
Recepción: 05 Septiembre 2020
Aprobación: 20 Enero 2021
Resumo: Colorismo pode ser conceituado como a relação entre o tom de pele de uma pessoa e a obtenção de privilégios, experiências de discriminação e execução de direitos. A literatura sobre este tema no Brasil ainda é escassa. O objetivo deste ensaio é apresentar uma interpretação analítico-comportamental do conceito de colorismo. Pesquisas mostram que o tom da pele pode servir como uma variável preditora de vantagens sociais e privilégios, quando se tem a pele mais clara, e de desvantagens, prejuízos e rejeição, quando se tem a pele mais escura. Essas consequências diferenciais ocorrem em vários contextos (e.g., educação, saúde, sistema judiciário, mercado de trabalho). Pode-se dizer que há uma relação de dependência entre o tom da pele de um indivíduo e tais consequências, aparentemente sob controle do estímulo antecedente (primariamente o tom da pele). Assim, podemos dizer que o colorismo se refere a contingências sociais nas quais o tom da pele de uma pessoa é variável antecedente que sinaliza a probabilidade de ocorrência ou o grau de disponibilidade de determinadas consequências para esta pessoa, bem como o custo de resposta exigido para acessá-las. Com base nessa interpretação, implicações para a área clínica são apontadas, salientando a importância de entender o colorismo.
Palavras-chave: colorismo, pigmentocracia, Análise do Comportamento, questões raciais, clínica analítico-comportamental.
Abstract:
The term colorism can be conceptualized as the relationship between a person’s skin tone and the attainment of privileges, experiences of discrimination, and enforcement of rights. The literature on this topic in Brazil is still scarce. Thus, this essay aims to present a behavior-analytical interpretation of the concept of colorism. For this purpose, census data, social indicators, and studies that analyzed the correlation between race/skin color and several characteristics (e.g., beauty, employability) were considered.
Several studies show that the skin tone can serve as a predictor variable of social advantages and privileges, when the skin is lighter, and of disadvantages, losses, and rejection when the skin is darker. These differential consequences occur in several contexts (e.g., education, health, the legal system, the labor market). Data shows, for example, that compared to lighter-skinned Blacks, darker-skinned Blacks have higher rates of conviction and more severe sentences for comparable crimes. In addition, darker-skinned Blacks work in positions considered socially inferior and receive lower wages than their lighter-skinned Black colleagues. Therefore, it can be said that there is a relation of dependence between an individual’s skin tone and such consequences, apparently under the control of the antecedent stimulus (primarily the skin tone), being configured as stimulus control. Thus, we can say that colorism refers to social contingencies in which a person’s skin tone is an antecedent variable that signals the probability of occurrence or the degree of availability of certain consequences for that person, as well as the response cost required for access them. This interpretation seems to be consistent with the literature, that points to a relationship between lighter skin and positive reinforcing consequences (e.g., higher wages, attending school for more years), as well as a relationship between darker skin and punitive and potentially aversive consequences (e.g., higher sentences for similar crimes, lower levels of self-esteem). Based on this interpretation, some implications for the clinical field are pointed, highlighting the importance of understanding colorism. Therapists need to pay attention and describe, in publications and presentations at conferences, the race of their patients/clients (as well as other social markers, such as class). Psychologists need to study the consequences of being Black, but also what it means to be White in an extremely racist society. The specificities of the Black population will only be satisfactorily met if psychologists study racial issues and are committed to an antiracist stance.
Keywords: colorism, pigmentocracy, behavior analysis, racial issues, clinical behavior analysis.
O termo colorismo, também chamado de pigmentocracia em alguns contextos, pode ser conceituado como a relação entre o tom de pele de uma pessoa e a obtenção de privilégios, experiências de discriminação e execução de direitos (Hunter, 2007). Nesse sentido, quanto mais clara a pele de uma pessoa, mais oportunidades ela terá em termos de educação, saúde, emprego, habitação e quaisquer outros direitos ou privilégios, assim como menor probabilidade de sofrer uma agressão verbal ou física em função de discriminação. De modo oposto, quanto mais escura a pele de uma pessoa, menor a possibilidade de obter saúde de qualidade, bom emprego e habitação ou quaisquer outros privilégios/consecução de direitos. Quanto mais escura a pele de uma pessoa, maior a chance dessa pessoa ser agredida verbal ou fisicamente, incluindo ser presa ou ter sentenças mais severas por determinado crime ou delito (e.g., Burch, 2015; Gyimah-Brempong & Price, 2006).
