Reflexões sobre a discussão do (in)determinismo na Análise do Comportamento brasileira
Reflections about the discussion of (in)determinism in Brazilian Behavior Analysis
Reflexões sobre a discussão do (in)determinismo na Análise do Comportamento brasileira
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 27, núm. 4, pp. 497-510, 2019
Universidad Veracruzana
Recepção: Janeiro 25, 2019
Aprovação: 07 Maio 2019
Resumo: O debate acerca do determinismo e do indeterminismo na Análise do Comportamento tem apresentado proposições que vêm ganhando espaço no debate brasileiro sobre o tema. Neste ensaio são avaliadas as caracterizações de determinismo feitas por Dittrich e Strapasson e de indeterminismo feitas por Laurenti e colaboradores. As proposições avaliadas são contrastadas no que diz respeitos aos seus compromissos ontológicos e epistemológicos, as decorrências práticas de tais compromissos e aos argumentos apresentados em favor de cada proposição. Divergências conceituais foram encontradas nas definições de determinismo e indeterminismo apresentadas por esses conjuntos de autores, mas do ponto de vista prático poucas diferenças podem ser identificadas. A solução para o debate entre determinismo e indeterminismo na Análise do Comportamento não parece residir nas decorrências imediatas da adoção dessas proposições, mas ressalta-se a comunicação com outras áreas do conhecimento, mediante análise conceitual pormenorizada, como um programa promissor para sustentar uma eventual prescrição de uma dessas teorias para os analistas do comportamento.
Palavras-chave: Determinismo, Indeterminismo, Behaviorismo Radical, Análise do Comportamento, Compromissos epistemológicos.
Abstract: Although determinism can be defined as one of the philosophical principles of radical behaviorism, the definition of that concept and the consequences of its adoption for the production of knowledge in Behavior Analysis are still debatable. In the current debate about determinism and its opposing thesis, indeterminism, there are propositions which are gaining notoriety in the Brazilian discussion of those subjects. In this essay, two propositions have been highlighted, since their philosophical aspects do not completely fit previous taxonomies of the subject: one states that Behavior Analysis should be a determinist science, proposed by Dittrich and Strapasson; and another states that indeterminism is a valid alternative to be adopted, and perhaps a more desirable one, proposed by Laurenti and collaborators. Those two theses are compared regarding their ontological and epistemological commitments, the practical consequences of said commitments and the arguments in favor of each thesis. Conceptual divergences were found in the definition of determinism and indeterminism presented by those groups of authors, moreover, both theses fail to properly define each other (i. e., aspects of the determinist thesis are ignored by the indeterminist thesis and vice-versa). Although the two theses are irreconcilable if one is to consider only their ontological commitments, we identified few differences from a practical standpoint, based on their epistemological commitments. One of the epistemological commitments identified, which is related to the motivational value of determinism and indeterminism, states that the adoption of determinism or indeterminism is useful to maintain and encourage scientific activity, for their own set of reasons in each case. Those reasons, we argue, are insufficient to properly distinguish the practical consequences of determinism and indeterminism. At the same time, both theses assert some sort of limitation to the human knowledge, thus explaining the probabilistic aspect of data. Therefore, the solution to the debate between determinism and indeterminism in Behavior Analysis seems to not reside in the immediate consequences of the adoption of those theses. We highlight that the communication with other fields of knowledge, such as Biology and Physics, through a detailed conceptual analysis, is a promising endeavor to support an eventual prescription of one of those theories to behavior analysts.
Keywords: Determinismo, Indeterminismo, Behaviorismo Radical, Análise do Comportamento, Compromissos epistemológicos.
A investigação sobre a determinação dos fenômenos do mundo é uma área de interesse fundamental na filosofia das ciências. Comum em vários campos de atividade científica, como a Física (e.g., Bunge, 1979/2011; Popper, 1988) e a Biologia (e.g., Mayr, 2004), o estatuto do determinismo também tem sido discutido na Psicologia em geral e na Análise do Comportamento em específico. Nesta última ocupando-se principalmente com o problema da determinação do comportamento. Contudo, não se trata de um tema no qual se encontram proposições consensuais, especialmente considerando as diversas linhas de investigação possíveis. O debate sobre essa temática atravessa desde os usos comuns do conceito de “determinismo” (e.g., Guimarães & Micheletto, 2008; Slife, Yanchar, & Williams, 1999), passando pela compatibilidade do conceito com o corpo teórico da Análise do Comportamento (Begelman, 1978), até as possíveis consequências da adoção desse conceito (e.g., Strapasson & Dittrich 2011; Laurenti, 2008).
