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O uso de dicas para o ensino de leitura e matemática
Ana Raquel Queiroz Amaral; Ângela Maria Menezes Duarte; Raquel Maria Melo
Ana Raquel Queiroz Amaral; Ângela Maria Menezes Duarte; Raquel Maria Melo
O uso de dicas para o ensino de leitura e matemática
Prompts and teaching reading and math
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 27, núm. 3, pp. 315-332, 2019
Universidad Veracruzana
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Resumo: O objetivo deste artigo consistiu em verificar o efeito do uso de dicas sobre o repertório de leitura e matemática de uma participante de 8 anos com desenvolvimento típico que apresentava baixo desempenho escolar. Foram realizadas 30 sessões, sendo 26 de treino e quatro de teste. Nos treinos, as tarefas eram apresentadas no caderno com letra cursiva sem opções de escolha. Na leitura foram utilizados: oralização e cópia de sílabas, palavras e frases, e ditado. Na matemática foram utilizados: oralização das sentenças, o uso dos dedos para operar com os números e a escrita do resultado no caderno. As dicas disponibilizadas poderiam ser visuais, vocais, ou gestuais, e foram retiradas ao longo do estudo. Os resultados mostraram aquisição de repertório em todas as categorias treinadas. O desempenho da participante foi de 100% de acerto na leitura de palavras treinadas e de palavras e frases novas e recombinadas, e também foi verificada leitura com compreensão. Na matemática, a criança passou a discriminar os números e a realizar operações de treino e generalização. Os resultados desse estudo sugerem que o uso de dicas combinado aos procedimentos da Análise do Comportamento, são eficazes para ensinar crianças com baixo desempenho escolar.

Palavras-chave:dicasdicas,análise aplicada do comportamentoanálise aplicada do comportamento,leituraleitura,matemáticamatemática,baixo desempenho escolarbaixo desempenho escolar.

Abstract: Reading and math skills are often required on a day-to-day basis. However, the performance of Brazilian students is much lower than expected in both skills. Studies in the area of Behavior Analysis have shown useful procedures for teaching reading and mathematical skills. The aim of this article was to verify the effect of the use of prompts on the repertoire of reading and mathematics of an 8 years old student with typical development who presented low school performance. Thirty sessions were conducted, each lasting 50 minutes. The reading and math training occurred alternately. In both reading and mathematics we performed a Pre-test, Training 1, Post-test 1, Training 2 and Post-test 2. The tasks were displayed in the exercise book with cursive letters with no options of choice and the tasks were planned according to the results of the Pre-test. Aiming at learning with minimal errors, prompts were available in the training and they could be vocal, visual or gestural, and they were faded throughout the study. In the reading tasks were trained words with simple syllables, words with difficulties of the Portuguese language and phrases. For the training were used: pairing of the letter, phoneme and figure, oralization and copying of syllables, words and phrases, and dictation. In the mathematics tasks were trained operations with: numerical discriminations, single digit addition, two digit addition, single digit subtraction, two digit subtraction, addition with regrouping, subtraction with regrouping and single digit multiplication. The following training strategies were used: sentences oralization, the use of the fingers to operate with numbers and the result writing in the exercise book. Correct answers in training were followed with praise and a “right” sign in the exercise book. The results showed repertoire acquisition in all trained skills. In the reading tasks the participant obtained high performance in the reading of the training words and phrases and in the reading of the generalized and recombined words and phrases. The reading comprehension was verified. In mathematics, the child began to discriminate the numerals and she accomplished operations in the training and operations of the generalization in the tests. In this study, vocal, visual and gestural prompts worked as supplementary stimuli that ensured correct response from the first attempts, which allowed learning with minimal errors. The prompt fading strategy facilitated the transfer of stimuli control from the prompt to the task stimuli and prevented a possible dependence on prompt. In sum, the study results suggest that the presentation of tasks in the exercise book with cursive handwriting combined with Behavior Analysis procedures, such as the use of fading prompt strategy, is effective in teaching reading and mathematics for children with low school performance. It have been suggested that more research be carried out with the purpose of investigating the relevant variables in the control of students’ school performance, especially regarding the use of prompts such as: modality, duration, fading out strategies, among others.

Keywords: prompt, applied behavior analysis, reading, math, low school performance.

Carátula del artículo

O uso de dicas para o ensino de leitura e matemática

Prompts and teaching reading and math

Ana Raquel Queiroz Amaral1
Universidade de Brasília, Brasil
Ângela Maria Menezes Duarte
Pontífice Universidade Católica, Brasil
Raquel Maria Melo
Universidade de Brasília, Brasil
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 27, núm. 3, pp. 315-332, 2019
Universidad Veracruzana

Recepção: 25 Maio 2018

Aprovação: 26 Setembro 2018

Atividades que envolvem habilidades de leitura e resolução de operações matemáticas são comuns no dia-a-dia. Seja para se localizar através de placas na rua, fazer compras, olhar as horas, ler e enviar mensagens ou usar aplicativos eletrônicos, é necessário um uso competente dessas habilidades. No entanto, a realidade da população brasileira encontra-se muito aquém do esperado nas duas habilidades. O Relatório “De olho nas metas” (Todos pela educação, 2016), divulgou o resultado da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), que avalia a aprendizagem de leitura, escrita e matemática. A prova foi aplicada em alunos que cursavam o ensino fundamental em escolas públicas, municipais e estudais, e privadas. Os resultados mostraram que ao final do 5° ano, 54,7% dos alunos se enquadran em um dos níveis de proficiência em leitura considerados adequados. Já na matemática, esses números são ainda mais preocupantes, pis apenas 42,9% dos alunos apresentavan algum nível de proficiência.

