Resumo: A atividade figura como tema central no estudo dos fenômenos psicológicos usualmente rela- cionados à autonomia humana. O comportamentalismo radical, por sua vez, é recorrentemente acusado de defender um modelo de indivíduo passivo. O objetivo deste trabalho foi discutir a possibilidade de se conceber o comportamento como ativo na filosofia skinneriana. Sobre a atividade, têmse que: (A) é ativo tudo aquilo que dá início ou causa algo; (B) é ativo tudo o que produza eventos, estando as variáveis que acompanham tal produção conspícuas ou não. Nossa investigação, de natureza conceitual, visou, primeiramente, analisar a crítica skinne- riana a explicações causais do comportamento. Em seguida, utilizouse o relacionismo para esclarecer que as noções de causa e efeito são incompatíveis com uma perspectiva comportamentalista radical, indicando afinidades da acepção de atividade (B) com os pressupostos skinnerianos. Nossa estratégica analítica foi, então, relacionar acepções de comportamento operante (instância, classe, probabilidade e repertório) à noção de atividade (B), indicando a produção de consequências e a natureza reflexiva do comportamento como sua própria dimensão ativa, descartando a necessidade de uma causa inicial ou de uma cisão entre comportamento e ambiente presentes nos modelos tradicionais de explicação comportamental.
Palavras-chave: Atividade, Comportamento, Comportamentalismo radical, Explicação causal, Relacionismo.
Abstract: The notion of activity is a central topic in the study of psychological phenomena usually relat- ed to human autonomy. Radical behaviorism, however, is regularly accused of endorsing the model of a passive individual. Our work aims at discussing the possibility of conceiving be- havior as active, with in the limits of Skinnerian philosophy. One may identify two principal definitions of activity: (A) anything that initiates or causes something is active; (B) anything that produces events is active, whether the variables that accompany production are conspicuous or not. In this paper, we first analyze Skinnerian criticisms of traditional notions of causal explanation. We then use a relationist interpretation to argue that the notions of cause and effect are inconsistent with a radical behavioral perspective, and we stress the compatibility of the notion of activity (B) with Skinnerian assumptions. Our analytical strategy is to identify possible features of the meaning of activity (B) within the scope of Skinnerian definitions of operant behavior (instance, class, probability, and repertoire). We emphasize the production of consequences and the reflexive nature of behavior as its own active dimension, discarding the need for an initial cause or for the behavior/environment split present in traditional models of behavioral explanation.
Keywords: Activity, Behavior, Radical behaviorism, Causal explanation, Relationism.
Uma interpretação relacional da noção de atividade no comportamentalismo radical
A relationist interpretation of activity in radical behaviorism
Recepción: 09 Febrero 2018
Aprobación: 21 Julio 2018
A noção de atividade é discutida por diferentes teorias no campo psicológico e não parece haver um uso inequívoco do conceito. A despeito disso, uma questão comum que perpassa as teorias psicológicas sobre o tema é se indivíduos humanos são ativos (cf. Davidov, 1988; Leontiev, 1978). Orientações teóricas distintas utilizam o termo com diferentes critérios, mas o que parece ser claro é a ideia de que indivíduos humanos são ativos por serem capazes de controlar seus próprios destinos, produzindo a própria história (Andery et al., 1988). Assim, o que parece emergir da noção de atividade em um contexto de conhecimento psicológico é a defesa da possibilidade de que indivíduos sejam capazes de construir seus próprios caminhos durante a vida.
O comportamentalismo radical sofre constantes críticas que sugerem sua filiação a uma concepção de um indivíduo passivo, à semelhança de um fantoche, ou receptáculo, à mercê das determinações ambientais. No âmbito dessas críticas, a teoria skinneriana configuraria um exemplo de filosofia mecanicista, já que o ser humano seria entendido por analogia a um autômato (e.g., Japyassú, 1999; Milhollan & Forisha, 1978). O comportamentalismo radical também é acusado de ser uma filosofia superficial, uma vez que daria ênfase no ambiente negligenciando outras supostas variáveis determinantes do comportamento, tais como vontade, propósito, pensamento (cf. Carrara, 2005; Chiesa, 1994/2006; Micheletto & Sério, 1993).
O próprio Skinner (1971) parece dar margem a tal leitura ao sugerir que uma análise comportamental deveria deslocar a posição de agente ativo do indivíduo para o ambiente. Aqui, o ambiente aparece como protagonista na investigação e explicação do comportamento. Skinner (1971) afirma que “na moldura científica . . . a direção da relação de controle é invertida: uma pessoa não age sobre o mundo, o mundo age sobre ela” (p. 211). A afirmação pode dar ensejo a interpretações que retiram o caráter ativo do ser humano frente a seu próprio destino, e o colocam em posição de vítima. Em outra passagem, Skinner (1971) afirma que: “a natureza de uma análise experimental do comportamento humano a obriga a retirar as funções previamente atreladas ao homem autônomo e transferilas, uma a uma, ao ambiente controlador” (p. 198). Se tomados de modo isolado e descontextualizado, esses trechos podem levar à interpretação de que o comportamentalismo radical ignora ou negligencia o papel ativo do ser humano.
