilidades narrativas (e.g., Lever & Sénéchal, 2011), mesmo quando é controlado o nível educacional materno (e.g., Mendive, Lissi, Bakeman & Reyes, 2017). Há também evidências do benefício da leitura compartilhada para o desenvolvimento sócio emocional na primeira infância (e.g., Doyle & Bramwell, 2006).

Pesquisas sobre leitura compartilhada indicam que ganhos no desenvolvimento da lin-guagem tendem a ser maiores com um tipo de leitura compartilhada chamado leitura dialó-gica (LD) (e.g., Simsek & Erdogan, 2015) e que esses ganhos se refletem no desempenho acadêmico posterior (Ergül, Akoğlu, Karaman & Sarica, 2017). A leitura dialógica consiste em intercalar a leitura em voz alta com perguntas sobre a história e as ilustrações. Respostas adequadas da criança são elogiadas e expandidas. Whitehurst e colaboradores (e.g., Zeven-bergen & Whitehurst, 2003) resumiram as estratégias da leitura dialógica em dois acrôni-mos: CROWD (complete, recall, open-ended, wh-questions, distancing) e PEER (prompt, evaluate, expand, repeat). O primeiro sugere cinco variedades de perguntas que o adulto pode fazer à criança (pedidos para completar palavras, para relembrar trechos da história, perguntas amplas, perguntas tipo qu-, por exemplo, que/quem/quando/como/onde, perguntas sobre a experiência da criança em relação com a história). O segundo indica estratégias para atentar às respostas da criança, elogiando-as e ampliando-as (a ampliação consiste em oferecer, logo após a resposta da criança, uma versão mais complexa de sua resposta, e.g., acrescentando uma informação ou formando uma frase mais complexa). Recomenda-se que a LD seja feita sempre com grupos pequenos de crianças para que todas tenham várias oportunidades de falar durante a leitura.

Para que a LD tenha maior impacto sobre o desenvolvimento da linguagem e sucesso acadêmico, deve começar cedo e ser realizada regularmente (Zucker, Cabell, Justice, Penti-monti & Kaderavek, 2013). Para tanto, faz-se necessário encontrar formas eficazes de instruir familiares a realizarem essa forma de leitura compartilhada nos lares.

No estudo pioneiro de Whitehurst et al. (1988), pais2 de crianças entre 3 e 5 anos rece-beram treinamento em LD. Os pais do grupo experimental foram ensinados a (1) apresentar perguntas simples do tipo qu-, e.g.: Quem é esse? O que tem em cima do teto? (2) apresentar perguntas que exigem respostas mais complexas, e.g., O que está acontecendo aqui? e (3) elogiar e ampliar as falas das crianças. O treino foi realizado usando role-playing, durante o qual foi fornecido feedback sobre o desempenho dos pais. Os pais do grupo-controle não re-ceberam treino. Os vídeos das leituras realizadas nos lares durante quatro semanas mostraram que os pais do grupo experimental emitiram mais perguntas tipo qu-. como também elogiaram e ampliaram as respostas de seus filhos com maior frequência que os pais do grupo controle. As crianças do grupo experimental nomearam mais figuras e emitiram frases mais longas, em comparação com as crianças do grupo controle (Whitehurst et al., 1988)

Após o estudo de Whitehurst el al. (1988), as pesquisas sobre LD passaram a usar como mediadores de leituras os próprios pesquisadores e seus auxililares (e.g., Valdez-Menchaca & Whitehurst, 1992; Whitehurst et al., 1994). Embora esses estudos tenham indicado benefícios da LD para o desenvolvimento da linguagem das crianças, não foram analisados os comporta-mentos dos mediadores. Também não se sabia se o treino dos mediadores havia sido o mesmo em estudos diferentes (as demonstrações e explicações, por exemplo, poderiam ter variado entre estudos), nem se os resultados seriam os mesmos quando as técnicas fossem aplicadas por leigos (os pesquisadores e seus auxiliares tinham amplo conhecimento dos princípios da leitura dialógica e os resultados poderiam não ser os mesmos quando a aplicação fosse feita com professores ou pais, por exemplo).

2) O termo “pais” foi utilizado neste trabalho como equivalente de parents em inglês.

3) O temo "mediador de leitura" é corrente na literatura sobre formacao de leitore e designa, no presente contexto, o adulto que conduz a altividade de leitura compartilhada com uma ou mais criancas

Buscando diminuir esses problemas e padronizar o treinamento dos mediadores, Arnold, Lonigan, Whitehurst e Epstein (1994) propuseram um treino de LD usando vídeo. Este apresentava modelos de LD e exercícios de identificação de erros comuns. As crianças cujas mães participaram do treinamento mostraram ganhos superiores, em testes padronizados de vocabulário, em comparação com um grupo controle que não recebeu treinamento e com um grupo em que as mães receberam treinamento por meio de role-playing.