De acordo com Hunter (2007), as origens do colorismo, pelo menos para afromericanos e latinos, remontam aos processos de escravização e ao colonialismo europeu nas Américas. Conforme aponta a autora:
A manutenção da supremacia branca (estética, ideológica e material) é pressuposta na noção de que a pele escura representa selvageria, irracionalidade, feiura e inferioridade. A pele branca e, assim, a brancura em si, é definida pelo oposto: civilidade, racionalidade, beleza e superioridade. Essas definições contrastantes são a base para o colorismo. (Hunter, 2007, p. 238)
Apesar de se pautar primariamente nas gradações de tom da pele, para alguns autores (e.g., Hamilton, Goldsmith, Darity Jr., & Fletcher, 2011, citados por Diette et al., 2015) colorismo não se refere apenas ao tom da pele, mas também a outras características fenotípicas como a textura do cabelo e o formato do nariz e dos lábios, uma vez que tais características também são utilizadas para classificar indivíduos como brancos e negros em algumas culturas. Levando em consideração o contexto brasileiro, onde a raça de um indivíduo é, atualmente, definida primariamente pela cor da pele, além de traços fenotípicos como a textura do cabelo e o formato do nariz e dos lábios, pode-se dizer que os termos raça, racismo2 e colorismo se sobrepõem em parte (Dixon & Telles, 2017). Nesse sentido, o colorismo está relacionado ao racismo como um conjunto de práticas que reforçam afirmações de que pessoas de pele escura são inferiores às de pele clara em termos de atributos como beleza, inteligência e civilidade, atribuindo a quem possui pele escura uma miríade de características consideradas negativas, e a quem possui pele clara, características positivas (e, em alguns casos, opostas às características atribuídas aos indivíduos de pele escura; e.g., Munanga, 2004).
As discussões acerca do termo colorismo, pelo menos na literatura científica brasileira, podem ser consideradas relativamente recentes. Como exemplo da incipiência do conceito em pesquisas brasileiras, uma busca na biblioteca eletrônica SciELO com o marcador “colorismo” em qualquer parte do texto gera apenas um resultado (Nascimento, 2015). A busca no Portal de Periódicos da CAPES, utilizando o mesmo descritor, gera apenas quatro resultados em português (Araújo et al., 2019; Bahri, 2013; Carneiro, 2017; Neves, 2018), além do trabalho de Nascimento (2015), já mencionado. Comentando brevemente sobre os artigos encontrados, o artigo de Bahri (2013) versa sobre a relação entre o feminismo e o pós-colonialismo, buscando articular desafios e vantagens das visões feministas ocidentais e das chamadas pós-coloniais. O artigo menciona uma única vez o termo colorismo, quando fala sobre a existência dele dentro das discussões feministas pós-coloniais. Carneiro (2017) faz uma etnografia de dois serviços de saúde de Brasília, entrevistas com gestores de saúde e também análise de blogs de feministas negras, buscando elucidar a importância da articulação entre gênero, raça e classe na saúde da mulher negra. O termo colorismo aparece uma vez, quando a autora relata a percepção racial de um usuário com relação à raça da autora do texto. Neves (2018) objetivou analisar as concepções de Honneth e Fraser, sobre quais seriam as fontes de injustiças nas sociedades, analisando conceitos como o de redistribuição e reconhecimento, e articulando tais óticas com visões do movimento negro. A menção ao termo colorismo, que ocorre também uma única vez, aparece em um contexto de discussão sobre quem seria mais merecedor das ações afirmativas. O trabalho de Araújo et al. (2019) é o primeiro de um dossiê sobre estudos de tradução e feminismo negro, citando pontualmente o colorismo como um aspecto importante a ser considerado quando se estuda mulheres negras. Por fim, o trabalho de Nascimento (2015) é o único que não apenas cita o termo, mas o discute, de fato. O trabalho versa sobre o processo de fortalecimento da cultura “mulata” nos Estados Unidos no início do século XX, que levou ao colorismo, ou seja, a privilégios para pessoas de pele mais clara. Nesse sentido, além de existirem poucos estudos com a palavra-chave “colorismo”, na maioria deles, o assunto é apenas citado, e não estudado ou analisado.
