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Recepção: Março 15, 2018
Aprovação: 06 Junho 2018
Resumo: O objetivo deste estudo foi avaliar a participação de mulheres na Análise do Comportamento no Brasil, por meio do exame de diferentes categorias representativas da carreira e produção acadêmicas: 1) egressos de programas de pós-graduação stricto sensu em Análise do Comportamento, 2) publicações em periódicos da área, 3) docência em programa de pós-graduação stricto sensu, 4) editoria em revistas científicas da área e 5) bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq. Os resultados sugerem que a participação feminina diminui com o aumento da seletividade da posição. O percentual de mais de 70% de mulheres formadas nos programas de pós-graduação stricto sensu em Análise do Comportamento não é mantido quando se avança para autoria de artigos em periódicos científicos (60%), docência (51,20%), editoria de periódicos científicos (39,02%) e bolsas de produtividade em pesquisa (32%). Mesmo que a desigualdade entre os gêneros não seja a única explicação para os achados, a hipótese de “teto de vidro” não pode ser, de antemão, rejeitada diante dos dados obtidos. Em vista disso, destaca-se a importância de se implementar uma política científica de identificação de contingências discriminatórias entre os gêneros no ambiente acadêmico-científico, de modo que assimetrias pautadas na desigualdade entre homens e mulheres não sejam perpetuadas.
Palavras-chave: ciência, gênero, Análise do Comportamento, desigualdade, política científica.
Abstract: Gender issues are important aspects of everyday work in science and have been the object of some recent research and analysis. With its large community of behavior analysts and a history of many prominent women in Behavior Analysis, Brazil is a particular context of interest. The goal of this study was to evaluate the participation of women in Behavior Analysis field in Brazil through the examination of different academic career and production dimensions: 1) students of graduate programs in Behavior Analysis, 2) in authoring papers in journals of the field, 3) in teaching master and Ph.D. programs, 4) in editing positions in scientific journals in the area, 5) and as recipients of the Research productivity grant of the Brazilian National Council for Scientific and Technological Development (CNPq). The results suggest that female participation decreases with increasing position selectivity. The percentage of more than 70% of women trained in the graduate programs in Behavior Analysis is not maintained when compared to authorship in scientific journals (60%), teaching positions (51,20%), editing positions of scientific journals (39,02%) and grants for research productivity (32%). The percentage of women in authorship, and in editing positions in Behavior Analysis scientific journals are lower them those found in a general psychology Brazilian journal taken as comparison. No relation between gender of the first author and article citations were found. Even though gender inequality is not the only explanation for the data, the “glass ceiling” hypothesis can not be rejected in advance of the data obtained. This study strengthens the importance of implementing a scientific policy to identify discriminatory gender contingencies in the scientific and academic context in a way that asymmetries based on inequality between men and women are not perpetuated in the area.
Keywords: science, gender, Behavior Analysis, inequality, scientific policy.
A despeito de a história evolutiva da espécie ser responsável pela constituição dos aspectos anatomofisiológicos que compõem os diferentes sexos, o modo como essas diferenças biológicas são concebidas e tratadas no contexto das relações sociais é explicado por práticas culturais (Butler, 1999). O termo gênero tem sido empregado para destacar as diferenças socialmente constituídas entre os diferentes sexos, estabelecendo, em última instância, o que seria entendido por masculino e feminino em uma dada cultura (Bandeira, 2008; Torrão Filho, 2005). É no âmbito de práticas culturais que status, bens, oportunidades, responsabilidades, acesso e controle sobre recursos são distribuídos diferencialmente para homens e mulheres. O que tem sido discutido é que em algumas culturas tal distribuição não é apenas diferente, mas desigual, criando um sistema de privilégios que favorece os homens em detrimento das mulheres (e.g., Bourdieu, 1998/2012; Terry, Bolling, Ruiz, & Brown, 2010).
A desigualdade entre os gêneros é evidenciada por estudos que exploram diferentes contextos nos quais ela se verifica, tais como, no trabalho (Nascimento, 2016; Oliveira, 2016), na política (Brasil, 2015), na educação formal (Vianna & Finco, 2009), na religião e nas relações domésticas (Rodrigues, Nascimento, & Nonato, 2015). A assimetria de poder e de privilégios entre homens e mulheres presente nessas diversas esferas sociais também pode ser acompanhada por formas de violência mais explícitas, como o assédio moral e sexual no contexto político e do trabalho (Ferreira, Miranda, Sena, Santos, & Souza, 2017), e a violência física perpetrada pelo parceiro íntimo no âmbito doméstico, podendo culminar no feminicídio (Balestero & Gomes, 2015; Guerin & Ortolan, 2017). Em todas essas dimensões sociais, há uma valorização de padrões específicos de masculinidade, associados à virilidade, racionalidade, assertividade, competividade, e uma visão negativa das mulheres e da feminilidade, uma vez que estão vinculadas à noção de passividade, submissão, sensibilidade, emotividade e abnegação (Bourdieu, 1998/2012).