Whitehurst et al. (1994) aplicaram o mesmo treinamento com professores e pais de uma comunidade de baixo status sócio econômico, usando instruções e modelos de LD em vídeo, em duas fases: (1) treino de perguntas tipo qu- (o que, quando, onde, quem, etc.), elogios e ampliações (2) treino de perguntas mais amplas, que exigissem verbalizações mais com-plexas. Os pais deviam comentar, apontar erros nas cenas e sugerir o que poderia ser feito diferentemente. Os resultados mostraram que as crianças cujos pais ou professores receberam treinamento tiveram melhores ganhos em pós-testes, usando instrumentos padronizados de avaliação de vocabulário, que o grupo controle.

Lonigan e Whitehurst (1998) replicaram o estudo anterior visando comparar efeitos de treinar apenas pais, apenas professores ou ambos. O treino de pais foi o que produziu mais ganhos em escores de testes de vocabulário aplicados às crianças. Os autores sugeriram que os pais talvez tenham sido mais sensíveis às respostas das crianças e realizado mais am-pliações de suas falas, por conhecê-las melhor. No entanto, como não houve registro nem análise do comportamento dos pais nem dos professores, os dados não permitiram verificar essa hipótese.

Dale, Crain-Thoreson, Notari-Syverson e Cole, (1996) usaram vídeos para ensinar LD a 33 mães de crianças pré-escolares com atraso na linguagem e compararam os efeitos com um treino em otimização de conversações informais. Ambos os treinos enfatizavam um estilo de interação responsivo (e.g., usar linguagem informal, fazer correções indiretas, perguntas abertas, etc.). As crianças cujas mães aplicaram a LD em seus lares aprenderam significati-vamente mais palavras que os das mães no grupo que aplicou as técnicas de conversação. Ao discutir possíveis razões dos resultados, os autores destacaram o fato de que a linguagem do livro costuma ser mais complexa e menos familiar que as interações cotidianas, além de ter um caráter descontextualizado (termo usado para descrever o fato de que o texto escrito deve ser compreensível independentemente das dicas contextuais nas quais as pessoas se apoiam quando interagem oralmente). Essas características poderiam ter propiciado mais oportuni-dades para modelar e reforçar a aquisição de palavras novas (embora os pesquisadores não tenham coletado evidências diretas, posto que não registraram o comportamento dos pais).

Aram, Fine e Ziv (2013) ensinaram pais israelenses de famílias com baixo poder aqui-sitivo a fazerem leituras repetidas do mesmo livro ilustrado com seus filhos, enfatizando primeiramente aspectos relacionados ao enredo e ao vocabulário, depois a aspectos sócio cog-nitivos (e.g., sentimentos dos personagens e relações com a própria experiência da criança).

O ciclo de quatro leituras repetidas foi feito com quatro livros, um por semana. Após uma oficina inicial com os pais, cada família foi acompanhada de forma intensa por um estudante de mestrado que fazia visitas semanais, verificava e comentava tarefas que comprovavam a realização da leitura conjunta na semana anterior, esclarecia dúvidas, lia o próximo livro junto com os pais e discutia um roteiro detalhado a ser seguido. Um grupo controle foi ins-truído apenas a ler com os filhos os mesmos livros, com a mesma frequência. Esse processo de coaching intenso feito com o grupo experimental resultou em ganhos claramente maiores entre um pré- e um pós-teste no número de referências feitas tanto ao enredo quanto a as-pectos sócio cognitivos, tanto pelos pais, quanto pelas crianças, demonstrando a eficácia do coaching realizado. Três questões que ficaram em aberto são especialmente relevantes para o presente estudo. A primeira é que, como o grupo controle não participou da oficina inicial, não se sabe qual teria sido sua contribuição, sem o coaching intenso realizado em casa. A se-gunda é que há apenas uma medida do comportamento dos pais (pós-teste), sem dados sobre se os comportamentos aprendidos se estenderiam para outras obras sem o auxílio dos roteiros detalhados e as orientações específicas dadas pelo especialista para a leitura de cada obra. Finalmente, como houve apenas uma medida final dos efeitos gerais de tudo que foi feito, não é possível saber como cada fase do treinamento modificou o comportamento dos pais.

Os estudos descritos até o momento sobre treino de pais em leitura dialógica utilizaram delineamentos experimentais de grupo e definiram como variável dependente os resultados das crianças em testes padronizado de vocabulário. Com exceção de Whitehurst et al. (1988) e de Aram, Fine e Ziv (2013), os estudos não apresentam dados comportamentais dos adultos (mesmo este último apresenta apenas uma medida de pós-teste dos efeitos da intervenção), limitando, assim, o alcance da interpretação acerca dos efeitos do treinamento e dos aspectos da interação que podem ter produzido, quando houve, ganhos no desempenho das crianças.