Quando interpretada nesses termos, a teoria skinneriana passaria ao largo do ser humano per se como objeto principal de estudo em uma ciência psicológica (Carrara, 2005). No entanto, o próprio Skinner (1974) distancia-se da crítica ao argumentar que uma explicação do comportamento pautada na identificação e descrição de variáveis ambientais não implica necessariamente em uma concepção de ser humano passivo, vítima do ambiente (Skinner, 1971, 1974):
O indivíduo está no controle de seu próprio destino ou não? É geralmente argumentado que uma análise científica muda a posição do indivíduo de protagonista para vítima. No entanto, o indivíduo permanece sendo o que sempre foi, e sua conquista mais notável foi o planejamento e a construção de um mundo que o libertou de restrições e estendeu vastamente seu alcance. (Skinner, 1974, p. 239)
Vale destacar também que há um movimento interpretativo das proposições skinnerianas oposto ao da crítica por parte de diversos autores. Carvalho Neto (2000) indica que interpre- tações da obra skinneriana que a apresentam como uma teoria de orientação ambientalista parecem não fazer jus à posição comportamentalista radical: “conceber Skinner como um ambientalista e conceber o ambientalismo como seu ponto alto é simplificar perigosamente a proposta desse autor” (p. 45). Nessa direção, Pompermaier (2017) afirma que o modelo de explicação comportamental skinneriano, ao contrário do que apontam as críticas, não sela compromisso com proposições afeitas à lógica presente em modelos mecanicistas:
A ênfase no papel do ambiente poderia levar à interpretação de que a proposta skinneriana conduz necessariamente a uma concepção passiva do sujeito humano, como um fantoche do ambiente. Contudo, há que se ressaltar que o quadro filosófico em que Skinner apresenta esses argumentos é distinto daquele que animava o modelo reflexo. (p. 173)
Lopes, Laurenti e Abib (2012) argumentam que a crítica de Skinner à noção de eu iniciador do comportamento não cumpre defender uma visão passiva de ser humano: “criticar a tese de que o homem é o agente iniciador não significa defender a proposição de que o homem não é ativo. O homem é ação: homens agem!” (p. 97, itálicos adicionados). Finalmente, Zuriff (1975) destaca o modo como pessoas experienciam suas vidas, fato que, se ignorado, poderia fazer qualquer teoria parecer ingênua ou simplista: “ainda assim, experienciamos a nós mes- mos e a outros, não como autômatos, mas ao invés disso, como agentes – seres que agem de modo ativo” (p. 1, itálicos adicionados).
Faz-se necessário, então, evidenciar o caráter radical do comportamentalismo skinneriano: trata-se de estudar os fenômenos psicológicos no comportamento, isto é, buscando variáveis de natureza comportamental, aquelas presentes no ambiente presente e histórico, para a explicação desses fenômenos (Leão & Laurenti, 2009; Tourinho, 2006). O comportamento assume, assim, papel de protagonista na filosofia comportamentalista radical. É à luz do comportamento que fenômenos psicológicos, como sentimento, emoção, vontade, pensamento (e.g. Skinner, 1974), por exemplo, e outras questões concernentes ao ser humano, como a própria noção de pessoa, serão elucidadas no comportamentalismo radical.
Quanto a uma explicação comportamentalista de pessoa, Chiesa (1994/2006) destaca que:
A posição filosófica de Skinner não separa a pessoa (um eu essencial) do comportamento. Ao contrário, as pessoas são definidas em termos de seus comportamentos sem nenhuma outra entidade, nenhum outro indivíduo delimitado localizado atrás. O behaviorismo radical descreve a pessoa como uma unidade em vez de uma dualidade, comuma parte interativa do ambiente em vez de uma coisa separada do ambiente. Para o behaviorismo radical, a pessoa opera no ambiente em vez de sobre o ambiente. Com esta visão, o comportamento assume um papel primário em vez de secundário, uma vez que a pessoa é comportamento. (p. 99, itálicos adicionados)
Tendo em vista a proposição de que o comportamento é o protagonista da explicação dos fenômenos psicológicos e, mais especificamente, que a pessoa é comportamento, a discussão da noção de atividade pode assumir outra direção. Uma vez, portanto, que pessoas são comportamento, e admitindo-se que indivíduos humanos são ativos, fazse necessário verificar se é possível acomodar a noção de atividade na malha conceitual do comportamentalismo radical sem selar compromisso com as noções de agente iniciador, ou homem autônomo. Assim, posicionando no horizonte de discussão as acusações tecidas pela crítica ao comportamentalismo radical, bem como a posição de comentadores e do próprio Skinner, o questionamento que norteou nossa discussão foi: o comportamento é ativo?
O conceito de atividade pode ser filosoficamente definido como: “1. Caráter do que é ativo, podendo ser dito das coisas e das pessoas. Ex.: a atividade de um vulcão; um remédio ativo; uma secretária ativa 2. Psicologicamente, conjunto de fenômenos psíquicos que levam o indivíduo à ação (tendência, desejo, inclinação, vontade)” (Japiassú & Marcondes, 2001, p. 19).
Na primeira definição, atividade descreve os efeitos produzidos por coisas ou pessoas em um contexto específico: o remédio é ativo, pois altera condições fisiológicas; a secretária é ativa porque executa sua função de determinada maneira. Essa primeira noção de atividade descreve, portanto, ações. A segunda definição estabelece um ponto de partida, um início ou uma causa primeira, e a identifica como sendo a própria atividade: de um lado há uma instância ativa, que inicia eventos, e de outro há efeitos desta causa. Em outras palavras, tratase daquilo que levaria indivíduos a agir, anteriormente à ação.
Das duas proposições acerca da noção de atividade derivamse duas perspectivas de entendimento no que diz respeito a ela: (1) ser de natureza causal e (2) não ser de natureza causal (Ferrater Mora, 2004; Japiassú & Marcondes, 2001). Se for de natureza causal (1), entendese que eventos acontecem e têm princípio determinado, sendo causados por algo que não pode ser conhecido (Ferrater Mora, 2004). Na análise de fenômenos psicológicos, mente, vontade e quaisquer outros atributos caracterizados como internos ao indivíduo são tradicionalmente tidos por causas. Caso não seja de natureza causal (2), a noção de atividade não fica circunscrita a seres humanos, mas àquilo tudo que produza eventos, a despeito das variáveis envolvidas em tal produção (Ferrater Mora, 2004). Tratandose de um vulcão, é ativo quando produz erupções, gerando lava e cinzas suas produções o caracterizam como ativo. Sabese, no entanto, que tais produções são acompanhadas por um dado conjunto de variáveis naturais que fazem parte seu funcionamento, mas que não são incluídas na definição sobre o que seria um vulcão. Por exemplo, determinado aumento de pressão ocasional, aliado ao movimento das placas tectônicas parecem influenciar o momento da erupção. Não se diz que um vulcão ativo é o vulcão como lugar físico somado das condições que acarretam sua atividade. A metáfora aqui é clara: identifica-se um vulcão como ativo sem que haja preocupação em classificar as condições necessárias para seu funcionamento como adjetivos. Não estão elas intrínsecas ao vulcão, mas fazem parte de sua definição como um vulcão ativo. Ainda assim, não se evita considerar um vulcão ativo se, porventura, não houver conhecimento das variáveis envolvidas em sua atividade. Essa hipótese parece propor que agentes, sejam eles pessoas ou coisas, são ativos sem que sejam desconsideradas todas as condições de influência que os acompanham.