Com relação ao número de resultados ao buscar essa palavra-chave, uma busca pelo termo “colorism”, em inglês, no Portal de Periódicos da CAPES, gera um total de 1564 resultados (buscas realizadas em agosto de 2020). Muitas hipóteses podem ser levantadas para tentar explicar essa disparidade no número de trabalhos publicados sobre o tema, mas o relevante é mostrar que existe uma lacuna de pesquisa não só na Análise do Comportamento, mas na Psicologia e nas ciências sociais e humanas de maneira geral no que se refere a essa temática no Brasil.
Este trabalho busca ser um passo inicial no preenchimento dessa lacuna, ao analisar alguns aspectos do colorismo a partir de uma leitura analítico-comportamental. Assim, este trabalho constitui um ensaio com o objetivo de apresentar uma interpretação analítico-comportamental do conceito de colorismo. Para tal fim, são considerados dados censitários, indicadores sociais e resultados de pesquisas que analisaram a correlação entre tom de pele e diversas características (e.g., beleza, empregabilidade). Por fim, são apresentadas algumas implicações para a área clínica, que evidenciam a importância de psicólogas e psicólogos estudarem e aprenderem sobre relações raciais de maneira mais ampla, e sobre colorismo, de maneira mais específica.
COR OU RAÇA NO BRASIL
Atualmente, indivíduos brasileiros são classificados oficialmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com relação a sua “cor ou raça”, por meio da autodeclaração, em branco, pardo, preto, amarelo, indígena ou sem declaração, sendo que, ainda de acordo com o IBGE, os pardos e pretos constituem uma categoria chamada “negros”. Essas classificações mudaram ao longo dos anos, sendo resultado de muita disputa entre os movimentos negros, intelectuais e os próprios governos atuantes em cada época. Por exemplo, na década de 1940, as opções disponíveis para a autodeclaração no primeiro censo feito pelo IBGE no qual o quesito “cor” foi obtido eram branco, preto e amarelo (Rosa et al., 2018).
Neste mesmo censo, muitos indivíduos diziam não se enquadrar em nenhuma dessas três opções (branco, preto e amarelo), utilizando termos como moreno, caboclo, mulato, etc. para se definir. Desse modo, a terminologia “pardo” passou a ser utilizada no censo de 1950 e representava, de certa forma, “a efetivação da miscigenação brasileira” (Rosa et al., 2018), representando os indivíduos que se classificavam “entre” o branco e o negro.
Durante as décadas anteriores, em que dois censos foram realizados (um em 1900 e outro em 1920), não foram obtidos dados sobre a cor/raça da população. Ao avaliarmos o contexto social e político da época, verifica-se que esse foi justamente o período no qual as teorias raciais europeias, as quais afirmavam que a mistura de raças geraria a degeneração das espécies, estavam sendo bastante discutidas no Brasil. Portanto, a miscigenação no Brasil foi utilizada historicamente como uma estratégia para “embranquecer” a população e torná-la, aos olhos dos teóricos raciais da época e de todos que compactuavam com tais saberes, “mais atraente”, “mais inteligente” e “com uma moral superior” (Nascimento, 2016).
INDICADORES SOCIAIS E NEGRITUDE NO BRASIL3
Indicadores sociais são medidas quantitativas que informam sobre a “qualidade de vida e os níveis de bemestar das pessoas, famílias e grupos populacionais, a efetivação de direitos humanos e sociais, bem como o acesso a diferentes serviços, bens e oportunidades” (IBGE, 2019, para. 1). Tais indicadores são coletados por agências governamentais, como o IBGE, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Os indicadores sociais têm sido utilizados como base para a reivindicação de direitos, para a construção de políticas públicas para a população, especialmente as mais marginalizadas, e também para a avaliação da eficácia de tais políticas.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2017 mostram, por exemplo, que o rendimento médio mensal de todos os trabalhos desenvolvidos pelos brancos foi de R$2814,00. Entre os pardos, o valor foi de R$1606,00 e entre os pretos, R$1570,00. No ano de 2016, 35,8% das 1835 crianças de cinco a sete anos de idade que trabalhavam eram brancas, e 63,8% negras. Também no ano de 2016, a taxa de analfabetismo da população branca era de 4,2%, enquanto que, na população negra, a taxa era mais que o dobro, 9,9% (IBGE, 2018a).