Sensíveis a essa lacuna nos estudos, Briesch, Chafouleas, Lebel e Blom‐Hoffman (2008) usaram um delineamento experimental de sujeito único para avaliar diretamente os efeitos comportamentais de um treino parental em LD, de modo a avaliar a integridade da inter-venção e sua manutenção. Cinco mães e uma avó participaram de um estudo com delinea-mento de linha de base múltipla entre participantes, em três fases: (a) Linha de base, (b) Intervenção e (c) Follow-up aos seis meses. Na linha de base, os participantes leram como de costume com as crianças. Na intervenção, assistiram a um vídeo de treinamento em LD disponível comercialmente e tiraram dúvidas, em sessão única de treinamento. Foi entregue também um marcador de livro com um resumo das estratégias de LD. Em todas as fases, os participantes filmaram as sessões de leitura compartilhada em suas casas. A medida compor-tamental foi a taxa de estratégias CROWD e PEER usadas pelos pais durante as sessões de leitura. A taxa foi zero ou cerca de zero na linha de base. O aumento no uso de estratégias de LD após a intervenção foi evidente apenas para três dos seis participantes. Além disso, nesses três, o aumento não foi igual para todos os tipos de estratégias: cada participante aumentou a frequência de três a quatro estratégias e elas foram diferentes entre participantes.

Em resumo, os resultados de Briesch el al. (2008) evidenciaram que adultos típicamente ñao leem de forma dialógica sem antes terem sido instruídos (ver também, Huebner & Melt-zoff, 2005), o que reforca a importancia do uso de estratégias explícitas para a capacitacao dos pais nas técnicas do procedimiento de LD. No entanto, como apenas metade dos participantes mudou sua forma de ler após o treino, as autoras sugerem que possa ser necessário complementar o suo de vídeo modelacao com outras estratégias(e.g., instrucao, feedback). Outra difículdade é que os dados ñao permítem saber se o uso das estratégias, quando ocorreu, de fato estabeleceu um diálogo sobre o livro entre as participantes e as crianças. No mais, os dados acerca do uso de cada estratégia são difíceis de interpretar, devido a sobreposições nas medi-das comportamentais. Por exemplo, a estratégia de perguntar foi contada como sendo uma a mais, além das cinco estratégias CROWD, quando, na verdade, as estratégias CROWD já são cinco tipos de perguntas. Essa confusão entre medidas se deve em parte à adoção direta dos acrônimos CROWD e PEER como medidas comportamentais, pois estes não foram pensados para essa finalidade e sim como sugestões de estratégias mnemônicas nos treinos em LD.

3) O termo “mediador de leitura” é corrente na literatura sobre formação de leitores e designa, no presente contexto, o adulto que conduz a atividade de leitura compartilhada com uma ou mais crianças.

No presente estudo, uma análise funcional das contingências envolvidas na leitura dia-lógica nos permitiu planejar o treino parental de modo a favorecer três propriedades da ati-vidade que, em nossa avaliação, parecem ser fundamentais na LD. A primeira é a apresen-tação de perguntas abertas, em contraste com perguntas retóricas, comentários que fecham o diálogo ou perguntas que podem ser respondidas apenas com sim/não ou apontando-se a ilustração. Perguntas abertas são funcionalmente diferentes das fechadas na medida em que evocam respostas que podem ser diferencialmente reforçadas em direção a respostas vocais mais complexas, diferentemente das perguntas fechadas, que permitem consequenciar apenas respostas tipo sim/não ou respostas de apontar para figuras. A segunda é o reforço diferencial de respostas adequadas com elogios e, sempre que possível, a ampliação dessas respostas, acrescentando-se alguma informação ou oferecendo um modelo gramaticalmente mais com-plexo ou correto, que decorre da primeira característica. Em outras palavras, a primeira e a segunda propriedades estão funcionalmente relacionadas, posto que são perguntas abertas que têm maior probabilidade de evocar respostas que sejam passíveis de elogio e de ampliação. A terceira propriedade é o uso de tipos variados de perguntas durante a leitura, para ampliar os repertórios referentes não apenas a nomear ilustrações, mas também a descrever cenas, rel-embrar a narrativa, narrar experiências próprias, fazer inferências, etc. Trata-se de favorecer o que Aram, Fine e Ziv (2013) chamam de ˜experiência completa de leitura do livro ilustrado”. Funcionalmente falando, trata-se de ampliar a variedade de dimensões temáticas da narrativa e das ilustrações sob as quais o comportamento verbal da criança ficará sob controle. Por exemplo, perguntar “O que é isso?”, perante a figura de um saxofone, favorece o comporta-mento verbal sob controle da ilustração. Já uma pergunta como “O que aconteceu até agora?“ favorece comportamento verbal sob controle da narrativa.4

Com base no exposto, este trabalho investigou o impacto de um treino em LD sobre o comportamento de pais durante a leitura compartilhada rotineira com seus filhos, em seus la-res. Especificamente, investigou-se o efeito do treino sobre a formulação de perguntas abertas, consequenciações e ampliações de respostas das crianças e variação nos tipos de perguntas.

4) O comportamento evocado por perguntas desse tipo, muitas vezes incluído no que se chama de “fazer inferências” na literatura sobre compreensão, é bastante complexo. Trata-se, funcionalmente falando, de que o leitor faça uma espécie de “sonda” (probe) ao texto (Skinner, 1957) que será respondido pela leitura da história. O mediador lança uma “sonda” à criança e ela, por sua vez, arrisca uma “sonda” que será “respondida” pelo texto. Entendemos que estamos aplicando o conceito de sonda de uma maneira ligeiramente diferente da usual, em que se dirige a uma pessoa, mas Skinner, no Verbal Behavior (1957), deixa claro que aprender a ser um leitor cada vez mais sofisticado é aprender a se comportar, perante o texto, de forma ativa, lançando, em momentos-chave, “perguntas ao texto”. O mediador, neste caso, ajuda o leitor em formação, ao indicar para ele os momentos em que cabem essas perguntas, encorajando-o a formulá-las

MÉTODO

O projeto que deu lugar a este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Brasília (protocolo CAAE 39463814.2.0000.5540).

