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Dependência funcional das funções de ouvinte e falante: Efeito da quantidade de treino
Eduardo Walcacer Viegas; Carlos Augusto de Medeiros
Eduardo Walcacer Viegas; Carlos Augusto de Medeiros
Dependência funcional das funções de ouvinte e falante: Efeito da quantidade de treino
Functional dependence between listener and speak functions: Effect of training size
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 27, núm. 2, pp. 127-143, 2019
Universidad Veracruzana
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Resumo: O presente estudo investigou o efeito do tamanho do treino de ouvinte sobre a emissão não treinada de respostas de falante utilizando-se de palavras trissílabas inventadas. Dez universitários foram treinados a montar objetos com peças de Lego diante da apresentação do nome das peças, e depois testados a nomeá-las com as mesmas palavras. O estudo foi dividido em cinco fases experimentais em que variavam as peças de Lego utilizadas, assim como os nomes dos objetos. Os participantes foram distribuídos em dois grupos, que diferiram na quantidade de treino de ouvinte a que foram expostos. Os participantes expostos aos treinos mais longos apresentaram maiores incidências de dependência funcional. Com esses participantes, também foi possível observar maiores efeitos de treinos sucessivos. Esses resultados sugerem o efeito do tamanho do treino de ouvinte no surgimento da função de falante não treinada, ainda que este não seja o único aspecto que influenciou o desempenho dos participantes. Foi discutido que problemas de controle de estímulos nos treinos podem ter influenciado o desempenho dos participantes nos testes. Sugere-se, para novos estudos, realizar treinos de ouvinte com estímulos baseado em diferenças críticas para que o comportamento dos participantes fique sob controle de todos os elementos relevantes do estímulo.

Palavras-chave:Independência funcionalIndependência funcional, tamanho do treino tamanho do treino, controle de estímulos controle de estímulos, ou- vinte e falante ou- vinte e falante.

Abstract: One of the research topics in verbal behavior is the functional independence between verbal operants or between the functions of listener and speaker. Initially the researches sought to verify the theoretical hypothesis of Skinner that it would not be expected functional dependence between different verbal operants or between repertoires of speaker and listener during the acquisition of new words. The research data revealed great variability, with indications of both functional independence and functional dependence. Functional dependence was observed mainly with human participants with typical development, in the directions of mand training and tact testing and listener function training and speaker function testing. More recently, research has attempted to investigate variables that make functional dependence more likely, since it would favor the acquisition of new verbal or non-verbal responses or with less training. A variable that seems to have an effect, even though it has not been manipulated directly, is the amount of training of a given function. The present study investigated this question specifically. Therefore, the objective of this experiment was to verify the effect of the size of the listener training on the untrained emission of speaker responses using the same invented words. Ten undergraduates were trained to assemble objects formed by Lego pieces after the presentation of the assembled objects names by the experimenter, and then they were tested to name them with the same words. The study was divided into five experimental phases in which the used Lego parts, the assembled objects, as well as the names of the assembled pieces varied. The five phases were used to verify the effect of the successive training on the untrained emission of the speaker functions in the subsequent phases. Participants were divided into two groups, which differed in the amount of listener training to which they were exposed through a paired procedure. Pairs of participants were formed so that the participants in the group exposed to longer training were exposed to 50% more blocks of training by their peers in the group exposed to smaller training to reach the criterion of exposure to the speaker tests. Participants exposed to the longer training sessions had higher incidences of functional dependence. With these participants, it was also possible to observe greater effects of successive trainings. In other words, the participants exposed to more training presented an improvement in the performance during the experimental phases. These results suggest the effect of the size of the listener training on the emergence of the untrained speaker function, although this is not the only aspect that influenced the performance of the participants. It was discussed that problems of stimulus control in the training may have influenced the performance of the participants in the tests. It was suggested for new studies to carry out training based on critical differences so that the behavior of the participants is under the control of all the relevant elements of the stimulus and not only under the control of just part of the stimuli.

Keywords: Functional independence, training size, stimulus control, listener and speaker behaviors.

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Artículos

Dependência funcional das funções de ouvinte e falante: Efeito da quantidade de treino

Functional dependence between listener and speak functions: Effect of training size

Eduardo Walcacer Viegas
UniCEUB, Brasil
Carlos Augusto de Medeiros1
UniCEUB , Brasil
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 27, núm. 2, pp. 127-143, 2019
Universidad Veracruzana

Recepção: Abril 11, 2018

Aprovação: Julho 23, 2018

Skinner (1957) define comportamento verbal como um comportamento operante que se diferencia dos demais por não produzir alterações mecânicas e geométricas no ambiente. Para o autor, o comportamento verbal envolve a interação entre um falante e um ouvinte. Skinner define o falante como aquele que se comporta verbalmente que tem seu comportamento consequenciado por um ouvinte treinado na mesma comunidade verbal que o falante. Já o ouvinte é definido como aquele que responde de maneira verbal ou não verbal em relação aos estímulos verbais produzidos pelo falante (Skinner, 1957; Skinner, 1989/1991).

Skinner (1957) classifica o comportamento verbal em diversas categorias aos quais dá o nome de operantes verbais. Esses operantes foram classificados de acordo com suas variáveis antecedentes, topografia da resposta e consequências. Do mesmo modo que operantes verbais são controlados por variáveis diferentes, o mesmo ocorre com os comportamentos de falante e ouvinte. Devido a isso, Skinner afirma que a aprendizagem de novos comportamentos é independente funcionalmente, isto é, a aquisição de um comportamento em dada função não implica necessariamente na emissão de um operante não treinado sob o controle dos mesmos estímulos ou com as mesmas topografias de respostas. No caso de pais que ensinam seu filho a pegar uma bola diante do estímulo verbal “Pegue a bola” (comportamento de ouvinte), mas não é observado a emissão de respostas de falante, como por exemplo, solicitar uma bola (i.e., mando), pode-se dizer que houve independência funcional entre os comportamentos de ouvinte e falante. A dependência funcional seria observada se a partir desse treino de ouvinte, ocorresse também comportamentos de falante sem um treino prévio.

