Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
O lugar das variantes linguísticas no Treinamento de Habilidades Sociais1
José Umbelino Umbelino Gonçalves Neto; Almir Del Prette; Zilda A. P. Del Prette
José Umbelino Umbelino Gonçalves Neto; Almir Del Prette; Zilda A. P. Del Prette
O lugar das variantes linguísticas no Treinamento de Habilidades Sociais1
The place of linguistic variants in Social Skills Training
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 27, núm. 2, pp. 145-159, 2019
Universidad Veracruzana
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Uma variante linguística é uma certa forma de falar, própria de um povo, classe social ou grupo, que pode variar em relação à pronúncia das palavras, à gramática dos proferimentos e à escolha das palavras. Na Sociolinguística, os estudos sobre as variantes linguísticas apontam que elas estão associadas ao status social dos grupos que as falam, de modo que os indivíduos recebem diferentes tipos de julgamento social a depender da sua variante. Neste ensaio, argumenta-se que as variantes linguísticas são um importante componente paralinguístico das habilidades sociais, especialmente relevante no desempenho social do falar em público. Discute-se que a variante linguística é mais do que uma característica topográfica do falar, pois, devido às normas linguísticas adotadas pelas comunidades verbais em suas práticas de reforçamento, o desempenho dos falantes é reforçado ou punido a depender do seguimento ou não de tais normas. Essas considerações implicam em incluir no Treinamento de Habilidades Sociais, a depender do caso, um treino para o cliente discriminar os diferentes contextos de interação social onde se encontra e adaptar seu repertório verbal conforme a variante linguística mais efetiva para cada contexto e audiência, favorecendo a flexibilidade e a variabilidade de repertório.

Palavras-chave:Variantes LinguísticasVariantes Linguísticas, Preconceito Linguístico Preconceito Linguístico, Habilidades Sociais Habilidades Sociais, Sociolinguística Sociolinguística, Análise do Comportamento Análise do Comportamento.

Abstract: A linguistic variant is a certain form of speech, typical of a people, social class or group, which may vary in relation to the pronunciation of words, to the grammar of utterances and to the choice of words. Variants are shaped by the speech community, a more or less coherent group that explicitly or implicitly establishes the norms of language use. In Sociolinguistics, studies on linguistic variants point out that they are associated with the social status of the groups that speak them, so that individuals receive different types of social judgment depending on their variant. The question of linguistic prejudice is presented here, and as educated and formal variants have historically been associated with prestige and social recognition. In this essay, it is proposed that linguistic variants are an important paralinguistic component of social skills, especially relevant in the social performance of public speaking. It is stated that the linguistic variant is more than a topographical characteristic of speech because, due to the linguistic norms adopted by the verbal communities in their reinforcement practices, the speakers’ performance is reinforced or punished depending on whether or not they follow these norms. The “correct”, “cult”, “standard” speaking is easily identified by characteristics of the form of behavior (vocabulary, word pronunciation and sentence organization). As the verbal community differentially reinforces public speaking according to the cultured linguistic variant, and generally punishes popular speech (especially the one with deviant pronunciations of the standard, slang, swearing, verbal and nominal agreement breaks), it is affirmed that this paralinguistic component of social performance is not merely a topographical aspect. Semantically, cultured speech differs little from popular speech, for there are many equiva- lences between the expressions of both variants. This semantic aspect suggests that speaking according to the cultured or uncultured norm is only a difference of topography, because in the relationship between the verbal stimuli there are functional equivalences. However, it is in the pragmatic aspect that cultured speech differs from uncultured speech. In a context of formal interaction a specific topography is required as a criterion for reinforcement. To speak with slang and deviations from normative grammar means to behave with a topography that does not reach the criterion of production of reinforcement in the reinforcement contingencies established by the verbal community for that context. Here lies the functional difference between linguistic variants. These considerations imply to include in the Social Skills Training, depending on the case, a training for the clients to discriminate the different contexts of social interaction in which they are and to adapt their verbal repertoire according to the most effective linguistic variant for each context and audience, favoring the flexibility and repertoire variability. In addition, it is argued that psychologists must pay attention to their own linguistic prejudice, especially when working in public services and less-favored areas.

Keywords: Linguistic Variants, Linguistic Prejudice, Social Skills, Sociolinguistics, Behavior Analysis.

Carátula del artículo

Artículos

O lugar das variantes linguísticas no Treinamento de Habilidades Sociais1

The place of linguistic variants in Social Skills Training

José Umbelino Umbelino Gonçalves Neto12
Universidade Federal de São Carlos (Brasil), Brasil
Almir Del Prette
Universidade Federal de São Carlos (Brasil), Brasil
Zilda A. P. Del Prette
Universidade Federal de São Carlos (Brasil), Brasil
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 27, núm. 2, pp. 145-159, 2019
Universidad Veracruzana

Recepção: Abril 05, 2018

Aprovação: Outubro 05, 2018

A maneira como nos comunicamos é um fator importante para termos êxito nas tarefas sociais. Para certas tarefas, a depender da situação e de quem é ou são os interlocutores, o modo como falamos e nos apresentamos ao outro irá levar a consequências favoráveis ou desfavoráveis (Del Prette & Del Prette, 2010). E em certos contextos, o falante precisará dar uma atenção especial a seu próprio desempenho linguístico. Quanto a isso, como Friman (2014) destaca, o falar em público é uma das tarefas sociais em que a performance é crucial.

Sobretudo em contextos acadêmicos, corporativos, jurídicos e/ou políticos, onde as normas de comunicação são bem estabelecidas, demandando dos interlocutores um desempenho dependente de alta escolarização. Neste ensaio, destaca-se um aspecto do falar em público que não vem recebendo atenção nos estudos sobre Habilidades Sociais, mas que, como será discutido adiante, tem implicações para a condução de Treinamentos de Habilidades Sociais (THS). Trata-se da dimensão cultural desse desempenho: a variante linguística desempenhada pelo falante. A variante linguística é um aspecto relevante em qualquer atividade social realizada pelos falantes em sociedade, não apenas do falar em público (o falar em público será destacado por ser tipicamente alvo de intervenção em THS). No presente trabalho, propõe-se que as variantes linguísticas são componentes paralinguísticos do desempenho social, sendo uma característica topográfica importante do falar, pois produz diferentes consequências a depender do ambiente e da situação social. Essa discussão conduzirá a um alerta sobre a problemática do preconceito linguístico e à formulação de questões relacionadas à identidade social e à percepção social dos indivíduos. Além disso, essa discussão terá implicações para treinamentos em habilidades sociais conduzidos por psicólogos, sobretudo aqueles que irão trabalhar em serviços públicos com população menos favorecida ou com clientes que buscam melhorar seu desempenho no falar em público.