Compreendendo a importância das habilidades de leitura e matemática, tanto no que se refere ao desenvolvimento do indivíduo quanto da sociedade de forma geral, estudos realizados a partir do referencial da Análise do Comportamento, fundamentada na filosofia do behaviorismo radical, têm investigado fatores relevantes para a aquisição de tais repertórios e desenvolvido alternativas eficazes de intervenção em dificuldades de aprendizagem, sobretudo quando os métodos tradicionais fracassam (e.g., Dalto & Haydu, 2015; de Rose, Souza, Rossito, & de Rose, 1989; Matos, Peres, Hübner, & Malheiros, 1997; Melo & Serejo, 2009; Rossit & Goyos, 2009).

A Análise do Comportamento estuda contingências, relações de dependência entre eventos, as quais estabelecem, mantêm ou enfraquecem respostas, ou classe de respostas (Fernandes & Moroz, 2011; Lorena, Castro-Caneguim, & Carmo, 2013; Skinner, 1968/1972). Segundo Skinner (1968/1972) ensinar é arranjar contingências de reforço, é facilitar o processo de aprendizagem. Nesse sentido, a programação de ensino, que reúne um conjunto de procedimentos derivados dos trabalhos de Skinner e Keller, poderia ser melhor denominada de programação de condições de desenvolvimento de comportamentos. Essa programação envolve a identificação de comportamentos alvo, planejamento, construção, aplicação, avaliação e o aperfeiçoamento do processo de ensino (Kienen, Kubo, & Botomé, 2013).

Dentro dessa perspectiva, para o ensino, primeiramente é realizada uma avaliação inicial, também chamada de Linha de Base. A partir dos resultados da avaliação inicial é desenvolvida a intervenção considerando os comportamentos já existentes no repertório do aprendiz. O conteúdo é ensinado em pequenos passos e de acordo com o ritmo do próprio aprendiz, o que garante que ele aprenda cada habilidade antes de passar para um passo mais avançado. O desempenho do indivíduo é sempre comparado com o dele mesmo ao longo do ensino (Carmo & Prado, 2010; Iñesta, 1975; Keller, 1968; Skinner, 1968/1972).

O uso de dicas é uma das estratégias utilizadas na Análise do Comportamento para o ensino de novos repertórios. Dicas são estímulos suplementares que são adicionados à tarefa e controlam o responder a ser ensinado, porém não está funcionalmente relacionado à tarefa. Um dos problemas do uso de dicas é que muitas crianças passam a não responder na ausência delas, e desenvolve o que é denominado de dependência da dica. A retirada gradual da dica, ou esvanecimento, é um procedimento que pode minimizar tais efeitos (Touchette & Howard, 1982). O esvanecimento se caracteriza pela introdução (fading in) ou retirada (fading out) gradual de novos estímulos que já exercem controle sobre o comportamento até que haja a transferência do controle para os estímulos alvos (Corey & Shamow, 1972; Iñesta, 1975; Skinner, 1953/2003).

O procedimento de esvanecimento de dicas também pode ser combinado com o procedimento de modelagem, que se caracteriza pelo reforçamento diferencial de aproximações sucessivas, a fim de favorecer a aprendizagem com poucos ou sem erros (Martin & Pear, 2009; Touchette & Howard, 1982). Tais procedimentos de ensino sem erro são eficazes e particularmente úteis para indivíduos com dificuldades de aprendizagem e em situações em que ocorrem erros recorrentes. Erros, mesmo que ocasionais, podem afetar a precisão de desempenhos já aprendidos e gerar comportamentos de esquiva da tarefa e respostas emocionais (Etzel & LeBlanc, 1979; Matos, 1995; Melo, Hanna, & Carmo, 2014; Terrace, 1963).

Bernardes e Simonassi (2016) conduziram um estudo para verificar a eficácia do programa de ensino de leitura proposto por Iñesta (1975), que é composto por passos de ensino que utilizam o esvanecimento de dicas visuais. Participaram do estudo duas crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo. Foram realizadas tarefas de mesa de pareamento ao modelo com a inclusão de dica visual (cor) nos estímulos modelo e comparação correta (sílabas ou palavras), seguida por esvanecimento da cor (fading out). O programa de ensino era composto por cinco etapas de treino e testes, além de testes de leitura realizados antes da Etapa 1 e após as Etapas 3 e 5. Em cada etapa eram ensinadas 20 palavras em 18 passos de esvanecimento da dica e testada a leitura e a identificação das sílabas das palavras treinadas. Os resultados mostraram que as duas crianças desenvolveram habilidades de leitura das palavras treinadas e houve generalização para palavras diferentes das utilizadas nos treinos e formadas pela recombinação das sílabas ensinadas. Na sessão de follow-up, realizada após quatro meses, foi verificada a manutenção dos desempenhos na leitura de um texto com 40 palavras. Esse estudo demostrou que crianças com atraso no desenvolvimento são capazes de aprender quando são expostas a contingências de ensino específicas, com o uso do esvanecimento da dica, o que corroborou os resultados de estudos anteriores (e.g., Iñesta, 1975; Silva, 2016).