A premissa teórica de independência funcional foi testada empiricamente em diversos estudos, os quais também buscaram identificar relações ordenadas entre o treino da emissão de uma topografia de respostas em uma dada função e sua emissão em uma nova função sem treino direto. A maior parte dos estudos foi realizada entre os operantes mando e tato (Lamarre, & Holland, 1985; Hall, & Sundberg 1987; Nuzzolo-Gomes, & Greer, 2004; Córdova, Lage, & Ribeiro. 2007; Córdova, 2008; Bernardes, & Medeiros, 2009; Egan, & Barnes-Holmes, 2009; Egan, & Barnes-Holmes, 2010; Egan, & Barnes-Holmes, 2011; Finn, Miguel, & Ahearn, 2012). Outros estudos investigaram a independência funcional entre as funções de falante e ouvinte (Guess, 1969; Guess, & Baer, 1973; Cuvo, & Riva, 1980; Lee, 1981; Lemgruber, Medeiros, & Viegas, submetido; Germano & Medeiros, submetido; Medeiros, Germano, & Gonçalves, 2016). Os estudos sobre os comportamentos de ouvinte e falante foram realizados com crianças e adultos com desenvolvimento atípico, crianças com desenvolvimento típico e, recentemente, universitários, reportando resultados similares de dependência funcional na direção de treino de falante e teste de ouvinte e independência da direção contrária.

Guess (1969) investigou a independência funcional entre os repertórios de ouvinte e falante quanto às funções autoclíticas da presença ou ausência do “s” no final das palavras no plural e singular, respectivamente. Duas crianças diagnosticadas com síndrome de Down tiveram treinado o comportamento de apontar para estímulos unitários ou em pares diante de palavras com e sem o “s” no final (i.e., indicação do plural no inglês). Em seguida, foram testadas a emitir as palavras no plural ou no singular na presença dos estímulos em pares ou unitários, apresentando independência funcional. Os mesmos resultados foram obtidos ao se inverter a função autoclítica das terminações das palavras. Guess e Baer (1973) encontraram resultados semelhantes com palavras nas quais que o plural terminava em “es”.

Lee (1981) encontrou resultados similares também investigando a independência funcional entre comportamentos de ouvinte e falante quanto a pares de posições entre estímulos em três experimentos. No primeiro e segundo experimentos, participaram duas crianças diagnosticadas com retardo. Uma das crianças no primeiro experimento teve o comportamento de colocar um objeto à esquerda ou direita de outro objeto mediante o comando verbal do experimentador treinado (comportamento de ouvinte), sendo testada, em seguida, a nomeação da posição dos estímulos. Para o outro participante, os treinos e testes ocorreram na ordem inversa. Os repertórios testados foram diretamente treinados em seguida e novos treinos e tes-tes com as posições esquerda e direita invertidas foram realizados. No segundo experimento esses dois participantes passaram pelos mesmos treinos e testes quanto às posições na frente e atrás. No terceiro experimento, realizado com crianças com desenvolvimento típico, além das posições treinadas nos Experimentos 1 e 2, foram adicionadas as posições em cima/embaixo e antes/depois dos objetos. Os procedimentos foram os mesmos dos experimentos anteriores. Os treinos com diferentes pares de posições tiveram como objetivo verificar o efeito de treinos sucessivos sobre a dependência funcional, ou seja, se o treino de ambos os comportamentos em pares de posições resultaria na dependência funcional em novos pares. Foi observado que o treino de repertório de falante resultou na ocorrência de comportamentos de falante e ouvinte, ao passo que o de ouvinte só resultou na ocorrência de comportamento de ouvinte.

Córdova et al. (2007) realizaram um estudo com procedimento semelhante ao de Lee (1981). Entretanto, foram pesquisados os operantes mando e tato ao invés dos comportamentos de falante e ouvinte e os nomes das posições foram trocados por sílabas sem sentido. Foi utilizada uma casa de madeira como aparato experimental e os participantes foram crianças com desenvolvimento típico. Os autores investigaram o efeito da direção de treino/teste (tato/ mando ou mando/tato) sobre a independência funcional entre os dois operantes verbais. Nos treinos de tatos, os participantes descreviam onde estava um estímulo em relação ao outro enquanto que, no treino de mando, os participantes emitiam um mando para o experimentador posicionar um estímulo em certa posição referente ao outro estímulo. Os estímulos utilizados foram pares de bonecos de animais. Foram observados mais casos de dependência funcional na direção mando/tato. Os autores sugeriram que a quantidade de treino pode ter exercido efeito sobre o desempenho no operante não treinado, ainda que não tenha ficado claro o motivo de treinos de mando exigirem mais treino.

A extensão dos treinos também pode ter sido um fator relevante para os resultados de Medeiros et al. (2016), que realizaram dois experimentos com estudantes universitários. O primeiro experimento teve como objetivo verificar se os resultados encontrados por Lee (1981) se replicariam com 12 participantes universitários distribuídos em dois grupos. Para um grupo, foi treinado comportamento de ouvinte e testado o de falante e, para o outro, a direção de treino e teste foi inversa. Os autores criaram palavras trissílabas sem significado na língua portuguesa que serviram de estímulos para o comportamento de ouvinte e topografias de respostas para o comportamento de falante. Com o objetivo de verificar o efeito de treinos sucessivos, os participantes passaram por três fases experimentais, sendo que a última se diferia das duas primeiras apenas nos tipos de estímulos utilizados. Nas duas primeiras, foram utilizados cartões com figuras de objetos conhecidos pelos participantes e, na última fase, foram utilizados cartões com símbolos desconhecidos que tinham moldes de encaixe. O comportamento de ouvinte treinado foi o apontar para um dos cartões (e.g., copo d’água) após ouvir uma palavra inventada (e.g., MATROLI) e o comportamento de falante de emitir mandos com as mesmas palavras na presença de sentenças que simulavam operações estabelecedoras (e.g., você está com sede). O segundo experimento foi realizado de maneira semelhante ao anterior, entretanto houve uma redução de cinco para quatro estímulos treinados por fase e os participantes passaram por seis fases experimentais, sendo três com objetos conhecidos e as restantes com símbolos desconhecidos.