SOBRE OS COMPONENTES PARALINGUÍSTICOS NO CAMPO DAS HABILIDADES SOCIAIS

No presente trabalho, propõe-se que as variantes linguísticas (definidas adiante) são componentes paralinguísticos do desempenho social. Del Prette e Del Prette (2009) defenderam que o avanço na área aplicada e na pesquisa em Treinamento de Habilidades Sociais envolve reconhecer os componentes não verbais e paralinguísticos (CNVP), importantes elementos na avaliação da competência social de um indivíduo, o que justifica uma teorização sobre as questões dessa temática. Tal teorização envolve análises sobre a relação entre topografia e função dos comportamentos. O termo “paralinguístico” se refere a “todo o conjunto de elementos, tanto vocais como não vocais que ocorrem concomitantemente à fala e interagem com ela” (Del Prette & Del Prette, 2009, p. 151). Esses elementos compõem, portanto, os operantes verbais autoclíticos presentes no repertório verbal dos falantes (Skinner, 1957). Dentre os elementos não vocais, Del Prette e Del Prette (2009) elencaram os seguintes: olhar e contato visual, gestos, sorriso, postura corporal, movimentos com a cabeça, contato físico, distância/proximidade espacial em relação ao interlocutor, alterações fisiológicas e aparência física ou atratividade. Dentre os elementos vocais, os autores elencam os seguintes (Del Prette & Del Prette, 2017): latência e pausas, extensão da fala, velocidade da fala, bradilalia, taquilalia, timbre da fala, volume da fala, modulação da fala, dentre outros sons (riso, choro, suspiro etc.).Ao descreverem os “Componentes verbais de forma na comunicação”, Del Prette e Del Prette (2010) apontaram as dimensões da “Latência e duração da fala” e a “Regulação da fala”. A latência e a duração se referem a quão rapidamente o falante responde ao seu interlocutor e por quanto tempo fala até passar a palavra ao outro. Na regulação da fala, os autores destacam a adequação do conteúdo do que se fala em relação ao contexto e em relação ao interlocutor. Os autores discutem essa regulação em termos de modulação (voz alta ou baixa, ritmo rápido ou lento, entonações que variam ao longo das frases, dentre outros aspectos da performance, como tom de fala e certas ênfases na pronúncia das palavras).Sobre os CNVP do falar em público especificamente, Friman (2014) mencionou: “mover-se até à frente [da sala, do auditório etc.] com determinação, elegância e dignidade” (p. 113); sorrir e fazer contato ocular com todos da audiência; vestir-se para a ocasião, buscando “um nível de vestimenta ligeiramente melhor que o membro médio da audiência” (p. 114), sem desleixo, mas sem exagero, o que comunica respeito à audiência e que aquela é uma ocasião especial; “Sua postura tem funções de estímulo, [...] fique em pé reto. Fazê-lo irá aumentar sua confiança e senso de propósito. [...] Além disso, uma postura ereta parece sugerir confiança e força” (p. 114); “Sua face também tem funções de estímulo [...] Sorrir faz com que um indivíduo pareça fisicamente mais atraente e agradável, recruta mais comportamentos colaborativos, gera mais confiança e aumenta cooperação.” (p. 114); sobre as modulações da voz e seus efeitos sobre a audiência, o autor destaca o volume (ora falar alto, ora falar baixo), velocidade (acelerar ou diminuir o ritmo da fala), pausas (bruscas ou sinalizadas, rápidas ou demoradas) e tom (irônico, cômico, solene, triste, alegre, sarcástico, sedutor etc.).Alguns problemas paralinguísticos comuns no falar em público foram destacados por Mancuso e Miltenberger (2016) e Spieler e Miltenberger (2017): as pausas cheias ou prolongamentos, como “ãããh...”, “ééé...”, “hmm...”; cliques repetitivos linguo-dentais; ou ainda, usos inapropriados e repetitivos de palavras de apoio como “né?”, “entende?”, “tá entendendo?”, “certo?”, “então...”, “tipo...”, “tipo assim...”, “aí...” etc. Segundo Spieler e Miltenberger (2017), esses problemas são relevantes, porque “podem fazer com que os falantes pareçam despreparados e com menos domínio sobre os tópicos dos quais falam e diminuem a credibilidade de suas apresentações (Bell, 2011; Henderson, 2007)” (p. 39).Os CNVP do desempenho social, como esses autores vêm apontando, podem ter efeitos significativos sobre a audiência, levando a consequências diferenciais em relação ao comportamento do falante. No desempenho do falar em público isso tem ainda mais peso. Portanto, como Del Prette e Del Prette (2009) afirmaram, um programa de promoção de habilidades sociais “prevê a análise e a avaliação desses componentes, reconhecendo a forte influência das variáveis contextuais e culturais sobre as características e a efetividade das interações sociais e da competência social” (p. 153).Todos esses autores supracitados consideraram que os componentes paralinguísticos do falar são estabelecidos por convenção social, sendo contextualmente e culturalmente determinados. Porém, nenhum desses autores fez menção a algo que na Sociolinguística vem sendo debatido há pelo menos 40 anos: a variação linguística social e os efeitos das variantes linguísticas sobre o reconhecimento social dos falantes. Como será apresentado agora, uma variante linguística é, por definição, um componente paralinguístico do falar, cuja emissão de acordo com o contexto contribui para um desempenho socialmente competente, sendo, portanto, um importante aspecto funcional do comportamento.