Outra possibilidade de programar contingências de ensino está fundamentada no referencial da equivalência de estímulos, que possibilita o estudo de comportamentos simbólicos, tais como os repertórios envolvidos na leitura e na matemática. Segundo este paradigma, alguns estímulos se tornam intercambiáveis em determinados contextos, e podem se tornar símbolos e referentes uns dos outros, formando assim, uma classe de estímulos equivalentes. Tais classes são verificadas a partir da emergência de novas respostas, ou classes de respostas, sem a necessidade de ensino direto (Sidman & Tailby, 1982). Estudos conduzidos para investigar os processos de aquisição de comportamentos simbólicos têm contribuído para o desenvolvimento de programas de ensino de leitura e escrita, para a caracterização da leitura com compreensão (de Rose, 2005; de Souza, de Rose, & Domeniconi, 2009; Sidman, 1994), e para a elaboração de estratégias de intervenção para crianças que fracassaram durante a alfabetização (e.g., de Rose, de Souza, & Hanna, 1996; de Rose, de Souza, Rossito, & de Rose, 1989).

O paradigma de equivalência de estímulos também tem sido utilizado para investigar e desenvolver procedimentos de ensino de habilidades matemáticas (e.g., Araújo [Gualberto] & Ferreira, 2008; Carmo & Prado, 2010; Santos, Cameschi, & Hanna, 2009). Rossit e Goyos (2009), por exemplo, analisaram a aquisição de habilidades matemáticas no manuseio de dinheiro em 11 pessoas com diagnóstico de deficiência intelectual. Foram ensinadas relações entre numerais impressos, figuras de moedas ou dinheiro e respectivos valores numéricos e monetários ditados. Tarefas de adição e subtração também foram incluídas. Os resultados mostraram que os participantes formaram classes de equivalência e foram capazes de realizar adições e subtrações em situações simuladas de compra.

Além da preocupação de que os alunos aprendam a responder aos estímulos utilizados durante a etapa de ensino de leitura, é importante que eles também aprendam a responder a estes estímulos, ou a fragmentos desses estímulos, quando são apresentados de forma combinada em novos estímulos. De acordo com Skinner (1957), a partir do reforço de comportamentos diante de unidades maiores, como por exemplo palavras, é possível que o controle seja transferido para unidades menores que as compõem, como letras e sílabas. Esse desempenho caracteriza o controle por unidades mínimas e a capacidade de ler essas unidades menores, recombinadas em novas palavras, é denominada de leitura recombinativa. Dessa forma, não é neccesário o ensino de todas as palavras de uma determinada língua, pois a partir do treino de alguns exemplares o aprendiz poderá ler palavras com unidades recombinadas *e.g., de Rose et al., 1996, Karino, Araújo, & de Souza, 2010).

Uma série de estudos realizados por Matos, Peres, Hübner e Malheiros (1997) investigou o efeito de condições que facilitam a leitura recombinativa. Participaram dos estudos crianças de cinco anos. Foram utilizadas tarefas de pareamento ao modelo com quatro comparações. Os estudos investigaram os efeitos dos procedimentos de oralização (a criança deveria falar a palavra apresentada inicialmente com dica oral), cópia sem oralização, oralização com cópia e oralização escandida (com pausa após cada sílaba). O estudo testou o uso de cada procedimento apresentado isolado e de forma combinada entre si. Os resultados mostraram que o uso de procedimentos de oralização com cópia combinados com oralização escandida foram os que resultaram em desempenhos mais precisos na leitura de palavras de treino e de recombinação, com menor variabilidade entre os participantes.

Em se tratando de matemática, um estudo que utilizou o procedimento de esvanecimento de dicas e modelagem, foi realizado por Gomes (2007) e teve o objetivo de ensinar habilidades matemáticas a uma adolescente de 12 anos com diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo. Foram realizadas as etapas de avaliação inicial, intervenção e avaliação final. Durante a intervenção, foram ensinadas sete categorias de comportamentos: adição com números de dois ou mais dígitos; adição com carregamento; subtração simples, com números de apenas um dígito; subtração com números de dois ou mais dígitos; e discriminação entre tarefas de adição e subtração. Nos procedimentos de ensino foram utilizadas dicas visuais e verbais que foram esvanecidas ao longo das sessões, além de regras explícitas de como realizar as operações. Os resultados mostraram a aquisição gradual das habilidades à medida que eram treinadas. O uso do procedimento de modelagem e as dicas incluídas, seguidas de esvanecimento, resultaram em poucos erros. As instruções explícitas favoreceram a discriminação das operações e dos desempenhos a serem executados para efetuar as operações de adição e subtração.

Gualberto (2013) propôs um programa de ensino de operações de adição e subtração baseados no paradigma de equivalência de estímulos. O estudo foi realizado com nove participantes com histórico de fracasso escolar em matemática. O procedimento era computadorizado e foram realizadas tarefas de pareamento ao modelo. O programa foi dividido em três etapas: 1) operações com numerais de 1 a 10; 2) numerais de 10 a 20; e 3) numerais maiores que 20. Os resultados mostraram que os participantes aprenderam as tarefas de pareamento ao modelo, porém foi necessário o uso de dicas adicionais não planejadas, tais como dicas visuais e dicas vocais.

Em um estudo posterior, Amaral (2018) investigou o efeito da modalidade de dicas (figura x vídeo) para o ensino de operações de adição e subtração em tarefas de pareamento ao modelo. Participaram sete crianças divididas em três grupos: Grupo Figura; Grupo Vídeo e Grupo Controle. As dicas utilizadas eram de figuras ou vídeos com os dedos das mãos e tinham a função de evocar o comportamento precorrente de utilizar os dedos das mãos para efetuar as operações. As crianças tinham acesso à dica entre a apresentação do estímulo modelo e dos estímulos de comparação. O procedimento de ensino foi dividido em três unidades:

1) operações com numerais de 0 a 4; 2) operações com numerais de 5 a 9; e 3) operações com numerais de 0 a 14. Os resultados mostraram que as duas modalidades de dica foram igualmente eficazes. Os participantes dos grupos Figura e Vídeo apresentaram porcentagem alta (superior a 80%) em tarefas de teste de relações entre operações de soma e subtração e numerais (resultado), treinadas e novas. Entretanto, o mesmo não foi verificado para o Grupo Controle que não foi exposto ao procedimento de ensino. Dessa forma a inserção de dicas em tarefas de pareamento ao modelo foi eficaz para o ensino de operações de adicão e subtracão.