Os resultados de Medeiros et al. (2016) corroboram os de Lee (1981), em que o treino do comportamento de falante produziu aumento na frequência de comportamentos de falantes e ouvintes enquanto que o treino de ouvinte só surtiu efeito no comportamento de ouvinte. Para Medeiros et al., esses resultados podem ser atribuídos às características dos procedimentos dos testes dos comportamentos envolvidos. As respostas de ouvinte nos testes de ambos estudos consistiram na seleção de um estímulo dentre um conjunto restrito de estímulos (responder baseado em seleção), ao passo que, havia uma infinidade de topografias de respostas que poderiam ser emitidas nos testes de falante (responder baseado em topografias diferentes). Em decorrência disso, os testes de falante parecem possuir um potencial maior de evocar respostas incompatíveis com as contingências programadas que os testes de ouvinte. Essa disparidade pode estar relacionada à superioridade no desempenho nos testes de ouvinte em relação aos de falante, após treinos de falante e de ouvinte, respectivamente. Dessa forma, os dados de dependência encontrados até aqui na direção falante ouvinte podem se constituir em um artefato do método e não necessariamente na relação de dependência entre os dois comportamentos quando treinados nessa direção.

Outra diferença entre os treinos de falante e de ouvinte, provavelmente em decorrência de os treinos de ouvinte envolverem o responder baseado em seleção de estímulo, enquanto que os treinos de falante eram compostos do responder baseado na emissão de topografias diferentes (Michael, 1985; Sundberg, & Sundberg, 1990; Wraikat, Sundberg, & Michael, 1991), é o número de blocos de treino necessário até se atingir os critérios de aquisição dos comportamentos. Conforme reportado por Medeiros et al. (2016), os treinos de falante requereram mais blocos que os treinos de ouvinte. Córdova et al. (2007) discutiram que essa pode ter sido uma explicação para a maior incidência de casos de dependência na direção de treino e teste mando/tato. Lemgruber et al. (submetido), ao realizarem um estudo com metodologia similar ao de Medeiros et al. (2016) com crianças com desenvolvimento típico utilizando múltiplos exemplares para cada estímulo de objetos conhecidos sugeriram a importância da quantidade de blocos de treinos na ocorrência dos comportamentos não treinados. O estudo de Lemgruber et al., reportou claros efeitos de treinos sucessivos com todos os seus participantes, o que também aconteceu com os participantes do Experimento 2 de Medeiros et al. Parece plausível supor que, na medida em que vão ocorrendo maiores quantidades de treinos nas fases iniciais em ambas as funções, a ocorrência de dependência funcional em fases subsequentes comnovos estímulos é favorecida.

O presente experimento investigou o efeito da quantidade de blocos treino de ouvinte diretamente sobre a dependência funcional entre as funções de ouvinte e falante e sobre o efeito de treinos sucessivos. Dessa forma, essa pesquisa buscou investigar de maneira sistemática a correlação encontrada em outros estudos (Córdova et al., 2007; Córdova, 2008; Lemgruber et al., submetido). Pretendeu-se então avaliar se a quantidade de treino em uma mesma fase é uma variável relevante no que tange a ocorrência de desempenhos compatíveis com dependência funcional. Além disso, foi criado um procedimento de treino de ouvinte como uma tentativa de investigar o responder baseado na emissão de topografias diferentes ao invés da seleção de estímulos conforme nos estudos anteriores, visando verificar se o modo da resposta de ouvinte requerida interfere nos resultados.

MÉTODO
Participantes

Participaram do estudo, 10 universitários com idades entre 18 e 30 anos que não cursavam Psicologia. Os participantes foram informados sobre o procedimento do experimento, objetivos e a sua duração, entretanto não foram divulgados detalhes que pudessem vir a comprometer a fidedignidade dos resultados. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de iniciarem o experimento, atestando a sua participação voluntária. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo CEP da instituição de ensino dos universitários, processo número 55775216.1.0000.0023.

Local

O experimento foi realizado em uma sala de 30 m2 de um centro universitário de Brasília especialmente reservada para a aplicação do experimento sendo livre de interrupções. Esta continha iluminação artificial e temperatura controlada por um ar condicionado. A sala possuía cerca de 40 cadeiras, um retroprojetor, um computador, e uma mesa onde foi realizado o experimento.

Materiais e Estímulos

Para a realização do experimento, foram utilizadas 240 peças de Lego, sendo que, em cada fase, foram utilizadas 48 peças. Em uma fase, havia 12 diferentes peças de Lego quanto a sua forma/tamanho e haviam quatro de cada modelo. As cores entre as peças da mesma forma eram sempre as mesmas, mas a cor podia diferir em relação as outras peças da mesma fase com formato diferente. Em outras fases, eventualmente foram utilizadas peças com mesmo formato e tamanho de peças de fases anteriores. Nesses casos, as peças apesar de terem a mesma forma, diferiam quanto a cor. Além das peças de Lego, foram utilizados protocolos de registro contendo os blocos de tentativas de cada treino e teste.

Foram utilizadas como estímulos 20 palavras trissílabas sem sentido na língua portuguesa que podem ser vistas na Tabela 1. Outros estímulos utilizados foram as peças de Lego descritas acima.