Participantes

Participaram um pai (Pedro) e duas mães (Clara e Aline) (nomes fictícios), por meio de con-vite (palestra explicativa) realizado em uma escola pública de ensino fundamental, seguido de explicações e assinatura do TCLE por aqueles que se mostraram interessados em participar. Pedro e Clara eram pais de Julia e Carol, de 7 e 6 anos, matriculadas no 2° e 1° ano do En-sino Fundamental, respectivamente. Durante o estudo, Pedro sempre leu para Carol e Clara sempre leu para Júlia, embora a outra criança pudesse estar presente se assim o desejasse. O arranjo foi sugestão dos próprios pais, que desejavam, ambos, aprender as estratégias da lei-tura dialógica. Pedro e Clara relataram ler para suas filhas de três a quatro vezes por semana. Aline, mãe de Mariana, de 7 anos, também manifestou como razão para participar a vontade de aprender novas formas de leitura compartilhada e relatou ler para sua filha mais de cinco vezes por semana.

Local, material e instrumentos

A pesquisa foi realizada nas residências dos participantes, incluindo os treinos, que ocorre-ram em dias e horários combinados com a pesquisadora, e as sessões de leitura, que eram realizadas nos lares dos participantes, em horários livres (todos escolheram fazer as leituras sempre antes de dormir). Slides com explicações e vídeos foram apresentados na tela de um computador portátil. As sessões de leitura foram filmadas com uma câmera digital sobre tri-pé, fornecida pela pesquisadora. Os livros infanto-juvenis pertenciam às próprias famílias e eram escolhidos livremente pelos participantes. Não houve casos de repetição de obras entre sessões.

Os vídeos para cada fase de treinamento continham exemplos com um mediador homem e outros com uma mulher, com três crianças e duas obras infanto-juvenis diferentes, bus-cando variar os contextos para minimizar eventual controle por aspectos irrelevantes (e.g., conteúdo de um livro específico ou gênero do mediador). Cada vídeo tinha duração entre 6 e 10 minutos. Os aspectos da LD que estavam sendo enfatizados em cada intervenção eram destacados por meio de legendas (por exemplo, na Intervenção 1, as perguntas abertas, foco do treinamento, eram legendadas, de modo a destacá-las).

Registro e Medidas

Para registrar os comportamentos dos adultos durante a leitura compartilhada, o Adult/Child Interactive Reading Inventory – ACIRI (DeBruin-Parecki, 1999) foi traduzido e adaptado. A escala de três pontos (nunca, às vezes, frequentemente) foi transformada em um registro de ocorrência, por intervalo de um minuto. O instrumento adaptado foi denominado Adult Dia-logic Reading Evaluation – ADORE.

Foram analisadas as taxas de (1) Perguntas Fechadas (que podem ser respondidas com sim ou não ou apontando para uma ilustração) (2) Perguntas Abertas. Estas últimas foram subdivididas nas categorias do acrônimo CROWD (e.g. Zevenbergen & Whitehurst, 2003):

(1) Complete, (2) Recall, (3) Open-Ended, Wh- e Distancing, que foram traduzidas no presen-te estudo, respectivamente, como: Completar,5 Relembrar, Conteúdo (que uniu as perguntas Open-Ended e Wh-) e Pessoal. Foi acrescentada a categoria Antecipar (em que se pede à criança para imaginar, em pontos chave da narrativa, o que poderá acontecer em seguida), devido à importância que tem sido atribuída a perguntas inferenciais para a promoção da com-preensão leitora (e.g. Spinillo & Mahon, 2007). A Tabela 1 mostra a definição e um exemplo de cada tipo de pergunta.



Tabela 1. Descrição e exemplos de categorias de perguntas

Também foram registradas as consequenciações, como reforço positivo (elogios e con-firmações das respostas da criança) e as ampliações (quando o adulto amplia a fala da criança, acrescentando alguma informação ou elaborando uma frase mais complexa ou gramatical-mente mais próxima do padrão da comunidade verbal).

Para verificar mudanças no diálogo geral ao redor do livro, foram computadas as taxas de falas do adulto e da criança em cada sessão. Uma ocorrência de fala começava quando o adulto ou a criança iniciava uma elocução e terminava com uma pausa de dois ou mais segun-dos, quando era retomada a leitura do texto ou quando a outra pessoa tomava a fala. A leitura em voz alta do texto, assim como falas não relacionadas ao livro nem à leitura (e.g.: Quero mais um cobertor), não foram contadas.

5) A categoria “completar” apesar de ser sido emitida por 2 participantes, principalmente na Linha de Base, não foi alvo de treinamento, pois se constatou que seriam perguntas muito simples para a idade e o reper-tório das crianças, por isso não aparece nas análises subsequentes.