Os estudos previamente descritos mostram resultados promissores no ensino de leitura e de operações matemáticas quando são utilizados procedimentos da Análise do Comportamento, em particular com a inclusão de dicas. Tais procedimentos são especialmente relevantes para indivíduos que não aprendem, ou aprendem parcialmente, os repertórios relevantes para ler e resolver operações de soma e subtração com os métodos de ensino utilizados no contexto escolar.

O objetivo deste estudo consistiu em verificar o efeito do uso de dicas e procedimentos da Análise Aplicada do Comportamento em tarefas apresentadas no caderno em letra cursiva, para ampliar o repertório de leitura e matemática de uma participante com desenvolvimento típico que apresentava baixo desempenho escolar. Tal estudo é relevante por possibilitar a descrição e a divulgação de procedimentos de ensino, fundamentados no referencial teórico e em pesquisas da Análise do Comportamento, para crianças com história de fracasso escolar.

MÉTODO
Participante

A participante Giovana (nome fictício) de oito anos, era estudante do 3º ano do ensino fundamental em uma escola pública, na época em que o estudo foi realizado, e foi selecionada por apresentar baixo desempenho escolar em leitura e operações matemáticas. Após esclarecimentos sobre o estudo, a criança e a família assentiram com a participação e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado.

LOCAL

O estudo foi realizado em um consultório (3,5m x 4,5m) para atendimento infantil de uma clínica escola de psicologia, mobiliado com uma mesa quadrada com quatro cadeiras, uma mesa e quatro cadeiras para crianças, um armário de duas portas com brinquedos e jogos, um relógio de parede, um ventilador, um quadro branco, tapetes e almofadas.

INSTRUMENTOS E MATERIAIS

Como instrumentos de avaliação foram utilizados o Questionário de Anamnese Infantil -Abordagem Comportamental (Duarte, 2014), o Teste de Base em Leitura e o Teste de Base em Matemática (de Moraes & Duarte, 2007). O primeiro teste avalia a leitura de: cinco vogais, 20 sílabas, 20 palavras simples (e.g., “dedo” e “rato”), 15 palavras complexas (e.g., “gente” e “minhoca”), e seis frases (e.g., “O cão é grande e muito bravo”). O teste de matemática avalia o pareamento entre numeral e quantidade do 0 ao 9, e a execução de: 10 operações de adição de unidades, 5 operações de adição de dezenas, 5 operações de adição com carregamento, 10 operações de subtração de unidades, 5 operações de subtração de dezenas, 5 operações de subtração com empréstimo e 5 operações de multiplicação.

Foram também utilizados materiais escolares, tais como caderno, lápis, lápis de cor, canetas; recursos pedagógicos com figuras (Silva, Pinheiro, & Cardoso, 1973); jogos infantis (e.g., memória visual e sensorial, monta palavras, dominó, quebra-cabeça); e brinquedos diversos *e.g., mini fasenda, tabuleiro numérico, fantoches, blocos lógicos, desenhos para colorir e adesivos).

PROCEDIMENTO

Foram realizadas, ao todo, 30 sessões com duração média de 50 minutos. As sessões ocorreram de uma a duas vezes por semana. O treino de leitura e matemática ocorreu de forma alternada entre as sessões.

Visando a prevenção e minimização de erros, utilizou-se um procedimento de inserção de dicas. As dicas poderiam ser, gestuais, verbais ou visuais. As dicas gestuais eram utilizadas para indicar a sequência de leitura, nesse caso a experimentadora apontava o dedo indicador acima de cada letra ou sílaba na sequência em que a criança deveria ler. Após a criança realizar três sessões de treino, essa dica era retirada e utilizada apenas se a criança apresentasse uma latência superior a dois segundos para iniciar a resposta. As dicas gestuais também foram utilizadas para indicar a leitura incorreta de alguma sílaba, palavra ou número e de operações matemáticas ou de partes de operações. As dicas eram apresentadas pela experimentadora através de dois movimentos de apontar em cima do estímulo alvo. Essas dicas foram utilizadas ao longo de todo o estudo, exceto nas fases de testes. As dicas visuais foram apresentadas nas operações matemáticas para indicar por qual lado começar a operação e indicar o local correto de cada numeral em operações com carregamento ou empréstimo. Essas dicas foram esvanecidas, ou seja, foram gradualmente retiradas.

Nas primeiras tentativas dos treinos de leitura ou matemática, respostas com topografias que se aproximavam da resposta-alvo eram reforçadas, como por exemplo, se a criança lesse “meláo” frente à palavra “melão”, ou acertasse parte da resolução de operações matemática, tais como a contagem nos dedos ou a soma de unidades em operações com dezenas. Dessa maneira, respostas de leitura e matemática foram modeladas gradualmente até que a resposta alvo fosse emitida.