AS VARIANTES LINGUÍSTICAS NA PERSPECTIVA DA SOCIOLINGUÍSTICA

Segundo William Labov (2003), a Sociolinguística tem como objetivo estudar a relação entre língua e sociedade, investigando a influência dos fatores sociais, culturais, identitários, econômicos, étnicos, religiosos e/ou políticos sobre o comportamento linguístico dos falantes, em termos de suas escolhas fonológicas, lexicais, morfológicas e/ou sintáticas. A Sociolinguística estuda especificamente o fenômeno da variação linguística, i. e., as transformações que os padrões da língua sofrem ao longo do tempo ou em diferentes contextos sociais ou geográficos. As pesquisas dessa área buscam descrever as variantes linguísticas, ou seja, descrever padrões linguísticos característicos dos grupos sociais, buscando identificar estatisticamente correlações entre as formas linguísticas e fatores sociodemográficos (faixa etária, sexo, escolaridade, etnia, identidade social etc.). Assim, a Sociolinguística se diferencia da abordagem estruturalista saussuriana ou da abordagem gerativista chomskiana, pois investiga a língua a partir dos usos que os falantes dela fazem em suas vidas sociais (e não considerando a língua como um sistema atemporal, abstrato e metafísico presente na mente dos falantes). A pesquisa que fundou a Sociolinguística variacionista foi um estudo realizado por Labov na década de 1960. Como McGregor (2009) relata, Labov investigou os padrões de fala de nova-iorquinos de diferentes camadas sociais, demonstrando correlações consistentes entre classe social e variações fonéticas (nas maneiras de pronunciar certas palavras). Ele identificou que vários aspectos da fala de pessoas de baixo status socioeconômico diferiam significativamente de aspectos da fala de pessoas de alto status socioeconômico. Labov identificou também que o modo de fala das classes mais altas era mais prestigiado. E paralelo a esse dado, de- monstrou que a variante prestigiada tinha a sua frequência de uso aumentada de acordo com o grau de formalidade da ocasião. O trabalho de Labov inaugurou as pesquisas sobre como e por que o modo de fala das classes altas era considerado a norma padrão de uma língua. E isso acendeu o debate sobre o outro lado da moeda: como e por que as variantes das classes mais baixas (compostas na verdade pela grande maioria da população) eram desvalorizadas e estigmatizadas, contribuindo para relações de dominação e desrespeito às pessoas com essas formas de falar. As pesquisas em Sociolinguística descrevem as características de cada cultura ou subcultura, ou ainda as práticas de certos grupos sociais, em relação às suas linguagens, identificando a evolução histórica e as especificidades de pronúncias e prosódias – nível foné- tico/fonológico –, estruturas frasais – nível sintático – e vocabulário – nível semântico (Ara- gão, 1999; Bagno, 2014; Barbosa, Paiva, & Rodrigues, 2017; Collischonn & Monaretto, 2012; Faraco, 2005; Naro & Scherre, 2007; Paiva & Scherre, 1999; Razky, 2003). No nível pragmático da análise linguística, tais estudos têm também buscado identificar os efeitos de influência, convencimento ou poder dos diferentes usos adotados pelos falantes sobre os interlocutores, articulando Sociolinguística e Análise do Discurso (Araújo, 2015). Assim, os sociolinguistas trazem uma abordagem que se assemelha ao que analistas do comportamento entendem por uma abordagem contextualista e funcional da linguagem. Suas pesquisas se caracterizam pelo que B. F. Skinner (1957) chamou de descrição das práticas de reforçamento da comunidade verbal.Analisando as correlações estatísticas entre os fatores sociodemográficos e as formas de falar adotadas pelos indivíduos em diferentes contextos (Coan & Freitag, 2010), as pesquisas sociolinguísticas vêm demonstrando que a linguagem de uma pessoa – i. e., seu sotaque, seu vocabulário, os jargões, gírias, regionalismos, formas de ex- pressão etc., além da forma como organiza suas frases e sua gramática – transmite informação sobre quem essa pessoa é (Salomão, 2012). Por exemplo, o estudo de Soares (2016) investigou a ocorrência dos fonemas /λ/ e /ɲ/ no falar de “nativos” de Marabá-PA. O fonema /λ/ é comumente transcrito por LH, em palavras como “palha”. O fonema /ɲ/ é comumente transcrito por NH, em palavras como “manhã”. A pesquisadora analisou as correlações entre os usos desses fonemas com fatores sociodemográficos dos falantes (escolaridade, faixa etária, renda e sexo), e constatou que tendem a falar as variantes palatais e palatalizadas (e.g. dizem “palha”, “mãnhã”) indivíduos mais jovens e com maior escolaridade, sendo a maioria mulheres. Enquanto indivíduos mais velhos e de menor escolaridade tendem a falar com a variante semivocalizada (e.g. “palia”, “mãiã”). Os dados desta pesquisa sugerem que as variantes pa- latais e palatalizadas parecem gozar do status de variantes padrão, conservadoras e de prestígio, levando em conta os fatores sociais, ao contrário da semivocalizada. Como McGregor (2009) observa, a forma de falar e se comportar nas interações é um aspecto da identidade social de uma pessoa. Logo, é um aspecto relacionado a como a pessoa é categorizada e julgada pelos outros, a como é percebida e avaliada socialmente. Conforme atestam as pesquisas sobre atitudes linguísticas, falantes que apresentam a variante padrão, de prestígio, tendem a ser julgados mais positivamente que aqueles que apresentam variantes estigmatizadas, tendo impacto sobre sua identidade e reconhecimento social (Aguilera, 2008; Botassini, 2015). Além da questão do pertencimento a grupos e do reconhecimento social, as pesquisas sociolinguísticas demonstram que, em alguns casos, a forma de falar de alguém tem relação com o contexto imediato de interação e os papéis dos interlocutores (McGregor, 2009). Observam-se, por exemplo: variações quando um professor fala com um aluno em uma reunião na universidade e depois em uma mesa de bar; variações na fala de pais e filhos no ambiente escolar e no ambiente familiar; na fala de sujeitos com seus pares no ambiente de trabalho e fora da empresa; ou ainda, a fala de pessoas quando se comunicam com estranhos ou com amigos e familiares. Por isso, as entrevistas sociolinguísticas são feitas em contextos corriqueiros de interação social, em circunstâncias nas quais os entrevistados apresentam o mínimo de monitoramento da fala, por conseguinte apresentando sua fala mais “espontânea” e “natural”, como na conversa com amigos (Labov, 2008).As variantes são moldadas pela comunidade de fala – um grupo mais ou menos coerente que estabelece explícita ou implicitamente as normas de uso da linguagem (McGregor, 2009). Uma comunidade de fala se caracteriza como a rede de indivíduos “que se comunicam linguisticamente uns com os outros com frequência, e mais intensivamente, do que se engajam com pessoas de fora.” (McGregor, 2009, p. 158). Como o autor observa, o conceito de “comunidade de fala” é elástico, referindo-se a diferentes tipos de comunidade. Pode-se referir, por exemplo: a comunidades regionalmente identificadas (como brasileiros e cabo-verdianos, sulistas e nordestinos, urbano ou rural etc.); a comunidades laboralmente identificadas (como psicólogos, médicos, advogados etc.); a comunidades identificadas por classes sociais (classe média, classe alta, proletários, empresários etc.); entre outras.Assim, diferentes pesquisas nessa área já vêm identificando, além das variantes regionais, variantes correlacionadas ao grupo social (Aragão, 1999; Bagno, 2014; Barbosa, Paiva, & Rodrigues, 2017; Collischonn & Monaretto, 2012; Naro & Scherre, 2007; Paiva & Scherre, 1999; Razky, 2003). E no Brasil, sobretudo, os sociolinguistas vêm demonstrando que há muitos mitos em torno da língua brasileira, que acabam dando base a atitudes e avaliações negativas sobre determinados grupos sociais, caracterizando um tipo de preconceito social chamado de preconceito linguístico (Bagno, 2002, 2004, 2011, 2014).Os sociolinguistas consideram os julgamentos negativos em relação às variantes populares como “preconceito”, porque tais julgamentos não se sustentam empiricamente, não representam como de fato a língua é falada pela maior parte da população. No Brasil, os dados levantados pelos 48 grupos de pesquisa em Sociolinguística brasileira sustentam essa tese (Salomão, 2012) e a Gramática descritiva do Português falado no país, organizada por Castilho (2002) a partir das pesquisas sociolinguísticas, contrasta com as regras prescritas nas gramáticas tradicionais. Segundo o antropólogo Stanley Aléong (2011), “A observação do comportamento linguístico estabelece a existência de uma distância maior ou menor entre o sistema socialmente dominante das prescrições linguísticas e a realidade dos desempenhos diários.” (p. 141). Tais prescrições, segundo Aléong (2011), implicam em julgamentos de valor amplamente difundidos, como uma “ideologia linguística”. “Ideologia” porque, de fato, as realizações concretas da língua divergem da norma em amplos aspectos. Com essas observações, diferentes autores alertam que tais julgamentos funcionam na verdade como discriminação social, entre “doutos” e “ignorantes” (Bagno, 2004, 2011; Gomes & Gomes, 2015, Massini-Cagliari, 2004). Diferentes sociolinguistas brasileiros vêm alertando que o preconceito linguístico e os mitos sobre a língua servem para a manutenção de status, ajudam a manter crenças na estratificação social, dificultando a mobilidade social. Por exemplo, o estudo de Massini-Cagliari (2004) relata como na história do Brasil foram instituídas diversas políticas de normalização linguística, desde as primeiras ações dos jesuítas no período colonial até os recentes acordos ortográficos entre os países lusófonos.Massini-Cagliari (2004) discute como essas políticas contribuíram para a crença de que a única língua do Brasil é o português padronizado nas gramáticas normativas (algumas contraditoriamente baseadas em literatos portugueses do século XIX e início do século XX, e não baseadas em literatos brasileiros ou na língua de fato falada pelos brasileiros). A autora também discute como os ideais sobre a língua, que foram sendo inventados por diferentes políticos e institucionalizados em leis, contribuíram para a estigmatização das variantes regionais e das variantes populares. O Projeto da Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro (projeto NURC-RJ) descreveu os usos da linguagem dos brasileiros considerados cultos (com ensino superior completo, cerca de 12 anos de escolarização). Foram coletadas 350 horas de entrevistas nas décadas de 1970 e 1990, com indivíduos cultos nascidos no Rio de Janeiro e filhos de pais cariocas em sua maioria. Esse projeto demonstrou que nem mesmo os falantes brasileiros cultos seguem integralmente a norma padrão ditada nas gramáticas normativas tradicionais (Bagno, 2004; Castilho, 2002; Gomes & Gomes, 2015; Massini-Cagliari, 2004). Essas pesquisas conduziram a uma consideração crítica sobre o preconceito linguístico, demonstraram a arbitrariedade da noção de “bom português” e contradisseram a naturalização e a idealização da gramática normativa, como se esta representasse a verdade e a essência da língua (Gomes & Gomes, 2015; Massini- Cagliari, 2004; Mollica, 2014). O que os sociolinguistas vêm afirmando é que a norma culta ou a norma padrão é simplesmente uma norma dentre outras, portanto, fruto de convenção; e, portanto, no ensino não se deve impor tal norma, mas sim ensinar suas características e quando usá-la é mais efetivo para a comunicação.