O olhar sobre as definições filosóficas do conceito de atividade parece indicar dois caminhos: (A) a ideia de início ou causa, sendo ativo tudo aquilo que dá início, ou causa algo; e (B) a noção de que é classificado ativo tudo aquilo que produza eventos, sejam as variáveis que acompanham tal produção conhecidas ou não. Com efeito, a noção de agência criticada amplamente por Skinner (1971, 1974, 1989) constitui um posicionamento específico do autor em relação à lógica presente em (A). O autor destaca que qualquer explicação comportamental que residir sobre uma lógica causal não explica, de fato, o que leva um organismo a se comportar como o faz. Em outras palavras, Skinner estaria negando a possibilidade de uma explicação causal do comportamento pautada em causas estritamente internas ou externas ao indivíduo, negando, também, qualquer concepção de atividade que esteja filiada a tal raciocínio. O próximo passo é investigar como.
É possível destacar algumas das doutrinas de explicação causal do comportamento criticadas pelo comportamentalismo radical: mentalismo (Skinner, 1974, 1971), fisicalismo fisiológico (Skinner, 1974) e ambientalismo (Skinner, 1969, 1971). As críticas skinnerianas podem ser, assim, classificadas em dois grupos: críticas a explicações causais de caráter interno e críticas a explicações causais de caráter externo (Skinner, 1971, 1974).
Quanto às críticas de caráter interno, a doutrina mentalista é provavelmente a maior adversária filosófica skinneriana, determinando fenômenos internos (não físicos), ou substâncias (a mente, por exemplo, também não física) como causa dos comportamentos. De uma perspectiva mentalista, o comportamento passaria a ser entendido, então, como produto ou efeito de causas interiores, como sentimento, vontade, pensamento, desejo etc. (Carvalho Neto, Tourinho, Zilio, & Strapasson, 2012). A explicação mentalista cria vários obstáculos a uma ciência do comportamento. Em primeiro lugar, o mentalismo paralisa a pesquisa comportamental, pois encerraria a análise na identificação de causas internas do comportamento, desconsiderando o papel do ambiente. Em segundo lugar, as propriedades mentalistas das ditas causas internas não são passíveis de serem estudadas de acordo com os parâmetros científicos, não permitindo a previsão e o controle do comportamento. Por fim, de uma perspectiva mentalista, as causas do comportamento seriam buscadas recorrendose a um nível de análise que ultrapassaria o escopo do comportamento, comprometendo a autonomia epistêmica de uma ciência analítico- comportamental. Em suma: “O mentalismo descreveria o fenômeno comportamental equivocadamente e, por isso, forneceria pistas falsas sobre o que seriam e como se deveria lidar com os processos comportamentais” (Carvalho Neto et al., 2012, p. 25). Com efeito, atribuir uma instância mental o status de causa do comportamento seria internalizar a ideia de início. Nesse caso, o comportamento seria um mero produto, o que tornaria importante explicar, por conseguinte, o que produz, inicia ou dá origem a ele.
Skinner (1953) ainda afirma que as teses mentalistas oferecem apenas ficções explicativas no que diz respeito ao funcionamento do comportamento, e um exemplo disso é o constructo tradicional de personalidade. O autor explica que, em termos mentalistas, a noção de personalidade seria a gênese de determinados comportamentos, cumprindo a função de uma instância primária que ditaria os modos como indivíduos agem: um indivíduo faz coisas ruins, pois possuiria uma personalidade ruim (Skinner, 1957, 1971). Alguns outros exemplos de conceitos mentalistas podem ser encontrados (Skinner, 1953, 1957, 1969, 1971, 1989), mas a noção de homem autônomo (Skinner, 1971) configura justamente uma comunhão de sentidos afeitos à tal tese: algo interior ao organismo que tornaria o ser humano especial, tendo a consciência como seu produto. Sentimentos, bondade, benevolência, crenças, preferências, percepções, necessidades, propósitos, seriam, também, todos produtos desse homem autônomo. Em outras palavras, constructos mentalistas utilizados para explicar o comportamento seriam compreendidos como seu início, sua causa principal, sem qualquer relação com o ambiente, que, na explicação mentalista, teria um papel inócuo na determinação do comportamento.
Ainda no âmbito das explicações de caráter interno figura o fisicalismo fisiológico (Skinner, 1974), uma comparação entre as noções de mente e cérebro que não está distante de qualquer lógica explicativa filiada aos pressupostos mentalistas, pois também recorre a causas internas para explicar o comportamento. Como argumenta Skinner (1974):
A teoria do conhecimento chamada Fisicalismo assevera que quando nos utilizamos de introspecção ou quando temos sentimentos, nós estamos olhando para estados ou atividades de nossos cérebros. Mas as dificuldades maiores são práticas: não podemos antecipar o que uma pessoa vai fazer olhando diretamente para seus sentimentos ou sistema nervoso, nem podemos modificar seu comportamento modificando sua mente ou seu cérebro. (p. 12)
A noção de eu iniciador foi atualizada com a tese de que é o cérebro, e não a mente, a causa do comportamento. Pimentel, Bandini e Melo (2011) indicam que: “O que a ciência e a filosofia behaviorista radical negam é a existência de um ‘eu iniciador’ das ações, de uma mente imaterial, ou atualmente cerebral, que governa as ações humanas” (p. 1, itálicos adicionados). Substituir, então, a mente pelo cérebro reproduz problemas similares associados ao mentalismo. Para além do fato de a identificação de atividades cerebrais não contribuir para a previsão e controle do comportamento, buscar, nessas atividades, as causas do comportamento não só extrapola o domínio do comportamento como objeto de estudo, como também não o explica, pois, a contextualização das alterações cerebrais no ambiente ainda permanece necessária.