Como a ciência é parte e expressão da cultura, a desigualdade construída entre os gêneros, observada nos mais variados contextos socioculturais, pode também estar sendo reproduzida, e até mesmo encorajada, pela própria atividade científica (Keller, 1985; Nucci, 2018). Como destacam Lázaro e Montechiare (2014), “a questão da desigualdade de gênero não parece ser um problema da ‘sociedade’, entendida como um ‘outro’ que está em torno, mas distante, de quem fala; a desigualdade de gênero está enraizada na própria academia, em suas esferas mais qualificadas” (p. 4). Pautando-se nisso, tem havido um recrudescimento do debate acerca da participação do gênero feminino na ciência, nos âmbitos histórico (Nascimento, 2016), epistemológico (Bandeira, 2008; Nucci, 2018) e cultural (Citeli, 2001). A discussão também tem problematizado a sub-representação das mulheres em áreas específicas do conhecimento, como nas ciências exatas (e.g., matemáticas, engenharia, computação e física) (Carli, Alawa, Lee, Zhao, & Kim, 2016; Nascimento, 2016), dando relevo a iniciativas para aumentar a participação feminina nesses e em outros campos (e.g., Nature, 2018; Smith et al., 2015).
Mesmo que avanços no sentido da equidade tenham sido alcançados, inclusive no Brasil, como sugerem os dados do relatório Gender in the Global Research Landscape (2017), a pergunta que tem sido feita, em algumas áreas, não é tanto “por que tão poucas?”, mas “por que tão poucas nos espaços de maior poder e prestígio do campo científico?” (Nascimento, 2016, p. 332). Isso porque o que tem se verificado é uma sub-representação das mulheres quando se avança para posições de mais notoriedade na hierarquia científica (e.g., Díaz, 2009; Osborn, 2009).
No âmbito da psicologia científica, a Análise do Comportamento, pelo menos desde a década de 1980, tem produzido estudos acerca da representação das mulheres na área (Nosik, Luke, & Carr, 2018). As pesquisas têm se pautado em diferentes categorias de análise para aferir a participação feminina na Análise do Comportamento, tais como: (i) certificação de novos analistas do comportamento (e.g., Nosik, Luke, & Carr, 2018); (ii) participação em congressos da área (e.g., Poling et al., 1983; Nosik, Luke, & Carr, 2018; Simon, Morris, & Smith, 2007); (iii) modalidades de apresentação de trabalhos (painel, comunicação oral, conferências e palestras) (e.g., Poling et al., 1983; Nosik, Luke, & Carr, 2018); (iv) publicação de artigos nos principais periódicos científicos (Journal of the Experimental Behavior Analysis, Journal of Applied Behavior Analysis e The Behavior Analyst) (e.g., Iwata & Lent, 1984; McSweeney & Swindell, 1998; McSweeney, Donahoe, & Swindell, 2000; Nosik, Luke, & Carr, 2018; Poling et al., 1983); (v) editoria de periódicos de Análise do Comportamento (Nosik, Luke, & Carr, 2018); (vi) prêmios de carreira (Nosik, Luke, & Carr, 2018).
Em linhas gerais, os estudos sugerem que existem assimetrias entre os gêneros evidenciadas na sub-representação das mulheres em posições de mais prestígio no âmbito acadêmico, o que acompanha os achados em outras áreas científico-acadêmicas e na ciência em geral (Nosik, Luke, & Carr, 2018). Contudo, há divergências quanto à interpretação dos dados e suas implicações para eventuais mudanças na política científica na área (c.f. McSweeney & Swindell, 1998, 2001; Myers, 1993a, 1993b; Neef, 1993; Odum, 2000). Por vezes, essas disparidades são nomeadas como “teto de vidro” – um conjunto de práticas inconspícuas que criaria obstáculos (uma “barreira invisível”) à ascensão das mulheres a posições de mais prestígio em uma dada estrutura organizacional (e.g., hierarquia científica) (Díaz, 2009) –, que estaria, então, presente na Análise do Comportamento (e.g., McSweeney & Parks, 2002; McSweeney & Swindell, 2001; Myers, 1993a). Outros já argumentam que tais diferenças não decorrem exatamente de práticas discriminatórias contras as mulheres, alegando que o trabalho de homens e mulheres é avaliado do mesmo modo (e.g., Odum, 2000), e que outras variáveis deveriam ser consideradas na compreensão dessas diferenças (e.g., número de submissão de artigos por mulheres e homens, diversidade de interesses e habilidades entre homens e mulheres) (Neef, 1993; Odum, 2000). Tais ilações, por seu turno, também foram criticadas em trabalhos posteriores, argumentando que a hipótese de “teto de vidro”, e da desigualdade de gênero a ela associada, ainda é plausível para descrever as desproporções de gênero na área (e.g., McSweeney & Swindell, 2001; Myers, 1993a).
