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Efeito do treino de habilidades de consciência fonológica sobre a aquisição da leitura
Olga Maria Busse de Alvarenga; Ariany Magalhães Leandro; Izabelly Alexandre dos Passos;
Olga Maria Busse de Alvarenga; Ariany Magalhães Leandro; Izabelly Alexandre dos Passos; Edson Massayuki Huziwara; Viviane Verdu
Efeito do treino de habilidades de consciência fonológica sobre a aquisição da leitura
Effect of phonological awareness skills training on reading acquisition
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 30, núm. 2, pp. 219-233, 2022
Universidad Veracruzana
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Resumo: O presente estudo teve como objetivo verificar a relação entre o ensino prévio de algumas habilidades de consciência fonológica e o aprendizado da leitura utilizando programas informatizados de ensino. Treze alunos entre 6 e 8 anos, com dificuldade no aprendizado de leitura, foram distribuídos entre Condição Experimental (CE) e Controle (CC) e submetidos a procedimentos avaliativos de habilidades de consciência fonológica e leitura de palavras em três momentos: no início do experimento; após o treino de consciência fonológica (CE) ou nomeação de figuras (CC); e após o ensino de leitura. Os participantes de ambas as condições apresentaram desempenhos similares nas avaliações de leitura e leitura recombinativa. O treino de consciência fonológica promoveu melhora nas habilidades de consciência fonológica para a CE, mas foi o treino de leitura que teve maior impacto sobre os escores de consciência fonológica para ambos os grupos. Não foi verificada relação entre um melhor desempenho na avaliação da consciência fonológica e o melhor desempenho na leitura. Discute-se a possível independência funcional entre habilidades de consciência fonológica e a aprendizagem da leitura, bem como o aparente papel do treino explícito da leitura de sílabas para a aquisição da leitura e melhora das habilidades de consciência fonológica.

Palavras-chave: consciência fonológica, aprendizagem de leitura, leitura recombinativa, alfabetização, crianças.

Abstract: The present study aimed to verify whether the previous teaching of some phonological awareness skills would affect the acquisition of reading skills in a computerized teaching program. Thirteen students aged 6 to 8 years old, with learning difficulties in reading, were divided into two conditions. Participants in the Experimental Condition (EC) were given phonological awareness skills training before being exposed to an individualized program to acquire reading skills. Instead of being exposed to phonological awareness skills training, participants in the Control Condition (CC) learned to name figures before being exposed to the same reading skills program. Phonological awareness and reading skills were evaluated at three moments: at the beginning of the experiment; after phonological awareness (EC) or naming of figures training (CC); and after completing reading skills learning program. Regardless of the condition, the participants showed significant improvement in reading skills only after performing the computerized teaching program. In addition, performances in reading and recombinative reading evaluations were similar for participants in both conditions. Although phonological awareness training has improved phonological awareness skills for EC participants, the highest scores on phonological awareness skills for participants in both conditions were achieved only after performing the computerized teaching program. In general, our findings indicate that high performance in the assessment of phonological awareness does not predict high performance in reading skills. Based on these results, possible functional independence between phonological awareness and reading skills is discussed, as well as the apparent role of explicit syllable reading training for the acquisition of reading and improvement of phonological awareness skills.

Keywords: phonological awareness, reading learning, recombinative reading, literacy, children.

Carátula del artículo

Efeito do treino de habilidades de consciência fonológica sobre a aquisição da leitura

Effect of phonological awareness skills training on reading acquisition

Olga Maria Busse de Alvarenga
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Ariany Magalhães Leandro
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Izabelly Alexandre dos Passos
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Edson Massayuki Huziwara
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Viviane Verdu
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 30, núm. 2, pp. 219-233, 2022
Universidad Veracruzana

Recepción: 11 Noviembre 2020

Aprobación: 30 Julio 2021

O termo “consciência fonológica” se refere ao conhecimento dos sons que compõem as palavras ouvidas e faladas, incluindo a compreensão de que elas podem ser segmentadas e manipuladas (Capovilla & Capovilla, 2000; Cardoso-Martins, 1991). As habilidades de consciência fonológica podem ser divididas em três grupos: habilidades suprassegmentares, que envolvem discriminar a sonoridade inicial e final de palavras, identificando se elas são semelhantes ou diferentes (habilidades de rima e aliteração); habilidades silábicas, que requerem a discriminação de sílabas (habilidades de síntese, segmentação, manipulação e transposição silábica); e habilidades fonêmicas (habilidades de síntese, segmentação, manipulação e transposição fonêmica), que requerem a discriminação de unidades mínimas da fala, denominadas fonemas (Lundberg, Frost, & Petersen, 1988). Partindo de uma perspectiva analítico-comportamental, o desenvolvimento dessas habilidades, grosso modo, estaria relacionado a um maior controle discriminativo do comportamento pelos sons constituintes das palavras, permitindo, por exemplo, que o indivíduo recombine os sons, formando palavras novas.

Não há consenso quanto à sequência de desenvolvimento das habilidades de consciência fonológica. Enquanto alguns pesquisadores (e.g., Liberman, Shankweiller, Fisher & Cartes, 1974;Supple, 1986) defendem que seu desenvolvimento é gradual, iniciando-se na discriminação de unidades mais amplas da fala (palavras) até chegar às unidades independentes (os fonemas), outros apontam para a aquisição da consciência de sílabas antes da consciência de palavras (e.g., Jenkins & Bowen, 1994). Nenhuma pesquisa, entretanto, parece questionar que a consciência de fonemas é a última habilidade adquirida, necessitando de instrução explícita de correspondências entre os sons dos fonemas e as letras que os representam (grafemas), enquanto as outras habilidades desenvolvem-se com maior espontaneidade por meio da experiência da linguagem falada, podendo ser aprimoradas com o ensino explícito (e.g., Burgess & Lonigan, 1998; Cunningham, 1990).