As explicações comportamentais de caráter externo caminham na mesma direção das anteriores, porém localizam a causa inicial no ambiente. Skinner (1969, 1971) explica que a psicologia embasada no paradigma reflexo propõe o ambiente (eliciador) como causa em uma explicação comportamental. Segundo o autor, John B. Watson (1878-1958) adotou o princípio do reflexo condicionado (Skinner, 1969), e assumiu que “animais e homens adquiriam novos comportamentos por meio de condicionamento e continuavam a se comportar somente se o estímulo apropriado estivesse ativo” (Skinner, 1969, p. 3, itálicos adicionados). Isso quer dizer que em uma análise ambientalista seria impossível que organismos se comportassem sem que dado aspecto ambiental estivesse presente e os fizesse agir. No entanto, Skinner (1969) destaca a precariedade do sistema estímulo-resposta ao apontar que voltar a atenção apenas para o estímulo antecedente não abarca também a análise dos eventos que se seguem à ação do organismo:
Toda a formulação dos comportamentos em termos de estímulo e resposta, ou de entrada e saída, sofre uma séria omissão. Nenhuma descrição do intercâmbio entre organismo e meio ambiente estará completa enquanto não incluir a ação do meio ambiente sobre o organismo depois da emissão da resposta. Que o comportamento pode ter consequências importantes é fato que não passou despercebido, é claro. (p. 5, itálicos adicionados)
Uma ênfase sobre o papel do ambiente poderia acarretar em uma interpretação da posição skinneriana que defende essencialmente uma visão passiva dos indivíduos, tal como fantoches ou receptáculos (Carrara, 2005; Micheletto & Sério, 1993). No entanto, o modelo explicativo skinneriano distingue-se do modelo reflexo ao destacar que “versões anteriores do ambientalismo eram inadequadas porque não podiam explicar como o ambiente funcionava” (Skinner, 1971, p. 215). A explicação skinneriana do comportamento parece ser distinta do modelo de causa e efeito, rompendo a lógica linear presente no raciocínio causal ambientalista: “[o ambiente] não empurra ou puxa, ele seleciona, e essa função é difícil de descobrir e analisar” (Skinner, 1971, p. 25). Em última análise, o destaque do papel ambiental como iniciador do comportamento sela um compromisso com a mesma lógica causal que vigora nas explicações internas do comportamento, propondo uma separação entre indivíduo e mundo, e os considerando um independente do outro. Ao criticar o ambientalismo, Skinner critica a lógica causal que está intrínseca à proposta: nela, causa e efeito funcionam em uma relação linear, ou seja, comportamentos (efeitos) são causados por eventos internos (mente ou cérebro) ou externos (ambiente) ao indivíduo, mas a lógica de explicação continua a mesma: uma lógica dualista e binária, na qual causa e efeito estão separados.
Acerca desta questão, Lopes, Laurenti e Abib (2012) asseveram que:
Na verdade, a despeito de suas sensíveis diferenças, as teorias do homem autônomo e do ambientalismo parecem ser subsidiárias da mesma lógica de explicação: aquela que instala uma dicotomia entre homem e mundo; aquela que os concebe como originalmente separados; aquela que os vincula por algum princípio de associação, ora ancorado no homem (representações), ora no ambiente (contiguidade, repetição); aquela que fixa um início absoluto, seja no homem (eu iniciador), seja no mundo (ambiente iniciador). (p. 97)
Claro está que assumir instâncias psíquicas internas ao indivíduo ou aspectos determinantes ambientais e atrelar a eles o início do comportamento recai em uma lógica binária e linear de causa e efeito, lógica essa avessa aos pressupostos filosóficos da filosofia comportamentalista radical (Skinner, 1969, 1971). Mas haveria Skinner determinado outras causas na explicação do comportamento?
Skinner (1989) esclarece o caráter radical de seu comportamentalismo enfatizando um posicionamento particular em relação ao estudo dos fenômenos psicológicos: o comportamento deve ser estudado em seu próprio domínio, sem que se recorra a variáveis que ultrapassem seu escopo, assumindo papel de protagonista da análise. Laurenti e Lopes (2008) apontam que a posição skinneriana “apenas expressa que um evento está regularmente relacionado a outro, sem afirmar que um evento produz o evento seguinte” (p. 388). Os autores afirmam que:
As críticas ao conceito de causalidade abriram a possibilidade de a ciência buscar expli- cações não-causais. A proposta de Skinner (1953) de uma ciência do comportamento pa- rece aproximar o Behaviorismo Radical dessa tendência. Em outras palavras, o modelo de explicação behaviorista radical parece ser um bom exemplo de explicação não-causal. (Laurenti & Lopes, 2008, p. 385)
O modelo skinneriano parece desvincularse da lógica presente no modelo causal ao destacar o princípio de relação funcional (Skinner, 1953, 1969) como caminho alternativo para re- presentar seu posicionamento, dando ênfase ao fato de que um evento X que tenha ocorrido anteriormente a um evento Y possa, não necessariamente, tê-lo causado:
Uma “causa” torna-se uma “mudança na variável independente” e um “efeito” uma “mu- dança na variável dependente”. A antiga “conexão causa-e-efeito” tornase uma “relação funcional”. Os novos termos não sugerem como uma causa provoca seu efeito; eles meramente afirmam que eventos diferentes tendem a ocorrer juntos em uma certa ordem. (Skinner, 1953, p. 23)
Além disso, o papel das consequências na formação de operantes, inclusive na determinação da função discriminativa do estímulo antecedente, não parece se acomodar à noção de causa como um evento antecedente e que produz o efeito (Skinner, 1953).