Procedimento

Cada participante foi exposto a quatro condições em um delineamento de linha de base múl-tipla entre participantes: Linha de Base (LB), em que foram instruídos a ler como de costume com seus filhos; Três módulos de intervenção foram implementados sucessivamente, mas seu início foi escalonado entre os participantes, de acordo com o delineamento: Intervenção 1 - Aprendendo a fazer perguntas abertas, em que o treino se focou em fazer perguntas abertas simples sobre a narrativa e as ilustrações, da categoria que neste estudo foi denominada Con-teúdo (quem, quando, como, onde, etc.) e a evitar perguntas fechadas (que podem ser respon-didas com sim, não, por meio do gesto de apontar e semelhantes); Intervenção 2 - Aprendendo a elogiar e ampliar, em que o foco foi ensinar os pais a elogiarem respostas adequadas e a realizar ampliações das falas das crianças; Intervenção 3 - Aprendendo a variar as perguntas, em que o treino se centrou em ensinar a formular perguntas, a partir da história, que exigissem que a criança inferisse acontecimentos futuros (Antecipar) relembrasse acontecimentos já narrados (Relembrar) e relacionasse a narrativa com suas experiências (Pessoal).

Ao uso do vídeo modelo, foram acrescentados feedback e instruções, a partir da sugestão de Briesch et al. (2008), em cujo estudo o vídeo, isoladamente, não foi eficiente para estabe-lecer a LD para metade dos participantes. As três intervenções seguiram a mesma sequência básica e eram feitas em sessão única de 40 min-1hora: (1) Feedback: a pesquisadora apresen-tava um trecho escolhido de um vídeo da fase anterior (e.g., na Intervenção 1, apresentava um trecho da Linha de Base, na Intervenção 2, um trecho da Intervenção 1), ressaltando e comen-tando os aspectos positivos da atuação do adulto e seus efeitos sobre a participação da criança.

(2) Instruções sobre a nova intervenção: a pesquisadora apresentava slides com definições e exemplos das estratégias de LD em foco naquela etapa. Após apresentar as estratégias e dar exemplos, pedia-se aos participantes que dessem exemplos próprios das estratégias, de forma a verificar sua compreensão, e era oferecida a oportunidade de tirar dúvidas. (3) Vídeo Mode-lação: eram apresentados os vídeos e a pesquisadora parava para responder perguntas quando necessário. Ao final, abria-se o diálogo novamente para dúvidas e comentários. Nas semanas seguintes, os pais deviam aplicar o aprendido em suas leituras rotineiras com os filhos. As ses-sões de leitura eram realizadas em dias e horários livres e filmadas pelos pais usando o equi-pamento fornecido pela pesquisadora, que retirava semanalmente as filmagens para análise

Acordo entre juízes

O teste de acordo entre juízes foi realizado entre as duas pesquisadoras e uma auxiliar. As sessões foram divididas em trechos e foram sorteados 20% dos trechos de cada uma das quatro condições experimentais de cada participante (cf. Cooper, Heron & Heward, 2007). O acordo foi determinado pela divisão do número de acordos pelo número de desacordos + acordos, multiplicado por 100. O acordo entre juízes variou entre 82% e 98,24%, com média de 89,70%.

RESULTADOS

Como a duração das sessões variou (3- 24 minutos para Pedro, 6-21 para Clara e 4-28 para Aline), os dados estão apresentados em forma de taxa (ocorrências/minuto).

A Figura 1 mostra a taxa de falas relacionadas à história e/ou às ilustrações, por sessão, para cada díade e separadamente para cada adulto e criança. Vê-se que Pedro e Clara liam para suas filhas com pouco (Pedro) ou nenhum (Clara) diálogo na Linha de Base. A partir da segunda sessão, há falas de Pedro, mas não de sua filha, e a terceira sessão da Linha de Base ocorreu sem nenhum diálogo. O registro por categoria mostrou que todas as falas de Pedro na Linha de Base consistiram em pedidos para que a filha nomeasse letras ou tentasse ler palavras isoladas, pedidos que foram ignorados pela filha a partir da segunda sessão. A Inter-venção 1 levou imediatamente ao estabelecimento de um diálogo com as crianças ao redor da narrativa e das ilustrações, tanto para Pedro quanto para Clara. Aline e sua filha Mariana não mostraram aumento no diálogo em relação ao que já ocorria na Linha de Base.

A análise dos vídeos revelou que o diálogo entre Aline e Mariana girava exclusivamente ao redor de pedidos de esclarecimento de significado de palavras, iniciados por Mariana. Foi realizada então uma intervenção adicional com Aline, entre as Sessões 13 e 14, em que se discutiu a escolha dos livros. Foi sugerido buscar livros que fossem desafiadores, mas que não tivessem um número tão grande de vocábulos desconhecidos ao ponto de inviabilizar o diálogo mais fluido sobre a história. Essa intervenção resultou em um aumento discreto do diálogo sobre a narrativa e as ilustrações ao longo das sessões seguintes, embora com bastante variabilidade.