Nas sessões iniciais, acertos eram imediatamente elogiados em um esquema de reforçamento contínuo (CRF). Em sessões posteriores, os acertos passaram a ser reforçados de maneira intermitente, isto é, nem todas as respostas corretas eram seguidas pela apresentação de reforço. O mesmo ocorreu com as respostas corretas no caderno que eram consequenciadas com um sinal de “certo” em vermelho. Ao final da sessão, o experimentadora colava um adesivo com “carinha feliz” no caderno e escrevia um elogio (e.g., “Ótimo”, “Muito bem!”, “Excelente!”, “Perfeito!). Em caso de erro de leitura ou na execução de uma operação matemática, era utilizada a dica gestual. Caso nenhuma resposta fosse emitida, o experimentador apresentava a resposta correta e solicitava a repetição da resposta por parte da criança. No início e no final de cada sessão, a criança poderia escolher uma dentre 2-3 opções de jogos ou brincadeiras, que variavam a cada sessão e eram escolhidas pela experimentadora dentre as seguintes possibilidades: dominó, memória visual e sensorial, quebra-cabeça, mini fazenda, tabuleiro numérico, jogos “Can-Can” com personagens de novela infantil, labirinto 3D, monta palavras, e “cara-a-cara”, animais de plástico, fantoches, blocos lógicos e livros infantis. A atividade era realizada por, no máximo, 5 min, ou pelo tempo suficiente para finalizar cada jogo ou brincadeira. Ao final da sessão, a participante escolhia um adesivo e um desenho impresso em folha A4 para levar para casa.

Para controle experimental, foram realizados um pré-teste e dois pós-testes que consistiam na aplicação do Teste Base de Leitura e do Teste Básico de Matemática (de Moraes & Duarte, 2007). Todos os testes foram realizados com a apresentação de elogios ocasionais pelo engajamento na tarefa, porém sem o uso de reforços contingentes a acertos ou erro. A Tabela 1 especifica os testes e treinos de leitura realizados.

Leitura. Foram realizados dois treinos de leitura. O Treino 1 foi realizado com palavras simples e frases compostas por palavras simples. No Treino 2 foram utilizadas palavras e frases mais complexas, que continham dificuldades da língua (e.g., encontros consonantais, dígrafos, ausência de correspondência entre grafema e fonema).

Tabela 1.
Sequência de Testes e Treinos do Ensino de Leitura. (Deve ser abaixo da Tabela 1)

Treino 1. Inicialmente foram analisados os resultados do Pré-Teste, para identificar quais sílabas a participante já lia corretamente e quais não lia. Em seguida, uma das sílabas conhecidas foi selecionada para começar o treino, com o objetivo de familiarizar a criança com os tipos de tarefas que seríam apresentadas e aumentar a probabilidade de acertos e oportunidades de reforços positivos.

A ordem de treino das famílias de sílabas desconhecidas (Tabela 1) foi escolhida com base no resultado do Pré-Teste e na sequência de famílias silábicas proposta por Silva et al. (1973). À medida em que uma família silábica era ensinada, a mesma era combinada com famílias silábicas já conhecidas (identificadas no Pré-Teste) ou treinadas anteriormente. Para evitar erros, não eram apresentadas sílabas desconhecidas fora do contexto de treino.

Foi utilizado um procedimento fônico-silábico, similar ao de Silva et al. (1973), que consiste em apresentar uma figura diante da qual ocorre a produção do fonema da família silábica que será treinada. Assim, a figura de um vagalume foi apresentada para introduzir o fonema do “v” e a família silábica (i.e., va, ve, vi, vo, vu e vão). A tarefa da criança consistia em ler e copiar no caderno as sílabas nessa sequência e em uma sequência aleatória. Em seguida, deveria ler as palavras e frases formadas por essas sílabas e as vogais (e.g., ave, voa, avião, ovo, “A viúva vê o ovo.”). À medida em que novas famílias eram introduzidas, combinavam-se as famílias já conhecidas para formar outras palavras e frases. Após a leitura de frases, eram realizadas perguntas para avaliar a compreensão e interpretação. Ditados eram realizados para estabelecer a relação entre som e a produção da grafia de cada conjunto de palavras.

No treino com palavras, foram utilizadas, em média, 18 palavras para cada um dos 11 treinos de famílias silábicas, totalizamdo 198 palavras. Após o Treino 1, Giovana foi submetida ao Pós;Teste 1 que continha apenas 6 palavras que não tinham sido treinadas.

Treino 2. No Treino 2, foram treinadas 257 palavras com sílabas complexas. As famílias silábicas e conteúdos foram treinados de forma similar ao Treino 1, porém, não foram utilizadas figuras. Além disso, a interpretação vocal de frases foi substituída por leitura e interpretação escrita de pequenos textos.

Nessa etapa foram ensinadas algumas regras de gramática, como por exemplo explicar que o “M” é usado antes de “P” e “B” e ao final da palavra, e o “N” é usado nos demais casos. Durante o treino do “R” entre vogal e consoante e “R” ao final da palavra, a experimentadora apresentou o fonema e, em seguida, palavras com o “R” com uma dica visual (letra na cor vermelha), a fim de evocar o comportamento de Giovana de ler, seguido de cópia. Essa dica foi retirada gradualmente, isto é, a cada linha do caderno, entre quatro e cinco palavras, a cor era esvanecida.

Um modelo escrito no caderno, seguido de leitura e cópia, foi usado para o treino do “L” com som de “U”, “S” com som de “Z” ou “SS”, e “R” ou “L” entre consoante e vogal. No caso do “R” e do “RR” entre vogais, antes de iniciar os treinos no caderno foi solicitado que Giovana tocasse na região da garganta enquanto emitia o som vibrante do “R” para contrastar com o som do “RR” (e.g., caro x carro). Ao final do Treino 2 de leitura, a participante realizou o Pós-Teste 2. Matemática. Antes de iniciar o treino de operações matemáticas foi realizado um Pré-Teste para identificar o repertório de entrada de reconhecimento dos numerais de 0-9, 10 a 19, 20-29, ... 90-100 (Linha de Base - LB). Essa mesma avaliacão foi repetida nos Pós-Testes 1 e 2. A Tabela 2 mostra a sequência de testes a treinos das categorias de habilidades em matemática.