Embora os resultados gerais do último relatório sobre a representação das mulheres na Análise do Comportamento indiquem que um “claro progresso tem sido feito” (Nosik, Luke, & Carr, 2018, p. 8), é preciso explorar fatores que possivelmente “ainda existam tanto na área quanto na sociedade em geral, que funcionam como obstáculos ao avanço na carreira de algumas mulheres” (p. 8). Com base nisso, os autores do relatório reiteram a importância de periodicamente avaliar os dados arrolados em seu artigo (Nosik, Luke, & Carr, 2018).
Trabalho semelhante não tem sido feito sobre a Análise do Comportamento no Brasil. É certo que a história da Análise do Comportamento brasileira, diferentemente da estadunidense, é caracterizada pela presença marcante de mulheres (Keller, 1988), a exemplo de Carolina Martuscelli Bori (1924-2004) e Maria Amélia Matos (1939-2005). No entanto, ainda não está claro o papel atuante dessas e outras mulheres importantes na história dessa teoria no Brasil, criando um ambiente favorável à igualdade entre gêneros na área. Será que a prática científico-acadêmica da Análise do Comportamento nacional reproduz as assimetrias de gênero verificadas na sociedade de um modo geral, e nos estudos internacionais da área em particular? Considerando esses aspectos, o objetivo deste artigo é avaliar, ainda que de modo preliminar, a participação de mulheres na Análise do Comportamento no Brasil, por meio do exame de diferentes categorias representativas da carreira e produção acadêmicas.
MÉTODO
A participação das mulheres na Análise do Comportamento brasileira foi investigada de acordo com estas categorias: 1) egressos de programas de pós-graduação stricto sensu em Análise do Comportamento, 2) publicações em periódicos da área, 3) docência em programas de pósgraduação stricto sensu, 4) editoria em revistas científicas do campo, 4) bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq. Para o registro e a classificação desses dados foram utilizados os seguintes procedimentos.
Pós-graduação stricto sensu: para a obtenção dos dados relativos à pós-graduação stricto sensu foram consultadas as páginas web dos programas de pós-graduação indicados pela Associação Brasileira de Análise do Comportamento (ACBr, s.d.). Os docentes e ex-docentes que orientam ou orientaram nesses programas até 2016 tiveram seus currículos lattes analisados, sendo classificados ou não como analistas do comportamento com base nos seguintes critérios de acreditação da ABPMC (2017): 1) ter pelo menos dois artigos publicados em revistas nacionais ou internacionais reconhecidamente de Análise do Comportamento, com conceito igual ou superior a B2 na avaliação Qualis-CAPES; 2) ter publicado pelo menos três artigos, capítulos de livros ou coletâneas, nacionais ou internacionais, a respeito de comportamento; 3) ter exercido ou exercer o cargo de editor, editor associado, membro do Conselho Editorial ou parecerista ad hoc de revistas nacionais ou internacionais de Análise do Comportamento, avaliadas pela Capes com o conceito igual ou superior a B2, por, pelo menos, um mandato integral; 4) ser egresso de qualificação avançada, especialização credenciada pelo MEC ou pelo Conselho Federal de Psicologia ou realizada por instituição de ensino superior, que tenha como coordenador e, pelo menos, um terço do corpo docente, composto por analistas do comportamento acreditados pela ABPMC; 5) ser egresso de programas de mestrado ou de doutorado recomendados pela CAPES, que contenha em seu título – ou no título da área ou linha de pesquisa realizada pelo candidato – termos explicitamente relacionados à Análise do Comportamento; 6) ter orientado pelo menos cinco dos seguintes tipos de trabalhos – dissertações de mestrado, teses de doutorado, trabalhos de conclusão de mestrado profissional – todos no domínio da Análise do Comportamento e como docente permanente em programas de mestrado ou doutorado recomendados pela Capes; e 7) ter orientado pelo menos cinco trabalhos de Conclusão de Curso de Graduação ou Especialização –– todos no âmbito da Análise do Comportamento. Do conjunto de professores assim identificados, 12 não finalizaram orientação dos alunos de mestrado e/ou doutorado até a data da análise (13 de julho de 2017), não possuíam currículo lattes ou seu currículo apresentava apenas as informações de identificação. Esses professores foram excluídos da análise. Dos 19 programas inicialmente selecionados, apenas o Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSJ não apresentou docentes classificados como analistas do comportamento, de modo que foi também excluído da análise. Todos os alunos orientados pelos professores que foram classificados como analis- tas do comportamento foram registrados.
Periódicos de Análise do Comportamento: foram considerados periódicos de Análise do Comportamento aqueles que cumpriram, simultaneamente, dois critérios: 1) publicação de artigos em português, e 2) políticas editoriais explicitamente vinculadas à Análise do Comportamento. De acordo com esses critérios, foram selecionadas a Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva (RBTCC), a Revista Brasileira de Análise do Comportamento (REBAC) e a revista Perspectivas em Análise do Comportamento (PAC). A revista Acta Comportamentalia (ACTA) também foi incluída porque, apesar de não ser uma revista brasileira, ela tem um editor próprio para o Brasil e porque tem sido um dos principais periódicos nos quais os analistas do comportamento brasileiros publicam. Além disso, a revista Interação em Psicologia foi utilizada como parâmetro de comparação na análise por se tratar de um periódico generalista em Psicologia e que publicou, no período analisado, mais artigos do que qualquer um dos periódicos de Análise do Comportamento. O gênero de todos os autores que publicaram nesses periódicos entre os anos de 1997 e 2016 foi registrado.