Tabela 1.
Topografias a serem ensinadas em suas respectivas fases e condições que ocorreram em cada fase experimental, em sua respectiva ordem

Procedimento

Os participantes foram distribuídos em dois grupos de tamanhos iguais. Cada grupo foi submetido a cinco fases experimentais que contaram com a seguinte ordem de treinos e testes: Treino de Ouvinte (TRO), Teste de Falante 1 (TTF1), Treino de Falante (TRF), Teste de Falante 2 (TTF2) e Teste de Ouvinte (TO). O que diferiu em cada fase experimental foram as peças de Lego utilizadas, assim como os comportamentos de ouvinte e as topografias de respostas verbais (i.e., palavras inventadas) que foram treinadas. Em cada fase experimental, os participantes foram treinados e testados quanto aos comportamentos de montar objetos formados por peças de lego diante de palavras inventadas como estímulos (comportamento de ouvinte) e a tatear os objetos emitindo as palavras inventadas como topografias de respostas (comportamento de falante). A Tabela 1 contém a ordem em que cada condição ocorreu.

Para os participantes do Grupo 1, o critério de encerramento nos treinos de ouvinte em cada fase foi de acertar todas as tentativas de um bloco que era composto por oito tentativas (duas tentativas por estímulo). Os participantes do Grupo 2 foram acoplados com os do Grupo 1. Para esses participantes, o critério de encerramento foi acertar todas as tentativas de um bloco e passar necessariamente por mais 50% de blocos de treino de ouvinte que o participan- te acoplado do Grupo 1. Por exemplo, se P1 passasse por quatro blocos de treino de ouvinte na Fase 1, P10 (o seu par) passaria obrigatoriamente por, no mínimo, seis blocos de treino. Nesse estudo, os participantes foram acoplados da seguinte maneira: P1 e P10, P2 e P20, P3 e P30, P4 e P40 e P5 e P50. Os dados do Grupo 2 foram coletados apenas após o término da coleta do Grupo 1.

Treino ecóico

Antes do início de cada fase foi realizado um treino ecóico com todos os participantes. O objetivo do treino ecóico foi de ensinar o participante a emitir as palavras inventadas utilizadas na fase. Deste modo, caso o participante não conseguisse emitir as palavras no teste de falante, o fracasso não poderia ser atribuído à ausência de repertório ecóico quanto aos estímulos verbais utilizados no experimento.

Durante o treino ecóico o experimentador apresentou a seguinte instrução: “<Nome do participante>, por favor, repita as palavras que eu disser antes de dar sequência ao experimento”. Em seguida o experimentador emitiu, uma a uma, as palavras daquela fase experimental com a função de estímulo verbal para o comportamento de ecoar dos participantes. Após a apresentação de cada palavra pelo experimentador, o participante tinha 5 s para ecoá-la. Em caso de erro, o experimentador modelou o comportamento do participante da seguinte forma “Não, <nome do participante>, esta não é a palavra certa, repita comigo, <topografia a ser ensinada>”. Em caso de acertos, o experimentador consequenciou com verbalizações do tipo: “Parabéns!” “Isso mesmo!” ou “Correto!”. Após o acerto, uma nova tentativa era iniciada.

O critério de encerramento do treino ecóico foi o participante acertar todas as oito tentativas do bloco, contendo duas tentativas para cada estímulo. Caso o participante não atingisse o critério em até quatro blocos de tentativas, seria dispensado do experimento e outro participante seria chamado em seu lugar.

Treino de Ouvinte

Para o treino de ouvinte, o participante e o experimentador sentaram em lados opostos de uma mesa. Após ambos ocuparem seus lugares, o experimentador então apresentou as seguintes instruções. “<Nome do participante>, vou colocar umas peças de Lego em sua frente, e você irá montar de sua maneira assim que eu disser uma palavra. Para cada sílaba você irá utilizar uma peça de Lego”. Além de descrever a tarefa, essas instruções tinham como objetivo sinalizar ao participante que os objetos a serem montados por ele sempre seriam formados por três peças de lego. Após isso, o experimentador colocou sobre a mesa um saco de pano contendo as 48 peças de Lego e solicitou ao participante para que abrisse o saco e colocasse as peças sobre a mesa. Com as peças de Lego na frente do participante, o experimentador emitiu a seguinte instrução; “<Nome do participante> monte para mim, <uma das palavras da fase: e.g., PALOMI>”, o participante então tentava montar o objeto formado por três peças de Lego e o experimentador consequenciava as respostas corretas com elogios do tipo “Muito bem!”, “Parabéns!” “Correto!”. As consequências ocorreram apenas após o participante ter finalizado a tentativa de montar o objeto de maneira correta, isto é, pegar as peças e encaixálas. Para cada um dos estímulos verbais (palavras trissílabas), o experimentador já havia escolhido quais peças e onde elas deveriam ser encaixadas de modo a construir o objeto de maneira correta. Respostas corretas foram consideradas aquelas em que o participante montou de maneira idêntica as peças pré-estabelecidas pelo experimentador. Após cada resposta considerada correta, o objeto foi desmontado e as peças de Lego foram embaralhadas no monte, e era iniciada uma nova tentativa.

Em caso de erro na tentativa de montar o objeto, o experimentador corrigia o participante emitindo “Não <nome do participante>, esta não é <palavra da fase>, a <palavra da fase> é assim”. O experimentador, em seguida, montava o objeto correspondente à palavra na presença do participante e a mostrava por 5 s. Assim como nas tentativas corretas, nas tentativas incorretas, o experimentador desmontava o objeto e embaralhava as peças rapidamente com as demais. Para diminuir a duração das sessões, foi utilizada a modelação como procedimento nos treinos de ouvinte. A utilização de modelagem como forma de estabelecer os comporta- mentos de ouvinte envolveria treinos muito longos, uma vez que os objetos eram formados por três peças de Lego dentre um conjunto de peças disponíveis com modos de encaixe distintos para cada objeto da fase.

O Treino de Ouvinte foi realizado em blocos de oito tentativas. As tentativas foram organizadas em ordem semirandômica, de modo que cada uma das quatro palavras fosse apresentada em duas tentativas do bloco. O critério para encerramento deste treino para o Grupo 1 e os participantes serem submetidos aos testes de falante foi de acertar 100% das tentativas de um bloco com oito tentativas, sendo duas vezes para cada estímulo verbal. Para o Grupo 2, além desse critério, o participante passou por mais 50% do número de blocos utilizado pelo seu par para atingir o critério no Grupo 1. Caso o participante do Grupo 1 não atingisse o critério em 10 blocos de tentativas, o pesquisador agradeceria sua colaboração e o dispensaria da pesquisa.