SOBRE A FUNCIONALIDADE DAS VARIANTES LINGUÍSTICAS: PRÁTICAS DE REFORÇAMENTO (E PUNIÇÃO) DA COMUNIDADE VERBAL

Segundo Skinner (1957), o repertório verbal de uma pessoa é determinado pelas consequências que produz no ambiente social. Este, no caso, é a comunidade verbal da qual o indivíduo faz parte, composta de todos os outros falantes com os quais o indivíduo interage. Para Skinner (1957, p. 461), o que os linguistas descrevem, i. e., as línguas, são “as práticas de reforçamento de comunidades verbais”. Assim, pode-se entender que os padrões de fala de um indivíduo – sua linguagem, seu repertório – se estruturam por causa das práticas de reforçamento da sua comunidade verbal. Os ouvintes do falante vão modelando seu desempenho, reforçando ou punindo sobre o que ele fala, a frequência com que fala, a duração e como fala (e isso, evidentemente, a depender de cada situação social).Sobre as práticas de reforçamento e punição do “como” falar é que os estudos sobre variação linguística lançam luz. A norma linguística, codificada nas gramáticas e manuais de estilo, não é uma norma que governa apenas o comportamento dos falantes, mas também o dos ouvintes. Diante do falante, o comportamento dos ouvintes, enquanto comunidade verbal, pode ocorrer em função do seguimento de diversas prescrições linguísticas. Pode-se notar que, em geral, em nossa cultura, quanto mais formal e cerimoniosa é a ocasião, mais rígidos são os ouvintes em relação ao falante, admitindo menos desvios da norma padrão (a variante de prestígio). Por exemplo, apresentações em contextos acadêmicos (palestras, aulas, comunicação de trabalhos etc.), comunicações na mídia, entrevistas de emprego, audiências públicas, audiências jurídicas, discursos políticos ou participação em debates etc., todas essas situações, dentre inúmeras outras, demandam o domínio da norma padrão. Esses contextos em que se fala em público são de maior formalidade e as prescrições linguísticas são mais explícitas do que em outros das interações cotidianas, onde há mais informalidade. E onde há maior formalidade, os julgamentos negativos sobre o desempenho de quem não fala de acordo com a norma não necessariamente aparecem como preconceito, mas sim como reafirmação de uma regra aceita e válida. Os desvios são criticados e punidos.