A adoção do modelo causal pressupõe uma cisão fundamental entre as noções de indivíduo e mundo. Quando explicados de tal modo, comportamentos são efeitos, sintomas ou produtos de uma causa inicial, ora ancorados em instâncias internas ao indivíduo (mente ou cérebro), ora amparados no ambiente iniciador, que atuaria como uma força, incitando o organismo a se comportar. Configura que, ao rejeitar o modelo de explicação causal, Skinner também rejeita a noção de atividade nos moldes tradicionais.
De um ponto de vista comportamentalista radical, não haveria, portanto, atividade se esse conceito for esclarecido em termos de uma lógica causal. Seres humanos não são ativos se isso quer dizer que a causa de seus comportamentos reside na noção de um eu iniciador, que seria responsável pelas ações dos indivíduos independentemente do contexto em que estão inseridos.
Dado o quadro, cumpre retomar as definições filosóficas do conceito de atividade vis- tas anteriormente para avaliar se há qualquer possibilidade de sua circunscrição na filosofia comportamentalista radical. A primeira definição (A: ideia de início ou causa, sendo ativo tudo aquilo que dá início, ou causa algo) indica um agente ativo como causa iniciadora de comportamentos, o que não configura possibilidade viável de subscrição em uma lógica skin- neriana, pois são rejeitadas noções de agentes internos autônomos compromissados com o pensamento causal (Skinner, 1953, 1969, 1971). Do mesmo modo, dizer que o ser humano é passivo e posicionar o ambiente como instância ativa, como deduzem os críticos, não representa posição mais adequada, pois apenas modifica a causa de um lugar interno para um lugar externo – não rompe com qualquer lógica causal.
De uma perspectiva skinneriana, tanto atividade quanto passividade, quando circunscritas em (A), configuram posição inválida, pois denotam o mesmo pensamento causal. A própria procura por variáveis internas ou ambientais determinantes do comportamento caracteriza uma busca por causas. É preciso, assim, verificar se a segunda definição de atividade (B: é classificado ativo tudo aquilo que produza eventos, sejam as variáveis que acompanham tal produção conhecidas ou não) mantém afinidades com a proposta comportamentalista radical.
Para averiguar se a segunda acepção de atividade (B) é compatível com a proposta skinneriana, fazse necessário cindir com a lógica presente no raciocínio explicativo causal. A interpretação relacional do comportamentalismo radical tem sido proposta por diferentes autores (Abib, 2004; Lopes, 2008; Pompermaier, 2017; Tourinho, 2006) e é definida, de modo geral, pela “prioridade da relação sobre os elementos relacionados” (Lopes, 2008, p. 3). Marques (2017) argumenta que o relacionismo defende a redução de conceitos absolutos a relativos. Assim, noções de causa e efeito em si mesmas tornamse incoerentes: em se tratando de comportamento, não existiriam causas e efeitos propriamente ditos, existe relação. Isto quer dizer que não se assume uma separação entre indivíduo e mundo, entendendoos como existindo de modo independente um do outro. Aqui, configurase justamente considerar que indivíduo e mundo só podem ser analisados quando em relação, ou seja, o comportamento não é entendido como efeito de uma causa anterior, mas sim, como a própria relação entre organismo e ambiente.
Abib (1997) esclarece a discussão argumentando que uma situação antecedente apenas se configura como tal para o organismo enquanto parte de sua história:
A situação só é uma situação para o organismo se ela fizer parte de sua própria história. Assim, sem uma história passada numa situação não há situação para o organismo, e sem a presença de uma situação que faz parte da história passada do organismo não há ma- nifestação dessa história. Se a história passada é entendida como determinante próximo ou remoto do operante, e o estímulo discriminativo como determinante presente, então o operante é determinado pela relação entre esses dois determinantes. Em outras palavras, um determinante próximo ou remoto inter-relacionado com um determinante presente determinam o comportamento atual. (p. 50)
Assim, seria inconsistente com a perspectiva relacional asseverar que um evento que atua como estímulo discriminativo assim o é por si só, sem estar relacionado a algum outro evento, como uma resposta, por exemplo, que produziu um dado tipo de consequência na presença de uma dada situação, ao longo do tempo.
A posição relacional revela-se diretamente conflitante com outras que propõem a exis- tência de estímulos de modo independente de uma relação comportamental: “o relacionismo defende que não é possível falar de estímulo ‘fora’ de uma relação comportamental” (Lopes, 2008, p. 3). Daí derivase que respostas e estímulos são apenas compreendidos como tal em uma relação funcional: estímulos (antecedentes e consequentes) só são definidos em função de respostas e viceversa. O próprio Skinner (1953) parece ancorar a discussão sobre a relação entre estímulos e respostas no escopo da definição de comportamento, desde que este é proposto, entre outras coisas, como um processo relacional de fluxo contínuo entre o ambiente e as ações de um organismo. Abib (2004) sumariza o argumento ao propor a relação como a única propriedade relevante para uma definição do comportamento.
À luz de uma perspectiva relacional, o comportamentalismo radical concebe o compor- tamento como a própria relação organismo-mundo. É radical por conceber o comportamento como objeto de estudo em seu próprio domínio (Laurenti & Leão, 2009), estando o estudo de fenômenos psicológicos intrínseco ao estudo do próprio comportamento.
Uma vez que a noção de atividade (B) está ancorada em um princípio de explicação não causal, assume-se que a produção de eventos à que se refere só existe em função da relação entre esses próprios eventos: só há atividade (produção de eventos) na relação. É preciso agora lançar luz sobre as diferentes acepções de comportamento operante a fim de identificar nelas qualquer indício de atividade (B).
Nossa estratégia analítica foi investigar diferentes acepções de comportamento presentes na obra de Skinner à procura da definição de atividade (B), tendo sido a análise situada no escopo das acepções de comportamento operante entendido como instância, classe, probabilidade e repertório (Skinner, 1969).