Apesar de o posicionamento de Skinner em relação ao determinismo oscilar em alguns momentos (Laurenti, 2009) ele deixa claro que essa é uma temática central na Análise do Comportamento: “para que haja uma ciência psicológica, devemos adotar o postulado fundamental que o comportamento humano é um dado ordenado [lawful datum], isto é, que não é perturbado por atos de capricho de qualquer agente livre – em outras palavras, que é completamente determinado” (1961, p. 227). Isso significa que, para que o estudo científico do comportamento seja possível, seria necessária a adoção da concepção de que o comportamento é dotado de causas que o determinem, opondo-se a uma concepção de que o comportamento é emitido ao acaso. Autores como Botomé (1982) e Tourinho (2003; 2011) acrescentam à discussão o qualificador “probabilístico” ao determinismo adotado pela análise do Comportamento. Esse determinismo seria probabilístico porque o comportamento se estabelece em relações de dependência com vários eventos (em oposição a um único) e, considerando-se que não é possível conhecer simultaneamente todas essas causas, a previsão do comportamento seria sempre probabilística. Diferenças no uso de terminologias, como determinismo “absoluto” ou “probabilístico” entre os analistas do comportamento foram discutidas por Slife, Yanchar e Williams (1999) ao tentar desenvolver uma taxonomia que lidasse com sutilezas conceituais que tornam certas propostas de determinismo diferentes entre si e que nem sempre são enfatizadas por seus proponentes. Guimarães e Micheletto (2008) identificaram várias ocorrências de usos de determinismo, alguns também identificados por Slife, Yanchar e Williams (1999), concluindo que, a despeito de vários autores utilizarem-se do conceito de “determinismo” como um princípio filosófico da Análise do Comportamento, o conceito ainda não se encontra livre de discordâncias acerca de sua definição.
A diversidade de propostas que marcam esse debate não se encerra apenas na sua conceituação. Se, de um lado, há estudos que defendem a adoção do determinismo, devido a sua compatibilidade com os objetivos e fundamentos da Análise do Comportamento (Dittrich, 2009; Fraley, 1994; Marr, 1982; Vaughan Jr., 1983; Scharff, 1982; Strapasson & Dittrich, 2011), de outro, há análises que defendem a incompatibilidade desta ciência com o determinismo, podendo o indeterminismo ser uma alternativa a ser adotada (Laurenti, 2008, 2009; Moxley, 1997; Rocha, Laurenti & Liston, 2013; Vorsteg, 1974).
Ainda que Slife, Yanchar e Williams (1999) realizem uma análise de algumas implicações das categorias de determinismo propostas em seu trabalho, há propostas que não são totalmente compatíveis com a taxonomia definida pelos autores, como o determinismo de Dittrich (2009) e Strapasson e Dittrich (2011). A tese sobre o determinismo defendido por estes autores apresenta uma definição conceitual que pode ser compatível com mais de uma categoria da taxonomia de Slife, Yanchar e Williams (1999), com aspectos que alinham a proposta de Dittrich e Strapasson ora com um determinismo em sua acepção epistemológica (determinismo científico na taxonomia desses autores, que significa o afastamento de uma proposta ontológica sobre a determinação), ora com a categoria de interdependência funcional (i.e., adoção de um modelo de relações de dependência funcionais). Diante disso, fica claro que não foram avaliadas exaustivamente certas propostas no que diz respeito às suas implicações para a produção científica da Análise do Comportamento.
As propostas de indeterminismo de Laurenti (2008, 2009) e Rocha, Laurenti e Liston (2013) apresentam, por sua vez, implicações também não discutidas na taxonomia de Slife, Yanchar & Williams (1999), principalmente pelo fato de a taxonomia não contemplar uma categoria que considere o indeterminismo e que discuta suas implicações para a Análise do Comportamento. Parte das insuficiências da taxonomia apontadas foram previstas pelos próprios autores, ao concluírem que “mais categorias podem ser necessárias para este sistema de classificação, ou que alguma revisão pode ser necessária” (p. 93, 1999). A conclusão dos autores evidencia o aspecto inacabado da discussão sobre o determinismo, que ainda possa assumir diferentes características a depender da proposta.
De especial interesse na literatura brasileira é o debate entre as proposições de Dittrich (2009) e Strapasson e Dittrich (2011), que fazem uma análise conceitual do lugar do determinismo na Análise do Comportamento e defendem sua utilidade nesta ciência, e a de Laurenti (2008; 2009) e Rocha, Laurenti e Liston (2013), que argumentam que o determinismo não parece ser a melhor tese a ser subscrita pelos analistas do comportamento, sendo o indeterminismo a alternativa mais promissora.
CARACTERIZAÇÃO DA TESE DETERMINISTA
Na concepção de Dittrich (2009), o determinismo “pode ser grosseiramente definido como a afirmação ou suposição de que certos eventos . . . são sempre e completamente determinados por outros eventos” (p. 66). Para Dittrich (2009), uma proposição ontológica é aquela que ten- ta descrever a o funcionamento do universo. Portanto, na sua vertente ontológica, o determi- nismo seria uma afirmação de que o mundo é de tal forma que todos os eventos estabelecem relações de dependência funcionais com outros eventos. Uma proposição epistemológica, por outro lado, fala sobre as possibilidades de produzir conhecimento acerca de um fenômeno ou um pronunciamento sobre o alcance dos nossos meios de conhecer um objeto. Ainda segundo Dittrich (2009), na sua vertente epistemológica, o determinismo tem como asserção principal a sugestão de que relações de dependência que determinam o comportamento podem ser investigadas e conhecidas. Para que essa última proposição seja válida, não é necessário que todos os determinantes sejam conhecidos simultaneamente. Trata-se apenas de uma aposta de que eles podem ser conhecidos em algum momento.
Segundo essa concepção, em tese, é possível adotar um determinismo apenas no nível ontológico ou apenas no nível epistemológico. Um determinismo no nível ontológico sem afirmações epistemológicas sugere que o universo é completamente determinado, mas não se compromete com afirmações sobre nossa possibilidade de conhecê-lo. Uma proposição ape- nas epistemológica de determinismo sugere que é possível conhecer relações de dependência entre os eventos, mas não tenta demonstrar que o universo é completamente determinado. Essa última proposição funciona como uma hipótese de trabalho: presume-se que o mundo é determinado sem nenhuma pretensão de que se trata de uma afirmação sobre o funciona- mento do mundo, de que essa é sua natureza, essa presunção é mantida apenas porque tem consequências práticas para o pesquisador (continua-se buscando determinantes para eventos desconhecidos) e para o prestador de serviços (continua-se buscando determinantes mesmo frente a falhas em intervenções específicas).
De forma semelhante, Strapasson e Dittrich (2011) definem o determinismo como um postulado de que os eventos do mundo mantêm relações de dependência uns com os outros. Na perspectiva desses autores o indeterminismo é apresentado como um polo de um conti- nuum que teria como polo oposto o determinismo. O indeterminismo extremo, para esses au- tores, se refere, portanto, à ausência completa de relações de dependência. Diferentes teorias podem, em tese, ser situadas em algum ponto desse continuum, mas dificilmente alguém sus- tentaria um indeterminismo extremo dada a experiência óbvia e cotidiana de que é possível, ao menos em alguma medida, perceber que alguns eventos são dependentes de (determinados por) outros eventos ou processos.
Tanto Dittrich (2009) quanto Strapasson e Dittrich (2011) se afastam do determinismo no nível ontológico por ser um postulado não sujeito de comprovação empírica, uma vez que, como mencionado, os autores não pressupõem a possibilidade de acessar todas as relações de determinação do comportamento (i.e., a epistemologia não é capaz de comprovar que o mundo é tal como investigado). Especificamente em Dittrich (2009), argumenta-se que um determinismo que se comprometa unicamente com uma explicação ontológica é inviável na Análise do Comportamento, uma vez que “afirmações ontológicas, na medida em que se
pretendem verdades fundamentais, essenciais, são antitéticas à epistemologia pragmatista/ contextualista do behaviorismo radical” (p. 67). Trata-se de um determinismo com preten- sões estritamente epistemológicas e que serve para regular o comportamento do analista do comportamento.
O primeiro argumento que explicaria a utilidade da adoção do determinismo parte da prática: a ciência e o exercício profissional da psicologia só são produtivas na medida em que se pressupõe que o comportamento é determinado por certas relações e que é possível conhecer e intervir sobre elas. Isso implica que “quanto maior for a porção do comportamento ou da mente humana que é considerada livre ou indeterminada, maior será o limite da psicologia como ciência e profissão” (Strapasson & Dittrich, 2011, p. 299). Diante de casos em que os determinantes do comportamento não forem descritos completamente, o analista do comportamento teria sempre um dilema: o conhecimento indeterminado sobre o comportamento poderia representar uma limitação temporária e possível de ser superada (seria, portanto, possível conhecer as relações de dependência determinadas do comportamento) ou representaria uma limitação intransponível dada a indeterminação do comportamento. O problema é que é impossível para o profissional saber de qual caso se trata. Portanto, supor que é possível superar essa limitação manteria o analista do comportamento empenhado em caracterizar as relações de dependência. Ainda que não se conheçam todas as relações de dependência e que seja possível conhecê-las apenas parcialmente, por meio da probabilidade, a suposição de que as relações de dependência do comportamento são determinadas incentiva o analista do comportamento a manter uma prática que vise prever e controlar o comportamento. A adoção do determinismo, pelo menos como uma suposição útil, é assim justificada.
O argumento exposto acima evidencia o ponto central da proposta: o papel motivador do determinismo. Considerar que o comportamento é determinado incentiva o pesquisador a se dedicar a procurar os determinantes do comportamento. Por outro lado, na medida em que se considera parte do comportamento não determinada, diminuir-se-á a probabilidade de o analista do comportamento continuar buscando os determinantes, continuar buscando a previsão e controle do comportamento.
CARACTERIZAÇÃO DA TESE INDETERMINISTA
O determinismo é discutido de diferentes formas nas obras de Laurenti (2008, 2009) e Rocha, Laurenti e Liston (2013). Em Laurenti (2008), discute-se uma versão de determinismo denominado probabilístico. Essa definição, segundo a autora, deriva principalmente dos tipos de compromissos ontológicos e epistemológicos assumidos nessa doutrina. O compromisso ontológico do determinismo probabilístico, segundo Laurenti (2008), aproxima-se do determinismo clássico inaugurado por Laplace, que assume que eventos do mundo estabelecem relações causais fixas e rígidas que, “se conhecidas, não dariam espaço para noções tais como as de acaso ou casualidade, por exemplo” (Laurenti, 2008, p. 175).
Ao caracterizar os compromissos epistemológicos dessa tese, a autora descreve que, nessa versão, ainda que se pressuponha que o mundo é determinado na forma de relações causais fixas, assume-se a impossibilidade de se conhecer totalmente e simultaneamente as relações de determinação dos eventos. Isso implica, segundo a autora, que só é possível produzir conhecimento na forma de probabilidade, ainda que seja um conhecimento tido como incompleto. A variação e o acaso (dois conceitos relativos à probabilidade) seriam, de acordo com essa tese, conceitos utilizados para expressar a ignorância acerca da determinação desses fenômenos e deveriam ser idealmente superados (Laurenti, 2008). Em suma, o determinismo probabilístico definido por Laurenti (2008), no que se refere aos seus compromissos epistemológicos, compreende que o “homem possa expressar tal conhecimento [sobre o mundo] apenas em termos de probabilidade” (p. 175) apesar de se assumir que o mundo é determinado.
Laurenti (2009) faz um exame de diversas doutrinas deterministas, com compromissos ontológicos e epistemológicos variados, não limitando sua análise ao determinismo probabilístico (este sendo uma das possíveis teses deterministas, definida pela conjunção dos compromissos epistemológicos e ontológicos descritos acima). A autora identifica, ao final da conceituação das doutrinas deterministas, as principais características que envolveriam as acepções de determinismo ontológico:
A tese ontológica do determinismo afirma que os eventos no universo são fixados de maneira única ou não-ambígua por outros eventos. Outra maneira de postular a determinação do mundo é dizer que o universo é regido por leis necessárias e absolutas: dadas as leis deterministas, os eventos do mundo não podem acontecer de maneira diferente daquela especificada pelas leis (2009, p. 61).
Diante disso, a definição de determinismo de Laurenti (2009), em sua acepção ontológica, parece consonante com a definição do compromisso ontológico do determinismo probabilístico, que conta com “uma concepção de natureza constituída por relações causais rígidas e necessárias” (Laurenti, 2008, p. 175).
Sobre as decorrências dos compromissos epistemológicos do determinismo, Laurenti (2009) concorda que o determinismo, no nível epistemológico, pode ter implicações motivacionais para a atividade científica: “a suposição determinista parece afetar o comportamento dos cientistas de outra maneira: o determinismo desempenha um papel motivacional. Nesse sentido, o determinismo é encarado como um bom conselho” (p. 96). A autora argumenta, ainda, que essa implicação “parece ser a versão mais confiável de determinismo” (p. 104) pois “justifica-se pelas consequências úteis que produz na investigação da natureza” (p. 104). Essa afirmação é consonante com a proposta de Dittrich (2009) e Strapasson e Dittrich (2011), em que a defesa da utilidade da tese determinista para a atividade do analista do comportamento é seu ponto central. Em Rocha, Laurenti e Liston (2013), os autores baseiam-se na obra de Karl Popper (1902-1994) para caracterizar o determinismo. Primeiramente, os autores indicam que o determinismo “afirma muito simplesmente que todos os acontecimentos deste mundo são fixos, inalteráveis ou pré-determinados” (Popper, 1988, p. 28). Para além dessa definição, os autores introduzem a acepção de determinismo científico (Popper, 1988), na qual “a estrutura do mundo permite que todo evento futuro possa ser racionalmente calculado de antemão, uma vez que se saibam as leis da natureza e os estados passados e presentes do mundo” (Popper, 1988, p. 6). Partindo dessa definição, o que os autores entendem por determinismo, portanto, não é uma tese que indica somente que os eventos do mundo são fixos e inalteráveis, mas que eles fazem parte de um mundo dotado de uma estrutura que permite a previsão precisa de um dado evento no futuro.
Por outro lado, Rocha, Laurenti e Liston (2013), indicam que o determinismo implica possibilidade de se conhecer um dado fenômeno de forma que a ciência seja capaz de prever qualquer evento, com qualquer grau de precisão desejado (Rocha, Laurenti & Liston, 2013). Considerando isso, “o crivo da precisão é decisivo para o determinismo, e, se não satisfeito, mina qualquer esperança de determinismo científico” (p. 65). A adoção do determinismo, neste caso, está estreitamente relacionada ao comprometimento com a previsão absoluta. Laurenti (2009) sintetiza essa definição com da equação conceitual “determinismo = previsibilidade” (p. 154).
Tendo em vista as definições utilizadas até aqui, Laurenti (2008; 2009) e Rocha, Laurenti e Liston (2013) estão alinhados com um conceito de compromissos epistemológicos semelhante ao apresentado anteriormente. Também tratam de compromissos com afirmações acerca das possibilidades e dos limites da produção de conhecimento sobre um fenômeno.
O indeterminismo, por sua vez, parece tomar como característica importante o princípio de fixação-ambígua, o qual nada mais é do que a assertiva de que “um evento não estabelece de maneira inequívoca a ocorrência de outro evento” (p. 127), isto é, um evento pode ter múltiplas formas de ocorrer no futuro, em oposição a fixação não-ambígua, que postula que um evento estabelece uma única ocorrência futura. Para Laurenti (2009), “a ideia de fixaçãoambígua parece ser consistente com os conceitos usualmente empregados para expressar indeterminação” (p. 127).
O indeterminismo, em sua vertente ontológica, é definido por Laurenti (2009) como um discurso que atribui um estatuto distinto para conceitos, como probabilidade, variação e acaso que também figuram na discussão sobre determinismo. Vale lembrar que, na conceituação de determinismo apresentada por Laurenti (2008; 2009), esses conceitos estão relacionados à limitação do método e representam um conhecimento incompleto, que, na medida em que se descobrissem as relações de determinação entre os eventos, deveriam ser superados. O mundo seria, ainda, constituído de relações causais fixas e não-ambíguas. No indeterminismo, tais conceitos:
Parecem fazer parte da própria constituição do mundo, seja porque há um elemento genuíno de acaso no mundo que produz a variação e novidade . . . seja porque o mundo é constituído de propensões (Popper, 1956/1988); ou de potência/probabilidade (Heisenberg, 1958/1999) que abrem vários cenários de possibilidades, e não um caminho único e exclusivo. (p. 145).
Em suma, asserções ontológicas sobre o indeterminismo levam em consideração elementos como acaso, variação e probabilidade como constituintes dos fenômenos do mundo, em oposição a uma ontologia determinista que descreveria o mundo como rigidamente concatenado, sem espaço para a probabilidade, sendo esta um reflexo da limitação humana de conhecer todos os aspectos que determinam um fenômeno.
No que diz respeito aos compromissos epistemológicos do indeterminismo, Rocha, Laurenti e Liston (2013), recorrem a Popper a fim de defender sua utilidade. O indeterminismo caracteriza-se por uma negação ao determinismo científico, que, como já apresentado, afirma a possibilidade de prever todos os eventos com qualquer grau de precisão desejado (Rocha, Laurenti & Liston, 2013). Os autores ainda afirmam que a inexatidão do conhecimento é um aspecto reconhecido na ciência indeterminista (Rocha, Laurenti & Liston, 2013). Admite-se, portanto, a possibilidade de produzir um conhecimento científico legítimo com estas limitações. Isto é, produzir-se-ia um conhecimento que não seria tido como incompleto ou tem- porariamente limitado, como nas teses deterministas. Tendo isso em vista, a probabilidade e a variação têm um “estatuto epistêmico positivo” (Laurenti, 2009, p. 176). Nesse caso, contudo, não está se afirmando que a natureza é ordenada de forma imprecisa e irregular (argumento ontológico), mas que o conhecimento produzido pode assumir essas características e ainda ter lugar no progresso científico (argumento epistemológico). Trata-se, ainda, de um compromisso epistemológico.
Uma decorrência possível, assim como já analisado anteriormente, é o papel motivacional da doutrina para a atividade científica. Ao discutir o papel motivacional do indeterminismo, Laurenti (2008; 2009) o contrasta com possíveis decorrências da adoção da tese determinista. Para isso, ela se refere principalmente à possibilidade do esgotamento de descobertas na medida em que se descobrissem todas as relações de determinação entre os eventos, isto é, caso o determinista “lograsse o controle e a previsão absoluta dos eventos . . . a natureza surpreenderia o determinista até que se descobrissem todas as leis e causas inexoráveis. Depois disso, seria o fim da ciência pelo esgotamento de descobertas” (Laurenti, 2008, p. 179). Para solucionar o aparente problema do esgotamento de descobertas da ciência determinista, a autora afirma que uma postura indeterminista frente à ciência tornaria
Mais desafiadora a elaboração de procedimentos e técnicas para “domesticar essa indeterminação” – ou seja, para procurar padrões de regularidade probabilística na natureza. Mas, talvez, torna-se ainda mais interessante, em alguns momentos, maximizar essa indeterminação de maneira a produzir mais variação experimentando as possibilidades de interação entre os eventos da natureza. (Laurenti, 2008, p. 179).
Assim, a autora afirma que uma postura indeterminista não só é capaz de ser produtiva para o cientista, uma vez que este ainda buscará regularidades na natureza para explicar os fenômenos, como também leva o cientista a estar aberto ao novo na descoberta científica (Laurenti, 2008; 2009).
Um aspecto interessante dessa proposta é que ao aventar a possibilidade de domesticar a indeterminação ou de produzir mais variação essa versão de indeterminismo se aproxima novamente, pelo menos em um aspecto, de uma perspectiva determinista. O que seria domesticar a indeterminação se não a diminuição da incerteza? E como seria possível aumentar a variação se não forem conhecidos os determinantes da variabilidade? É verdade que é plausível defender que essas ações ainda podem ser estabelecidas por meio de relações de fixação-ambígua, mas também é interessante notar que, na medida em que se assume a possibilidade de controlar a indeterminação e a variação, essa proposta se aproxima pragmaticamente do determinismo. Tanto no determinismo como no indeterminismo procura-se diminuir a incer- teza e assume-se que o conhecimento dificilmente ultrapassará o nível da probabilidade. Aparentemente, no indeterminismo, o avanço da ciência aumentaria a precisão das descrições e da previsão de regularidades do objeto de estudo, mas seria impossível que a imprevisibilidade fosse totalmente superada. Neste caso, haveria sempre um grau de desconhecimento acerca do que se conhece do comportamento. De forma semelhante, o determinismo aqui avaliado aceita que, dadas as diferentes dificuldades técnicas, tecnológicas e mesmo as limitações humanas, é utópico pensar que um dia conseguiremos conhecer todas as relações de determinação, suas interações e o estado atual de todos os eventos e processos simultaneamente.
Se o objetivo da Análise do Comportamento é prever e controlar o comportamento, a preferência por um conhecimento que produza crescentes instâncias de regularidades probabilísticas não parece contribuir para a sofisticação da tarefa de previsão ou de controle mais do que o que propõe o determinismo: que se busque caracterizar relações de dependência. Em outras palavras, ambas propostas admitem que conhecimento é produzido apenas na forma de regularidades probabilísticas.
Ademais, o argumento apresentado relativo ao possível “esgotamento de descobertas” não é aplicável à tese determinista, uma vez que se trata de um argumento relativo ao estado final da ciência, ao conhecimento completo de todas as relações entre os eventos e das interações dessas relações, o que é, para essa versão de determinismo, utópico, e portanto, não afeta na prática o papel motivador da tese determinista.
Um aspecto que melhor diferenciaria as teses analisadas poderia estar na diferenciação do que é considerado regularidade em ambas as teses. Laurenti (2009) não nega que tanto o determinismo quanto o indeterminismo se comprometem com a busca de regularidades, mas afirma que os tipos de regularidade são diferentes entre si, pois “as regularidades almejadas pela epistemologia determinista são aquelas que especificam relações suficientes, e talvez necessárias, entre tipos de eventos. Já na epistemologia indeterminista as regularidades podem expressar relações funcionais, probabilísticas ou estatísticas entre tipos de eventos” (p. 172). Portanto, o conhecimento ideal é, na tese determinista examinada por Laurenti (2009), o que descreve relações pelo menos suficientes, isto é, relações não-ambíguas e fixas. A partir dessa lógica, embora regularidades probabilísticas e estatísticas também possam ser encontradas pela ciência determinista, esse conhecimento não é tido como legítimo. Por outro lado, como já apresentado anteriormente, o conhecimento expresso por meio das regularidades probabilísticas não é considerado, na acepção epistemológica do indeterminismo, como um conhecimento incompleto. No caso do determinismo, na interpretação de Laurenti (2009), em face da regularidade, a prescrição seria de continuar procurando até que se encontrem relações fixas e certas, pois apenas esse tipo de relação entre eventos tem um estatuto explicativo (positivo) nessa proposta. A regularidade probabilística seria apenas um sinal da incompletude do conhecimento. O determinismo probabilístico descrito por Laurenti (2008), com um compromisso epistemológico probabilista também confere à probabilidade esse caráter incompleto. Por outro lado, no caso do indeterminismo de nível epistemológico, “é possível produzir conhecimento científico genuíno, legítimo, apenas com base em regularidades probabilísticas ou estatísticas” (Laurenti, 2009, p. 172). O entendimento do que é um conhecimento legítimo ou genuíno parece central na caracterização de determinismo e indeterminismo feita por Laurenti. Esses qualificadores, entretanto, não são empregados da mesma forma por Dittrich (2009) e Strapasson e Dittrich (2011). Para esses últimos, o conhecimento probabilístico só não é “legítimo” ou “genuíno” no sentido estrito de que se o pesquisador se satisfizer com ele, poderá deixar de buscar caracterizar relações de dependência ainda desconhecidas e que, se conhecidas, podem proporcionar maior previsão e controle sobre o comportamento1. Na medida em que um conhecimento probabilístico não leva o pesquisador a efetivamente abandonar a sua investigação (como, aliás, é o que defendem Laurenti e colaboradores), nada de ilegítimo ou não genuíno haveria nesse tipo de conhecimento.
A proposta do indeterminismo se destaca pela defesa da legitimidade do conhecimento probabilístico, mas é bastante difícil identificar como ela se diferencia em termos pragmáticos da tese determinista. Aparentemente essas teses são mais próximas do que uma leitura apressada dos textos nos quais elas estão expressas poderia indicar.
REFLEXÕES ADICIONAIS
Dada a análise realizada até aqui, fica claro que as teses apresentadas divergem em relação à definição de determinismo ou indeterminismo que procuram contrapor. O determinismo de Dittrich e Strapasson é caracterizado pela pressuposição de que existem relações de dependência que determinam o comportamento. Na proposta de Laurenti e colaboradores, foi encontrada definição mais específica: supõe-se que o comportamento é determinado por relações inexoráveis (fixação não-ambígua) e, principalmente, como apontado por Rocha, Laurenti e Liston (2013), supõe a possibilidade da previsão precisa de eventos futuros e que a regularidade probabilística e estatística é um conhecimento incompleto perto de regularidades que expressem relações inexoráveis entre eventos. Trata-se, portanto, de uma definição que introduz mais condicionais à adoção de uma tese determinista do que a proposta de Strapasson e Dittrich. Em outras palavras, a versão de determinismo destes últimos autores pode ser entendida como comparativamente menos estrita. A definição de indeterminismo para Dittrich e Strapasson diz respeito a um polo em um continuum entre um mundo errático e sem determinantes e um mundo em que todos os eventos mantêm relações de dependência com outros eventos. A adoção de um continuum para se conceituar diferentes versões de determinismo e indeterminismo não é compartilhada por Laurenti e seus colaboradores, que aproximam-se de uma postura de “não comprometimento” com previsões exatas, probabilísticas e caracterização de relações de dependência necessárias e não ambíguas. Nesse sentido, a tese indeterminista incluiria a maioria das posições do continuum determinismo-indeterminismo exceto a posição extrema do polo determinista. Uma evidência dessa postura pode ser verificada na afirmação dos autores, alinhados com Popper, de que “o termo [indeterminismo científico] se refere tão somente à negação do determinismo científico, ou seja, é a negação da ideia de que todos os eventos seriam previsíveis com a precisão ilimitada” (Rocha, Laurenti & Liston, 2013, p. 65).
O tratamento dado ao indeterminismo por Dittrich (2009) e Strapasson e Dittrich (2011) também encontra poucos correlatos no indeterminismo epistemológico de Laurenti e seus colaboradores, que defendem que o indeterminismo não considera o comportamento errático e imprevisível, dada a suposição de que é possível encontrar regularidades nele. No indeterminismo, porém, as regularidades seriam de caráter probabilístico e estatístico, sendo o modo de conhecer dessa tese “razoavelmente limitado: nem tudo é preciso, absoluto, rigoroso, decisivo. Há imprecisões, incertezas, probabilidades, variações” (Laurenti, 2009, p. 176) e essas são intransponíveis pela ciência.
Aparentemente, o determinismo criticado por Laurenti e colaboradores não é aquele defendido por Dittrich e Strapasson. De modo semelhante, o indeterminismo criticado por Dittrich e Strapasson não é aquele defendido por Laurenti e colaboradores. As divergências na definição de determinismo e indeterminismo parecem o principal ponto de desacordo entre os autores mencionados.
Outro aspecto a ser analisado diz respeito às dimensões ontológicas das proposições analisadas. Dittrich (2009) sugere que o pragmatista não se atém incessantemente à tarefa de demonstrar logicamente seus compromissos ontológicos, defendendo que “a primeira expectativa que deveria ser abandonada por behavioristas radicais é a de saber se o mundo (ou o comportamento, mais especificamente) é de fato determinado” (p. 67, itálico no original) e tomando o determinismo como uma hipótese de trabalho útil. Em contrapartida, Laurenti (2008) sugere que ao fazer ciência “como se” o mundo fosse determinado significa pressupor uma característica do mundo e, portanto, é adotar um discurso ontológico. Essa ideia fica clara na definição de “determinismo probabilístico” analisado por Laurenti (2008), que embora se trate de uma tese na qual se defende que são possíveis apenas aproximações probabilísticas acerca do comportamento, há um compromisso ontológico com o determinismo nessa tese (i.e., a despeito das nossas limitações metodológicas, o comportamento é determinado). Dessa forma, a autora argumenta que “epistemologia e ontologia estão interligadas” (2008, p. 180), o que dificultaria uma discussão que considere cada tipo de compromisso isoladamente. Por outro lado, recorrer ao critério empírico não parece resolver, de modo finalista, o problema para nenhuma das proposições analisadas. Ainda que Dittrich sugira que a cada nova descrição de relações de determinação se fortaleça a posição determinista, ele entende que basta encontrar um evento para o qual ainda não se descreveu os determinantes que a tese indeterminista se manterá plausível.
Dada a dificuldade e a impossibilidade da adoção do critério empírico, Laurenti (2008; 2009) sabiamente propõe que sejam escolhidos outros critérios além do empírico para o debate desses compromissos ontológicos no discurso do Behaviorismo Radical, tais como a aproximação com outras filosofias ou ciências, critérios éticos, estéticos, políticos, dentre outros. Ao indagar sobre os rumos do Behaviorismo Radical em relação à problemática do determinismo, ela diz:
Será que a Análise do Comportamento prefere assumir os desideratos de uma epistemologia determinista, almejando produzir no futuro uma ciência do comportamento certa, absoluta, irretocável? Será que sua filosofia, o Behaviorismo Radical, pretende se aproximar das ontologias de Leibniz, Laplace, Newton, Einstein? E com quais epistemologias dialogaria? Seriam as do reducionismo, positivismo e empirismo? Com quais ciências a Análise do Comportamento quer fazer fronteira? Seria a física newtoniana determinista, a biologia reducionista molecular? Ou . . . estaria disposta a se aproximar das ontologias de Peirce, James, Heisenberg, Popper? E de epistemologias como as da complexidade e do instrumentalismo-pragmatista? Aproximar-se-ia da física quântica e da biologia evolutiva? (Laurenti, 2009, p. 404).
Em 2008, por exemplo, Laurenti defende que a adoção do indeterminismo torna-se mais coerente com a Análise do Comportamento na medida que alguns propositores do pragmatismo (James, Peirce) e do contextualismo (Pepper) opõem-se ao determinismo. Sob controle do discurso de Peirce, a autora afirma que “Por mais que Peirce, do ponto de vista epistemológico, admitisse, entusiasticamente, a possibilidade de obtermos inferências ou leis cada vez mais satisfatórias na ciência, tais enunciados seriam nada mais do que inferências prováveis” (Laurenti, 2008, p. 177). A lógica geral parece ser a de que uma vez que James, Peirce, e Pepper propõem filosofias pragmatistas e também o faz a Análise do Comportamento, seria melhor para a Análise do Comportamento compartilhar outras características dessas filosofias e Laurenti (2008) sugere que o indeterminismo é uma delas. Um opositor a essa proposição poderia questionar se James, Peirce, e Pepper estão de fato alinhados com o indeterminismo (preferencialmente explorando as diferentes concepções de indeterminismo apresentadas ao longo deste texto), mas essa tarefa também não seria produtiva considerando que a proposta determinista também pode ser pragmatista. A não ser que sejam demonstradas contradições graves entre o pragmatismo e a tese do determinismo, ao menos uma forma de determinismo é compatível com o pragmatismo na Análise do Comportamento.
Se a compatibilidade com o pragmatismo não é uma solução válida para o debate, talvez ainda haja espaço para as similaridades entre a análise do comportamento e outras ciências. O diálogo com áreas de conhecimento que assumem o indeterminismo (e, consequentemente, os conceitos comuns à definição deste posicionamento, tal como acaso, variação e probabilidade) como, na opinião de Laurenti, a biologia evolutiva e a física quântica, ganha relevo em contraposição ao diálogo com áreas de conhecimento que, também segundo a autora, assumem o determinismo, tal como a física newtoniana. Outrossim, o diálogo com outras áreas também é uma recomendação presente no trabalho de Rocha, Laurenti e Liston (2013), como meio de tentar solucionar a questão da adoção ou não do indeterminismo na Análise do Comportamento: “talvez o estabelecimento de diálogos com outras ciências ilumine o tortuoso caminho até uma aceitação ou rejeição definitiva do indeterminismo pela comunidade de analistas do comportamento” (p. 79). Essa avaliação ganha especial importância se concordarmos com a conclusão anterior de que, em termos práticos, tanto a tese determinista quanto a tese indeterminista aparentemente têm implicações semelhantes em relação ao incentivo do cientista.
Contudo, uma série de questões permeia um programa de investigações conceituais como esse. Haveria consenso, por exemplo, na biologia evolutiva ou na física quântica sobre o estatuto do determinismo e do indeterminismo? As discussões desenvolvidas nessas áreas do conhecimento mantêm paralelos com as discussões na Análise do Comportamento? Adotar propostas deterministas ou indeterministas viabilizaria algum tipo de interação com essas áreas do conhecimento? Questões como essas demandam uma análise pormenorizada de outras áreas do conhecimento e exigem uma avaliação que considere as diferentes definições de determinismo e indeterminismo que vêm sendo empregadas tanto nessas áreas como na Análise do Comportamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Avaliar teses determinista e indeterminista parece, a princípio, um trabalho de simplesmente expor suas características antagônicas e incompatíveis. Porém, a polissemia desses termos, que resulta numa multiplicidade de subtipos, permite identificar proposições com denominações alternativas, mas que compartilham muitas de suas características, como é o caso dos artigos avaliados neste ensaio. Tanto a tese determinista quanto a tese indeterminista indicam que há limitações no modo de se conhecer o comportamento: podemos apenas produzir conhecimento sobre ele na forma de um conhecimento probabilístico, sendo este um conhecimento legítimo para produzir avanços na Análise do Comportamento. Além disso, cada tese reconhece seu valor motivacional para manter a atividade científica, uma vez que defendem que sempre haverá regularidades a serem descritas e refinadas.
É possível concluir que são duas teses moderadas no que diz respeito a seus compromissos, em oposição a acepções de mais fortes de determinismo e indeterminismo. Parte disso pode derivar da dificuldade de diferenciar essas teses no que diz respeito aos seus compromissos epistemológicos, como apontado por Laurenti (2008). Todavia, há diferenças significativas na concepção de determinismo e indeterminismo para os autores. Strapasson e Dittrich (2011) sugerem que quanto maior a porção do mundo que se assume ser indeterminada maiores são os limites para o avanço científico, implicação que Laurenti (2009) e Rocha, Laurenti e Liston (2013) rejeitam. Por outro lado, Rocha, Laurenti e Liston definem o determinismo como uma doutrina comprometida com a previsão precisa e absoluta de todos os eventos e processos, uma associação que Dittrich (2009) e Strapasson e Dittrich (2011) não fazem. De forma geral, os autores partem de definições distintas de determinismo e indeterminismo em suas respectivas análises e o determinismo de Strapasson e Dittrich e o indeterminismo de Laurenti, Rocha e Liston parecem estar mais próximos no que diz respeito às suas prescrições ao comportamento do analista do comportamento do que uma leitura independente desses textos poderia sugerir.
Por fim, Laurenti (2009) alerta para um aspecto importante ainda não plenamente desenvolvido na avaliação do impasse entre determinismo e indeterminismo, que pode se caracterizar uma via de investigação profícua: o diálogo com outras áreas de conhecimento. A autora pergunta se a Análise do Comportamento deveria se alinhar a certas ciências específicas que ela denomina como deterministas ou indeterministas. Tal pergunta é bastante relevante, mas pressupõe algo ainda pouco explorado, o de que nessas ciências há certo consenso sobre sua natureza determinista ou indeterminista e de que a compreensão do que é determinismo nessas ciências é similar ao que se tem proposto na Análise do Comportamento. Esse tipo de trabalho, portanto, poderia contribuir para elucidar a possibilidade de contribuições de outras ciências para o debate acerca da adoção do determinismo na Análise do Comportamento.
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Notas
Autor notes