Tabela 2.
Sequência de Testes e Treinos do Ensino de Matemática.

Treino 1. A partir do Pré-Teste de discriminação dos números foi planejado um treino especí- fico, no qual eram apresentadas sequências de 10 números pertencentes a uma mesma dezena. A tarefa da criança consistia em ler os números. Os três primeiros números eram lidos pelo experimentador (modelo) e a criança deveria ler os outros sete números da dezena. Em seguida, os números eram ditados, aleatoriamente, para Giovana escrever no caderno. Ao final, ela deveria ler os números que havia escrito. O treino discriminativo de números foi intercalado com o treino de operações matemáticas.

Durante os treinos das operações matemáticas foi solicitado que a participante lesse as operações antes de efetuá-las. Foram usados os números que já haviam sido treinados durante o treino discriminativo.

Inicialmente, foi treinada a adição de unidades. A criança era solicitada a ler a operação e identificar o maior número e, em seguida, era fornecida a instrução “coloque o maior número em sua cabeça e coloque o menor em seus dedos e conte a partir do maior”. Uma tentativa era apresentada como exemplo e a criança deveria realizar as restantes. Em seguida, foram treinadas adições com dezenas e unidades. Utilizou-se uma dica visual (seta) para indicar que a operaçao deveria começar na casa das unidades (Figura 1a). Posteriormente, foram treinadas adiçoes com carregamento. Para auxiliar na precisão das respostas foram utilizadas dicas visuais *traços(, conforme Figura 1b.


Figura 1.
Exemplo de dicas utilizadas em adições com dezenas (a) e adições com carregamento (b).

O treino de subtração foi iniciado com material concreto (vários lápis coloridos e outros materiais) representando unidades de 1 a 9. Em seguida, as subtrações foram apresentadas no caderno e foi ensinada a contagem nos dedos do valor representado no subtraendo até chegar no valor representado no minuendo. Posteriormente, foi treinada a subtração com dezenas. Foram treinadas 11 operações em cada categoria. Após o Treino 1, Giovana foi exposta ao Pós-Teste 1 de matemática e ao Pós-Teste 1 de discriminação dos números.

Treino 2. Foi iniciado com o treino de subtração de dezenas com empréstimo. Após a aprendizagem de operações de subtração de unidades e dezenas e dezenas com empréstimo, foram apresentadas as operações de adição e subtração de forma alternada, em uma mesma página, com foco na discriminação dos sinais das operações.

O treino de multiplicação começou com a seriação (e.g., seriação do 2: 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18 e 20) dos números dois, três, cinco e dez. Somente quando a criança já estava fluente, ou seja, já realizava as operações da tabuada que utiliza esses numerais, era iniciado o treino com os numerais quatro, seis, sete, oito e nove. Inicialmente eram apresentadas as seriações completas e a criança deveria repetir, utilizando os dedos das mãos para representar cada número da série. Posteriormente, eram apresentadas as seriações com lacunas para que a participante preenchesse. Em caso de erro ou omissão da resposta, a série completa era novamente apresentada. Depois que Giovana alcançou o critério na tarefa de completar as seriações sem auxílio de dica, foi utilizado o material concreto para representar a multiplicação e, posteriormente, a operação foi apresentada no caderno na forma horizontal e vertical em unidades e depois em dezenas. Assim como na adição e subtração, frente a uma operação apresentada no caderno, a criança deveria operar com os dedos das mãos e copiar a resposta no caderno.

RESULTADOS

De acordo com a Figura 2, Giovana leu no Pré-Teste todas as vogais (100%), identificou corretamente 11 sílabas (55%) e duas palavras simples (10%) treinadas, mas não leu corretamente nenhuma palavra ou frase de generalização. No Pós-Teste 1, realizado após o Treino 1, a leitura de vogais e palavras simples de treino foi precisa, sendo que no caso das sílabas (90% de acerto) ocorreram erros apenas em famílias silábicas que ainda não haviam sido treinadas (i.e., qui e gue). Foi verificado também a leitura precisa das palavras simples de generalização. Giovana leu corretamente todas as categorias de estímulos de treino e de palavras (simples e complexas) e frases de generalização apresentados no Pós-Teste 2, o qual foi realizado após o treino discriminativo de palavras com dificultades da língua portuguesa.


Figura 2.
Porcentagem de acerto por categoria no Pré-Teste, Pós-Teste 1 e Pós-Teste 2 de leitura e de generalização.

No Pré-Teste de discriminação de números, verificou-se que Giovana identificou corretamente apenas os números de 0 a 19 apresentados em sequência e fora de sequência (Figura 3). Após o treino dos números de 20 a 69, foi realizado o Pós-Teste 1 que mostrou que Giovana acertou 100% dos números treinados. Além disso, Giovana identificou corretamente os números de 70 a 99 que não foram treinados. O Pós-Teste 2 mostrou que Giovana acertou 100% dos números testados.


Figura 3.
Porcentagem de acerto no Pré-Teste, Pós-Teste 1 e Pós-teste 2 de discriminação de números.

Na matemática, nenhum estímulo do teste foi usado para treino, portanto todos testavam a generalização. A Figura 4 mostra os resultados dos treinos em matemática. O Pré-Teste mostra que, antes do treino, Giovana obteve 100% de acerto na categoria de ligar numeral à quantidade (NQ), realizou quatro (40%) operações de adição com unidades (AU) e uma (20%) operação de adição com dezenas (AD). A criança utilizava pequenos riscos para representar as quantidades e depois os contava. Em 70% das operações este método não foi eficaz.