A literatura evidencia o papel das habilidades de consciência fonológica na alfabetização (e.g., Bryant, MacLean, Bradley, & Crossland, 1990; Byrne, Freebody, & Gates, 1992; Capovilla & Capovilla, 2000; Lundberg et al., 1988; Suggate, 2016), sendo apontada uma relação de reciprocidade entre seu desenvolvimento e a aquisição de leitura e escrita (e.g., Burgess & Lonigan, 1998; Cunha & Capellini, 2009). As habilidades fonêmicas têm sido apontadas como sendo as que mais impactam a aquisição da leitura, porém, esse impacto parece depender do ensino explícito envolvendo a correspondência entre os sons (fonemas) e as letras (e.g., Ehri et al., 2001; Hatcher, Hulme, & Snowling, 2004). Por outro lado, há também estudos que indicam que o papel da consciência fonológica para a aquisição da habilidade de leitura pode estar sendo supervalorizado. Em um estudo de meta-análise com população surda, Mayberry, Giudice e Lierberman (2010) verificaram que aproximadamente metade desses leitores não utilizavam habilidades de consciência fonológica durante a leitura, valendo-se de outras estratégias, o que indica que um leitor hábil (ouvinte ou surdo) dependeria principalmente de uma base sólida de linguagem, seja ela oral ou gestual (Mayberry et al., 2010). Outro estudo de meta-análise sobre o efeito de diferentes procedimentos de ensino da consciência fonológica sobre a leitura inicial, realizado por Bus e IJzerdoorn (1999), apontou que a consciência fonológica não foi condição suficiente para o desenvolvimento da leitura, sendo que seu ensino teria efeitos, principalmente, sobre as próprias habilidades de consciência fonológica dos alunos.

A grande maioria dos estudos sobre consciência fonológica e alfabetização não controla o procedimento de ensino da leitura como variável, limitando-se a avaliar a consciência fonológica e a leitura e escrita em diferentes momentos da escolarização. Ocorre, porém, que a influência das habilidades de consciência fonológica sobre a aquisição da leitura poderia ser mais bem avaliada caso os alunos fossem expostos a um mesmo procedimento de ensino, comprovadamente eficaz. Bernardino, Freitas, de Souza, Maranha e Bandini (2006) documentaram que quatro alunos, que apresentavam fracasso recorrente em um programa informatizado de ensino de leitura (Rosa Filho, de Rose, de Souza, Hanna, & Fonseca, 1998), apresentaram progressos significativos a partir do trabalho concomitante de consciência fonológica em fases diversas da aplicação do programa. O ensino de habilidades de consciência fonológica teve como base um programa desenvolvido e utilizado na dissertação de mestrado de Bandini (2003). Foram trabalhadas diversas atividades, utilizando uma variedade de materiais (e.g., conjunto de imagens, figuras geométricas, letras impressas, lápis de cor), com aplicações coletivas nas quais ocorria interação entre os alunos. Além das habilidades de consciência fonológica, o programa de treinamento utilizado envolveu tarefas de nomeação de letras e o ensino dos conceitos de começo e fim de sequências de sons, figuras ou objetos (Bandini, 2003; Bernardino et al., 2006). Ao final do procedimento, os participantes deixaram de apresentar os padrões de erros anteriores, obtendo escores mais altos em consciência fonológica e avanço nas habilidades de leitura e escrita. A simultaneidade na aplicação do treino das habilidades fonológicas e do programa de leitura, entretanto, não permite avaliar com segurança o papel do treino de consciência fonológica para a mudança comportamental observada. Além disso, o treino de atividades adicionais (nomeação de letras e conceitos de começo e fim) dificultam a análise do real efeito do treinamento de habilidades de consciência fonológica sobre a aquisição de leitura.

No que tange à aprendizagem da leitura, o controle pelas unidades mínimas (sílabas e fonemas/letras) pode se desenvolver a partir de treinos envolvendo unidades sonoras maiores (palavras) (Saunders, O’Donnel, Vaydia, & Williams, 2003; Skinner, 1957). Por outro lado, a experiência em discriminar e recombinar as unidades sonoras mínimas (letras ou sílabas) que compõem as unidades maiores (sílabas ou palavras) facilitaria, além da aquisição inicial da leitura, a ocorrência da leitura recombinativa, que ocorre quando o indivíduo é capaz de ler palavras novas compostas pela recombinação de unidades textuais componentes das palavras já aprendidas (e.g., de Souza et al., 2009; Hanna et al., 2011; Saunders et al., 2003). Nesse caso, é possível supor que o desenvolvimento de habilidades de consciência fonológica poderia favorecer o controle da leitura e escrita pelas unidades mínimas que constituem as palavras.

Considerando os argumentos apresentados anteriormente, o presente estudo teve como objetivo avaliar se o ensino de algumas habilidades de consciência fonológica favoreceria o aprendizado da leitura de palavras e a leitura de palavras novas, compostas pela recombinação de sílabas e letras das palavras ensinadas (leitura recombinativa). Para tanto, os participantes da primeira condição experimental foram expostos a um treino de habilidades de consciência fonológica antes de passarem por um programa de ensino de leitura de eficácia comprovada. Os participantes da segunda condição experimental, por sua vez, foram expostos a um treino de nomeação de figuras antes de passarem pelo mesmo programa de ensino de leitura. Dessa forma, a partir de um procedimento sutilmente diferente daquilo que foi proposto em experimentos anteriores, os resultados advindos do presente estudo podem ser úteis para auxiliar a esclarecer o papel da consciência fonológica na alfabetização de crianças.