A primeira acepção analisada é a de instância, definida como uma ação específica situada no mundo (Skinner, 1957). Skinner (1953) esclarece a noção de instância com um exemplo:
Uma instância singular em que um pombo levanta a cabeça é uma resposta. É um pedaço da história que pode ser relatado usando qualquer sistema de referência desejado. O comportamento chamado “levantar a cabeça”, independentemente de em que circunstâncias específicas ocorra, é um operante. Ele pode ser descrito, não como um ato acabado, mas como um conjunto de atos definidos pela propriedade que a altura, até onde a cabeça for levantada, representa. Nesse sentido, um operante é definido por um efeito que pode ser especificado em termos físicos. (p. 65, itálicos adicionados)
Uma instância é definida pela ocorrência de dada ação com tempo e local determinados, e nota-se que só poderá ser tratada como tal quando em relação com um estímulo controlador ou com uma consequência por ela produzida (Skinner, 1953, 1969). Como argumenta Lopes (2008): “. . . não existe ambiente ‘vazio’, nem organismo solitário” (p. 3). Dessa maneira, a acepção parece estar contida na definição de operante quando Skinner (1957) afirma que, ao agirem, seres humanos produzem consequências em um ambiente social e não-social, e que são modificados pelas consequências por eles mesmos produzidas.
Nesse contexto, a noção de atividade (B) parece localizar-se na produção de consequências. Se, por um lado, instâncias estão sob controle de determinados estímulos, em função das consequências produzidas pela resposta, elas próprias são as produtoras das consequências que, no futuro irão controlar sua emissão. Nesse quadro, as afinidades entre a definição de atividade (B) e comportamento parecem emergir com cores bastante sutis. Seria possível pensar que o comportamento fosse passivo simplesmente por ser afetado pelas consequências que produz; no entanto, o princípio de passividade tem sentido apenas na primeira definição de atividade (A), na qual é passivo tudo aquilo que é causado ou modificado por algum outro evento. Na lógica causal, passividade e atividade são princípios incompatíveis e contraditórios e, por isso, quando algo é ativo, não é passivo, e viceversa (Ferrater Mora, 2004). Uma vez que a definição de atividade (B) não parte do mesmo princípio de causalidade linear, a delimitação do que seria passivo perde o sentido, visto que ela compreende a influência de variáveis quaisquer envolvidas na produção de eventos como sua característica peculiar. Não se trata mais de analisar qualquer caráter passivo do comportamento baseando-se em sua possibilidade de mudar por ser afetado, mas sim, da própria definição de atividade (B), que não apenas parte de um princípio distinto ao da agência, mas que pressupõe a produção de eventos com base em variáveis influenciadoras. De modo oposto ao da crítica, é possível se falar em atividade na acepção de operante como instância, e mantémse a rejeição à agência subsidiada por explicações causais.
Skinner (1953) afirma que a noção de classe descreve um conjunto de ações com similaridade funcional definida pelas consequências operadas no ambiente. Dando voz ao autor:
A palavra “operante” será utilizada para descrever essa classe. O termo dá ênfase ao fato de que o comportamento opera sobre o ambiente para gerar consequências. As conse- quências [por sua vez] definem as propriedades em relação às quais as respostas serão chamadas de semelhantes. (Skinner, 1953, p. 65)
Assim como consequências são produzidas por instâncias, a consistência na produção de consequências semelhantes acaba por fazer emergir um comportamento funcionalmente direcionado (Skinner, 1953, 1969). Isto quer dizer que, em uma classe, todas as instâncias tendem a produzir o mesmo tipo de consequência, dando ao comportamento direção: “. . . o comportamento operante é o próprio campo do propósito e da intenção. Por sua natureza é direcionado ao futuro: uma pessoa age para que algo aconteça . . .” (Skinner, 1974, p. 61). É importante salientar que não se trata de uma análise teleológica, mas sim funcional: “Ao invés de dizer que alguém se comporta por causa das consequências que seguirão seu comportamento, simplesmente dizemos que alguém se comporta por causa das consequências que seguiram comportamentos similares no passado” (Skinner, 1953, p. 87, itálicos adicionados). A noção de classe mostra que o comportamento adquire direção e produz mudanças unificadas no mundo a partir das consequências passadas já produzidas que o afetaram. Constatase um aspecto de recursividade indivíduo-mundo. Abib (1997) atesta o ponto ao recorrer à noção de contingências de reforçamento para explicar tal recursividade:
Inferese um primeiro sentido da inter-relação entre o comportamento e o ambiente, ou seja, o estímulo deve ser produzido pelo organismo, sob certas condições, para que sua ação reforçadora se manifeste. Um segundo sentido dessa inter-relação requer justamente o esclarecimento de algumas condições nas quais o organismo deve estar no momento em que produz o estímulo consequente. (p. 49)
A noção de atividade (B) surge, então, novamente relacionada à produção de consequências. A novidade, no entanto, é que se trata de um conjunto unificado de instâncias que modificam o mundo de maneira consistente. Parece, por isso, ser possível identificar atividade (B) na acepção operante de classe, pois ela não apenas produz consequências, mas também direção ao comportamento, dando origem a outro tipo de relação operante indivíduo-mundo. Além disso, destacase que reside na acepção de classe um primeiro vestígio do que poderia ser tratado como atividade nos limites da teoria skinneriana. À medida que tem propósito e intenção (Skinner, 1974), o comportamento já não se assemelha tanto com a posição defendida pela crítica: aquela que o entende como um mero efeito em uma relação causal. A atividade (B) do comportamento, aqui, não reside nas determinações que o antecedem, à semelhança do paradigma reflexo, mas sim, nas consequências ocorridas no passado operadas pelo próprio comportamento.