No documento “Síntese de Indicadores Sociais”, elaborado pelo IBGE no ano de 2018, a taxa de desocupação (porcentagem de pessoas que constituem a força de trabalho, i.e., que estão aptas para trabalhar, mas que estão desempregadas) total por cor ou raça entre os brancos era de 10%, enquanto que, para a população negra, era de 14,7%. Mesmo considerando os níveis de instrução, a taxa de desocupação é maior para a população negra do que para a população branca4. Conforme o relatório, “ter ensino superior é um fator que contribui para o acesso ao mercado de trabalho com mais intensidade para as pessoas pretas ou pardas, mas não o suficiente para colocálas em igualdade com as pessoas brancas” (IBGE, 2018b, p. 13).
Embora ter cursado ensino superior diminua as desigualdades de oportunidade de emprego, isso não significa que os salários serão idênticos para os negros e brancos com a mesma formação (e.g., superior vs. superior; fundamental vs. fundamental): em 2017, por exemplo, brancos com ensino superior ganhavam, em média, 72,5% mais que negros com ensino superior (R$2615,00 para os brancos e R$1516,00 para os negros – IBGE, 2018c). Como é explicado no relatório “Síntese de Indicadores Sociais” (IBGE, 2018b), “mesmo controlando por hora trabalhada e nível de instrução, as desigualdades de rendimento se mantêm, sendo maiores em superior completo para cor ou raça” (IBGE, 2018b, p. 14).
A concentração de renda também é extremamente desigual entre a população branca e negra. Dados de 2017 mostram que, entre os 10% da população com os menores rendimentos, estão 13,6% dos negros, comparados a 5,5% de brancos. Quando se analisam os 10% da população com os maiores rendimentos, a relação se inverte, de modo que 16,4% de brancos estão nessa faixa, em comparação com 4,7% de negros (IBGE, 2018c).
Dados do mesmo ano (2017) também mostraram que a população negra é a que possui maior restrição de acesso à educação (31,95% vs. 23,65%), à proteção social (20,15% vs. 8,5%), a condições de moradia (15,9% vs. 9,4%), a serviços de saneamento básico (45,3% vs. 28%) e à comunicação via internet (30,1% vs. 19,05%). Além disso, na comparação entre as taxas de internação e de mortalidade por transtornos mentais devido ao uso de álcool, enquanto a taxa de internação da população branca é de 2,52 e a de mortalidade, 2,69, as taxas para pretos são de 1,83 no caso da internação e 5,93 de mortalidade, e para pessoas pardas, 1,67 no caso da internação e 3,89 de mortalidade (Brasil, 2016). Outro exemplo são os dados de maior mortalidade infantil (0 a 4 anos de idade) por causas evitáveis (como falta de atenção à mulher durante a gestação, no parto, ou ao próprio recém-nascido) obtidos em 2017, que mostram que 50,69% das mortes foram em crianças negras, enquanto que nas crianças brancas, a porcentagem foi de 39,89% (Datasus, 2018).
Um dado importante quando se analisam as diferenças entre a população branca e negra é a classe social ou condição socioeconômica. Hasenbalg (1979) e Hasenbalg e Silva (1988) analisaram a mobilidade social de indivíduos brancos e negros no Brasil, mostrando que essas diferenças nos indicadores existem mesmo quando se controlam fatores como classe social, renda e nível de educação. Comentando sobre essa investigação, Campos (2013) afirma:
Carlos Hasenbalg e Nelson do Vale Silva foram os primeiros sociólogos a utilizar os dados do censo para medir não apenas as desigualdades de classe entre os grupos de cor, mas também as desigualdades de oportunidades entre eles. Comparando a classe de origem das pessoas com suas classes de destino, Hasenbalg e Silva concluíram que há um diferencial substantivo nas taxas de mobilidade social dos autodeclarados “brancos” e dos “não brancos”... mesmo quando comparamos pessoas com a mesma origem socioeconômica (mesma classe, nível educacional, renda, etc.), as chances de ascensão social dos brancos chegam a ser o dobro daquela dos “não brancos” (p. 84).
Pesquisas mais recentes confirmam que a população negra continua tendo uma menor possibilidade de ascensão social e de oportunidades, de maneira geral, em comparação com a branca, mesmo quando controlam-se variáveis socioeconômicas (e.g., Silva & Leão, 2012).