Editoria em periódicos de Análise do Comportamento: as informações sobre o corpo editorial (editor geral e editores associados) foram obtidas diretamente com os editores das revistas, em seus sítios eletrônicos ou verificados nos editoriais das revistas. A revista Acta Comportamentalia teve seu corpo editorial classificado de acordo com as publicações em francês, espanhol e italiano distintamente das publicações em português, sendo apenas o último considerado na análise. O gênero dos membros do corpo editorial das revistas mencionadas também foi avaliado.
Bolsistas produtividade do CNPq: com base na lista de docentes classificados como analistas do comportamento nos programas de pós-graduação, foram identificados no site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) quais eram bolsistas de produtividade em pesquisa no ano de 2017 (CNPq, 2017). Além disso, esses professores foram diferenciados quanto à categoria/nível de bolsa produtividade (Sênior, 1A, 1B, 1C, 1D e 2).
Classificação do gênero: em todos os casos, o gênero das pessoas identificadas foi classificado como “homem” ou “mulher” e inferido a partir de seus primeiros nomes de acordo com seu uso típico. Caso não fosse possível inferir o gênero a partir do primeiro nome, uma busca do perfil da pessoa em páginas da web como LinkedIn, Plataforma Lattes e Research Gate era realizada a fim de descobrir seu gênero por meio de autodescrições e/ou fotos.
RESULTADOS
Egressos de programas de pós-graduação stricto sensu
Dos 18 programas de pós-graduação stricto sensu em Análise do Comportamento considerados no estudo, 11 possuem tanto programas de mestrado quanto de doutorado, 6 possuem apenas programa de mestrado e um é da modalidade “mestrado profissional”. O percentual de mulheres formadas no mestrado por orientadores analistas do comportamento durante toda a história destes programas é de 74,87%, enquanto no doutorado é de 73,64%. Trata-se de valores muito próximos entre si, porém distantes do percentual de mulheres formadas nos cursos de graduação em Psicologia, que corresponde a cerca de 89% (Lhullier, 2013).

analistas do comportamento entre 70% e 87%. Cinco programas apresentaram percentuais menores: UFMS (66,67%), Centro Paradigma (66,67%), USP-Psicologia Experimental (60,00%), UFES (41,67%) e USP-Neurociências (40,00%); e apenas a USP-RP apresentou um percentual maior (90,91%). Desses programas, entretanto, cinco tiveram menos de 12 alunos formados sob orientação de analistas do comportamento, o que torna as porcentagens identificadas pouco comparativas aos demais programas. A exceção é o programa de mestrado da USP-Psicologia Experimental que formou 60 pessoas sob orientação de analistas do comportamento – esse parece formar significativamente menos mulheres em comparação aos demais.
A Figura 2 ilustra o total de egressos em todos os programas de mestrado e doutorado ao longo dos anos, além de quantos programas formaram mestres e doutores nos anos destacados.

É possível observar na Figura 2 que, a partir dos anos 2000, houve um aumento na proporção de homens que se formaram em programas de mestrado. No ano de 2007 nota-se, novamente, um aumento de egressos do gênero masculino, mas, dessa vez, nos programas de doutorado.
Publicações em periódicos de Análise do Comportamento
O exame dos periódicos de Análise do Comportamento considerou todos os números já publicados pelas revistas até o ano de 2016. A REBAC publica desde 2005; a ACTA desde 1993; a PAC publica desde 2010; e a RBTCC desde 1999. Foram analisadas a quantidade e proporção de nomes femininos entre os autores dos periódicos mencionados e a posição desses autores na publicação. Partiu-se do entendimento de que a primeira posição na autoria é uma posição de destaque, uma vez que geralmente representa o principal autor do estudo. Resenhas, comunicações breves, tradução de artigos clássicos, memoriais, obituários, comentários e respostas, nota do editor, artigos em outros idiomas que foram publicados em português no mesmo número, notas técnicas, editoriais e homenagens não foram incluídos nessa análise. Esses artigos totalizaram 113 textos.
A análise da autoria feminina está resumida na Tabela 1. Para realizar uma comparação com um periódico generalista de Psicologia foi feita análise da revista Interação em Psicologia, que publica desde 1997.

Em todas as revistas de Análise do Comportamento o percentual de mulheres primeiras autoras foi menor do que o percentual total de mulheres autoras. Na revista Interação em Psicologia também foi encontrado esse padrão; contudo, este periódico apresenta uma proporção de mulheres maior do que todos os periódicos de Análise do Comportamento analisados. A RBTCC é a única com percentual de primeiras autoras similar ao da revista Interação em Psicologia. É interessante notar que apesar de a RBTCC ser a revista com maior participação feminina é também aquela com política editorial mais abrangente, incluindo publicações que não são de Análise do Comportamento. Não foram encontradas correlações significativas ou relevantes entre gênero dos autores e citações recebidas nos artigos (r = -.010, p = 0.736). A análise longitudinal de cada revista em relação ao total de autoria feminina está ilustrada na Figura 3.