A Figura 2 mostra que os adultos passaram a fazer perguntas abertas imediatamente após a Intervenção 1 no caso de Pedro e Clara e após a intervenção adicional (adequação do livro) no caso de Aline. Embora tenham surgido também perguntas fechadas, sua taxa foi baixa em comparação com as abertas. Pedro e Clara mantiveram a taxa de perguntas abertas bem acima do nível da linha de base ao longo das condições seguintes. Aline diminuiu a taxa de pergun-tas abertas na Intervenção 3 e voltou a formulá-las depois de um treino simplificado, em que o conceito e a importância dessa estratégia foram retomados em um encontro presencial breve.



Figura 1. Taxa de falas de cada adulto, criança e da díade, por Sessão



Figura 2. Taxa de Perguntas Abertas, Perguntas Fechadas e Outras, por Sessão.

Como foi dito, a Intervenção 2 teve como meta aumentar a taxa de confirmações e elo-gios das respostas e também a ampliação das respostas das crianças. A Figura 3 apresenta a taxa de (1) Reforço positivo, em que foram incluídas as categorias Confirmações (e.g., É ver-dade!) Repetições Confirmatórias (e.g., repete o que a criança falou em tom alegre: A lagarta virou pupaaaa!) e Elogios (e.g., Muito bem!); (2) Ampliação (e.g., a criança diz: É o gato e o adulto amplia: É o gato de botas!) e (3) Outras (e.g., correcoes ou reprimendas). Ñaofoi pos-sível notar u afeito específico da Intervencao 2 sobre esses comportamentos para nenhum dos pais. Todos fizeram elogios e confirmaram falas das criancas já a partir da Inervencao 1, embora com uma taxa mais baixa (especialmente para Aline). Já as ampliacoes tiveram taxa zero ou próxima de zero ao longo das sessoes, inclusive após a Intervencao 2.



Figura 3. Taxa de consequenciações: (1) Con (Confirmação), Re (Repetição da resposta em tom confirmatório), Elo (Elogio) (somados); (2) Ampliações e (3) Outras, por Sessão.

A Intervenção 3 tinha por objetivo ampliar a variedade de perguntas abertas para incluir pedidos de antecipação da história, pedidos para relacionar a narrativa com a experiência pessoal e pedidos para relembrar eventos da história até aquele ponto da leitura. A Figura 4 indica que a intervenção levou Pedro a variar suas perguntas abertas a partir da primeira ses-são da Intervenção 3. Clara e Aline continuaram formulando quase exclusivamente perguntas de conteúdo, aprendidas na Intervenção 1.



Figura 4. Taxa de cada categoria de Perguntas Abertas, por Sessão.

DISCUSSÃO

Estudos anteriores não mediram diretamente o impacto de treinos em LD sobre o comporta-mento dos adultos e sim, em sua maioria, sobre escores das crianças em testes de vocabulário padronizados. Poder-se-ia argumentar que são estes resultados os que interessam em última instância, já que o objetivo final da LD é beneficiar o desenvolvimento de repertórios verbais da criança. No entanto, há pelo menos dois aspectos que limitam as conclusões desses estu-dos. O primeiro é que os escores são resultados médios que, provavelmente, incluem casos em que as crianças não melhoraram ou melhoraram muito pouco entre o pré- e o pós-teste. O segundo é que, na ausência de dados comportamentais dos indivíduos que foram expostos diretamente ao treino, não é possível identificar os efeitos diretos do treino, que podem, por sua vez, ter impactado a aprendizagem das crianças e consequentemente o desempenho nos testes. Assim, uma das contribuições deste estudo foi agregar ás investigações, ainda escas-sas, que medem diretamente os efeitos comportamentais do treino parental em LD.

Todos os pais deste estudo já liam com seus filhos com regularidade. Os dados da Linha de Base, em que os adultos foram instruídos a ler com seus filhos como o faziam normalmen-te, corroboraram conclusões de estudos anteriores que indicam que até mesmo pais que leem regularmente com seus filhos raramente o fazem de forma dialógica, se não houver treino explícito (Briesch et al., 2008; Dale et al., 1996; Huebner & Meltzoff, 2005). Aliado à literatura sobre os benefícios da leitura dialógica, esse dado confirma a importância de se investigar formas de treinamento de LD que sejam factíveis e eficientes.

O treino parental realizado foi eficaz para ensinar a fazer perguntas abertas, ou seja, a criar oportunidades para que as crianças falassem sobre as histórias. Fazer perguntas abertas é uma das principais habilidades envolvidas na LD, porque oportuniza falas que podem ser consequenciadas e modeladas na direcao de verbalizacoes maís complexas (Arnold et al., 1994; Zevenbergen & Whitehurst, 2003).