Teste falante

No teste de falante as posições foram invertidas, isto é, as peças de Lego ficaram à disposição do experimentador. Nesse teste, o experimentador montava, a cada tentativa, um objeto referente àquela fase experimental e, em seguida, apresentava a pergunta “<Nome do participan- te> qual o nome dessa peça”?. Foi utilizado o termo “peça” para se referir aos “objetos” para o participante, entretanto, na descrição do procedimento, foi utilizado o termo objeto para não confundir com as peças de Lego. Aguardava-se por 5 s a resposta do participante. Era considerado acerto quando este emitia a palavra correspondente ao objeto treinada com função de estímulo no treino de ouvinte. Quaisquer topografias de respostas diferentes da palavra treinada com a com função de estímulo no treino de ouvinte seriam consideradas incorretas. As respostas não eram consequenciadas, de modo que após a emissão da resposta do participante, o objeto era desmontado e uma nova tentativa era iniciada.

O teste de falante teve duração de um bloco de oito tentativas, sendo duas para cada estímulo e o critério para os comportamentos de ouvinte e falante serem considerados depen- dente funcionalmente foi de acertar ao menos seis das oito tentativas, ou seja, 75% de acerto conforme utilizado pela literatura da área. O Teste de Falante 2 (TTF2) teve a mesma estrutura e critério que o TTF1, entretanto ele ocorreu após o treino de falante. Mesmo não atingindo o critério no teste, os participantes foram submetidos a próxima etapa do estudo.

Treino falante

O treino de comportamento de falante ocorreu de maneira similar ao teste de falante com a diferença de que, nessa etapa, houve consequências diferenciais para as respostas do participante. Assim como no teste, o experimentador montou os objetos e perguntou: “<Nome do participante> qual o nome dessa peça?”. O experimentador esperava pela resposta do participante por cinco segundos. Em caso de acerto, o experimentador consequenciava com verbalizações do tipo “Muito bem!” ou “Correto!”, porém em caso de erro, o experimentador corrigia falando “Não <nome do participante>, esse não é o nome correto. O nome correto é <palavra correspondente ao objeto>, repita comigo, <palavra correspondente ao objeto>”. Novamente, aguardavam-se 5 s pela resposta do participante. A tentativa continuava até o participante emitir a resposta correta. Quando a resposta correta era emitida, uma nova tentativa era iniciada.

O critério de desempenho para ser exposto a próxima etapa era de100% de acertos das tentativas de um bloco com oito tentativas, sendo duas para cada estímulo. Novamente, a participação no estudo seria encerrada caso após 10 blocos de tentativas o participante não atingisse o critério.

Teste ouvinte

O teste do comportamento de ouvinte ocorreu de maneira similar ao treino de ouvinte, com a diferença de que, nessa etapa do procedimento, não houve consequências programadas para o comportamento de montar os objetos (i.e., extinção). Após cada montagem pelo participante e desmontagem pelo experimentador era iniciada uma nova tentativa. O teste de ouvinte verificava a manutenção do comportamento de ouvinte, sendo realizado em bloco único de oito tentativas. O critério de manutenção do repertório de ouvinte foi de 75% acertos. Mesmo em caso de desempenhos abaixo do critério foi dado continuidade ao estudo.

RESULTADOS

As sessões experimentais tiveram uma média de 28 minutos de duração. Todos os participantes do experimento conseguiram atingir os critérios estabelecidos no treino ecóico em até dois blocos de oito tentativas.

Com relação aos resultados do Grupo 1, na Tabela 2 que mostra o número de blocos necessários nos treinos de ouvinte e falante, observa-se que apenas P1 e P5 apresentaram uma redução do número de blocos de treino de ouvinte (TRO) para serem submetidos aos testes se comparado o desempenho da primeira fase com a última fase. Os demais participantes precisaram de mais blocos na última fase em relação à primeira. Em relação aos treinos de falante (TRF), resultados semelhantes foram encontrados. Os participantes P1 e P5 precisaram de menos blocos de treino na última fase se comparado a primeira, enquanto os demais participantes não reduziram a quantidade de TRF ao longo do experimento.

Tabela 2.
Número de blocos necessários para se atingir o critério de 100% de acertos em todos os treinos para todos os participantes

De acordo com a Tabela 3, que mostra o número de acertos em cada teste de falante de cada fase experimental, observa-se que apenas os participantes P3 e P5 conseguiram alcançar o critério de dependência funcional no TTF1, sendo que o P3 alcançou apenas na primeira fase e o P5 em duas fases, na 3ª e na 5ª. Os demais participantes desse grupo não acertaram mais que quatro tentativas nos TTF1.

Ainda na Tabela 3, é possível verificar que apenas P5 acertou mais tentativas nos TTF1 ao longo das fases, sendo que nas Fases 3 e 5, ele atingiu mais de 75% de acertos. O participante P3, por sua vez, apresentou mais de 75% de acertos no TTF1 da Fase 1 e apresentou uma queda no desempenho nas demais fases. Os outros participantes desse grupo não apresentaram variações sistemáticas de desempenho nos testes de falante ao longo das fases.

Tabela 3.
Número de tentativas corretas nos primeiros testes de falante (TTF1) e segundos testes de falantes (TTF2) para todos os participantes em todas as fases do experimento. Os valores que aparecem com asteriscos são os dos primeiros testes de falante de cada fase em que o participante acertou seis ou mais tentativas.

* Valores acima do critério de dependência funcional nos primeiros testes de falante em cada Fase.