Há grandes variações anuais na porcentagem de autoras mulheres em todos os periódicos. Ainda assim, parece haver uma pequena tendência de aumento da autoria feminina nos últimos anos na RBTCC e na PAC. O volume 9 de 2013 da REBAC é uma exceção notável. Esse volume é constituído de dois números especiais que apresentaram artigos com um ou dois autores convidados, todos do gênero masculino.

Docência em programa de pós-graduação stricto sensu em Análise do Comportamento
Dentre os 125 docentes e ex-docentes identificados, 64 são mulheres – o que representa 51,2%, porcentagem ainda mais distante do percentual de graduadas em Psicologia e do percentual feminino na pós-graduação stricto sensu.
Editoria em revistas científicas de Análise do Comportamento
Os dados relativos à distribuição de homens e mulheres nas funções de editor chefe e editor associado nos periódicos científicos da área estão descritos na tabela que segue.

No caso da ACTA foram analisados apenas os editores de língua portuguesa.
A análise geral do corpo editorial de periódicos de Análise do Comportamento brasileiros demonstrou que não há um equilíbrio na participação de homens e mulheres nas funções de editor chefe e editor associado, em prejuízo das mulheres (37% das pessoas que já assumiram a função de chefe e 40% das que assumiram a função de editor associado). O corpo editorial de língua portuguesa da revista Acta Comportamentalia foi o que demonstrou a maior quantidade de mulheres na editoria, sendo elas 57% dos editores chefe e 52% dos editores associados. A revista Perspectivas em Análise do Comportamento obteve o menor número de mulheres na editoria, sendo que ainda não teve nenhuma mulher no cargo de editor chefe e apenas 24% dos editores associados eram mulheres.
Bolsistas produtividade em pesquisa do CNPq
Dentre analistas do comportamento que são professores de programas de pós-graduação stricto sensu no Brasil foram identificados 25 bolsistas de produtividade em pesquisa pelo CNPq. Os níveis de bolsa com bolsistas analistas do comportamento identificados variam de Sênior (SR) até 2, sendo SR o nível mais alto. No nível SR foi encontrada uma bolsista; no nível 1A apenas uma bolsista; no nível 1B foram encontrados três bolsistas, dos quais uma é mulher; no nível 1C foram encontrados dois bolsistas, sendo um homem e uma mulher; no nível 1D foram encontra- dos quatro bolsistas, todos homens; por fim, no nível 2, foram encontrados quatorze bolsistas, dos quais quatro são mulheres. Assim, dos 25 bolsistas totais, 8 eram mulheres (32%). É preciso considerar, entretanto, que, diferente das demais avaliações apresentadas neste estudo, os dados relativos às bolsas de produtividade em pesquisa refletem apenas a posição atual, pois se referem ao ano de 2017. Dados de anos anteriores não estavam acessíveis.
Análise geral
A análise conjunta das diferentes medidas registradas neste estudo permite identificar que quanto maior o grau de formação acadêmica menor é a participação de mulheres. Algo similar ocorre quando se analisa a ocupação de atividades prestigiosas na docência como a ocupação de posição de editoria de revistas científicas ou a obtenção de bolsas de produtividade em pesquisa. Essa tendência pode ser verificada na Figura 4.

DISCUSSÃO
O peso relativo do gênero na configuração da profissão de psicólogo, caracterizado pela proporção de 89% de mulheres graduadas (Lhullier, 2013), inclui a Psicologia na categoria de profissão feminina (Bastos, Gondim, & Borges-Andrade, 2010, p. 420; Castro & Yamamoto, 1998). A Análise do Comportamento brasileira também pode ser considerada uma área de conhecimento “feminina” na medida em que reproduz, embora não na mesma proporção, a tendência mais geral da Psicologia de haver uma concentração maior de mulheres que homens, em algumas instâncias, como se verifica no percentual de mulheres formadas na pós- graduação stricto sensu (75% no mestrado e 74% no doutorado) –um percentual que ultra- passa aquele verificado na pós-graduação brasileira stricto sensu em geral, que totalizava, em 2016, 54% de mulheres (CAPES, 2018).
Considerando que o número de mulheres formadas nos programas de pós-graduação stricto sensu em Análise do Comportamento ultrapassa o percentual de 70%, talvez a questão que precise ser feita não é tanto por que tão poucas mulheres na Análise do Comportamento no Brasil, mas como se dá a distribuição das mulheres nas posições de maior prestígio na política científica da área.
Com respeito a esse aspecto, os dados sugerem que a participação feminina diminui com o aumento da seletividade da posição. O percentual de mais de 70% de mulheres formadas nos programas de pós-graduação stricto sensu em Análise do Comportamento não é mantido quando se avança para autoria de artigos em periódicos científicos (60%), docência (51,2%), editoria de periódicos científicos (39,02%) e bolsas produtividade em pesquisa (32%).
Apesar de serem maioria do corpo discente, tanto na graduação quanto na pós-graduação, a composição de mulheres na docência no ensino superior no país ficou em 45%, crescendo apenas 1% na última década, conforme dados de 2016 (Sugimoto, 2018). Movimento semelhante é verificado na Análise do Comportamento nacional: mesmo atingindo o maior número de egressos da pós-graduação stricto sensu (75% no mestrado e 74% no doutorado) e publicando em proporções superiores aos homens (60%), o percentual de mulheres analistas do comportamento não acompanha essa tendência quanto à empregabilidade, caindo de 74% de mulheres doutoras para 51,2% de mulheres na docência. A diferença na proporção de mulheres analistas do comportamento formadas na pós-graduação stricto sensu e na docência pode ser ponderada em função da distribuição dos gêneros por área de atuação, algo que também precisa ser apurado no contexto da Análise do Comportamento nacional.
As mudanças pelas quais os programas de pós-graduação no Brasil têm passado – prin- cipalmente a partir de 1996-1997, quando foi implementado o atual “Modelo Capes de Avaliação” dos programas de pós-graduação stricto sensu – contribuíram para que a produção acadêmica se tornasse um dos principais aspectos que aferem competência científica, criando também uma “cultura produtivista” que tem vigorado no país nos últimos anos (Sacco et al., 2016, p. 296). Isso porque status científico e acesso a outros recursos, como financiamento para pesquisas, bolsas de iniciação científica ou bolsa de produtividade em pesquisa, dependem, em alguma medida, da quantidade da publicação científica. Os dados divulgados no relatório Gender in the Global Research Landscape (2017) mostram que, no Brasil, as mulheres estão publicando quase que na mesma proporção que os homens (49% mulheres e 51% homens). Os dados relativos à publicação de mulheres analistas do comportamento ultrapassam esse percentual, perfazendo o total de 60%, considerando os artigos publicados nos principais periódicos analítico-comportamentais nacionais (RBTCC, REBAC, PAC) mais o periódico Acta Comportamentalia. Quando se avança para a categoria de “primeiras autoras” a proporção diminui ligeiramente em comparação com o percentual total de autoras, indo de 60% para 57%.
Embora outros aspectos, além do número de publicações, possam ser utilizados para avaliar competência científica, e do fato de as mulheres publicarem em maior proporção nos periódicos de Análise do Comportamento em comparação com os homens, há uma desproporção na participação de mulheres, de modo desfavorável a elas, quando se avança para a editoria científica dos periódicos da área, tanto nas funções de editor chefe (37%) quanto de editor associado (40%). A proporção de mulheres na editoria dos periódicos investigados, sem distinguir entre as atividades de editor chefe e editor associado, é de 52% (Acta), 47% (REBAC), 31% (RBTCC) e 24% (PAC). Com exceção da Acta, os dados obtidos no âmbito da Análise do Comportamento brasileira reproduzem a tendência daqueles obtidos nas pesquisas analítico-comportamentais internacionais quanto a uma menor participação de mulheres na equipe editorial dos periódicos da área (Nosik, Luke, & Carr, 2018). Vale mencionar ainda que os dados relativos à participação de mulheres na editoria de periódicos científicos de Análise do Comportamento, e também aqueles relacionados à publicação, destoam daqueles referentes ao periódico nacional Interação em Psicologia, cuja política editorial não é voltada para publicação de textos de uma orientação teórica específica em Psicologia. Nesse periódico, verifica-se um equilíbrio na proporção de homens e mulheres na função de editor chefe (50%), e uma maior participação de mulheres na condição de editor associado (60%). Com relação à publicação, enquanto o percentual de autoras e primeiras autoras na Interação em Psicologia é de 73% e 70%, respectivamente, nos periódicos de Análise do Comportamento esse percentual é de 60% e 57%. À semelhança das conclusões do estudo de Poling et al. (1983), isso pode sugerir que a área tem tido menos sucesso em comparação com outros campos da Psicologia em aumentar a participação das mulheres como editoras e autoras.
Algumas pesquisas no âmbito da Análise do Comportamento têm ampliado as categorias de análise a respeito da representação das mulheres em atividades que ajudam a avançar a carreira acadêmica, como a participação em diferentes modalidades de apresentação de trabalho em congressos (e.g., painéis, comunicação oral, conferências), sendo considerada ainda de mais prestígio a categoria de palestrantes convidados (Nosik, Luke, & Carr, 2018; Poling et al., 1983; Simon, Morris, & Smith, 2007). A realização de um volume especial na REBAC, em 2013, no qual dois números foram produzidos, sendo que dos artigos publicados de pessoas convidadas, todas eram do gênero masculino, é um aspecto que merece ser pontuado, e abre o flanco para que estudos futuros considerem essas categorias para uma análise da área em âmbito nacional.