A noção de operante como probabilidade está intrínseca à noção de classe. Skinner (1953) argumenta que probabilidades descrevem frequências de emissão de comportamentos. O comportamento, portanto, opera de modo funcionalmente unificado, produzindo consequências consistentes que irão aumentar ou diminuir a sua probabilidade de ocorrência. Ao tratar do operante como probabilidade, Skinner (1989) afirma que:
Dizemos que reforçamos uma resposta quando fazemos com que um reforçador seja contingente a ela, mas não modificamos aquela resposta em particular. O que reforçamos, no sentido de fortalecer, é o operante, a probabilidade de que respostas similares irão ocorrer no futuro . . . Um operante é uma classe de respostas . . . mas também é uma probabilidade. (p. 36, itálicos adicionados)
Lopes (2008) explica que “o conceito de operante acaba aproximandose do de probabilidade, pois quando dizemos que determinado operante participa do repertório de alguém, estamos afirmando simplesmente que essa pessoa tem uma alta probabilidade de se comportar de uma determinada maneira” (pp. 6-7). O trecho procura esclarecer a ideia de que é preciso analisar as contingências que controlam tendências comportamentais, mas destacar que nenhuma delas irá causar determinados comportamentos, apenas aumentar a probabilidade de sua ocorrência (Skinner, 1953):
Qualquer estímulo presente quando um operante é reforçado adquire controle no sentido de que a taxa de emissão será mais alta quando ele estiver presente. Mas esse estímulo não age como um eliciador; não elicia a resposta no sentido de a forçar a ocorrer. É simplesmente uma parte essencial da ocasião na qual uma resposta é emitida e reforçada. (Skinner, 1969, p. 7)
Compreendese, assim, que probabilidades constituem a própria direção do comportamento na produção consequências: se são altas, é provável que consequências reforçadoras estejam sendo produzidas; se são baixas, é provável que não haja consequências, ou que consequências não reforçadoras estejam sendo produzidas. Nesse sentido, probabilidades podem ser caracterizadas como tendências de ação, que estão sob controle de determinadas contingências (Skinner, 1953). Com efeito, Skinner (1974) parece indicar que: “contingências complexas de reforçamento criam repertórios complexos” (p. 185).
Em última análise, tratase do que uma pessoa tende a fazer, dadas as circunstâncias. A atividade (B) passa a ganhar contornos mais bem definidos. Contingências aumentam ou diminuem probabilidades de emissão de determinados comportamentos em detrimento de outros, com base na história de reforçamento do indivíduo, mas, vale destacar, que o próprio indivíduo participou integralmente da construção de tais contingências, e permanece apenas sendo possível falar sobre suas probabilidades de ação quando em relação com o contexto. Como declara Skinner (1971): “o ser humano pode até ser controlado por seu ambiente, mas este é um ambiente que é quase completamente de sua própria criação” (p. 201). Mais uma vez é possível esboçar uma possível posição de atividade do indivíduo em uma perspectiva skinneriana, na medida em que tendências de comportamento podem ser descritas em termos de probabilidades: existem diferentes probabilidades de ação que, em função de diferentes contingências (variáveis conspícuas ou não), produzem consequências (produção de eventos), que irão, por sua vez, dar esta ou aquela direção ao comportamento.
O repertório comportamental de um indivíduo pode ser entendido como um conjunto de pro- babilidades de ação que podem coexistir sob a mesma pele, e que podem modificar a si mesmas. É tudo aquilo que uma pessoa é capaz de fazer (Skinner, 1974), e sua origem reside nas contingências as quais a pessoa foi e é constantemente exposta (Lopes & Abib, 2003). Segundo Skinner (1971): “A figura que emerge de uma análise científica não é um corpo com uma pessoa dentro dele e, sim, um corpo que é uma pessoa que mostra um complexo repertório comportamental” (p. 199). É complexo pois é composto por diversas probabilidades distintas: tocar um instrumento, cozinhar, dirigir, fazer planos de curto e longo prazo, lembrarse etc. De modo geral, são classes de ações distintas, probabilidades particulares de emissão de tipos de comportamentos controladas por contingências também particulares. Skinner (1953) compara o repertório com um vocabulário de ações, no qual cada comportamento tem sua emissão mais provável à medida que o ambiente muda.
Destacase que isso é diferente de dizer que tais comportamentos estão sempre ocorrendo, ou que estão armazenados no corpo do indivíduo e são “projetados” no momento de sua emissão (O autor exemplifica este ponto afirmando que, muito embora a luz não esteja dentro de um filamento quente, diz-se que é emitida por ele (Skinner,1989)) – o que ocorre, é a maior ou menor probabilidade de sua emissão a partir das contingências vigentes. Como argumenta Skinner (1953): “É verdade que as variáveis podem ser arranjadas em padrões complexos; mas este fato não modifica o cenário de um modo relevante, por que a ênfase ainda é sobre o comportamento, não sobre quem [explicação causal] se comporta” (p. 228).
O repertório comportamental, portanto, não é a causa dos comportamentos, nem tampouco qualquer disposição fisiológica ou psíquica para que indivíduos se comportem (Lopes & Abib, 2003) – ele está calcado em uma história de contingências que, por seu turno, dependem das próprias ações dos indivíduos. Segundo Lopes (2008), “quando dizemos que determinado operante participa do repertório de alguém, estamos afirmando simplesmente que essa pessoa tem uma alta probabilidade de se comportar de uma determinada maneira” (pp. 7-8).
No contexto da discussão, Skinner (1953) dá destaque a um posicionamento particular com relação à acepção de repertório: “Ainda assim, em boa medida, um indivíduo parece moldar seu próprio destino. Ele é frequentemente apto a fazer algo a respeito das variáveis que o afetam” (p. 288). Um bom exemplo de como isso se dá é a noção de autocontrole (Skinner, 1953). O autocontrole pode ser entendido como um dos casos em que o indivíduo controla seu próprio comportamento a partir da manipulação das variáveis das quais este é função. Nas palavras de Skinner (1953):
Quando um indivíduo controla a si mesmo, escolhe um curso de ação, descobre a solução para algum problema, ou se esforça em razão de um aumento de autoconhecimento, ele está se comportando. Ele controla a si mesmo precisamente como se fosse controlar o ambiente de qualquer outro – por meio da manipulação de variáveis das quais seu comportamento é função. (p. 228)
A posição skinneriana confere, assim, a possibilidade especial de direcionamento do comportamento a partir das consequências produzidas por ele mesmo, sem estar subjugado a uma lógica causal. Skinner (1953) argumenta que indivíduos passam a se autocontrolar quando uma ação tem consequências conflituosas entre si, como, por exemplo, reforçadores negativos e positi- vos. Segundo o autor, os dois tipos de consequências geram duas respostas que são relacionadas entre si de um modo especial. Nesse caso, existe uma resposta controladora, que irá alterar as probabilidades de outras respostas, e a resposta controlada (Skinner, 1953). A primeira atua controlando as variáveis das quais a segunda é função, sendo possível caracterizálas como classes ou probabilidades distintas sob a mesma pele (Skinner, 1953): “As consequências po- sitivas e negativas geram duas respostas que estão relacionadas entre si de um modo especial: uma resposta, a resposta controladora, afeta as variáveis de modo a modificar a probabilidade da outra, a resposta controlada. A resposta controladora pode manipular quaisquer variáveis das quais a resposta controlada é função” (Skinner, 1953, pp. 230-231).
Em outras palavras, o indivíduo é capaz de controlar variáveis específicas que farão parte de contingências que, por sua vez, irão controlar o seu próprio comportamento e modificar seu repertório.
Outro bom exemplo é o repertório verbal (Skinner, 1957, 1974). Sendo um operante, o comportamento verbal está sob controle de contingências sociais, operando mudanças nos comportamentos de outros seres humanos, em uma relação entre falantes e ouvintes. Skinner (1974) frisa o fato de que a influência sobre o comportamento de outras pessoas também pode se exercer sobre comportamentos do próprio falante. Assim, o falante eventualmente tornase seu próprio ouvinte e, uma vez que ambos os comportamentos (os do falante e do ouvinte) seriam do mesmo indivíduo, são operantes distintos emitidos sob uma mesma pele (Skinner, 1957, 1974). É, assim, possível que o comportamento verbal ocorra em praticamente qualquer situação, o que tem como consequência a possibilidade de que um falante, tornando-se um ouvinte, reforce de modo muito eficiente seu próprio comportamento (Skinner, 1957). Nas palavras do autor:
O falante e o ouvinte dentro da mesma pele se engajam em atividades que são tradicionalmente descritas como “pensar”. O falante manipula seu comportamento; ele o revisa, e pode rejeitá-lo ou emiti-lo de forma modificada. A extensão pela qual ele faz isso varia em um grande leque, determinado, em parte, pela dimensão do quanto ele serve de ouvinte de si próprio. O falante habilidoso aprende a aumentar comportamentos fracos e manipular variáveis que irão gerar e fortalecer novas respostas em seu repertório. Tais tipos de comportamento são comumente observados em práticas verbais da literatura e também da ciência e da lógica. (Skinner, 1957, p. 11)
Observa-se que, como tendências distintas sob a mesma pele, o falante e o ouvinte poderão modificar a si mesmos do mesmo modo como controlariam contingências ambientais, direcionando de modos muito particulares seu próprio comportamento.
A busca pelas afinidades da noção de repertório com a definição de atividade (B) parece, portanto, gerar conclusões similares às outras análises realizadas. Repertórios são constituídos por inúmeras tendências ou probabilidades comportamentais, que, modificando a si mesmas a partir do controle de variáveis das quais são função, fazem emergir novas formas de relação indivíduo-mundo. Aqui a atividade do sujeito humano em uma perspectiva comportamentalista radical surge com clareza. Indivíduos controlam a si mesmos a partir do controle das variáveis controladoras. Diferentemente da posição causal tradicional, trata-se de direcionar a si mesmo a partir da mudança do mundo, e não a despeito dele.
Em última análise, identificam-se afinidades entre a definição de atividade (B) e a acepção de repertórios comportamentais ao constatar-se que, a partir de mudanças nas variáveis controladoras, o comportamento se auto modifica, gerando a produção de novas consequências em seu próprio escopo, de modo retroativo. A atividade, como nos outros casos, está expressa na possibilidade de direcionamento de produção de consequências do próprio comportamento sem a necessidade de uma causa inicial, ou separação do indivíduo e de seu mundo.
Foram exploradas as principais críticas skinnerianas a explicações causais e descartada a hipótese de qualquer acepção ativa de indivíduo que seja compromissada com a posição binária presente na lógica mecânica de causa e efeito. Por outro lado, a concepção de atividade (B) entendida como a produção de eventos, levando em consideração as variáveis controladoras de tal produção, parece ser compatível com uma interpretação relacional da obra skinneriana. A crítica do autor à noção de atividade presente nos moldes de explicação tradicional do comportamento se faz efetiva nesse contexto, uma vez que explicar o comportamento utilizando variáveis que extrapolem o próprio escopo comportamental não indica melhor posição para uma análise científica (Skinner, 1953, 1969, 1971).
O comportamento é, então, ativo? A acomodação da noção de atividade (B) nos limites da filosofia skinneriana parece indicar a produção de consequências como o próprio escopo da atividade humana em uma perspectiva comportamentalista radical. É nela que se esboça uma possibilidade de um indivíduo ativo à luz do comportamento, vislumbrado como a relação indivíduo-mundo, na qual constrói sua própria direção, contrariando as críticas que o classificam apenas como produto de determinações ambientais ou variáveis internas que atuam como causas fundamentais. O rompimento com a perspectiva de atividade apoiada nos moldes de explicação causal, portanto, parece não incorrer necessariamente em um modelo de indivíduo humano passivo na teoria skinneriana.
A atividade humana parece configurar-se, pelo contrário, como parte elementar da relação comportamental, caracterizando uma noção de ser humano ativo que não necessita estar calcada em explicações causais do comportamento. Não há, nessa perspectiva, como conceber indivíduo e mundo de modo separado. A atividade, nesse sentido, é parte constituinte da própria relação comportamental e tem sua expressão mais lídima na noção de autocontrole. É ser capaz, portanto, de controlar variáveis ambientais que irão, por sua vez, controlar o próprio comportamento, em uma relação de recursividade indivíduo-mundo.