Os resultados do Pós-Teste 1 mostram que a criança acertou 100% das seguintes cate- gorias: Adição de Unidades (AU), Adição de Dezenas (AD), Subtração de Unidades (SU) e Subtração de Dezenas (SD). Na categoria Adição com Carregamento (AC), Giovana obteve 80% de acerto. Não houve acertos para as categorias de Subtração com Empréstimo (SE) e Multiplicação de Unidades (MU).


Figura 4.
Porcentagem de acerto no Pré-Teste, no Pós-Teste 1 e no Pós-Teste 2 de matemática para as categorias: Numeral-Quantidade (NQ); Adição de Unidades (AU); Adição de Dezenas (AD); Adição com Carregamento (AC); Subtração de Unidades (SU); Subtração de Dezenas (SD); Subtração com Empréstimo (SE); e Multiplicação de Unidades (MU).

No Pós-Teste 2, Giovana obteve 100% de acertos em todas categorias treinadas, com exceção da categoria de Multiplicação de Unidades, na qual a participante obteve 80% de acertos.

DISCUSSÃO

O objetivo deste artigo foi verificar o efeito do uso de dicas e procedimentos da Análise Aplicada do Comportamento na remediação de déficits acadêmicos de uma criança de 8 anos que, apesar de frequentar a 3º ano do Ensino Fundamental, não lia e nem efetuava operações matemáticas básicas com precisão. Ao final da intervenção, Giovana demonstrou aumento em todas as habilidades treinadas, ou seja, leitura, discriminação de números e operações matemáticas.

Nesse estudo as dicas vocais, visuais e gestuais funcionaram como estímulos suplementares que garantiram responder correto desde as primeiras tentativas, o que possibilitou aprendizagem com poucos erros. O uso de dica facilita a aprendizagem e minimiza as chances de fracasso, já que com um instrutor ao lado, caso a criança não emita corretamente ou omita respostas, a dica pode ser disponibilizada. A retirada gradual das dicas facilitou a transferên- cia do controle de estímulos da dica para os estímulos da tarefa e preveniu uma possível dependência de dica. Dessa forma, ao final do estudo, Giovana emitia respostas corretas na ausência de dicas, o que corrobora os resultados obtidos em outros estudos (Bernardes & Simonassi, 2016; Etzel & LeBlanc, 1979; Gomes, 2007; Touchette, 1968).

De maneira similar aos programas de ensino de leitura baseados no paradigma de equivalência de estímulos (e.g., de Rose et al., 1996; de Souza et al., 2009; Melo & Serejo, 2009), o programa de ensino utilizado no presente estudo também utilizou sequência de ensino gradual, realização de testes periódicos, testes de generalização, além de utilizar prioritariamente contingências de reforço positivo. A principal diferença consiste na forma de apresentação da tarefa, pois programas baseados no paradigma de equivalência, em geral, utilizam tarefas de pareamento ao modelo. Além disso, realizam testes específicos de relações entre estímulos visuais (figuras), auditivos (som das palavras ou frases), e impressos (palavra ou frase escrita) para verificar a formação de classes de equivalência (Sidman & Tailby, 1982). Já neste estudo, os estímulos foram apresentados em um caderno em tarefas de leitura, cópia e interpretação de textos e os testes avaliaram somente os desempenhos de leitura e interpretação.

Estudos anteriores (e.g., Hübner, Gomes, & McIlvane, 2009; Matos et al.,1997) demostraram que o uso de procedimentos combinados de ensino de leitura, envolvendo oralização, cópia e oralização escandida, foram os que mais trouxeram ganhos em termos de leitura recombinativa. No entanto, nesses estudos foram utilizados anagramas para a realização da cópia e tarefas de pareamento ao modelo. No estudo atual, todos os procedimentos, incluindo a cópia cursiva, foram realizados no caderno, com topografia diferente da resposta de seleção entre alternativas de escolha. Tal procedimento pode ser realizado pois a criança tinha coordenação motora que permitia a escrita cursiva fluente.

Um fator que pode ter contribuído para o sucesso da intervenção foi ter iniciado com o treino de sílabas para utilizar, posteriormente, palavras formadas por combinação de sílabas. Essa sequência foi fundamentada em estudos que analisam o ensino de unidades menores versus unidades maiores (e.g., de Rose et al., 1996; Hanna et al., 2010). Segundo essa literatura, o ensino iniciado com treino de unidades menores proporciona melhor desempenho em testes com unidades recombinadas, enquanto o treino iniciado por unidades maiores pode resultar em controle discriminativo deficitário ou controle restrito (de Rose et al., 1996 ; Matos et al., 1997). O treino de unidades menores (sílabas), a repetição das sílabas na formação de novas palavras de treino e a apresentação delas em diferentes posições nas palavras podem ter favorecido a ocurrência da leitura de plavras novas. Nesse estudo, as frases elaboradas utilizavam apenas as sílabas treinadas "A ave voa". Em cartilhas tradicionais, podem ser apresentdas frases como "A ave via no céu", sem que a criaça tenha aprendido a ler a palavra "céu". Esse cuidado também pode ter contribuído para o sucesso do procedimento de ensino, pois dessa forma minimizava-se a ocorrência de erros.

Assim como na leitura, no treino de habilidades matemáticas foram utilizados procedimentos combinados envolvendo a oralização da sentença, o uso dos dedos para operar com os números e a escrita do resultado no caderno. A oralização da sentença matemática, de forma similar à oralização das palavras, favoreceu o controle pela totalidade do estímulo apresentado. O uso dos dedos para efetuar a adição e a subtração com os números parece ter exercido a função de fazer com que o comportamento da criança ficasse sob o controle das partes relevantes que compõem cada operação. Já a escrita do resultado no caderno, além de ter apresentado a função de encerrar a tentativa de forma topograficamente igual às tarefas e provas da escola, também pode ter exercido a função de autoinstrução (Duarte & Baer, 1994). O termo “auto” é usado para fazer referência ao fato de que o estímulo antecedente oral foi produzido pelo mesmo indivíduo que emitiu a resposta final escrita sob controle do produto da resposta oral.