As perguntas abertas que resultaram da Intervenção 1 suscitaram diálogos ao redor das ilustrações e da narrativa, inexistentes na Linha de Base. Os diálogos ocorreram também durante as sessões subsequentes, com cada novo livro, indicando que houve generalização para diversos tipos de narrativas. Cabe destacar que a intervenção (Intervenção 1) realizada para estabelecer esses episódios verbais foi breve (menos de uma hora) e não exigiu recursos sofisticados

Os comportamentos com funcao de reforcar positivamente verbalizacoes das criancas sobre a história passaram a ocorrer após a Inervencao 1, apesar de o treino ñao ter enfatizado esse componente LD. A taxa desses comportamentos ñao se modificou visivelmente com a Intervenção 2, planejada para ensiná-los. Possivelmente, os vídeo modelos, que desde a Inter-venção 1 apresentaram episódios completos de LD, foram suficientes para evocar esses com-portamentos. Outra possibilidade é que os pais já possuíam esse repertório, porém, como eles não faziam perguntas na LB, simplesmente não existiam respostas a serem reforçadas. De qualquer maneira, um modelo de LD, ao mostrar a interação como um todo, necessariamente mostra tanto perguntas, como consequenciações e ampliações. Separar esses componentes em fases diferentes parece não ter sido eficiente. Em estudos futuros, poderá ser testada a eficácia de se ensinar explicitamente o ciclo evocar – consequenciar – ampliar como uma unidade básica da LD.

A maior parte das preguntas abertas formuladas pelos adultos, após a LB, foi da categoria Conteúdo (e.g., O que é isso? Como é nome desse bicho? De que cor é a casa? Quem é este aqui atrás da árvore? etc.). Esse foi o tipo de pergunta usado como exemplo na Intervenção 1. A Intervenção 3, que objetivava ampliar o repertório dos participantes para outros tipos de perguntas, só fez diferença para o comportamento de Pedro. Clara e Aline continuaram centrando-se sobretudo em perguntas da categoria Conteúdo. Esse resultado é semelhante ao do estudo de Whitehurst et al. (1988), em que também se notaram efeitos do treino sobretudo para esse tipo de pergunta.

Esse último resultado pode ter relação com a complexidade dos diferentes tipos de per-guntas. As perguntas da categoria Conteúdo podem ser feitas sob controle do texto e das ima-gens que estão imediatamente disponíveis na página. Em contraste, para pedir e consequenciar inferências sobre o desenvolvimento da história (Antecipar) ou recapitulações de aconteci-mentos anteriores (Relembrar), o comportamento do mediador precisa estar sob controle de dimensões da narrativa que não estão presentes naquele momento. Por exemplo, ao pedir para a criança relembrar uma parte específica da história (e.g. Olha, ela está procurando o presente na meia… Ela acha que o presente está aí… Você se lembra onde o Papai Noel o escondeu?), o comportamento do adulto precisa estar sob controle de trechos anteriores da narrativa e/ou de ilustrações em páginas anteriores. Talvez o treino utilizado neste estudo não tenha sido efi-ciente porque não foi planejado para estabelecer esse controle. Decorre desta análise a sugestão de que treinos futuros estabeleçam contingências que coloquem o comportamento verbal dos adultos sob controle dessas dimensões. Isso poderia ser feito por meio de exercícios em que os adultos aprenderiam a analisar a estrutura narrativa e fariam o planejamento de perguntas a partir dessa análise (cf. a análise narrativa realizada em Medeiros & Flores, 2016 e em Rogoski et al., 2015). Outra possibilidade seria aplicar algo semelhante ao procedimento realizado por Aram, Fine e Ziv (2013), em que os pais foram instruídos a enfatizar aspectos diferentes da história em leituras repetidas (e.g., focar nos eventos da história em uma leitura, e na seguinte, em aspectos sócios cognitivos dos personagens). Isso poderia ajudar a formular perguntas sob controle desses variados aspectos da narrativa, o que, por sua vez, auxiliaria no estabelecimen-to dessas diversas fontes de controle sobre o comportamento das crianças. Nesse caso, seria interessante testar versões simplificadas do procedimento, pois o coaching prolongado, feito por especialistas, assim como os roteiros detalhados para cada livro, adotados por Aram, Fine e Ziv (2013), podem ter pouca aplicabilidade em grande escala.

O treino aplicado neste estudo não foi eficaz para ensinar os pais a realizarem am-pliações das respostas das crianças. Essa habilidade é um componente importante para a LD (e.g., Arnold et al., 1994; Zevenbergen & Whitehurst, 2003), pois há evidências de que seu uso na interação cuidador-criança favorece a imitação e aquisição de novos repertórios ver-bais (e.g., Scherer & Olswang, 1984). Novamente, uma interpretação em termos de controle de estímulos sugere que se trata de uma habilidade bastante complexa. O comportamento do adulto deve estar sob controle da resposta da criança, da história que está sendo compartilhada e também do repertório verbal mais amplo da criança, de modo a produzir uma ampliação que seja pertinente à sua resposta e à narrativa e, ao mesmo tempo, seja modelo de uma fala mais complexa. Possivelmente, para treinar ampliações com mais eficácia, o vídeo modelo e as instruções usados neste estudo necessitem ser acrescidas de sessões de prática ativa da am-pliação de respostas variadas, com feedback imediato, de modo a favorecer a discriminação dessas dimensões relevantes.

Neste estudo, o planejamento do treino, a definicao das medidas e a análise dos dados foram propostos a partir de uma compreensao da LD em termos de estratégias evocativas (perguntas abertas), reforco diferencial (elogios e confirmacoes) e modelo (ampliacoes), além da habilidade de variar as estratégias evocativas, usando diferentes tipos de perguntas. Considera-se que esse foi um avanço conceitual e metodológico em comparação com o estudo de Briesch et al. (2008), em que, como foi descrito anteriormente, houve sobreposição de medidas e resul-tados muito variados entre participantes, dificultando conclusões sobre efeitos do treino.