Observar os aspectos topográficos do comportamento é importante ao se conduzir uma análise funcional. Vale ressaltar que a variação linguística diz respeito à topografia do repertório verbal, mas que têm direta relação com a função dos desempenhos sociais que envolvem comportamento verbal. O falar “correto”, “culto”, “padrão” é facilmente identificado por características da forma do comportamento (características de vocabulário, de pronúncia das palavras e de organização das frases, principalmente). Em contextos mais formais e cerimoniosos, a comunidade verbal reforça diferencialmente o falar em público de acordo com a variante linguística culta, e de modo geral pune o falar popular (sobretudo aquele com pronúncias desviantes do padrão, gírias, palavrões, quebras de concordância verbal e nominal). Por outro lado, em contextos corriqueiros e informais, a comunidade verbal reforça diferencialmente o falar de acordo com a variante popular. Nos contextos mais formais e ceri- moniosos (como o escolar, o acadêmico, o jurídico etc.) são reforçadas mais consistentemente as classes operantes verbais normatizadas pela ortografia oficial, pela gramática normativa e pela escrita formal (que aparecem em manuais, livros, artigos, relatórios e afins), que são diferentes da fala cotidiana e da escrita informal. Entretanto, em países com sistema educacional deficitário, apenas uma pequena parcela da população transita cotidianamente nesses contextos de alta escolarização. No Brasil, por exemplo, em 2016 somente cerca de 15,3% da população adulta (20 milhões de pessoas) concluiu o Ensino Superior, sendo que 51% da população adulta (66,3 milhões de pessoas) apenas possui o Ensino Fundamental; 24,8 mil- hões de pessoas de 14 a 29 anos não frequentavam a escola e não haviam passado por todo ciclo educacional até a conclusão do ensino superior (Agência IBGE Notícias, 2017). Assim, no repertório verbal de um número expressivo da nossa população, a fala cotidiana e a escrita informal têm mais força (em termos probabilísticos) por envolverem formas que exigem menor esforço e por serem reforçadas de forma mais consistente na maioria das situações em que as pessoas interagem. Semanticamente, o falar culto difere pouco do falar popular, pois se consegue fazer muitas equivalências entre as expressões de ambas as variantes. Esse aspecto semântico sugere que falar segundo a norma culta ou a não culta é apenas uma diferença de topografia, pois na relação entre os estímulos verbais existem equivalências funcionais. Porém, é no aspecto pragmático que o falar de forma culta difere do falar não culto. Um juiz no tribunal, por exemplo, até pode compreender exatamente o que um advogado diria por meio de gírias e expressões populares. Porém, nesse contexto, tal forma de falar informal seria invalidada. O que quer que tal advogado argumentasse seria descreditado, não seria levado adiante por aquela comunidade verbal devido à forma de seu falar. Ou seja, a topografia do comportamento não atingiria o critério de produção do reforço nas contingências de reforço estabelecidas pela comunidade verbal para aquele contexto. Nesse exemplo, aliás, é fácil imaginar que o desempenho de tal advogado na verdade seria severamente punido, seja de maneira imediata, com admoestações dos seus pares ou do juiz, seja depois, com uma investigação sobre a veracidade da sua formação ou com a perda de acesso a novos casos. Em entrevistas de emprego, o falar ou não segundo a norma padrão também produz consequências a nível pragmático. Na mídia, encontramos matérias destacando isso – por exemplo, a matéria “Uso correto do português abre portas no mercado de trabalho – Domínio da língua é cada vez mais exigido na hora da contratação” (O Dia, 2012); ou a matéria “Estudar o português é investir na carreira” (Niederauer, 2012), ou ainda, “Use a fala (e vista-se) de acordo com cada ocasião” (Milan, 2011). Na entrevista de emprego, o entrevistador pode entender tudo o que o candidato que “fala errado” diz – o que indica que existe equivalência funcional dos estí- mulos verbais –, mas o elimina do processo seletivo justamente porque o desempenho social não estava de acordo com a norma. Mais uma vez, em termos comportamentais, a resposta emitida não atinge um dos critérios de reforçamento da contingência em vigor. A contingência é estabelecida pela comunidade. Quanto a isso, Skinner afirmou:

As audiências as quais controlam as maiores subdivisões de um repertório verbal são as comunidades que estabelecem as contingências reforçadoras das então chamadas “línguas” – inglês, francês, chinês, e assim por diante. Em uma comunidade verbal chinesa, somente certas formas de resposta são efetivas; como uma audiência, qualquer membro ou grupo de membros dessa comunidade constitui a ocasião para a emissão de formas denominadas de “chinês”. No falante bilíngue, a parte chinesa de um repertório será mais forte mediante tal ocasião [a presença de falantes do chinês] do que em uma comunidade apropriada para outra parte do repertório, tal como o inglês. (Skinner, 1957, p. 173)