Ainda com respeito a posições de prestígio na hierarquia científica, no Brasil, as bolsas de produtividade em pesquisa, concedidas pelo CNPq, são uma marca distintiva de competência científica (Guedes, 2014). De acordo com Sacco et al. (2016), o objetivo desse tipo de benefício não é claro: se é para “premiar os pesquisadores por sua produção ou incentivá-los a produzir mais e melhor”, ou mesmo para “promover o reconhecimento dos pesquisadores que se destacam em suas áreas . . . provocando um aumento no status das pessoas beneficiadas” (p. 294). A despeito disso, pode-se dizer que o contingente de pesquisadores bolsistas de produtividade em pesquisa (PQ) representa, nos termos de Guedes (2014), “uma elite de pesquisadores” no país, pois “o universo de pesquisadores é muito mais amplo que o grupo contemplado com o benefício”. O nível de seletividade também aumenta na esfera da concessão desse benefício: os bolsistas são divididos inicialmente em dois grandes grupos 1 e 2, sendo o primeiro o mais elevado. O grupo 1, por sua vez, é subdividido nos níveis SR, A, B, C, D, em ordem decrescente de importância: a bolsa produtividade sênior (SR) é “tradicionalmente concedida a pesquisadores renomados que tenham permanecido durante pelo menos 15 anos com bolsas PQ 1A ou 1B” (Sacco et al., 2016, p. 297); “o nível A é aquele que reúne os bolsistas de renome” (p. 294), que já exibem uma carreira acadêmica consolidada, tanto em termos de produtividade científica (nacional e internacional) quanto em posições de liderança acadêmica e potencial de formação de novos pesquisadores. Na pesquisa realizada por Sacco et al. (2016), foi analisado o perfil de pesquisadores atuantes na Psicologia no triênio 2012- 2014. Da amostra de 338 currículos examinados, 60% eram de bolsistas produtividade da categoria 2 e somente 9% dos pesquisadores estavam concentrados na categoria 1A.
Quanto à distribuição das bolsas por gênero, a maioria dos pesquisadores bolsistas de produtividade em pesquisa eram mulheres (63%), sem diferença significativa para a distribuição nos estratos de bolsa em função dessa variável (Sacco et al., 2016). Todavia, o número de mulheres beneficiadas com a bolsa da categoria 2 é 8,31 vezes maior do que o número de mulheres que recebem bolsa da modalidade 1A; já com respeito aos homens essa proporção diminui quase pela metade (4,73) (Sacco et al., 2016).
Embora a Análise do Comportamento possa ser considerada uma área de conhecimento tipicamente feminina, pautando-se no percentual de mais de 70% de mulheres analistas do comportamento formadas nos programas de pós-graduação stricto sensu, essa classificação vai perdendo sua força quando se consideram os dados relativos à bolsa de produtividade em pesquisa. Dos 25 bolsistas produtividade analistas do comportamento identificados, em 2017, apenas 8 (32%) eram mulheres. A proporção se distancia do percentual de mulheres doutoras analistas do comportamento (74%) e também do percentual feminino de pesquisadores bolsistas de produtividade em pesquisa na área de Psicologia (63%). Em todos os estratos, há uma concentração maior de analistas do comportamento mulheres bolsistas de produtividade na categoria 2 (4) e uma mulher em cada uma das demais modalidades de bolsa (SR, 1A, 1B, 1C), com exceção da categoria 1D, em que não havia nenhuma. Já no caso dos analistas do comportamento homens, mesmo concentrando 68% das bolsas de produtividade em pesquisa, não havia representantes masculinos nas categorias superiores (SR e 1A), havendo uma maior concentração na categoria 2 (10) e 1D (4), e o restante distribuído entre as demais modalidades de bolsa.
No caso da Psicologia, em particular, os critérios considerados para a concessão das bolsas de produtividade, no triênio 2015-2017, “colocaram ênfase em aspectos relacionados ao mérito técnico e científico do projeto de pesquisa proposto e à produção do pesquisador” (Sacco et al., 2016, p. 295). Os autores destacaram ainda que “A produção científica tem peso determinante na análise e julgamento das propostas. Ou seja, enquanto a orientação de mestrandos e doutorandos é responsável por 30% do total da avaliação, 70% corresponde à produtividade do pesquisador” (p. 295), e quanto ao impacto da inserção na área esclareceram que “não é calculado de maneira quantitativa, mas contribui para a avaliação global do perfil de produtividade de cada candidato” (p. 295). A despeito de não ser o único critério a ser considerado no arbítrio da concessão de bolsas, a quantidade da publicação é um fator de decisivo. Analisando apenas esse aspecto, vale recuperar que a proporção de mulheres analistas do comportamento autoras e primeiras autoras ultrapassam o percentual de 55%, em comparação com os homens, o que também se distancia do percentual de 32% de mulheres bolsistas de produtividade em pesquisa analistas do comportamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Admitindo que uma sociedade que investe em ciência tem mais chances de crescer, inclusive economicamente, tem havido várias iniciativas para aumentar a participação das mulheres no campo científico (Carli et. al., 2016; Smith et al., 2015). A questão do gênero, em ciência, ultrapassa a mera declaração de sexo, para se tornar um critério aferidor de políticas científicas, mesmo por agências de fomento; e, em alguns países europeus, a participação do gênero está pautando também a apreciação de projetos de pesquisa, por vezes solicitando explicações quando da não participação feminina (Science Europe, 2017).
Esse quadro ilustra a importância do estudo do gênero na compreensão da evolução e da dinâmica científicas, mesmo para aquelas áreas do conhecimento consideradas tipicamente femininas, como é o caso da Psicologia de um modo geral, e da Análise do Comportamento em particular. A Análise do Comportamento estadunidense tem conduzido investigações dessa natureza pelo menos desde a década de 1980, algo que não tem sido feito no domínio nacional. Na tentativa de preencher essa lacuna, o objetivo deste artigo foi examinar a participação feminina em atividades acadêmico-científicas da Análise do Comportamento no Brasil, considerando: egressos de pós-graduação stricto sensu, docência, autoria em periódicos, editoria científica e bolsa de produtividade em pesquisa.
O que se verificou é que a proporção de participação de mulheres nessas atividades diminui com o aumento da seletividade da posição na hierarquia científica. Esse dado coincide com os achados analítico-comportamentais internacionais, especialmente com respeito a menor proporção de mulheres na editoria científica; e também com o quadro da evolução científica nacional, no tocante à docência no ensino superior, em que a participação feminina é minoria, a despeito de integrarem a maioria do contingente discente na graduação e na pósgraduação.
Como entender essas desproporções? Do caminho entre a “escolha” por Psicologia e Análise do Comportamento como orientação teórica, até a ocupação nas mais altas posições na hierarquia científica, há certamente uma plêiade de variáveis a serem levadas em conta e que não foram investigadas neste estudo preliminar. Além disso, não se pode descartar a participação de fatores idiossincráticos, e mesmo as diferenças socialmente constituídas que podem estar na base dos distintos interesses e habilidades de homens e mulheres. Como disse Díaz (2009), “não há nada errado com um ser humano se identificando com os papéis sociais mais comuns para o seu sexo, desde que eles tenham um valor social similar. Mas esse não é o caso” (p. 7). Isso porque há, geralmente, uma supervalorização das funções masculinas em detrimento das femininas e, desde a infância, existem formas de controle social diferenciais para homens e mulheres que condicionam “seus interesses e habilidades” em função dos diferentes prospectos que a sociedade oferece a cada um dos gêneros (Bourdieu, 1998/2012; Díaz, 2009).
Dessa perspectiva, “as instituições científicas e acadêmicas compartilham dos preconceitos de gênero das sociedades das quais fazem parte e que, por sua vez, moldam” (Díaz, 2009, p. 7). Ainda que tenham sido examinados apenas os produtos do comportamento do cientista (e.g., publicações) e não o comportamento de fazer ciência propriamente dito, essa possibilidade, aventada por Díaz (2009), também não está descartada para a Análise do Comportamento nacional, uma vez que as contingências que integram suas práticas científicas se articulam com práticas da sua cultura – uma cultura que também perpetua desigualdades entre os gêneros. Mas em que medida a disparidade entre gêneros na área seria esclarecida por práticas discriminatórias contra as mulheres, reproduzidas no âmbito da dinâmica científica dos analistas do comportamento, é algo que precisa ser também apurado por investigações complementares, que ampliem e diversifiquem tanto as categorias de análise quanto as estratégias metodológicas adotadas por este estudo. Mesmo que a desigualdade entre os gêneros, e a hipótese de “teto de vidro” a ela associada, não seja a única explicação para os achados, já que não é factível testar e rejeitar todas as outras explicações possíveis, ela também não pode ser, de antemão, rejeitada, diante dos dados obtidos.
Em vista disso, é preciso implementar no âmbito da Análise do Comportamento, como tem sido feito em diferentes áreas de conhecimento (Díaz, 2009; Smith et al., 2015), uma política científica de identificação dos fatores ou contingências discriminatórias entre os gêneros, ampliando o conhecimento das variáveis que controlam o comportamento dos(as) cientistas. Se se considera desejável aumentar a participação das mulheres nas atividades científicas e na geração de produtos científicos, “buscar esse objetivo requer um entendimento daqueles comportamentos que levam aos produtos desejados. Infelizmente, nós, analistas do comportamento, até agora não conseguimos realizar uma análise científica do comportamento científico” (Poling et al., 1983, p. 149). A despeito disso, a Análise do Comportamento detém ferramentas conceituais, como a análise funcional, bem como procedimentos metodológicos capazes de ajudar a identificar e esclarecer contingências sociais dessa natureza em seu próprio campo e domínio.
Esta pesquisa é uma tentativa de criar subsídios para discussões sobre o papel do gênero na prática acadêmico-científica analítico-comportamental no Brasil, no intuito de que também dê ensejo ao estudo de outras identidades de gênero, como a de travestis, transexuais e transgêneros, considerando também outros vetores de desigualdade social, como raça/etnia e classe, que estão relacionados com distorções de gênero.
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