Com relação ao Grupo 2, observa-se na Tabela 2, que os participantes P10 e P50 precisaram de menos blocos de treino de ouvinte nas fases finais para conseguir acertar 100% das ten- tativas em um mesmo bloco. Os demais participantes não diminuíram o número de blocos necessários para acertar todas as tentativas em um mesmo bloco. Em relação aos treinos de falante, o número de blocos necessários para atingir o critério não variou mais do que dois blocos entre as fases para nenhum dos participantes.

Em relação ao desempenho nos TTF1, observa-se, na Tabela 3, que todos os participantes do Grupo 2 atingiram o critério de dependência funcional em ao menos duas fases experimentais. O participante P10 atingiu o critério em três fases (Fases 3, 4 e 5). P20 e P40 tiveram desempenhos semelhantes, visto que ambos acertaram ao menos seis tentativas em quatro fases experimentais. Apenas nas Fases 2 e 3 que P20 e P40 não atingiram o critério respectivamente. P30 acertou mais de 75% apenas em duas fases (Fases 3 e 4) enquanto que P50 atingiu o critério em três fases experimentais (Fases 1, 4 e 5).

Analisa-se na Tabela 3, que todos os participantes acertaram ao menos seis tentativas (75%) em todos os TTF2, com exceção de P1 no TTF2 da Fase 1 em que acertou cinco tenta- tivas. Todos os participantes acertaram todas as tentativas no teste de ouvinte (TO).

DISCUSSÃO

O presente estudo investigou a relação entre o tamanho do treino de ouvinte na emissão de topografias de respostas não treinadas com função de falante. De maneira geral, os dados do Grupo 1 indicam independência funcional, visto que apenas P1 e P3 atingiram o critério de 75% de acertos em uma e duas fases respectivamente. Os dados do Grupo 2 mostram que todos os participantes atingiram o critério de dependência funcional em ao menos duas fases experimentais. Com base nisso, os resultados do presente estudo demostraram a relação funcional entre a quantidade de blocos de treino de ouvinte e a emissão não treinada de topografias de respostas na função de falante conforme sugerido por Córdova et al. (2007), Córdova (2008) e Lemgruber et al. (submetido). A incidência de casos de dependência funcional dos participantes expostos a menos blocos de treinos de ouvinte (Grupo 1) pode ser comparado aos estudos de Guess (1969), Guess e Baer (1973), Lee (1981), Lemgruber et al. (submetido), Medeiros et al. (2016, Experimento 1) e Germano e Medeiros (submetido, Experimento 1) nos primeiros testes de falante.

Os resultados dos participantes do Grupo 2, que apresentaram uma grande incidência de testes com desempenho acima do critério de dependência funcional, foram similares aos dos participantes do Experimento 3 de Germano e Medeiros (submetido). O estudo de Medeiros et al. (2016) foi replicado por Germano e Medeiros (submetido) que, para tanto, realizou três experimentos com apenas ideogramas japoneses, palavras inventadas e molduras como estímulos. No Experimento 3 de Germano e Medeiros, os participantes foram instruídos a atentarem às palavras que estavam aprendendo nos treinos de ouvinte porque as utilizariam novamente no experimento. Em relação aos demais experimentos de Germano e Medeiros, o terceiro foi o que resultou em maiores ocorrências de dependência funcional, de forma similar ao Grupo 2, o que sugere a importância de aspectos procedimentais nos treinos de ouvinte para a emissão não treinada de comportamentos de falante com as mesmas palavras.

Em Córdova et al. (2007), foi discutido que os participantes expostos a mais blocos de treino de mando acertaram mais tentativas no operante não treinado. Esses mesmos resultados foram observados na mesma direção de treino e teste no estudo de Córdova (2008). Lemgruber et al. (submetido), ao replicarem o estudo de Medeiros et al. (2016) com crianças típicas, discutem que os participantes foram expostos a mais blocos de treino pelo uso de três exemplares para cada estímulo. Em decorrência disso, no estudo de Lemgruber et al., ocorreram mais acertos nos testes ao longo do experimento para todos os participantes, em que dois dos três participantes atingiram o critério de dependência funcional ao término da pesquisa. Ainda que o tamanho do treino de ouvinte tenha se mostrado uma variável relevante para ocorrência de desempenhos compatíveis com dependência funcional, esses dados devem ser analisados com cautela. O participante P40, por exemplo, foi submetido a 12 blocos de treino de ouvinte e, ainda assim, não atingiu o critério de dependência no TTF1 da Fase 3.

De forma similar ao Experimento 1 de Medeiros et al. (2016) e ao Experimento 1 de Germano e Medeiros (submetido), os participantes expostos às menores quantidades de blocos de treino de ouvinte apresentaram menos efeito de treinos sucessivos, os quais seriam evidenciados por uma melhora no desempenho nos testes de falante ao longo das fases do experimento. Já para os participantes do Grupo 2 que não apresentaram dependência funcional na primeira fase (P10 e P30), os efeitos dos treinos sucessivos foram mais robustos sobre os desempenhos nos TTF1, conforme reportado por Medeiros et al. (2016, Experimento 2), Germano e Medeiros (submetido, Experimento 3), Lemgruber et al. (submetido) e Medeiros e Bernardes (2009), Córdova (2008) e Nuzzolo-Gomez e Greer (2004) quanto aos operantes verbais mando e tato. Por outro lado, P20, P40 e P50 demonstraram dependência funcional no primeiro teste de falante da Fase 1, o que impossibilitou a avaliação do efeito dos treinos sucessivos. Para esses participantes, a maior quantidade de treino de ouvinte pode ter resultado na dependência funcional entre os comportamentos de ouvinte e falante.

Ainda que não tenha sido feito um registro sistemático dos padrões de erros dos participantes nos testes, foi possível observar uma grande incidência de troca de sílabas (e.g., “LITUBE” ao invés de “LITUPE”) ou a emissão de apenas parte da palavra (e.g., “É MA... alguma coisa” ou “Sei que começa com SI, mas não lembro o resto”). Esses tipos de erros podem estar relacionados a um fraco controle de estímulo no treino de ouvinte. Loovas, Schereibman, Koegel e Rehm (1971) e Allen e Fuqua (1985) realizaram importantes estudos acerca do controle parcial ou restrito de estímulos.