kinner se referiu aí a comunidades regionalmente identificadas, mas é possível estender seu raciocínio também a comunidades socialmente identificadas. Ou seja: em uma comunidade verbal “culta”, somente certas formas de resposta são efetivas. Acadêmicos, juristas, políticos, médicos, etc., ou seja, indivíduos cujo papel social está associado à alta escolarização, são ocasião para a emissão de formas denominadas de variante “culta”. Como em geral as pessoas escolarizadas se comportam em diferentes contextos de interação, sejam os mais formais (trabalho, escola, universidade, tribunal, hospital etc.), sejam os mais informais (em casa, na rua, no lazer etc.), parte do seu repertório terá a forma da variante culta, parte terá a forma popular. Sendo que a variante “culta” do repertório será mais forte em contextos formais, e na presença de falantes cultos, do que em contextos apropriados para a outra parte do repertório, com o falar informal.Sobre essa questão, inclusive, os sociolinguistas identificaram um fenômeno chamado de “acomodação da fala”, que é a tendência dos falantes de alterarem algumas propriedades da sua fala a depender da audiência. “Os falantes frequentemente mudam a maneira como falam de acordo com a pessoa com quem estão falando, adotando características da fala do outro – ou o que eles acreditam ser características da fala do outro.” (McGregor, 2009, p. 164). Conforme investigações sobre o fenômeno da “acomodação da fala” demonstraram (Giles, Mulac, Bradac, & Johnson, 1987), as pessoas tendem a ajustar a variante linguística que usam de modo a se assemelhar a de seu interlocutor, suavizando ou até mudando o sotaque, evitando regionalismos ou coloquialismos muito próprios de sua comunidade de origem, e adotando expressões mais típicas da língua geral ou da linguagem do seu interlocutor. A função dessa acomodação seria diminuir a distância social entre os interlocutores (Giles et al., 1987). Cabe supor que tal acomodação também seria um resultado do reforçamento dado pelos ouvintes nas interações. Uma maneira de falar mais semelhante à do meu interlocutor é compreendida mais facilmente, diminui malentendidos, flui mais rapidamente, evita o desconforto do “falar com um estranho”. Possivelmente, esses fatores sejam reforçadores naturais e automáticos do falar em uma conversação. Se esta hipótese for verdadeira, é também possível supor que ao longo das experiências de conversação no dia a dia, devido às reações dos ouvintes, as pessoas vão aprendendo a discriminar a identidade e o papel social de seus interlocutores, bem como as regras implícitas de comunicação nos diferentes ambientes sociais, ajustando sua forma de falar em função do reforçamento recebido.Enfim, neste trabalho busca-se ressaltar a importância de se dar atenção, na formulação de um THS, para a questão das variantes linguísticas, pois também são um aspecto paralinguístico do desempenho social, tipicamente um aspecto topográfico do comportamento, mas com valor funcional porque influencia a reação do interlocutor. Em termos analítico-comportamentais, as diferentes variantes linguísticas se correlacionam com as consequências liberadas pelo ouvinte, sejam elas reforçadoras ou punitivas

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS PARA O TREINAMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS

A forma como alguém fala, seguindo ou não a norma da sua comunidade verbal, possui funções sociais: produz consequências diretas para o comportamento de falar, mas também para outros comportamentos dependentes do desempenho no falar. Além disso, o modo de falar não carrega apenas informação sobre a identidade social de uma pessoa, mas pode modificar tal identidade: uma pessoa pode ser estigmatizada, rotulada negativamente pelos outros e ser tratada com intolerância, descaso e desrespeito – perdendo o acesso a diversos reforçadores sociais. No falar em público, isso tem ainda mais peso. O discurso de caráter oficial – como em comunicações científicas, jurídicas, jornalísticas ou políticas – depende de uma certa topografia para ser validado e reconhecido pela comunidade. A credibilidade de um orador é julgada em função de muitos aspectos topográficos do seu desempenho. Neste caso, o domínio da variante culta é uma exigência da comunidade para o reforçamento do desempenho, bem como para o reconhecimento social do sujeito. As considerações da Sociolinguística sobre o preconceito linguístico fazem um alerta sobre como a norma culta, padrão ou de prestígio, foi historicamente construída e cumpre uma função social, de demarcação de status social e de cerimonialização do discurso, sendo adequada em seus respectivos contextos. A seu turno, o falar popular, não padrão, é o falar mais frequente e mais comum na maioria dos contextos de interação para a maior parte da população, sendo também adequado em seus respectivos contextos. Portanto, em relação ao falar popular, cotidiano, não se considera a variante culta nem melhor nem pior. Mas este posicionamento crítico não significa abandonar o ensino da norma padrão. Sociolinguistas consideram que é válido e desejável que os alunos conheçam a norma padrão, já que esta é a demandada em contextos formais. Portanto, o que se recomenda é que, no ensino da língua materna, os professores não imponham aos alunos a norma culta, mas sim a apresentem como um tipo de variante linguística típica dos contextos sociais mais formais e cerimoniosos. Sendo assim, o ensino envolve instruir o aluno a compreender que sua produção linguística recebe sempre avaliação social, positiva ou negativa a depender do contexto; e envolve instruir o aluno a conhecer a norma culta e a empregá-la nos contextos que a demandam (Mollica, 2014, Oliveira & Cyranka, 2013; Silva Junior, 2017; Zozzoli, 2014).Se ambas as variantes são adequadas em seus respectivos contextos, a questão para o desempenho social é de discriminação de estímulos e adequação do desempenho ao contexto. Isso depende da habilidade do indivíduo de “ler” seu ambiente social, i. e., depende da habilidade de percepção social. Trata-se de um repertório de alta complexidade composto por diferentes classes de resposta que se inter-relacionam: identificar os papéis dos interlocutores, discriminar as normas culturais em vigor na situação, atentar a sinais vocais e gestuais presentes na comunicação, avaliar os comportamentos que serão mais efetivos no contexto, escolher quais comportamentos emitir e quais comportamentos evitar (Del Prette & Del Prette, 2010).Então, para um desempenho satisfatório, socialmente competente, o falante precisa desenvolver dois elementos em seu repertório: a) domínio da linguagem culta e b) percepção social dos contextos onde tal linguagem é demandada. A aprendizagem da linguagem padrão, de prestígio, é o objeto da educação formal. No Brasil, trata-se do ensino de Língua Portuguesa tal como preconizam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Brasil, 1996) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997, 2000). Os atores institucionais encarrega- dos disso são os professores de língua portuguesa. Ainda assim, vale ressaltar, esses mesmos Parâmetros Curriculares recomendam que a norma padrão seja apresentada aos alunos como um tipo de variante linguística adequada em alguns contextos, e não como a língua ideal que deveria ser a falada e escrita em todos os momentos.A aprendizagem da percepção social faz parte do desenvolvimento das Habilidades Sociais de cada indivíduo, que depende de suas características biológicas, de sua história de vida e cultura (Del Prette & Del Prette, 2010). E isso remete às implicações das variantes linguísticas e das considerações sociolinguísticas sobre a racional e os objetivos do Treinamento de Habilidades Sociais.

Como um tipo de comportamento social, a percepção social não surge espontaneamente, mas é desenvolvida, basicamente, por meio de modelação, modelagem e instrução verbal. Sendo assim, também pode ser alvo de intervenção direta em caso de necessidade. Aqui entra o papel do psicólogo. Quando a demanda tem relação com a percepção social, o THS toma como objetivo promover maior acurácia na discriminação dos estímulos do ambiente físico e da situação social, bem como na identificação dos papéis e das regras sociais presentes no contexto de forma explícita ou implícita. E para isso podem ser aplicadas técnicas como a modelagem, o feedback, as instruções e o automonitoramento (Del Prette & Del Prette, 2010).