Para os primeiros treinos foi necessária a utilização de mais exemplares e o fornecimento de mais dicas para treinar conteúdos novos. Ao longo das sessões, a utilização dessas dicas foi retirada ou gradualmente esvanecida até que pudessem ser totalmente retiradas. A partir da 24ª sessão, Giovana passou a responder de forma correta na tarefa de leitura com a apresentação de apenas um estímulo modelo. Foram elaborados e adaptados textos cada vez maiores para que Giovana pudesse ler e interpretar, a fim de se aproximar da sequência apresentada na escola, além de treinar a leitura com compreensão. Era necessária pouca ajuda para a leitura e interpretação vocal. Esses resultados sugerem que ocorreu um efeito de learning set, ou seja, à medida em que o número de exemplares apresentados aumentou, o número de tentativas necessárias para o aprendizado diminuiu. Esse resultado corrobora o que foi verificado em estudos anteriores (e.g., Hanna et al., 2010; Hanna, Kohlsdorf, Quinteiro, & Fava, 2008). Adicionalmente, indica a ocorrência do comportamento aprendido, ler, em um contexto novo (frases diferentes das ensinadas e organizadas em um texto), ou generalização (Stokes & Baer, 1977).

Os resultados de generalização também foram encontrados na matemática, denotando economia de treino, pois o treino de poucos exemplares foi suficiente para que a criança generalizasse o procedimento para efetuar operações de adição e subtração para estímulos não anteriormente apresentados (Stokes & Baer, 1977).

A mãe da participante afirmou, durante a anamnese, que Giovana apresentava dificuldade de seguir regras, além de se irritar na hora de realizar as tarefas escolares em casa. Na última sessão de devolução dos progressos alcançados, a mãe foi questionada sobre os comportamentos da criança em casa e ela relatou que Giovana não apresentava mais irritação na hora de fazer as tarefas, além de ter passado a obedecer em um maior número de situações e a esperar com paciência. Apesar de dados específicos não terem sido coletados em relação ao comportamento de seguir regras, acredita-se que as mudanças relatadas pela mãe, em alguma medida, possam ser atribuídas aos treinos assistemáticos realizados durantes as atividades acadêmicas e lúdicas que foram utilizadas como consequências para o engajamento em todas as tarefas de treino e teste. Nessas atividades, a criança aprendeu a esperar a vez e a seguir vários tipos de regras. Essas atividades também requeriam comportamentos de atentar, lembrar, resistir à frustação, resolver problemas, dentre outros.

Considerando a situação atual de ensino de leitura e matemática no Brasil e os baixos desempenhos em avaliações nacionais (Todos pela educação, 2016), os resultados do presente estudo indicam possibilidades de aplicação no contexto escolar. Os procedimentos utilizados para ensinar habilidades de leitura, soma e subtração são similares as tarefas escolares. As tarefas de treino e teste foram realizadas no caderno e as respostas corretas eram indicadas por sinal de certo juntamente com mensagens escritas de parabenização (e.g., “Muito bem!” e “Parabéns!”). Os procedimentos de ensino utilizados podem ser úteis, não só como alternativa de remediação para crianças que apresentam história de fracasso escolar, mas como estratégia de prevenção, uma vez que propiciam aprendizagem em um contexto com reforços positivos frequentes, uso de dicas nos momentos necessários e respeito ao ritmo do aprendiz.

De forma geral, os resultados desse estudo sugerem que o uso de dicas combinado com diferentes procedimentos da Análise do Comportamento, são eficazes para ensinar crianças com baixo desempenho escolar. Sugere-se que novos estudos sejam realizados com a finalidade de investigar quais são as variáveis mais importantes e/ou relevantes no controle do desempenho escolar de estudantes, especialmente em relação ao uso das dicas, tais como: modalidade, duração, estratégias de retirada, dentre outros.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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Notas
Autor notes
1 Endereço para correspondência: Ana Raquel Queiroz Amaral – Universidade de Brasília. Endereço: Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Sul, Instituto de Psicologia, Departamento de Processos Psicológicos Básicos. Asa Norte, CEP 70910-900 - Brasília, DF – Brasil. E-mail: ana.raquel1001@gmail.com
Tabela 1.
Sequência de Testes e Treinos do Ensino de Leitura. (Deve ser abaixo da Tabela 1)

Tabela 2.
Sequência de Testes e Treinos do Ensino de Matemática.


Figura 1.
Exemplo de dicas utilizadas em adições com dezenas (a) e adições com carregamento (b).

Figura 2.
Porcentagem de acerto por categoria no Pré-Teste, Pós-Teste 1 e Pós-Teste 2 de leitura e de generalização.

Figura 3.
Porcentagem de acerto no Pré-Teste, Pós-Teste 1 e Pós-teste 2 de discriminação de números.

Figura 4.
Porcentagem de acerto no Pré-Teste, no Pós-Teste 1 e no Pós-Teste 2 de matemática para as categorias: Numeral-Quantidade (NQ); Adição de Unidades (AU); Adição de Dezenas (AD); Adição com Carregamento (AC); Subtração de Unidades (SU); Subtração de Dezenas (SD); Subtração com Empréstimo (SE); e Multiplicação de Unidades (MU).
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