Loovas et al. (1971) realizaram um experimento com participantes autistas, participantes com retardo e típicos. Os participantes foram treinados a responder sob controle discriminativo de estímulos compostos por três propriedades relevantes. Depois foi realizado um teste, em que cada propriedade do estímulo era apresentada de maneira isolada. Eles perceberam que os comportamentos dos participantes com desenvolvimento típico ficaram sobre controle de todas as propriedades relevantes do estímulo, enquanto que nos autistas, os comportamentos ficaram sob controle apenas de uma parte do estímulo, já os participantes com retardado tiveram desempenhos variados. Os autores definiram esse fenômeno como superseletividade, que ocorre quando o comportamento fica sob controle de uma ou algumas propriedades do estímulo e não sob o controle de todas as suas propriedades relevantes.

Allen e Fuqua (1985) manipularam duas formas de treino discriminativo para minimizar a superseletividade, ou como denominado por eles, o controle restrito de estímulos. Na condição chamada de Treino de Diferenças Críticas, havia mínimas diferenças entre o S+ e o S-, enquanto no Treino de Diferenças múltiplas, os estímulos variavam quanto a todas as propriedades relevantes. Os autores observaram que o Treino de Diferenças Críticas foi eficaz em ampliar o controle pelas propriedades relevantes do estímulo sobre o responder discriminativo dos participantes.

No presente trabalho, uma possibilidade de explicação para os erros cometidos pelos participantes nos testes de falante é fraco controle dos estímulos no treino de ouvinte. Como as palavras ensinadas em cada fase foram muito diferentes entre si (i.e., diferenças múltiplas), talvez o comportamento do participante tenha ficado sob o controle de uma parte desse estímulo (e.g., a letra ou a sílaba inicial), em vez de ficar sob controle de todas as sílabas das palavras (i.e., propriedades relevantes do estímulo). O controle parcial seria suficiente para acertar as tentativas nos treinos de ouvintes, mas apenas se o comportamento do participante tivesse ficado sob o controle de todas as propriedades dos estímulos nesses treinos, seria possível observar a emissão das palavras completas nos testes de falantes. Sugere-se, para futuros estudos, o uso de procedimentos que propiciem o controle por todas as propriedades relevantes do estímulo, como por exemplo, o uso de um treino de ouvinte baseado em diferenças críticas.

Além do treino de diferenças críticas, outras variáveis podem ajudar a ampliar a extensão do controle de estímulos. Verneque e Hanna (2012) citam o tempo total de exposição ao estímulo como uma variável que afeta o controle de estímulos. As autoras observaram que os participantes que demoraram mais para atingir o critério de submissão aos testes, foram expostos a mais blocos de treino e, consequentemente, foram expostos aos estímulos por mais tempo de modo geral. O tempo adicional de exposição aos estímulos pode ter aumentado a probabilidade de que o comportamento ficasse sob o controle de todas as propriedades relevantes do estímulo. Como os participantes do Grupo 2 do presente trabalho passaram necessariamente por mais blocos de treino, acabaram sendo expostos aos estímulos por mais tempo, o que pode ter favorecido o controle por todas as propriedades relevantes dos estímulos.

Outra variável que pode afetar a extensão do controle de estímulos são as instruções dadas aos participantes. Em Germano e Medeiros (submetidos, Experimento 3), foi instruído aos participantes para que prestassem atenção nas palavras pois elas seriam importantes no restante do experimento. Os autores relatam que quatro de cinco participantes alcançaram o critério de dependência funcional desde a 2ª fase em que foi testado comportamento de fa- lante. Isso sugere que a regra pode ter aumentado a probabilidade de que os comportamentos de ouvinte dos participantes ficassem sob o controle de todas as propriedades relevantes dos estímulos.

No presente experimento, assim como no Experimento 2 de Medeiros et al. (2016) e em Germano e Medeiros (submetido), os efeitos dos treinos sucessivos também podem possuir relação com o controle de estímulos nos treinos de ouvinte. As exposições às fases iniciais desses estudos, em que era requerida a emissão de toda a palavra nos testes de falante, pro- vavelmente selecionaram o responder sob o controle por mais propriedades dos estímulos discriminativos nos treinos de ouvinte das fases subsequentes. Sendo assim, a exposição aos treinos sucessivos pode ter exercido função similar às instruções apresentadas no Experimento 3 de Germano e Medeiros na redução do controle restrito.

A melhora no desempenho em decorrência dos treinos sucessivos pode se constituir na formação de learning-set (Harlow, 1949). Catania (1998/1999) descreve o learning-set como o estabelecimento de operantes de ordem superior, no qual novas discriminações são estabelecidas com menos tentativas após a exposição do organismo a diversas contingências que se assemelham em relação aos estímulos e à tarefa a ser desempenhada. Os treinos dos dois operantes com diferentes conjuntos de estímulo nas fases iniciais do presente experimento podem ter contribuído para aquisição mais rápida dos operantes treinados e testados nas fases subsequentes com novos estímulos. Em Millenson (1967/1975), são discutidas algumas variáveis que podem interferir a formação de learning-sets, como, por exemplo, o número de tentativas de treino que os participantes são expostos. Com base nisso, pode-se dizer que os participantes do Grupo 2, por serem expostos a mais repetições de treino em cada fase, apresentaram mais efeito dos treinos sucessivos. Talvez se o experimento possuísse mais fases experimentais, seria possível observar esse efeito também no Grupo 1, conforme reportado em Medeiros et al. (2016, Experimento 2).

No estudo de Lemgruber et al. (submetido), além da possibilidade de formação de learning-set, outra variável pode ter favorecido o efeito dos treinos sucessivos. Os autores utilizaram no estudo palavras dissílabas como estímulos, enquanto que no presente estudo, Medeiros et al. (2016) e Germano e Medeiros (submetido) foram utilizadas palavras trissílabas. Essa diferença parece ter produzido melhores desempenhos nos testes nas últimas fases do experimento. Uma possível explicação para esses dados é que devido a menor extensão dos estímulos, é mais provável que os comportamentos dos participantes tenham ficado sob controle de todas as propriedades relevantes dos estímulos (i.e., letras e sílabas) durante os treinos de ouvinte. O controle por todas as propriedades relevantes (sílabas da palavra) dos estímulos pode ter favorecido a emissão das respostas consideradas corretas nos testes de falante. Palavras menores também poderiam propiciar uma menor frequência de erros por trocas de letras, ou seja, menor probabilidade de indução de respostas.

Os erros que envolveram as trocas de sílabas, além do controle restrito de estímulos, também podem ser casos de indução de respostas. Catania (1998/1999) discute que a indução é a extensão do efeito do reforço para outros comportamentos com topografias próximas às daquela classe de respostas operante. No caso do presente estudo, verbalizações próximas da resposta desejada, por exemplo, SIDEPE ao invés de SIDEPO, talvez exemplifique indução de respostas. Uma evidência para isso é que, apesar do participante P30 ter acertado apenas três tentativas no TTF1 da Fase 5, precisou de apenas dois blocos de treino de falante para atingir o critério de 100% de acertos. Isso pode indicar que ocorreram respostas incorretas que tiveram topografias próximas às das respostas corretas, enquanto outros participantes que acertaram três ou menos no teste de falante precisaram, em média, de 4,3 blocos de treino de falante para serem submetidos ao próximo teste de falante.

Uma diferença do presente estudo em relação aos demais que investigaram a independência funcional entre ouvintes e falantes foi a maneira que o treino de ouvinte foi realizado. Nessa pesquisa, o comportamento de ouvinte consistia na emissão de topografias de respostas diferentes (i.e., seleção e encaixe diferentes de peças de Lego). No treino de ouvinte do estudo de Germano e Medeiros (submetido), por exemplo, o experimentador pronunciava uma das palavras (e.g., SIDEPO) e o comportamento de clicar em uma das figuras era reforçado. Se fosse apresentada outra palavra (e.g., LITUPE), clicar em outra figura era reforçado e assim por diante, ou seja, a topografia da resposta era praticamente a mesma. O mesmo ocorreu nos demais estudos que treinaram repertório de ouvinte (Lee, 1981; Medeiros, & cols., 2016; Guess, 1969; Guess, & Baer, 1973; Lemgruber et al., submetido). Na presente pesquisa, entretanto, os diferentes comportamentos de ouvinte se diferenciavam quanto às topografias de respostas que envolviam selecionar peças que eram diferentes entre os objetos e encaixá-las com encaixes específicos por objeto. A despeito dessa diferença, o Grupo 1 teve resultados similares com os encontrados pelos estudos cujo comportamento de ouvinte foi baseado na seleção de estímulos e testes de falantes baseados em emissão de topografias diferentes. Já no Grupo 2, observou-se mais acertos nos testes de falante. Tais dados sugerem que a maneira que o ouvinte foi treinado não interferiu nos resultados, e sim o tamanho do treino.

Uma possível explicação para resultados semelhantes em estudos que envolveram diferentes tipos de treinos (baseados em topografia diferente ou seleção de estímulos) pode ser pelo fato do treino de ouvinte na presente pesquisa não ter se configurado como um treino baseados em topografias diferentes conforme pretendido. Pode-se argumentar que, como a resposta exigida para montar os objetos era sempre a de pegar as diferentes peças e encaixálas, que o treino de ouvinte foi baseado apenas em seleção de diferentes estímulos em que as topografias (respostas motoras) eram semelhantes. Embora isso pode ser uma possibilidade, pelo fato dos objetos diferirem quanto aos seus formatos, foram exigidas diferentes respostas motoras para segurar e encaixar corretamente as peças, abrindo a possibilidade para se caracterizar um treino baseado em topografias diferentes. De todo modo, futuras pesquisas podem comparar, em diferentes condições experimentais, treinos de ouvinte em que o responder é baseado em seleção de estímulos com o responder baseado na emissão de topografias distintas, verificando-se, assim, o efeito desse tipo de variável.

O presente trabalho propôs o estudo de uma variável que ainda não havia sido manipulada diretamente e, ainda, uma tentativa de usar uma tarefa baseada em topografias diferentes. Os dados reportam que o tamanho do treino foi eficaz no surgimento da função não treinada, entretanto, mesmo com treinos maiores, o desempenho nos testes só foi compatível com dependência funcional em 64% das fases ao todo. Córdova (2008) e Grow e Kodak (2010) apontam que mais importante que investigar a premissa teórica de Skinner (1957) acerca da independência funcional é de identificar procedimentos que viabilizem a emissão de operantes verbais sem a necessidade de treino em ambas as funções. O presente artigo abre como possibilidade para investigação o efeito do controle de estímulos nos treinos e o desempenho nos testes.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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Notas
Autor notes
1 Endereço para correspondência: Carlos Augusto de Medeiros, SQS 215 BL G APTO 308, CEP 70294-060, ASA SUL, BRASÍLIA, DF. E-mail: carlos.medeiros@uniceub.br
Tabela 1.
Topografias a serem ensinadas em suas respectivas fases e condições que ocorreram em cada fase experimental, em sua respectiva ordem

Tabela 2.
Número de blocos necessários para se atingir o critério de 100% de acertos em todos os treinos para todos os participantes

Tabela 3.
Número de tentativas corretas nos primeiros testes de falante (TTF1) e segundos testes de falantes (TTF2) para todos os participantes em todas as fases do experimento. Os valores que aparecem com asteriscos são os dos primeiros testes de falante de cada fase em que o participante acertou seis ou mais tentativas.

* Valores acima do critério de dependência funcional nos primeiros testes de falante em cada Fase.
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