Sendo assim, quando a demanda tiver relação com a percepção social e o desempenho de falar em público, o THS terá como objetivo os clientes aprenderem a discriminar os elementos contextuais que sinalizam o modo de se comunicar mais efetivo na ocasião: observar e avaliar quem é a audiência e qual é a situação de fala, se esses elementos do contexto sinalizam que falar de maneira mais formal ou menos formal será mais efetivo. Por exemplo, em uma comunicação oral, em um congresso científico, cuja audiência é majoritariamente de acadêmicos (professores e pesquisadores), falar de maneira mais formal, evitando gírias, organizando a fala de modo mais aproximado à norma padrão, possivelmente levará a reações mais positivas da audiência e a uma melhor avaliação do trabalho. Se tal congresso possui algum evento de confraternização, como uma festa, falar de modo mais informal pode ser mais efetivo no estabelecimento de laços sociais entre os pares. Assim, o ponto não é suprimir do repertório o modo de falar informal porque neste se falaria um português “errado”. Levar o cliente a discriminar as diferenças entre os contextos e adaptar o repertório conforme as variantes linguísticas adequadas para cada contexto é que seria o objetivo do THS. Em termos do Treinamento de Habilidades Sociais, considerar as variantes linguísticas remete necessariamente à racional e aos requisitos da Competência Social enquanto objetivos de tais programas (Del Prette & Del Prette, 2017).

Além da dimensão ética envolvida no respeito às variantes linguísticas, pode-se destacar dois requisitos da Competência Social destacados por Del Prette e Del Prette (2017) como objetivos importantes dos programas de THS: a automonitoria e a variabilidade.

No caso das variantes linguísticas do grupo ou de um indivíduo em particular, a automonitoria implica em promover a leitura do ambiente social e a análise das contingências associadas a seus desempenhos sociais. Em outras palavras, ampliar sua discriminação do impacto de diferentes variantes linguísticas em relação a diferentes interlocutores e em diferentes contextos.

Como já falado, no planejamento do THS, ao planejar contingências para refinar o repertório de falar em público da clientela, deve-se ter como objetivo colocar as variantes linguísticas cotidianas e informais dos aprendizes sob controle contextual, e não suprimir tais variantes de seus repertórios. Tendo isso em mente, a questão é criar condições que facilitem a aprendizagem do agir verbalmente de acordo com o contexto, i. e., falar de maneira mais ou menos informal em contextos onde tal modalidade é mais efetiva (em casa, na rua, no lazer, com os amigos etc.); e falar de maneira mais ou menos formal em contextos onde tal modalidade é mais efetiva (na escola, no trabalho, na mídia, diante de autoridades, ao falar em público etc.). Assim, no que tange a esta problemática, o THS deve consistir da modificação das relações de controle de estímulos já existentes no repertório do aprendiz. Adicionalmente, o requisito da variabilidade (Del Prette & Del Prette, 2017) implica em ampliar as alternativas linguísticas e paralinguísticas do indivíduo de modo a viabilizar suas escolhas de desempenho baseadas na previsão de consequências prováveis (apoiadas na automonitoria) em curto, médio e longo prazo.

Os demais requisitos da competência social, propostos por Del Prette e Del Prette (2017), incluem conhecimento das regras e normas do ambiente social, autoconhecimento e valores de convivência, todos também aplicáveis à questão das variantes linguísticas. Propostas de procedimentos específicos para a promoção de todos esses requisitos podem ser encontrados na literatura psicológica, em particular no manual publicado por esses autores (Del Prette & Del Prette, 2017) e fogem ao escopo do presente ensaio.