MÉTODO
Participantes

Participaram do estudo 13 alunos, de ambos os sexos, dos 2° e 3º anos do Ensino Fundamental de três escolas públicas de Belo Horizonte, com idades entre 6 anos e 8 meses e 8 anos e 9 meses no início da pesquisa. Os participantes apresentavam desenvolvimento típico, com dificuldade no aprendizado de leitura e foram selecionados a partir de seu desempenho em duas etapas de triagem: 1) menos de 60% de acertos em um ditado de 10 palavras compostas por sílabas canônicas simples e regulares, aplicado em todos os alunos de 2º e 3º ano das escolas; 2) menos de 30% de acertos nas tarefas de nomeação de palavras (leitura) e ditado em uma avaliação realizada no computador. As crianças foram divididas por conveniência entre duas condições: Condição Controle (CC) e Condição Experimental (CE). A perda de participantes ao longo do estudo, em decorrência de excesso de faltas ou mudança de escola, não permitiu que os participantes em cada uma das condições fossem equiparados quanto ao nível de leitura inicial, à escola e ao sexo. Os grupos se equipararam quanto à média de idade (7 anos e 6 meses na CE e 7 anos e 2 meses na CC).

Situação e equipamentos

As sessões foram realizadas em espaços indicados pelas escolas, no turno dos participantes, de três a quatro vezes por semana e com duração média de 20 minutos por sessão. Foram utilizados notebooks com tela sensível ao toque de 14” (Processador Intel Core i5), com sistema operacional Windows (Microsoft®), equipados com fones de ouvido para apresentação dos estímulos auditivos.

Para a avaliação das habilidades de consciência fonológica, adotou-se a Prova de Consciência Fonológica por escolha de Figuras (PCFF - Capovilla & Seabra, 2012). Quanto à leitura, empregou-se o software Diagnóstico de Leitura e Escrita (DLE - Fonseca, 1997) para a avaliação e o software “Aprendendo a Ler e a Escrever em Pequenos Passos” (ALEPP – de Souza et al., 2009; Rosa Filho et al., 1998) para o ensino. O treino de habilidades de consciência fonológica, para a Condição Experimental, e as atividades de nomeação de figuras, para a Condição Controle, foram construídos especialmente para esta pesquisa no software ALEPP. Os instrumentos e procedimentos utilizados são descritos a seguir.

Diagnóstico de Leitura e Escrita (DLE)

O DLE (Fonseca, 1997) é um instrumento informatizado de avaliação das habilidades de leitura e escrita de palavras simples, compostas por sílabas canônicas regulares. A avaliação ocorre por meio de tarefas de seleção e nomeação de figuras, letras, sílabas e palavras e tarefas de ditado e cópia. Esses últimos são realizados na modalidade cursiva (utilizando papel e lápis) e com construção da resposta no computador a partir de letras dispostas na tela. O DLE foi aplicado na seleção dos participantes e após a conclusão de cada etapa do estudo.

Prova de Consciência Fonológica por Escolha de Figuras (PCFF)

Esse instrumento, elaborado por Capovilla e Seabra (2012), é composto por subtestes que avaliam nove habilidades de consciência fonológica nos níveis silábico e fonêmicos: rima; aliteração; síntese silábica e fonêmica; segmentação silábica e fonêmica; transposição silábica e fonêmica; trocadilhos. Cada subteste contém dois itens de treino, em que são fornecidas as instruções a respeito do que fazer, e cinco itens de teste. A cada acerto nos itens de teste é conferido um ponto na avaliação, de modo que a pontuação máxima na prova é de 45 pontos. As tarefas consistem na apresentação de cinco figuras, inicialmente nomeadas pelo avaliador, seguida pela instrução (por exemplo, em uma tarefa de rima, o avaliador pergunta: “Qual desenho termina igual a GRAMA?”). A criança deve, então, marcar um “X” naquela figura que, de acordo com a instrução, corresponde à palavra ditada (no caso, a figura de uma cama).

Treino de habilidades de consciência fonológica

Foi construído um programa informatizado de ensino de habilidades de consciência fonológica, utilizando palavras e figuras distintas daquelas utilizadas na PCFF (Capovilla & Seabra, 2012) buscando garantir que uma eventual melhoria de desempenho na PCFF decorresse do treino das habilidades e não de palavras específicas. Foram selecionadas para ensino as habilidades de consciência fonológica que possibilitariam aos aprendizes discriminar as sílabas que compõem as palavras, ensinadas na sequência evolutiva indicada por Lundberg et al. (1988). As habilidades de consciência fonêmica não foram incluídas no treino, uma vez que a literatura aponta que elas costumam se desenvolver durante a alfabetização (e.g., Burgess & Lonigan, 1998; Cunningham, 1990), favorecendo a aquisição da leitura apenas com treino explícito da correspondência entre sons e letras (e.g., Ehri et al., 2001; Hatcher et al., 2004), o que caracterizaria um treino de leitura de unidades mínimas (letras). Como o presente estudo buscava compreender o papel do treino de habilidades de consciência fonológica antes da exposição ao programa de ensino de leitura, considerou-se pertinente não incluir as habilidades fonológicas neste treino, caracterizando-o como puramente fonológico (Bus & IJzendoorn, 1999). A Tabela 1 caracteriza as habilidades treinadas (em ordem) e identifica os critérios de progressão para o treino da habilidade seguinte.

Tabela 1. Habilidades de consciência fonológica treinadas, objetivos e critérios de progressão

Tabela 1


Habilidades de consciência fonológica treinadas, objetivos e critérios de progressão

As tarefas de ensino utilizaram o procedimento de matching to sample (MTS) com atraso, consistindo na apresentação de uma instrução e modelo auditivo (por exemplo, “Aponte a palavra que termina igual TAPETE”) diante do qual o participante deveria selecionar o estímulo de comparação (figura colorida) correspondente (por exemplo, a figura de um sorvete) dentre três opções de escolha apresentadas na porção inferior da tela do computador. Apenas na tarefa de segmentação silábica a apresentação do modelo auditivo deveria ser seguida por uma resposta verbal (falar a palavra separando as sílabas). Os passos de ensino eram compostos por dois blocos de 10 tentativas, sendo que cada tentativa apresentava um estímulo diferente como modelo. Foi programado um passo de ensino para cada habilidade treinada. Foram utilizadas 115 figuras, representando substantivos, como estímulos de comparação nos treinos de habilidades. Buscou-se não repetir figuras como estímulo de comparação nas tentativas de um passo de ensino. O estímulo de comparação correto aparecia em posições diferentes a cada tentativa, para evitar controle da resposta pela posição do estímulo. Respostas corretas foram reforçadas por estímulos auditivos (“Muito bem!”, sons de palmas etc.) e respostas incorretas eram seguidas por um feedback de erro (“Não, não é!”) e pela repetição da tentativa (procedimento de correção). A porcentagem de acertos exigido para cada tipo de tarefa variou entre 90% e 100% em um bloco de 10 tentativas. Assim, caso esse critério fosse cumprido no primeiro ou segundo bloco de ensino, a sessão era encerrada e o participante iniciava o ensino da habilidade seguinte. Caso o critério não fosse alcançado até o segundo bloco de ensino, o participante repetia o passo daquela habilidade no dia seguinte.

Treino de nomeação de figuras

O procedimento visava ampliar o vocabulário dos participantes por meio do ensino de relações entre palavras ditadas (modelo) e figuras (comparação) em tarefas deMTS. A versão completa do treino contava com 30 passos de ensino de nove palavras cada (totalizando 270 palavras). Cada passo era composto por um pré-teste de nomeação das nove figuras, um bloco de treino de nove tentativas e um pós-teste de nomeação das figuras. O acerto de 100% na nomeação das figuras no pós-teste do passo levava o participante ao próximo passo, enquanto erros levavam a um novo bloco de nove tentativas de treino e repetição do pós-teste. As consequências para respostas corretas e incorretas eram as mesmas do treino de habilidades de consciência fonológica. As palavras treinadas eram, em sua maioria, substantivos, incluindo palavras a serem ensinadas no Módulo 1.

Programa de Ensino de Leitura

Para o ensino de leitura, foi utilizado o Módulo 1 do programa ALEPP (Rosa Filho et al., 1998), por ser um procedimento informatizado de comprovada eficácia em laboratório e ambiente escolar (e.g., de Souza et al., 2009; Reis, de Souza, & de Rose, 2009). O Módulo 1 ensina a leitura de palavras simples, compostas por sílabas canônicas regulares, e é dividido em cinco Unidades, organizadas em uma sequência planejada de passos de ensino e avaliação. Cada unidade se inicia com um passo de pré-teste, seguido pelos passos de ensino e se encerra com um passo de pós-teste. Os passos de pré e pós-teste avaliam a leitura das palavras ensinadas naquela unidade e de palavras formadas a partir da recombinação de sílabas das palavras de ensino (palavras de generalização e pseudopalavras). Cada passo de ensino também é composto por um pré e um pós-teste, que avaliam a leitura das palavras de ensino daquele passo por meio de tarefas de seleção da palavra escrita diante da palavra ditada. O pré-teste do passo também avalia a manutenção da aprendizagem das palavras do passo anterior por meio de tarefas de seleção e ditado com construção da resposta (CRMTS). O critério de progressão consiste em 100% de acertos na leitura das palavras ensinadas no pós-teste do passo e da unidade. O não alcance do critério implica na repetição do passo específico. Respostas corretas são seguidas por sons e frases apresentadas pelo computador (por exemplo, “Muito bem!”) e respostas incorretas são seguidas por um feedback de erro (“Não, não é!”) e pela repetição da tentativa. Não há consequência diferencial nas tarefas de teste. Neste trabalho será analisado o desempenho dos participantes de cada condi ção somente na Unidade I do ALEPP, por ser a unidade na qual os participantes apresentam maior dificuldade (cf, Marques, 2014; Melchiori et al., 2000), já que se refere ao ensino das primeiras palavras. Por questões éticas, os participantes tiveram a oportunidade de passar por todo o programa de leitura. A Unidade I ensina 15 palavras, distribuídas entre cinco passos de ensino: 1) tatu, bolo e selo; 2) mala, bico e vaca; 3) tubo, apito e cavalo; 4) vovô, tomate e luva; 5) muleta, figo e pato. Nos passos de pré e pós-teste da Unidade I são avaliadas, além das palavras de ensino, 14 palavras formadas pela recombinação das sílabas e letras ensinadas na unidade, sendo dez palavras de generalização (abacate, batata, boca, cola, lata, lobo, macaco, mapa, pipa e toco) e quatro pseudopalavras (covago, sepa, tabilu e tuva).

Procedimento

Conforme relatado anteriormente, os participantes foram distribuídos entre Condição Experimental e Controle. Somente a CE realizou o treino de habilidades de consciência fonológica (Fase 1) antes do ensino de leitura (Fase 2). Para igualar os grupos no que se refere ao contato com o experimentador, com o computador e com tarefas de MTS, os participantes da CC realizaram o treino de nomeação de figuras (Fase 1) antes do ensino de leitura (Fase 2). Antes e depois de cada fase, os participantes realizaram as avaliações da consciência fonológica (PCFF) e da leitura (DLE). A terceira aplicação das avaliações ocorreu após a conclusão da Unidade I do ALEPP pelos participantes.

RESULTADOS

Todos os participantes concluíram as etapas previstas pelo estudo. A Tabela 2 exibe o desempenho individual dos participantes e a média e desvio padrão do desempenho dos grupos em todas as avaliações realizadas no estudo: percentual de leitura correta (nomeação de palavras) nas três aplicações do DLE; escore das três aplicações da PCFF; percentual de acertos na leitura de palavras ensinadas e na leitura recombinativa do pós-teste da Unidade I do Módulo 1 do ALEPP; e número de sessões de passos de ensino realizados pelos participantes para concluir essa unidade. É possível observar uma variabilidade de desempenho intragrupos em todas as avaliações e no número de sessões de ensino de leitura, sendo essa variabilidade mais evidente na terceira aplicação do DLE e na leitura recombinativa (pós-teste da Unidade I do ALEPP), conforme indicado pelos valores de desvio padrão dos grupos. A observação dos dados individuais e médias de desempenho dos grupos não indicou diferença clara entre as condições quanto ao desempenho nas avalições de DLE e PCFF e à aprendizagem da leitura no ALEPP (percentual de leitura de palavras ensinadas e número de passos de ensino realizados para concluir a Unidade I). A única diferença evidente entre os grupos se apresenta no desempenho na leitura recombinativa (média de 28,57% para a CE e 51,19% para a CC), que também apresenta a maior variabilidade (desvios padrão de 32,99 e 35,97 para CE e CC, respectivamente). Para confirmar a análise observacional, os grupos foram comparados utilizando o Teste de Mann-Whitney, considerando o nível de significância de 0,05. Por esse teste, também não foi verificada diferença estatisticamente significativa entre o desempenho dos grupos nas avaliações de DLE (p = 0,101, p = 0,116 e p = 0,522 para cada aplicação, em ordem), PCFF (p = 0,944, p = 0,569 e p = 0,254 para cada aplicação, em ordem) e leitura no pós-teste da Unidade I do ALEPP (p = 0,153 e p = 0,522 para leitura de palavras ensinadas e recombinadas, respectivamente).

Todos os participantes apresentaram baixo desempenho na nomeação de palavras na primeira e segunda aplicações do DLE (máximo de 13,3% de acertos, que equivale à leitura de duas dentre 15 palavras avaliadas), sendo que os participantes da CC leram mais palavras, em média, do que os da CE. Todos os participantes apresentaram melhora consistente no desempenho de leitura de palavras apenas una terceira aplicação dessa avaliação, realizada após a finalização da Unidade I do ALEPP, na qual verifica-se um desempenho médio semelhante entre os grupos (38,1% de leitura na CE e 42,2% na CC). Quatro participantes (P3, P5 e P7, da Condição Experimental, e P8, da Condição Controle) leram entre uma e três palavras (desempenho de 6,7 a 20%) na última aplicação do DLE, sendo que eles não leram nenhuma palavra nas duas aplicações anteriores dessa avaliação. Os quatro participantes (P1 e P4, da CE, P11 e P12, da CC) com maiores percentuais de leitura na terceira aplicação do DLE (desempenho superior a 50%) haviam lido uma ou duas palavras nas aplicações anteriores da avaliação. Não foi encontrada nenhuma regularidade quanto às palavras lidas pelos participantes nas aplicações do DLE.

Tabela 2.


Dados por participante de cada condição em todas as avaliações: porcentagens de acerto na tarefa de nomeação de palavras nas três aplicações do DLE; escores nas três aplicações da PCFF (máximo 45 pontos); porcentagens de acerto na leitura de palavras ensinadas e na leitura recombinativa no pós-teste da Unidade I do programa de leitura; e número de passos de ensino necessários para a sua conclusão.

Quanto à PCFF, é observado um aumento gradual nos escores para a maioria dos participantes. Todos eles apresentaram melhor desempenho na avaliação final (após o ensino de leitura). A exceção foi o P3, que não apresentou evolução na consciência fonológica. Esse participante também requereu maior exposição aos passos de ensino (23), indicando dificuldade geral no aprendizado. Na primeira aplicação, os escores máximos foram 34 e 33 pontos (P1, P2 e P9), sendo que a maioria dos participantes (nove) obteve entre 22 e 30 pontos. Na segunda avaliação, após o treino de consciência fonológica (CE) e nomeação de figuras (CC), quatro participantes da CE (P1, P4, P6 e P7) e dois da CC (P8 e P11) apresentaram escores pelo menos cinco pontos acima da primeira aplicação. Os demais participantes apresentaram desempenho próximos à primeira aplicação. Apenas P3 apresentou redução do escore (de 29 para 22 pontos) na segunda avaliação. Na terceira avaliação, os escores máximos de cada grupo foram 44 (CE) e 39 (CC) pontos. Observa-se, ainda, uma melhora mais acentuada de desempenho na CE na terceira avaliação, 3,3 pontos acima da média da CC (37 pontos na CE e 33,7 na CC). Ao comparar avaliações inicial e final, observa-se um aumento igual ou superior a 10 pontos para a maioria dos participantes da CE (P1, P4, P5, P6 e P7) e para um participante (P10) da CC. Quanto ao pós-teste da Unidade I do programa de leitura, verifica-se grande heterogeneidade na leitura recombinativa, com porcentagens de acerto variando de 0 a 85,71%, sendo que os maiores percentuais, geralmente, foram demonstrados pelos participantes com melhor desempenho na terceira aplicação do DLE (P1, P4, P11 e P12). Em média, o percentual de leitura recombinativa foi maior na CC (51,19%) do que na CE (28,57%), com desvio padrão superior a 30% para ambas as condições. Cabe ressaltar que todos os participantes apresentaram altos percentuais de acertos (entre 86,7 e 100%) na leitura das palavras ensinadas, no pós-teste da Unidade I, atestando a aprendizagem destas. Apenas um participante (P13) apresentou baixo desempenho (33,3%) na leitura de palavras ensinadas no pós-teste.

A maioria dos participantes (sete) demandou entre 11 e 14 sessões de ensino para

concluir a unidade.

A análise do desempenho dos participantes no treino de habilidades de consciência fonológica indicou uma maior dificuldade nas habilidades de rima (2,6 sessões até o critério em média), aliteração, transposição silábica (média de 2,0 sessões até o critério) e subtração silábica (1,43 sessões até o critério). Os participantes realizaram apenas uma sessão de cada uma das outras habilidades (síntese, segmentação e adição silábica). Dado que a avaliação da consciência fonológica com a PCFF incluía outras habilidades além das treinadas na CE, parece relevante analisar a evolução dos participantes por habilidade de consciência fonológica, para verificar o efeito do treino de consciência fonológica sobre habilidades específicas. A Tabela 3 apresenta esse desempenho, separando as pontuações das habilidades treinadas na CE, que são testadas na PCFF, das quatro habilidades não treinadas. Pode-se notar que, na segunda aplicação da PCFF (realizada após o treino de consciência fonológica e nomeação de figuras), os participantes da CE apresentaram avanço em quatro das cinco habilidades treinadas (rima, aliteração, subtração e transposição silábica – 14,85% de aumento), que foram as habilidades que necessitaram de mais sessões de treino, enquanto na CC houve avanço em duas dessas habilidades (adição e transposição silábica - 8,19% de aumento). Já nas habilidades não treinadas, os participantes da CE apresentaram melhora em duas delas, enquanto os da CC apresentaram melhora em todas. Calculando a melhora no desempenho nas habilidades de consciência fonológica na segunda aplicação, verificou-se um aumento de 14,9% e 8,4% na CE para as habilidades treinadas e não treinadas, respectivamente. Na condição controle observou-se o inverso: 8,2% de aumento nas habilidades treinadas na CE e 15% de aumento nas não treinadas.

Na terceira aplicações da PCFF (após o ensino de leitura), verificou-se um aumento da pontuação de quase todas as habilidades. As exceções foram: aliteração, para CE; e adição e subtração fonêmica para CC. Desta vez, os participantes das duas condições apresentaram melhora de desempenho semelhante nas habilidades treinadas na CE (19,6% de aumento para CE e 16,4% para CC), mas os participantes da CE apresentaram um maior aumento nas habilidades não treinadas (14,4%) do que os participantes da CC (3,25%).

Tabela 3.


Total e média de pontuação na PCFF por condição e tipo de habilidade de consciência fonológica. A porção superior apresenta as habilidades treinadas pelos participantes da CE e a porção inferior as habilidades não treinadas.

Nota * habilidades que aumentaram pontuação na 2ª aplicação

¥ habilidades que não aumentaram pontuação na 3ª aplicação


DISCUSSÃO

Este estudo buscou avaliar se o ensino de algumas habilidades de consciência fonológica favoreceria o aprendizado da leitura de palavras, bem como a leitura recombinativa, quando os participantes realizassem o treino antes de passarem por um programa eficaz de ensino da leitura. Para tanto, os participantes foram distribuídos em duas condições, uma com (Condição Experimental) e outra sem (Condição Controle) treino de habilidades de consciência fonológica antes do ensino de leitura. Todos os participantes foram avaliados em três momentos quanto às habilidades de leitura (DLE) e consciência fonológica (PCFF): no início do estudo; após o treino de consciência fonológica (CE) e de nomeação de figuras (CC); e após a primeira unidade de ensino de leitura.

De maneira geral, não foram observadas diferenças significativas entre as condições quanto ao aprendizado da leitura, sendo que a maioria dos participantes apresentou melhora na leitura e na consciência fonológica, atestada pela comparação entre seus desempenhos na primeira e última aplicações do DLE e da PCFF. É possível, entretanto, que a composição heterogênea dos grupos quanto à leitura inicial e escola de origem, com melhor desempenho geral para a CC, tenha encoberto possíveis efeitos do treino de consciência fonológica. Estudos futuros que consigam garantir a homogeneidade entre os grupos podem vir a contribuir para elucidar essa questão.

Ao considerar o desempenho dos grupos nas habilidades treinadas e não treinadas da avaliação de consciência fonológica (Tabela 3), verifica-se considerável melhora na pontuação dos participantes da CE nas habilidades treinadas na segunda aplicação da PCFF e uma melhora pronunciada das habilidades de consciência fonêmica apenas após o ensino da leitura. Esses dados indicam um efeito do treino proposto sobre as habilidades suprassegmentares e de consciência silábica, apontadas pela literatura como sendo habilidades geralmente desenvolvidas em idade pré-escolar (e.g., Liberman et al., 1974; Jenkins & Bowen, 1994; Supple, 1986), mas que se apresentavam em deficit para esses participantes. Já o fato de as habilidades de consciência fonêmica se desenvolverem de forma mais pronunciada concomitantemente ao ensino da leitura, indica que tais habilidades podem se desenvolver a partir do estabelecimento da relação entre grafemas e fonemas (e.g., Burgess & Lonigan, 1998; Cunningham, 1990) inerente ao ensino de leitura.

O desempenho dos participantes da CC também parece corroborar essa hipótese. De forma oposta à CE, esses participantes demonstraram pouca melhora nas habilidades suprassegmentares e silábicas e maior evolução nas habilidades de consciência fonêmica na segunda aplicação da PCFF. Esses dados, aliados ao fato de que esse grupo apresentou melhor desempenho em leitura na primeira e segunda avaliações do DLE, indicam que, provavelmente, o progresso desses participantes nas habilidades fonêmicas, anterior ao ensino de leitura no ALEPP, é proveniente do processo de alfabetização escolar. A despeito das diferenças de sequência de desenvolvimento das habilidades da consciência fonológica, ambos os grupos apresentaram evolução de quase todas as habilidades da consciência fonológica após o ensino da Unidade I do ALEPP. Essa evolução foi mais pronunciada para os participantes da CE, possivelmente pelo impacto do ensino de leitura sobre as habilidades de consciência fonêmica.

A relação de reciprocidade entre aquisição de leitura e consciência fonológica apontada pela literatura (e.g., Burgess & Lonigan, 1998; Cunha & Capellini, 2009) pode explicar o avanço dos participantes nessas habilidades. Porém, ao observarmos os desempenhos individuais, não é verificada uma relação clara entre a pontuação na PCFF e o percentual de nomeação de palavras no DLE e de leitura recombinativa no pós-teste da Unidade I do ALEPP. Os participantes que exibiram maior desempenho (superior a 30 pontos) na segunda aplicação da PCFF (P1, P2, P4, P7, P9, P11, P12 e P13), ou seja, antes do ensino de leitura no ALEPP, não necessariamente alcançaram maior pontuação na terceira aplicação do DLE (obtida por P1, P4, P11, P12) ou na leitura recombinativa (P1, P4, P10, P11, P12), ou seja, melhor desempenho na leitura. Essa aparente falta de relação entre as habilidades de consciência fonológica existentes antes do ensino de leitura e o desempenho em leitura sugere uma possível independência funcional dessas habilidades. De fato, estudos sugerem que o treino de consciência fonológica contribuiu mais para o aprimoramento das habilidades de consciência fonológica do que para o aprendizado da leitura (e.g., Bus & IJzerdoorn, 1999; Mayberry et al., 2010). Na Análise do Comportamento, estudos sobre o comportamento verbal têm demonstrado a independência funcional entre os operantes verbais com crianças e adultos, com desenvolvimento típico e atípico (e.g., Almeida-Verdu et al., 2008; Guess, 1969; Lee, 1981; Pereira, Assis, & Almeira-Verdu, 2016). Esses estudos indicam que discriminar os sons da fala (ouvir) não é suficiente para que o comportamento de falar ocorra. Também foi observado que a habilidade de leitura (falar sob controle dos grafemas - comportamento textual) não é condição suficiente para que ocorra o falar na presença de outros estímulos (como figuras, por exemplo). Essa literatura tem indicado que cada operante verbal é aprendido de maneira específica e sua interdependência é estabelecida por meio de ensino direto e por um treino extensivo dessas habilidades (e.g., Greer, Yuan, & Gautreax, 2005; Pereira et al. 2016; Viegas & Medeiros, 2019).

Observa-se que a existência de alguma habilidade de nomeação de palavras anterior ao ensino da leitura parece ser a variável que mais influenciou na habilidade de leitura recombinativa. Por exemplo, dentre os cinco participantes com melhor desempenho em leitura recombinativa (P1, P4, P10, P11 e P12), quatro apresentaram desempenho superior a 50% de acertos na terceira aplicação do DLE (P1, P4, P11 e P12). Esse achado pode estar em concordância com Mayberry et al. (2010), que afirmam que uma maior experiência de uso da linguagem (seja oral ou gestual, no caso de indivíduos surdos) teria maior relação com a habilidade de leitura do que as habilidades de consciência fonológica. Contudo, como na presente pesquisa não houve avaliação da linguagem dos participantes, não é possível afirmar se as crianças com habilidade inicial em nomeação de algumas palavras também apresentavam um melhor desenvolvimento da linguagem. Estudos futuros poderiam investigar essa relação entre o desenvolvimento da linguagem em comparação ao desenvolvimento da consciência fonológica e a aprendizagem da leitura de palavras. É preciso, entretanto, considerar que, para indivíduos ouvintes (não surdos), o desenvolvimento da linguagem e de habilidades de consciência fonológica se sobrepõem em alguma medida, o que torna difícil sua avaliação em separado. Essa sobreposição inclusive pode ter influenciado os resultados do presente estudo em alguma medida, já que o treino de nomeação de figuras da CC pode ter afetado as habilidades linguísticas dos participantes desse grupo. Não há, entretanto, consenso na literatura quanto à relação do vocabulário com o desenvolvimento da leitura das primeiras palavras (Goldstein et al., 2017; Ricketts, et., 2007; Walley, et al., 2003). Parece relevante, portanto, realizar estudos comparativos sobre o efeito do treino de nomeação de figuras e habilidades de consciência fonológica sobre a aquisição da leitura e leitura recombinativa. Para evitar o possível efeito de sobreposição das habilidades, seria necessário o estabelecimento de uma condição controle na qual não fosse ensinada uma habilidade linguística, o que poderia ser feito avaliando um grupo controle sem ensino de habilidades entre as avaliações ou ensinando outra habilidade, como matemática, por exemplo.

Uma hipótese não investigada no presente estudo foi se o treino de discriminação dos sons de sílabas específicas no treino de habilidades de consciência fonológica favoreceria a aprendizagem de leitura de palavras compostas por essas sílabas. A confirmação dessa hipótese estaria em consonância com a sugestão de autores de que atingir maior domínio em consciência fonológica poderia favorecer a aprendizagem da leitura e a leitura recombinativa (e.g., de Souza & de Rose, 2006; de Souza et al., 2009; Hanna et al., 2011; Saunders et al., 2003). O presente estudo não controlou as sílabas às quais os participantes da CE foram expostos, nem tampouco a frequência dessa exposição, no treino de habilidades de consciência fonológica e no ALEPP, o que dificulta avaliar essa hipótese. Estudos futuros poderiam ser realizadas controlando a exposição dos participantes às sílabas tanto no treino de consciência fonológica quanto no ensino de leitura para verificar se o primeiro interfere no segundo. Os participantes poderiam, por exemplo, ser expostos a um treino de habilidades de consciência fonológica no qual algumas sílabas fossem discriminadas e manipuladas frequentemente (acima de 20 vezes, por exemplo), enquanto outras não seriam trabalhadas ou o seriam em baixa frequência (menos de cinco vezes, por exemplo). Em seguida, os participantes passariam por um programa de ensino em leitura de palavras compostas exclusivamente por sílabas muito treinadas ou por sílabas não treinadas. Caso os participantes aprendessem mais facilmente o primeiro grupo de palavras, apresentando menos erros de leitura e escrita, seria possível supor que o treino de discriminação a manipulação de sons de unidades mínimas específicas favoreceria a aprendizagem da leitura de palavras compostas por essas unidades. Investigação semelhante poderia ser pensada com fonemas como unidade de análise.

O presente estudo avaliou o efeito do ensino de habilidades de consciência fonológica sobre a aprendizagem da leitura e a leitura recombinativa, controlando o procedimento utilizado para o ensino de leitura. Diferentemente do estudo de Bernardino et al. (2006), entretanto, o efeito do treino de consciência fonológica não foi claramente observado. De fato, os dados indicam que eventuais déficits nessas habilidades podem ter sido supridos durante o ensino da leitura com um procedimento de eficácia comprovada, como o ALEPP. É importante destacar, porém, que o procedimento de treino de consciência fonológica e de ensino de leitura utilizados por Bernardino et al. (2006) eram diferentes dos procedimentos empregados neste estudo, não permitindo comparação direta entre os resultados obtidos. Em relação ao treino de consciência fonológica, o estudo de Bernardino et al. realizou, dentre outras coisas, o treino explícito de habilidades de consciência fonêmica, incluindo o treino de correspondência entre fonemas e letras, apontado pela literatura como sendo o treino que de fato impacta a leitura (e.g., Ehri et al., 2001; Hatcher et al., 2004). Entendendo, porém, que tal treino já envolveria um treino de unidades mínimas da leitura (letras), esse não foi incluído no presente treino de habilidades da consciência fonológica, o que pode ser uma variável responsável pela inobservância de diferença entre os grupos CE e CC quanto à leitura recombinativa.

Outra diferença importante entre os estudos encontra-se no fato de que o programa de ensino de leitura utilizado por Bernardino et al. (2006) não apresentava tarefas de treino silábico, diferentemente do ALEPP. O treino silábico, que é composto pelo treino de leitura de sílabas (seleção de sílaba impressa diante da sílaba ditada) e avaliações regulares da escrita das palavras a partir das sílabas em tarefa de CRMTS, foi incluído no ALEPP após constatação de que tal treino promovia maior controle da leitura pelas unidades mínimas das palavras (sílabas e letras), favorecendo a leitura recombinativa (de Souza et al., 2009). É possível, portanto, que o treino de leitura de sílabas tenha reduzido o impacto do treino de consciência fonológica na aquisição da leitura no presente estudo. É possível supor, ainda, que o treino silábico seja o principal fator responsável pela melhora pronunciada nas habilidades da consciência fonológica dos participantes da CE e CC após a conclusão da Unidade I do ALEPP. Portanto, pode ser relevante que estudos futuros busquem compreender o papel desse treino explícito da leitura de unidades menores (sílabas) na leitura e na consciência fonológica. Estudos desse tipo podem contribuir para uma maior compreensão a respeito da relação entre a consciência fonológica e a leitura, podendo verificar, por exemplo, se o treino explícito de habilidades de consciência fonêmica, incluindo a relação entre grafemas e fonemas, se faz necessário quando o ensino da leitura inclui o treino de leitura de sílabas.

De maneira geral, os resultados e discussões relacionados ao presente estudo apontam para a necessidade de realização de mais estudos experimentais envolvendo treino de consciência fonológica e ensino de leitura por um programa de ensino padronizado. Ao controlar o procedimento de ensino de leitura como variável, esse tipo de estudo pode contribuir muito para a elucidação da real relação entre as habilidades de consciência fonológica e a aquisição da leitura e leitura recombinativa.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
1) Endereço para correspondência: Viviane Verdu Rico – Av. Antônio Carlos, 6.627, Campus Pampulha - CEP: 31270-901, Belo Horizonte, MG. Departamento de Psicologia - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail: viviane.verdu@gmail.com
2) Nota dos autores: Este trabalho é parte da dissertação de mestrado da primeira autora, desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFMG. Os autores agradecem aos estudantes de graduação que estagiaram no laboratório, cooperando com a coleta de dados. Agradecem ainda às equipes escolares e crianças participantes. Esta pesquisa foi financiada pelo CNPq (Processo no. 478218/2013-3) e contou com bolsa de iniciação científica PROBIC/ FAPEMIG para a terceira autora. Edson M. Huziwara e Viviane V. Rico são membros do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE), com apoio do CNPq (Processo no. 465686/2014-1), da CAPES (Processo no. 88887.136407/2017-00) e da FAPESP (Processo no. 2014/50909-8).
Tabela 1


Habilidades de consciência fonológica treinadas, objetivos e critérios de progressão

Tabela 2.


Dados por participante de cada condição em todas as avaliações: porcentagens de acerto na tarefa de nomeação de palavras nas três aplicações do DLE; escores nas três aplicações da PCFF (máximo 45 pontos); porcentagens de acerto na leitura de palavras ensinadas e na leitura recombinativa no pós-teste da Unidade I do programa de leitura; e número de passos de ensino necessários para a sua conclusão.

Tabela 3.


Total e média de pontuação na PCFF por condição e tipo de habilidade de consciência fonológica. A porção superior apresenta as habilidades treinadas pelos participantes da CE e a porção inferior as habilidades não treinadas.

Nota * habilidades que aumentaram pontuação na 2ª aplicação

¥ habilidades que não aumentaram pontuação na 3ª aplicação


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