Os dados de Aline sublinham a importância da escolha do livro para a leitura compartil-hada. Este não é um aspecto tratado com profundidade na literatura sobre LD, talvez porque, como foi dito, a maior parte deles tenha usado delineamentos de grupo e uma ou duas medi-das do comportamento da criança. Este estudo, ao contrário, ao acompanhar cada adulto em medidas repetidas dos componentes da LD, permitiu identificar lacunas no treinamento. Uma delas é avaliar e, se necessário, ensinar o adulto a escolher livros com um nível de dificul-dade otimizado. O livro deve ser suficientemente desafiador, em relação ao repertório atual da criança, de modo que seja possível estabelecer novos repertórios a partir de perguntas, modelos e reforçamento diferencial. Ao mesmo tempo, se a obra apresentar complexidade excessiva de vocabulário, tema ou estrutura em relação com o repertório atual da criança, perguntas formuladas pelos adultos poderão produzir poucas respostas corretas, acarretando extinção das falas das crianças e/ou dos adultos e até mesmo o estabelecimento de um con-texto aversivo para a leitura compartilhada. Pode ocorrer ainda, como foi o caso de Aline, uma concentração quase exclusiva do diálogo ao redor do esforço em esclarecer vocabulário, limitando as possibilidades de conversa sobre a narrativa e sobre temas mais reforçadores para ambas as partes.

São justamente os familiares que têm maiores condições práticas, potencialmente, para ajustar a escolha das obras de modo a estabelecer contingências para o estabelecimento de novos repertórios verbais, posto que convivem diariamente com seus filhos e, ceteris paribus, os conhecem bem. Para aumentar o controle de estímulos do comportamento dos pais pelo re-pertório verbal da criança, poderia ser útil incluir um módulo, no treinamento de LD, centrado na escolha de obras. Esse módulo teria que favorecer a sensibilidade dos adultos ao repertório das crianças e, ao mesmo tempo, ampliar seu conhecimento da literatura infanto-juvenil. O primeiro ponto pode ser trabalhado, por exemplo, com exercícios em que o adulto deve iden-tificar, em situações simuladas em vídeo, interações com diferentes graus de sensibilidade ao repertório da criança e com escolhas mais ou menos felizes de obras. O segundo ponto não pode ser suprido apenas com treinamentos mais eficientes, pois tem forte relação com o que Easton (2014) chama de “o lado do fornecimento da alfabetização/letramento” (the supply side of literacy), ou seja, aponta a necessidade de iniciativas do poder público, tais como bibliotecas infanto-juvenis comunitárias, que permitam o acesso a obras infanto-juvenis de qualidade. Pesquisas recentes, inclusive, apontam de forma crescente a necessidade de que os adultos conheçam e gostem de literatura infanto-juvenil para que se engajem em leituras com-partilhadas em casa, ou seja, de modo a aumentar o valor reforçados, vis-à-vis o adulto, da situação de leitura compartilhada (e.g., Lingwood, Billington & Rowland, 2017, que testaram o impacto de enfatizar o prazer da leitura durante treino parental em leitura compartilhada).

6) Esse estudo, no entanto, como muitos outros revisados neste trabalho, não incluiu medidas diretas do comportamento dos pais durante a leitura compartilhada (apenas de sua assiduidade ao treino, que foi de fato maior quando se enfatizou o prazer da leitura compartilhada), o que impossibilita avaliar possíveis relações das diferenças no desempenho das crianças com o que ocorreu durante as leituras compartilhadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados deste estudo apontam a eficácia de um treino breve com vídeo modelação, instruções e feedback para estabelecer o diálogo entre três díades adulto-criança sobre ilus-trações e narrativa de obras infanto-juvenis. Foi necessário, em um dos casos, sensibilizar o adulto acerca da importância de ajustar a dificuldade do livro de modo a otimizar as pos-sibilidades de diálogo. O diálogo se generalizou para a leitura de outros livros nas sessões subsequentes, mostrando que a habilidade de evocar o diálogo ao redor do livro não ficou restrita a alguma obra específica. Os próximos estudos deverão investigar se o planejamento das intervenções, a partir de uma análise das relações de controle de estímulo envolvidas e cada estratégia da LD, poderão tornar o treino mais eficiente para estabelecer ampliação de respostas e maior variedade nos tipos de perguntas.

Material suplementar
Referências
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Notas


Tabela 1. Descrição e exemplos de categorias de perguntas


Figura 1. Taxa de falas de cada adulto, criança e da díade, por Sessão


Figura 2. Taxa de Perguntas Abertas, Perguntas Fechadas e Outras, por Sessão.


Figura 3. Taxa de consequenciações: (1) Con (Confirmação), Re (Repetição da resposta em tom confirmatório), Elo (Elogio) (somados); (2) Ampliações e (3) Outras, por Sessão.


Figura 4. Taxa de cada categoria de Perguntas Abertas, por Sessão.
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