Por fim, pode-se destacar também que a Psicologia vem ganhando espaço no serviço público, cuja população-alvo é proveniente em grande parte das classes menos favorecidas. Assim, conhecer o que são as variantes linguísticas possibilita prevenir e até combater o preconceito linguístico que poderia acontecer em nossos próprios programas de Treinamento de Habilidades Sociais. Esse conhecimento permite uma atuação mais sensível e na direção ética requerida do psicólogo.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
Agência IBGE Notícias (2017, Dezembro 21). PNAD Contínua 2016: 51% da população com 25 anos ou mais do Brasil possuíam apenas o ensino fundamental completo. Agência IBGE Notícias. Recuperado de https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2013- -agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25- -anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo.html
Aguilera, V. D. A. (2008). Crenças e atitudes linguísticas: O que dizem os falantes das capitais brasileiras. Estudos Linguísticos, 2(37), 105-112.
Aléong, S. (2011). Normas linguísticas, normas sociais: Uma perspectiva antropológica. In M. Bagno (Ed.), Norma linguística (2ª ed., pp. 141-170). São Paulo: Loyola.
Aragão, M. D. S. S. (1999). A variação fonética-lexical em atlas linguísticos do nordeste. Revista do GELNE, 1(2), 15-20. Recuperado de https://periodicos.ufrn.br/gelne/article/ view/9252
Araújo, N. M. (2015). A Sociolinguística e a Análise do Discurso sob um olhar de ciência ex- traordinária. Cadernos da FUCAMP, 14(20), 85-99. Recuperado de http://www.fucamp. edu.br/editora/index.php/cadernos/article/view/494
Bagno, M. (Ed.). (2002). Linguística da norma. São Paulo: Loyola.
Bagno, M. (2004). Preconceito linguístico: O que é, como se faz (28ª ed.). São Paulo: Edições Loyola.
Bagno, M. (Ed.). (2011). Norma linguística (2ª ed.). São Paulo: Loyola.
Bagno, M. (2014). Genocídio, migração forçada e contato na formação do português brasilei- ro. Capoeira-Humanidades e Letras, 1(1), 4-14. Recuperado de http://www.capoeirahu- manidadeseletras.com.br/ojs-2.4.5/index.php/capoeira/article/view/3
Barbosa, P., de Paiva, M. D. C., & Rodrigues, C. (Eds.). (2017). Studies on Variation in Portuguese (Vol. 14). Amsterdam & Philadelphia: John Benjamins Publishing Company. doi: https://doi.org/10.1075/ihll.14
Botassini, J. O. M. (2015). A importância dos estudos de crenças e atitudes para a sociolinguística. Signum: Estudos da Linguagem, 18(1), 102-131. http://dx.doi.org/10.5433/2237-4876.2015v18n1p102
Brasil. (1996). Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Presidência da República: Ministério da Educação. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm
Brasil. (1997). Parâmetros curriculares nacionais: Língua portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental.
Brasil (2000). Parâmetros curriculares nacionais - Ensino Médio (parte II: linguagens, códigos e suas tecnologias). Brasília: Secretaria da Educação.
Castilho, A. T. (2002). Gramática do português falado: Estudos descritivos (Vol. 4). Campinas-SP: Editora da Unicamp.
Coan, M., & Freitag, R. (2010). Sociolinguística variacionista: Pressupostos teórico-metodológicos e propostas de ensino. Domínios de Lingu@gem, 4(2), 173-194.
Collischonn, G., & Monaretto, V. O. (2012). Banco de dados VARSUL: A relevância de suas características e a abrangência de seus resultados. ALFA: Revista de Linguística, 56(3), 835-853. Recuperado de https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4953
Del Prette, A,. & Del Prette, Z. A. P. (2009). Componentes não verbais e paralingüísticos das habilidades sociais. In A. Del Prette, & Z. A. P. Del Prette (Orgs.), Psicologia das habilidades sociais: Diversidade teórica e suas implicações (pp. 149-188). Petrópolis: Vozes.
Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2017). Competência social e habilidades sociais: Ma- nual teórico-prático. Petrópolis: Vozes.
Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2010). Psicologia das habilidades sociais: Terapia, educação e trabalho (7ª ed.). Petrópolis: Vozes.
Faraco, C. A. (2005). História da língua: Uma introdução ao estudo da história das línguas. São Paulo: Parábola Editorial.
Friman, P. C. (2014). Behavior analysts to the front! A 15-Step tutorial on public speaking. Behav. Analyst, 37(2), 109-118. doi 10.1007/s40614-014-0009-y
Giles, H., Mulac, A., Bradac, J. J., & Johnson, P. (1987). Speech accommodation theory: The first decade and beyond. Annals of the International Communication Association, 10(1), 13-48. https://doi.org/10.1080/23808985.1987.11678638
Gomes, C. A. & Gomes, A. P. Q. (2015). A atitude linguística na imprensa: Crença, ideologia e preconceito na reação de repúdio a um livro didático. Revista Trivium, 7(1), 100-116. https://dx.doi.org/10.18370/2176-4891.2015v1p100
Labov, W. (2003). Some sociolinguistic principles. In C. B. Paulston & R. G. Tucker (eds.). Sociolinguistics: The essential readings (pp. 235-250). Oxford: Blackwel.
Labov, W. (2008). Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola. Mancuso, C. & Miltenberger, R. G. (2016). Using habit reversal to decrease filled pauses in public speaking. Journal of Applied Behavior Analysis, 49(1), 1-5. doi10.1002/jaba.267
Massini-Cagliari, G. (2004). Language policy in Brazil: Monolingualism and linguistic prejudice. Language Policy, 3(1), 3-23. doi10.1023/B:LPOL.0000017723.72533.fd
McGregor, W. B. (2009). Linguistics: An introduction. New York: Continuum.
Milan, P. (2011, Maio 20). Use a fala (e vista-se) de acordo com cada ocasião. Gazeta do Povo. Recuperado de http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/use-a-fala-e- -vista-se-de-acordo-com-cada-ocasiao-4lvn93mvzktot25aiidffevri
Mollica, M. C. (2014). Fala, letramento e inclusão social. São Paulo: Editora Contexto.
Naro, A. J. & Scherre, M. M. P. (2007). Origens do português brasileiro. São Paulo: Parábola.
Niederauer, M. (2012, Agosto 27). Estudar o português é investir na carreira. Correio Bra- ziliense. Recuperado de http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ tf_carreira/2012/08/27/tf_carreira_interna,319240/estudar-o-portugues-e-investir-na- -carreira.shtml
O Dia (2012, Setembro 10). Uso correto do português abre portas no mercado de trabalho – Domínio da língua é cada vez mais exigido na hora da contratação. Portal O Dia. Recuperado de http://odia.ig.com.br/portal/educacao/mercadodetrabalho/uso-correto- -do-portugu%C3%AAs-abre-portas-no-mercado-de-trabalho-1.487444
Oliveira, L. C., & Cyranka, L. F. M. (2013). Sociolinguística educacional: Ampliando a com- petência de uso da língua. Revista Soletras, 1(26), 75-90. https://doi.org/10.12957/sole- tras.2013.7392
Paiva, M. C. & Scherre, M. M. P. (1999). Retrospectiva sociolinguística: Contribuições do PEUL. Delta, 15(especial), 201-232.
Razky, A. (2003). Estudos geo-sociolinguísticos no Estado do Pará. Belém: Gráfica e Editora Grafia.
Salomão, A. (2012). Variação e mudança linguística: panorama e perspectivas da Sociolinguística Variacionista no Brasil. Fórum Linguístico, 8(2), 187-207. https://doi. org/10.5007/1984-8412.2011v8n2p187
Silva Júnior, S. N. (2017). O ensino de gramática e o preconceito linguístico nas vozes de professores de língua materna. Revista Diálogos, (18), 224-260. doi 10.13115/2236-1499v2n18p224
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century-Crofts, Inc.
Soares, E. P. M. (2016). Aspectos extralinguísticos no uso das consoantes /λ/ E /ɲ/ nos falares do Pará. Web Revista Sociodioleto, 6(18), 240-257.
Spieler, C. & Miltenberger, R. (2017). Using awareness training to decrease nervous habits during public speaking. Journal of Applied Behavior Analysis, 50(1), 38-47. doi10.1002/ jaba.362
Zozzoli, R. M. D. (2014). Conhecimentos linguístico-discursivos na sala de aula de língua portuguesa: desenvolvendo “táticas” para desobedecer a propostas prontas. Revista Leia Escola, 14(1), 40-50.
Notas
Declaração de interesses
1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
Autor notes
2 Autor responsável pela publicação: José Umbelino Gonçalves Neto, Rodovia Washington Luís, km 235, Caixa Postal 676, CEP: 13565-905, São Carlos, São Paulo, Brasil. E-mail: jugneto@gmail.com
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc