A produção e a recepção do controle e contracontrole social em James G. Holland e Celso Pereira de Sá
The production and reception of social control and countercontrol in James G. Holland and Celso Pereira de Sá
A produção e a recepção do controle e contracontrole social em James G. Holland e Celso Pereira de Sá
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 30, núm. 2, pp. 341-354, 2022
Universidad Veracruzana

Recepción: 01 Marzo 2021
Aprobación: 22 Junio 2021
Resumo: Recentemente tem sido objeto de pesquisa historiográfica a análise do movimento de certas teorias psicológicas, que, tendo sido desenvolvidas em determinados locais, viajam para outras regiões, resultando em uma transformação influenciada pela especificidade local. Nesse sentido, o objetivo central deste estudo é analisar as dinâmicas de produção e recepção dos conceitos de controle e contracontrole social tomando como duas unidades de análise as propostas de James G. Holland e de Celso Pereira de Sá. Os resultados sugerem que: (1) os construtos foram concebidos em um contexto de luta de Direitos Civis nos Estados Unidos da América, compondo um cenário de destaque ao compromisso político; (2) os conceitos foram utilizados como ferramenta de uso prático na análise da realidade brasileira com o intuito de popularizar as tecnologias da ciência comportamental; e (3) as obras de Celso Pereira de Sá podem constituir-se um ponto de interface entre o comportamentalismo radical de Skinner e a Psicologia Social.
Palavras-chave: contracontrole social, história da Análise do Comportamento, história crítica da psicologia, James G. Holland, Celso Pereira de Sá, psicologia social, recepção, circulação.
Abstract: Recently, it has been subject of historiographical research analyzing the movement of psychological theories from its invention place to other regions, resulting into a transformation influenced by local idiosyncrasies. In this sense, the main goal of this study is to analyze the development and reception of the concepts of social control and counter-control in the 1970s and 1980s. This investigation took James G. Holland’s and Celso Pereira de Sá as the main characters of the circulation of those concepts from the US to Brazil. Therefore, its primary sources were published and unpublished material of both authors. The results suggest that: (1) those concepts were conceived in the context the struggle for Civil Rights in the United States, composing a prominent scenario for political commitment; (2) the concepts were used as a tool for practical use in the Brazilian reality in order to popularize the behavioral technologies; and (3) oeuvres written by Celso Pereira de Sá can constitute pivotal sources in the connections between Skinner’s radical behaviorism and Social Psychology. These results show how those concepts were shaped by local aspects as well as they contribute for those interested in exploring that interface. Hence, this study dives a historiographical and relational perspective of two authors who dedicated themselves to political battles.
Keywords: social counter-control, history of Behavior Analysis, critical history of psychology, James G. Holland, Celso Pereira de Sá, social Psychology, reception, circulation.
A história geopolítica do século XX permite afirmar um amplo domínio europeu e estadunidense sobre diferentes locais do globo que se mantiveram de forma estrutural pela imposição sistemática de modelos econômicos, sociais e científicos a regiões ditas periféricas (Neves, 2009). Considerando este movimento no espectro da história da Psicologia, nota-se o predomínio científico-acadêmico desses modelos em países como Turquia, El Salvador, dentre outros (Batur, 2013; Martín-Baró, 1984). Constata-se assim a existência de um espaço de circulação de conhecimentos no qual “processos de encontro, negociação e reconfiguração do conhecimento ocorrem nas interações transculturais” (Raj, 2017, p.4, tradução nossa). Esses espaços de circulação proporcionam a reconfiguração de teorias e sistemas psicológicos de acordo com especificidades e demandas locais, não se tratando de uma mera replicação ou importação de ideias, mas sim, sua assimilação a modos e finalidades particulares de cada tempo/espaço histórico (Dagfal, 2004; Danziger, 2006; Pickren, 2009).
A perspectiva de que o conhecimento psicológico se molda e não se replica inteiramente da mesma maneira que fora produzido em seu local de origem e que, portanto, existe um processo de questionamento e contextualização para que sejam aportados em outras realidades levanta algumas perguntas: “o que possibilita a migração de uma Psicologia de um local para outro? Quais as condições de produção local para a recepção e a circulação de uma Psicologia?” (Castelo Branco et al., 2016, p.31). Ou ainda, inspirados em Sá (2007): quais questões, procesos de desconfiança e de inquirição perpassam os nativos de determinada localidade quando estes se apropriam de uma teoria psicológica? Que tipo de testemunhos se produzem sobre isso?
O campo de pesquisa na História da Psicologia que se dedica a compreender essas questões tem sido circunscrito pela díade recepção/circulação (Dagfal, 2004; Danziger, 2006; Pickren, 2009). Pesquisar a partir dessa díade provoca analisar os interesses intelectuais, econômicos, os sentidos e significados que refratam tanto no cenário de produção quanto no de recepção. Um objeto frequentemente estudado por tal perspectiva historiográfica tem sido a Análise do Comportamento. Nesta direção, diferentes investigações têm sinalizado como esta teoria circulou em diferentes locais do mundo (e.g., Amouroux, 2017; Morfín & Aguirre, 2019) e, inclusive, no Brasil. No caso específico deste país, os estudos versam desde a recepção inicial do campo (Guedes et al., 2006; 2008) até os condicionantes socioculturais de sua circulação (Alves et al., 2020; Akera, 2017; Cândido, 2017a; Miranda et al., 2020; Souza Júnior et al., 2018), passando pela biografia de personagens (Cândido & Massimi, 2012) e espaços centrais desta história (Cândido, 2017b).
Diante do exposto, o objetivo central deste estudo é analisar os contextos de produção e recepção do conceito de controle e contracontrole social tomando como duas unidades de análise as obras de James G. Holland e de Celso Pereira de Sá. Consideramos como uma instância de recepção, a apropriação feita por Sá das proposições de Holland acerca daqueles dois conceitos. Ou seja, focaremos em averiguar o impacto da obra de James G. Holland na recepção que Celso Pereira de Sá faz destes conceitos. Para tanto, serão examinados processos sociais, econômicos, biográficos e intelectuais que circundam a produção destes conceitos em seu país de origem (Estados Unidos da América - EUA) e em seu local de recepção (Brasil). O escrutínio desses conceitos e autores em específico se justifica a partir do entendimento de que os mesmos se constituem representantes do diálogo entre Psicologia e Política (Lopes & Laurenti, 2016; Sá, 2016; Holland, 1973/2016) bem como retratam as possibilidades de mobilidade e hibridização do conhecimento psicológico, processos historiográficos característicos representados pela díade recepção/circulação (Dagfal, 2004; Danziger, 2006; Pickren, 2009). Nesse sentido, apurar essas questões pode contribuir para uma melhor compreensão da produção analítico-comportamental brasileira e, particularmente, de produções vinculadas a pesquisas e intervenções políticas de acordo com as demandas e especificidades da América Latina e do Brasil.
As fontes primárias utilizadas prioritariamente foram aquelas que: (a) trataram dos conceitos de controle e contracontrole social do comportamento; (b) levantaram possibilidades de análise do cenário de produção do conceito; (c) são de autoria de James G. Holland e Celso Pereira de Sá ou se referem as suas figuras; e (d) fossem publicados no recorte histórico de 1970 a 1990 ou se referissem a esse ínterim. Esta última opção se deveu ao fato de que os autores selecionados concentraram um maior número de publicações sobre o tema nesse período.
CONTEXTO DE PRODUÇÃO: A CONSTRUÇÃO DO CONTROLE E CONTRACONTROLE SOCIAL COMO OBJETO PSICOLÓGICO
O fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi marcado pela forte expansão econômica capitalista, especialmente em países como França, Alemanha Ocidental e EUA. A prosperidade do plano econômico capitalista encabeçado pelos EUA passou a rivalizar com o programa econômico de nações socialistas como a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), China e Cuba. Este ínterim conhecido por Guerra Fria (1947-1991) acirrou ações de domínio (na esfera econômica, política e social) em uma disputa polarizada entre a EUA e URSS na busca por países aliados para a sustentação de seus respectivos regimes socioeconômicos. Marco deste período é a criação em 1947 da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) a qual formalizou a ideia de que a segurança nacional estadunidense estaria em perigo em qualquer local em que o comunismo3 avançasse e que, portanto, seria necessário intervir para além das fronteiras de seu território (Comblin, 1980; Montagna, 1986). A partir desse entendimento, o alinhamento das relações entre China, Vietnã e Cuba com a URSS ocorridos entre os anos 1950 e 1960 seriam uma nova ameaça ao capitalismo e, por consequência, à segurança nacional dos EUA (Waeny & Macedo, 2019).
A “ameaça comunista” passou a sustentar mais fortemente a ideologia do American Way of Life, fortalecendo o ideário estadunidense do indivíduo bemucedido, livre e pleno de direitos civis – em contraste à “pobreza” comunista. Controversamente, apesar do nacionalismo estadunidense estar em alta, o país passou a experimentar uma efervescência social resultada do agravamento do quadro econômico e do aumento das diferenças sociais. Os longos anos de conflito no Vietnã centralizaram as ações econômicas do país para a formação de um pátio industrial de guerra, fazendo minguar o investimento em programas de seguridade social, combate à pobreza e ao desemprego. Somam-se a isso a crise do petróleo em 1973, cujo aumento súbito de seu valor fez transparecer a dependência do país a outras nações detentoras de grandes reservas de petróleo. Essa conjunção de fatores sociais e econômicos instauraram uma crise de autoridade nos EUA em termos domésticos; o American way of life, a política imperialista e a auto representação de cidadão-modelo, passam a ser questionados pela população estadunidense (Karnal et al., 2007). Adicionalmente, a divulgação de múltiplas execuções sumárias realizadas pelo exército estadunidense em ações de combate no Vietnã chocou a população dos EUA, causando indignação e fortalecendo o sentimento antiguerra e antiimperialismo, no país. A comoção gerada por esses fatores culminou em um período de desobediência civil no qual protestos ocorreram frequentemente em diferentes cidades; estes giravam em torno da exigência dos direitos civis de grupos minoritários como negros, latinos, mulheres e homossexuais. No encalço das liberdades civis surgiu o que se convencionou chamar por a Nova Esquerda Americana, constituindo-se esta por movimentos de “valorização da juventude, ideias antielitistas e ênfase no combate à hipocrisia e à alienação da sociedade americana em detrimento da preocupação com luta de classes e miséria econômica” (Karnal, et al., 2007, p.249).
Parte dessa mobilização ocorreu em contexto acadêmico, sendo a Students for a Democratic Society (SDS) uma representante relevante da atuação política de estudantes universitários nas agendas da nova esquerda (Iyengar, 2015). Na esteira dessas ideologias, a SDS foi responsável por organizar e fomentar protestos e ocupações dentro dos campi universitários, mobilizando uma parcela da camada intelectual estadunidense a ter maior empatia com as pautas daqueles considerados, então, como Terceiro Mundo (e.g., Brasil, Cuba, Nicarágua). Uma das ações da SDS foi construir um programa de educação política para estadunidenses simpatizantes da Revolução Cubana; fundada em 1969, a Venceremos Brigade promoveu sistematicamente o transporte de estadunidenses interessados em experienciar de perto as consequências da revolução socialista realizada por Fidel Castro. Mesmo sob os tensionamentos diplomáticos e sanções econômicas lançadas à Cuba pelos EUA, os brigadistas-ativistas estadunidenses visitaram o país e foram mão-de-obra em programas do governo cubano para a colheita de cana e construção de casas populares (Iyengar, 2015).
Um dos intelectuais estadunidenses participantes da Venceremos Brigade foi o psicólogo comportamentalista James G. Holland; colega de B.F. Skinner na Harvard University em 1969 e professor da Pittsburgh University, Holland foi um dos personagens a discutir as agendas políticas da nova esquerda dentro da Análise do Comportamento. Em 1978, Holland (1978, p. 21, tradução nossa) narra sobre sua experiência como brigadista:
Os brigadistas estavam, e estão afirmando solidariedade com as lutas socialistas do terceiro mundo e solidariedade com a Revolução Cubana ... A Brigada Venceremos era ideal para o meu interesse especial em aprender em primeira mão sobre o sistema de modificação do comportamento de Cuba. Foi perfeito para aprender como uma pessoa socialista é criada ao libertar a sociedade dos males sociais endêmicos de uma sociedade capitalista.
Ele segue dando pistas de como essas questões atravessariam sua proposta para os conceitos de controle . contracontrole social:
Problemas sociais persistem porque as contingências que os produzem são características mais ou menos permanentes de nossas práticas e instituições sociais. E estas geralmente envolvem formas de poder hierárquicas combinadas com competição e individualismo. Daí meu interesse por Cuba, onde desde 1959, eles mudaram o contexto de “cada um obtendo o seu às custas dos outros” para um de igualdade, em que o interesse próprio de todos é atendido por meio de formas coletivas e cooperativas. Ou seja, a mudança no sistema anda de mãos dadas com a mudança nas pessoas. (Holland, 1978, p. 21, tradução nossa)
Assim, Holland vai salientando que a resolução de problemas sociais se daria pela mudança do sistema social. Este questionamento, entretanto, já havia sido alvo de Skinner (1973, p.143, ênfases adicionadas):
As práticas de atacar o controle são, naturalmente, uma forma de contracontrole. Podem apresentar benefícios incomensuráveis se, por meio disso, se selecionarem melhores práticas de controle. Mas a literatura da liberdade cometeu o erro de supor que estava suprimindo o controle em lugar de corrigi-lo. Recusar-se a exercer o controle disponível, “porque todo controle seria errado”, significa tolher importantes formas de contracontrole.
Em uma direção similar à de Skinner (1973), Holland (1978b, p. 185, tradução nossa) passa a utilizá-las em conjunto com a concepção de estratificação social, relacionando as diferenças econômicas e sociais às mazelas sociais:
Nossa ciência do comportamentalismo pode permitir a análise dos sistemas de gestão de contingências que constituem as instituições sociais. Esta análise evidenciará o mal-estar generalizado na sociedade - a alienação, depressão, crime, alcoolismo, vício em drogas e violência - como sendo o resultado natural da prevalência desses sistemas de contingência de reforço. E nesses sistemas de controle, a estratificação e o reforço da competição estão mais comumente na base do problema.
Dessa maneira, problemas sociais seriam resultados de um sistema desproporcional na disposição de reforçadores econômicos ou sociais. Eles seriam mantidos de acordo com as agendas dos indivíduos ou organizações que detém poder de controle sobre eles. O status quo se manteria a partir do uso majoritário do controle coercitivo de uma classe sobre a outra, o que pode gerar condições de resistência por quem está sendo controlado, ou seja, contracontrole. Ainda nas palavras de Holland (1973/2016, p. 113): “O cientista do comportamento pode voltar seus talentos [para] a criação de uma tecnologia de contracontrole adaptada efetivamente para a luta.” Nessa perspectiva, o contracontrole seria produto da estratificação social e da diferença substancial de controle entre as classes sociais. A disparidade de acesso a reforçadores entre tais classes (e.g., trabalho, habitação, saúde etc.) poderia gerar ação rumo a mudança dessa realidade social. A revolução social, como uma estratégia de luta pela mudança dos condicionantes sociais em direção a formas mais igualitárias de existência, seria, portanto, uma forma de contracontrole social.
CONTEXTO DE RECEPÇÃO: DITADURA CIVIL-MILITAR E A REDEMOCRATIZAÇÃO BRASILEIRA
Muitas são as nuances historiográficas do período correspondente a ditadura civil-militar instaurada no Brasil entre os anos de 1964 a 1985 (Codato, 2005). Os 21 anos de duração do regime constituíram-se por fases diversas, desde a efetivação do golpe sob o argumento anticomunista, a ascensão do autoritarismo e o fechamento das instituições democráticas dele reverberados a sua atenuação e consequente reabertura política (Hur & Lacerda Júnior, 2017). Apesar das narrativas populares de que o fim do regime ditatorial tenha se dado exclusivamente pela resistência de forças revolucionárias, o que se viu do processo de retomada da democracia foi que ele ocorreu de acordo com os interesses de grupos políticos das forças armadas brasileiras e de blocos políticos internacionais. Assim, o general Ernesto Geisel assumiu a presidência do país em 1974 com o intuito de realizar a chamada distensãodas forças armadas do poder, fazendo uma transição entre o regime ditatorial e o democrático. O intuito era de realizar a reabertura política de forma lenta, gradual e segura; uma preocupação que se direcionou a salvaguardar interesses da cúpula militar governante, como por exemplo, a Lei da Anistia4 (Reis, 2014).
A Psicologia brasileira, neste cenário, ainda dava seus primeiros passos como profissão legalmente institucionalizada, uma vez que a regulamentação da profissão de psicólogo se deu com a Lei 4.119 sancionada em 1962 (Congresso Nacional, 1962). Anos mais tarde, já em meio a ditadura civil-militar, a profissão passou a contar com o Conselho Federal de Psicologia em 1971 e com Conselhos Regionais em 1974 (Congresso Nacional, 1971). De acordo com Hur (2012), a categoria ignorou o conturbado contexto político e centralizou suas discussões em temas operacionais, como ética, fiscalização, testes psicotécnicos, piso salarial, etc., como forma de defesa da profissão. O temor era de que questionar a ordem política vigente pudesse trazer prejuízos às recém conquistas da área, o que contribuiu para que ações da Psicologia contra a ditadura civil-militar fossem mais tímidas entre as décadas de 1960 e 1970 (Correia & Dantas, 2017). Segundo o autor (Hur, 2009), é apenas nos meados de 1980 em que vemos mais claramente a Psicologia brasileira questionar a realidade política de forma crítica, se posicionando abertamente ao processo de redemocratização do país.
É certo que assumir essa postura abertamente crítica esteve além da reflexão política da categoria, afinal, já nos anos 1980 havia-se findada a vigência dos Atos Institucionais que permitiam ao Estado reprimir mais severamente manifestações políticas “subversivas.” Ademais, havia um clamor social causado pela greve geral dos trabalhadores em 1983 e a formação de uma frente única por parte de lideranças políticas em prol do movimento de Diretas-Já em 1984. Estes movimentos fortaleceram o entendimento de que a luta operária desempenharia um papel central para a redemocratização do país bem como retratou a conscientização de classe e a educação política como ferramentas de mobilização para a luta sindical (Gaspari, 2016; Reis, 2014). Em aparente simbiose com a luta operária começaram a orbitar na Psicologia ideologias de resistência tais como o pensamento crítico, o compromisso social, a libertação, a conscientização e educação popular (Boechat, 2017; Hur & Lacerda Júnior, 2017). Estas propostas se afunilaram no condicionante central de que o conhecimento científico deveria servir para a compreensão da realidade e dos problemas do povo brasileiro, o que se tornou um ponto chave de discussão na esteira da Psicologia Social (Ferreira, 2010).
É nesta conjuntura que os conceitos de controle e contracontrole social do comportamento humano, nas suas feições de implicação política-social disparadas por Holland, dão indícios de sua apropriação no Brasil. Veremos citações ao autor estadunidense tanto em teses e dissertações (e.g., Sá, 1978) quanto em artigos (e.g., Botomé, 1979/2010;Luna, 1981/1983) por pessoas interessadas e/ou vinculadas à Análise do Comportamento. Entretanto, antes de nos determos especificamente na apropriação feita por Celso Pereira de Sá, nos parece importante descrever o contexto analítico-comportamental brasileiro, à época. Isso porque, como argumentamos neste texto, Sá nos parece um exemplo de psicólogo brasileiro que se interessou por uma leitura analítico-comportamental dos fenômenos sociais. Sobretudo, da Análise do Comportamento como ferramenta de transformação social para grupos em risco político-social.
Após as visitas de Fred Keller e Gil Sherman ao Brasil na primeira metade da década de 1960, coube aos brasileiros a eles vinculados – e.g., Carolina Bori, Rodolpho Azzi, Rachel Kerbauy, dentre outros - o desenvolvimento da área em diferentes instituições de ensino superior (IES) no país (Cândido, 2017a; Guedes et al., 2008). Esses brasileiros, nas décadas de 1970 e 1980, também capitanearam a institucionalização da Análise do Comportamento a partir da criação de associações e periódicos (Torres et al., 2020). A título de exemplo, houve a criação da Associação de Modificação do Comportamento (AMC) em 1974 e da Associação Brasileira de Análise do Comportamento (ABAC), em 1985. Outros exemplos são os periódicos editorados por tais associações, Modificação de Comportamento: pesquisa e aplicação (1976–1977) e Cadernos de Análise do Comportamento (1981–1986). A maior parte dos 11 textos veiculados na primeira revista eram de natureza aplicada com enfoque prioritário na educação, com uso de sistema de fichas e redução de comportamentos-problema (Miranda et al., 2020). No segundo periódico, entretanto, veremos algumas características que nos ajudam a compreender a recepção de propostas analítico-comportamentais interessadas em temáticas vinculadas à Psicologia Social e, mais particularmente, a propostas de transformações sociais.
Em 1981, já no primeiro número dos Cadernos de Análise do Comportamento, temos um artigo em que Sérgio Vasconcelos de Luna descreve como a Análise do Comportamento era identificada como “alienada e alienante, [com objetivos] encarados como propostas de manutenção do status quo” (p. 13). Ao apresentar como historicamente a área lidava com tal identificação, o autor sinalizava que a comunidade de analistas do comportamento se esquivava e, frequentemente, atribuía tal isenção político-social ao argumento da “neutralidade científica.” Ali, se referindo a Holland e a Skinner, Luna sinalizava que já haviam propostas “que indicassem que o compromisso social e político não era incompatível com a [Análise Experimental do Comportamento]” (p.14). Todavia, ele se mostrava reticente .s propostas desses dois autores e, assim, indicava que era necessária “uma conceituação adequada do termo contingência [porque] impediria, provavelmente, desvincular a atuação dos analistas experimentais do comportamento do compromisso e da responsabilidade sociais” (p.18).
Em outros números dos Cadernos de Análise do Comportamento encontramos mais textos críticos a certos posicionamentos da comunidade de Análise do Comportamento e, também, a como a área compreendia o fenômeno e o compromisso social. Salvador Sandoval (1982), autor de um de tais artigos, sinalizou:
Isso nos leva a admitir a complexidade situacional extra-experimental e o modelo behaviorista, na sua fase atual de especificação, tem sido insuficientes para fornecer melhores explicações de determinantes do comportamento humano, quando se considera a complexidade do contexto social em que se desenvolve o comportamento social, objeto de nosso interesse (p. 25).
Na mesma direção, Álvaro Pacheco Duran (1983) asseverou que a cerne da discussão entre realidade social e ciência encontrava-se na relação entre “a análise do social, ao nível da Psicologia, e sua transformação” (p. 58). Assim, a psicologia (ciência) era responsável pelo fato social e, como tal, era responsável por sua mudança. Todavia, as transformações sociais também deveriam mudar a psicologia a partir de impactos “sobre os rumos de desenvolvimento desse grupo social” (p.59). Nesse sentido, ele disse:
O raciocínio fica mais claro se pensamos não na ciência que o cientista faz, mas naquela que ele não faz. O conhecimento que não se produz, por causa do descompromisso com as necessidades de transformação social, parece-me ser uma questão muito mais séria do que a discussão sobre o possível mau uso da ciência já feita. A primeira dessas questões é, talvez, mais pertinente à Psicologia do que a segunda (p.59)
Duran, entre as proposições de Luna (1981/1983) e Sandoval (1982), indicava que à Psicologia – e especificamente ao analista do comportamento – competia o compromisso social na produção de seu conhecimento. Isso se fazia mister em um cenário em que a área era recorrentemente identificada como “alienada e alienante” (Luna, 1981/1983, p.13).
Esses excertos não nos permitem generalizar que todos os analistas do comportamento, no Brasil, estavam interessados na interlocução da área com a Psicologia Social ou de que ela deveria se tornar uma ciência comprometida com a transformação social. Todavia, o cenário anteriormente descrito fornece indícios de que haviam alguns investimentos (a) na reflexão sobre os compromissos político-sociais da Análise do Comportamento produzida no Brasil e (b) para que as pessoas interessadas na área pudessem ter acesso a tais reflexões. O fato de os artigos circularem em um periódico específico de Análise do Comportamento editorado pelas associações brasileiras da área corrobora tal interpretação. Podemos hipotetizar que havia pelo menos o interesse daquelas associações – e dos editores dos periódicos – que os brasileiros interessados em Análise do Comportamento tivessem acesso a tais provações e debates. Se não houvesse tal interesse, os textos não teriam sido ali publicados. Além disso, parte daqueles trabalhos eram o resultado de debates para os quais os autores haviam sido convidados pelas associações de Análise do Comportamento. Por exemplo, o artigo de Duran (1983) era resultado de sua apresentação no Simpósio “Problemas Atuais da Psicologia Social” promovido pela AMC em 1983, no encontro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Assim, aqueles investimentos também apareciam para que alguns daqueles autores circulassem em outros fóruns de debate da área.
CONTROLE E CONTRACONTROLE SOCIAL: APROPRIAÇÕES E PROPOSIÇÕES
As primeiras aparições de Holland como objeto de análise no trabalho de Celso Pereira de Sá constam na dissertação e na tese desse psicólogo, respectivamente intituladas Aspectos psicológicos do controle social (1978) e O Behaviorismo Radical de B.F. Skinner e sua aplicabilidade socialmente relevante (1985). Ambas pesquisas ocorreram sob a orientação de Eliezer Schneider, autor cujos pilares de formação destacaram o behaviorismo de Clark Hull em prol da ênfase contextualista dada na compreensão do comportamento humano (Jacó-Vilela, 1999). Embora sejam necessários mais estudos a respeito do interesse de Schneider pelos behaviorismos, uma observação rápida em sua biblioteca que se encontra preservada no Laboratório de História e Memória da Psicologia Cliosyché da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) sugerem que ele se interessou por diferentes autores. Vemos, por exemplo, O Comportamento Verbal (Skinner, 1957/1978), Clinical Behavior Therapy (Lazarus, 1972), Principles of Behavior Modification(Bandura, 1969), Organization of Behavior (Hebb, 1949), Principles of Behavior (Hull, 1943), dentre outros.
Sá, anos mais tarde, tendo já construído sua carreira como professor titular de Psicologia Social na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ao rememorar sobre suas escolhas de objeto de pesquisa, as relaciona com a postura pluralista e interdisciplinar de seu orientador:
Essa forma de conceber a psicologia social como algo que se situava – e aí produzia novos conhecimentos – entre a psicologia propriamente dita e outras perspectivas teóricas sobre o ser humano e suas condições de agregação e intercâmbio sociais – fossem elas oriundas da psicanálise, da sociologia, da antropologia ou da história – me marcou tanto que o meu trabalho de mestrado (Sá, 1979), já ao final da década de 70, foi dedicado a uma articulação – sob o título de “aspectos psicológicos do controle social” – entre uma perspectiva comportamental, o behaviorismo radical de B. F. Skinner, com sua noção de controle do comportamento, e as noções sociológicas sobre o controle social elaboradas por Mannheim (1962) e Becker (1977), dentre outros, incluindo ainda as perspectivas ditas microssociológicas, principalmente o interacionismo simbólico, como presente nas obras de Berger e Luckmann (1974). (Sá, 2007, p. 8)
Na esteira desta postura interdisciplinar, a tese de doutoramento do autor constituiu-se por uma resenha das obras de Skinner, sendo um de seus estágios a avaliação da possibilidade de aplicação desses princípios que fosse socialmente relevante (Sá, 1986). Esta possibilidade foi encontrada nas prescrições de Holland, conforme descrito pelo autor:
Foi nesta última parte [do doutoramento] que, 10 anos após Holland tê-lo formulado, segui seu conselho de comunicar a análise comportamental do controle social às pessoas de modo a que elas estejam melhor preparadas para o exercício do contracontrole. Para promover essa comunicação popular, elaborei um texto didaticamente orientado a que chamei de “Cartilha de Contracontrole Social” [ênfases adicionadas]. (Sá, 2016, p. 54)
Nesse sentido, o contracontrole social foi assumido na elaboração da Cartilha como:
Qualquer classe de respostas emitidas por indivíduos (isolados ou em grupo) que tenham o efeito de prevenir, eliminar ou atenuar as consequências aversivas e/ou exploratórias (a curto, médio ou longo prazo) produzidas para tais indivíduos por qualquer dada instância de controle social institucionalizada (legal ou consuetudinariamente) ou em vias de institucionalização. (Sá, 1986, p.53)
O público alvo do autor eram moradores do estado do Rio de Janeiro, adultos, de ambos os sexos, com nível de escolaridade fundamental e que se encontrassem em situação de vulnerabilidade por um critério tríplice de trabalho-habitação-saúde. A intervenção em forma de cartilha teve intuito de funcionar como um instrumento de educação popular que fosse generalizável e acessível, capaz de orientar e capacitar o povo para o exercício eficaz do contracontrole. Por fim, o autor elegeu líderes comunitários, participantes de movimentos estudantis, do sindicato dos trabalhadores, representantes de associações de assistência social, de instituições religiosas e partidos políticos de ideologia socialista como avaliadores e críticos do potencial de seu uso como instrumento de educação popular (Sá, 1986).
O excerto da investigação do doutoramento de Sá parece ter sido um dos únicos trabalhos a explorar o alargamento do conceito de contracontrole em sua dimensão política e social. Esta impressão sobre a pouca repercussão dos trabalhos de Holland é apontada por Sá (1986) o qual após realizar uma revisão bibliográfica relacionada ao conceito de contracontrole constata que mesmo após dez anos das publicações de Holland sobre o tema não havia trabalhos publicados que aproveitassem de suas contribuições. Ao refletir sobre a originalidade de sua Cartilha, Sá (1986, p.48) também começa a demarcar algumas diferenças de sua apropriação:
Em termos, portanto, de aproveitamento da experiência alheia prévia, não se tem aqui nada de específico com que começar. O próprio Holland, em seu breve artigo Servirán los princípios conductuales para los revolucionarios? (1973), só apresenta uma estratégia particular ilustrativa do exercício do contracontrole social. E não é sequer uma boa ilustração, visto estar mais apta a servir a finalidades terroristas imediatas do que ao persistente processo de construção de uma sociedade democrática [ênfase adicionada].
Isto é, a marca preponderante de apropriação de Sá do contracontrole social é o “persistente processo de construção de uma sociedade democrática” uma vez que a distensão política que resultaria na estruturação da democracia brasileira perdurou longos 15 anos entre a eleição indireta do general Ernesto Geisel em 1974 até a elaboração da constituição cidadã em 1988 e a eleição direta de Fernando Collor de Melo como presidente em 1989.
Ainda que a redemocratização tenha sido um plano político iniciado pela própria cúpula militar que governava o país, nunca houve consenso entre os grupos que a compunham, principalmente dos órgãos de repressão e vigilância do Estado. Estes setores resistiram aos intentos de encolhimento da ditadura, tendo prosseguido com ações de repressão como no caso do assassinato do jornalista Vladmir Herzog e no atentado a bombas do Riocentro em 1982 (Gaspari, 2016; Reis, 2014). Percebe-se, portanto, que a apropriação do controle social se deu em um constante jogo de forças políticas; de um lado desejava-se a manutenção do regime ditatorial e de outro, a construção da democracia brasileira. Reflexo de como a apropriação destes conceitos esteve intimamente relacionado ao processo de redemocratização é o roteiro de uma apresentação realizada por Sá na década de 1980, intitulada “Controle e contracontrole do comportamento na construção de uma sociedade democrática”. As informações do currículo do autor indicam que a apresentação foi realizada duas vezes – a primeira, na 32ª Reunião Anual da SBPC em 1980 e a segunda na XX Reunião Anual de Psicologia em 1985.
Nestas apresentações o autor define a sociedade democrática como “aquela que assegura o exercício institucionalizado do contra-controle em todos os níveis da esfera social (sic)” (Sá, ca.1985, p.4), colocando o contracontrole pari passu com a própria definição de democracia como um modelo social que permitiria condição de igualdade entre os cidadãos. Em Sá, o conceito servia para auxiliar a população a desvelar as relações de controle social de forma que elas pudessem resistir ao regime ditatorial e lutar pela democracia. Em suas palavras (Sá, 2007, p.9):
parece importante lembrar o clima sócio-político-cultural sob o qual viviam professores e estudantes, mormente nas áreas sociais e humanas, na época que tenho vindo relatando. Ao mesmo tempo em que nos chegavam do “maio de 68”, do lado de lá do Atlântico, palavras de ordem como “é proibido proibir”, aqui no Brasil tudo passava a ser proibido, a começar pelo exercício pleno da cidadania. É sabido, entretanto, que períodos de exceção e repressão políticas costumam ter como efeito a produção de reações nos meios acadêmicos, que se traduzem por direcionamentos críticos da própria produção científica e por resistências institucionais que, carentes de qualquer outro poder, se fazem apenas com as idéias.
Salienta-se, portanto, que os aspectos contextuais político-sociais entre EUA e Brasil quando da produção do controle e contracontrole social possuem ao mesmo tempo diferenças e similaridades, o que garante que o processo de circulação brasileiro não tenha ocorrido de forma horizontal e homogênea. Mesmo que haja certa similaridade de em ambos os casos o contracontrole ter sido atrelado a luta por direitos civis e igualdade, o cenário de uma democracia ainda em construção, persistentemente contra-atacada pelo regime militar exigiu um cunho mais imediato da ação e modificação da realidade brasileira, distanciando-se da ideia skinneriana de engenharia ou delineamento comportamental a longo prazo. Nas palavras de Sá (1986):
Dadas as condições sócio-político-econômicas vigentes nesta época e neste país, a avaliação exploratória da aplicabilidade socialmente relevante do behaviorismo radical não deve ser conduzida em relação ao quadro de referência utópico caracteristicamente skinneriano A superação a longo prazo, defendida por Skinner, das relações instáveis entre controle e contracontrole encontra-se, portanto, além das ambições do presente estudo” (p.53).
Apesar da afirmação de que se afastaria das prerrogativas eminentemente utópicas de Skinner, no mesmo roteiro de apresentação mencionado anteriormente Sá recorreu às análises skinnerianas das agências de controle. Neste rascunho ele conclui que “quanto mais rigoroso ou sutil é o controle mais difícil de se fazer o exercício do contracontrole. Contracontrole é luta. A construção de uma sociedade democrática é luta.” (Sá, ca. 1985, p.5 ênfases do autor). É notável, inclusive, que uma parcela considerável do acervo pessoal do autor5 dá indícios da apropriação das obras de Skinner atrelada a temas como democracia, contracontrole social e psicologia social; reúne-se ali : (1) Um fichamento das seções IV e V de Ciência e Comportamento Humano pormenorizando as “instâncias e técnicas de controle social”; (2) uma cópia impressa do artigo War, peace and Behavior Analysis: Some commentspublicado em 1988 por Skinner no Behavior Analysis and Social Action – revista sucessora da Behaviorists for Social Action; (3) uma cópia rasurada da entrevista dada por Skinner a Folha de São Paulo em 25/08/1990.
Neste sentido, a elaboração da Cartilha sob o princípio do contracontrole social não foi um processo que se encerrou como uma apropriação exclusiva do trabalho de Holland, mas sim, de maneira abrangente no solo do comportamentalismo radical tendo Skinner como principal representante. A inserção desses tópicos e autores no horizonte de redemocratização do Brasil criou zonas de contato com outras disciplinas ou paradigmas já mais estruturados em articulações no campo político e social como as Ciências Sociais, a História e a Psicologia Social. Conjugando a leitura desses campos teóricos com o do comportamentalismo radical aparecem referências a autores como K. J. Gergen, R. Díaz-Guerrero, J. Maisonneuve, E. Schneider, A. Rodrigues e G. C. Homans. Este último surge na seguinte anotação feita no fichamento de Ciência e Comportamento Humano:
Refletir sobre a questão de se a abordagem naturalista do comportamento social como proposta por Skinner pressupõe (ou implica) a existência de uma total incompatibilidade com as formulações típicas das ciências sociais. (Ver páginas 171, 178, 179). Obs.: Poderá ser discutido, em conexão com esta questão, um artigo de G.C. Homans intitulado “The relevance of Psychology to the Explanation of Social Phenomena”. (Sá, ca. 1980, para. 4)
A nota tomada pelo autor levanta a possibilidade de que parte de seu objetivo acadêmico se direcionava a analisar a compatibilidade do comportamentalismo radical de Skinner com o campo disciplinar das Ciências Sociais, o que, em última análise, pode se estender a Psicologia Social, se tomarmos esta última como campo disciplinar da Psicologia dedicado a flexionar-se com os aspectos sociais do fazer humano.
Afastando-se do dogmatismo teórico, entendido aqui como uma ação rígida de aceitação inquestionável de uma teoria e rejeição de todas as outras (Azoubel, 2017), o autor conclui suas reflexões sobre o lugar a ser frequentado pelos comportamentalistas radicais:
Faz-se necessário juntar-se às correntes de “pensamento e ação” que as descobriram há relativamente bastante tempo, a ponto de já se encontrarem elas semi-institucionalizadas sob os rótulos de educação popular . trabalho comunitário - ou, mais especificamente, na dimensão aqui privilegiada da psicologia comunitária. …A educação popular e a psicologia comunitária parecem configurare como suficientemente amplos para comportar a penetração do behaviorismo radical, sem confrontos extremos com as abordagens teóricas “normais” ou já reconhecidas pela literatura acadêmica especializada. (Sá, 1986, p.66)
Assim, convergem na figura de Celso Pereira de Sá a Análise do Comportamento e a Psicologia Social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo objetivou analisar os contextos de produção e recepção do conceito de controle e contracontrole social, focando-se em averiguar o impacto da obra de James G. Holland na apropriação que Celso Pereira de Sá fez destes conceitos. Retomando algumas perguntas que realizamos no início deste artigo com relação ao que possibilitaria a migração de uma Psicologia de um local para outro bem como quais seriam ambas as condições de produção e recepção de suas teorias e objetos (Dagfal, 2004; Danziger, 2006; Pickren, 2009; Raj, 2017; Souza Júnior et al., 2018), foi possível compreender que, em relação as obras de James G. Holland, os conceitos foram concebidos a partir de um cenário social cuja política estadunidense apresentava fortes características imperialistas. Esse cenário acarretou políticas “empáticas” preocupadas com os problemas de países do Terceiro Mundo. A proposta de Holland é que a luta contra a desigualdade social se caracteriza como uma espécie de contracontrole que deveria fazer parte do compromisso político do analista do comportamento, visto que este deveria auxiliar a população a entender as situações de controle e, assim, promover outras de contracontrole.
Muito embora tenhamos encontrado uma relação de influência entre estes dois autores no que tange o uso destes conceitos para referenciar-se a processos e ferramentas de transformação social, percebemos que ela não possuía tanta relevância na trajetória de Celso Pereira de Sá conforme hipotetizamos no início da pesquisa. Isto é, o impacto de Holland na obra de Sá é consideravelmente menor do que imaginávamos. Na verdade, o que percebemos foi um impacto maior de B. F. Skinner na obra de Celso Pereira de Sá, algo que pode ser alvo de pesquisas futuras. Nesse sentido, acreditamos que a trajetória de Sá seja um caso exemplo da ocorrência de processos de recepção e circulação de teorias psicológicas entre diferentes localidades (Danziger, 2006; Pickren, 2009; Raj, 2017; Souza Júnior et al., 2018), uma vez que o autor concretizou seu compromisso político se apropriando do Comportamentalismo Radical estadunidense, articulando-o com autores e disciplinas das Ciências Humanas para promover uma Psicologia Social brasileira crítica.
Embora haja trabalhos que citem Holland e Sá para pesquisar a relação da Análise do Comportamento com a contestação política (e.g. Abib, 2016; Castro & Lacerda Júnior, 2014; Flores Júnior & Córdova, 2019; Mizael & De Rose, 2017), a menção ao contracontrole social não foi expressiva na literatura analítico-comportamental até o ano de 2016, segundo um estudo realizado por Santos et al. (2016). Acreditamos que nossa pesquisa seja um indicativo de que novos estudos possam ser realizados com relação a ambos os autores, na medida em que demonstraram ter contribuições pertinente àqueles interessados em explorar a interface entre o Comportamentalismo Radical e a Psicologia Social. Esse indicativo é válido tanto para compreender a história da relação entre estas duas escolas psicológicas no Brasil quanto para operar em temáticas e intervenções do presente.
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