PESQUISAS SOBRE COLORISMO EM OUTROS PAÍSES
Diversas pesquisas, a maioria delas realizada nos Estados Unidos, têm mostrado como o colorismo opera em diversas situações e contextos. Diferentes metodologias têm sido utilizadas para classificar o tom de pele de um indivíduo, como escalas de cores (albino, claro, marrom claro, etc.; Burch, 2015; pele muito clara, clara, média, escura, muito escura; Diette et al., 2015), nas quais brancos com características fenotípicas europeias são considerados a base para a classificação (o ponto “branco” da escala), assim como o uso de espectrofotômetro, um instrumento que mede a refletância da pele (Branigan et al., 2017).
Com relação ao sistema judiciário e prisional, dados mostram, por exemplo, que, em comparação a negros de pele mais clara, os negros com pele mais escura possuem maiores taxas de condenação e sentenças mais severas por crimes comparáveis (Burch 2015; Gyimah-Brempong & Price, 2006; Viglione et al., 2011). Com relação à empregabilidade, negros de pele mais escura trabalham em posições consideradas socialmente inferiores (Hill, 2000), além de receberem salários menores que seus colegas negros com pele mais clara (Goldsmith et al., 2007; Keith & Herring, 1991). O colorismo também opera no campo educacional: existem evidências de que mulheres negras com um tom de pele mais escuro frequentam a escola por menos anos que mulheres negras de pele mais clara. Isso ocorre mesmo quando se controla uma variedade de fatores que podem influenciar na escolaridade (e.g., Hersch, 2006). Com relação à saúde, pesquisas mostram que a chance de uma mulher negra de pele escura sofrer depressão pela primeira vez é maior que a chance de uma mulher negra com tom de pele médio, e quando se comparam mulheres negras desempregadas, existe um gradiente de depressão segundo o qual, quanto mais escura a pele da mulher, maior a chance de ela experienciar depressão (Diette et al., 2015).
Hunter (2007) mostra também a relação entre percepção de beleza e empregabilidade, argumentando que, uma vez que as pessoas consideradas mais atraentes são também consideradas mais espertas e amigáveis e que o nível de atratividade é influenciado pela estética racial, onde brancos e pessoas com pele mais clara são considerados mais bonitos que negros e pessoas com pele mais escura em geral, existe uma probabilidade de que candidatos com pele mais clara sejam beneficiados em um processo seletivo para um emprego.
Essas relações estabelecidas entre beleza e pele clara e entre beleza e outras características fenotípicas europeias também vão influenciar nas chances de uma pessoa se casar, no número de relacionamentos que uma pessoa tem durante a vida e, de maneira geral, na autoestima, especialmente entre as mulheres. Thompson e Keith (2001) mostram, por exemplo, que mulheres negras com pele mais escura reportam possuir níveis inferiores de autoestima que suas colegas negras de pele mais clara. Isso mostra que outras variáveis, como o gênero, também se articulam com a raça de um indivíduo, levando a mais ou menos privilégios ou vantagens sociais. Em suma, essas pesquisas mostram que o tom da pele pode servir, de fato, como uma variável preditora de vantagens sociais e privilégios, quando se tem a pele mais clara, e de desvantagens, prejuízos e rejeição, quando se tem a pele mais escura. Essas consequências diferenciais ocorrem nos mais diversos contextos, como educação, saúde, sistema judiciário, mercado de trabalho, chegando até na questão da autoestima e da possibilidade de se casar.
As evidências apresentadas na literatura científica apontam de modo eloquente que existem diferenças de tratamento entre pessoas negras de pele clara e escura. No entanto, algumas pesquisas mostram que a situação pode ser mais complexa do que a ideia de um contínuo de privilégios ou vantagens sociais onde pessoas com pele mais clara sempre obtêm mais privilégios que as de pele mais escura, ou experienciam sempre menos opressão que seus pares retintos (i.e., de pele muito escura). A pesquisa de Branigan et al. (2017) mostra que, em certos contextos, é possível que essa ideia de linearidade seja colocada em xeque. Em seu estudo, os autores investigaram a probabilidade de homens brancos e negros estadunidenses serem presos, a depender do tom de pele de ambos5.
Utilizando uma medida de refletância da pele, na qual quanto maior a refletância, mais clara é a pele, os autores verificaram que a probabilidade de os homens negros serem presos era significativamente maior que a dos homens brancos, dado bastante replicado na literatura. A novidade foi a descoberta de que o nível de refletância da pele estava relacionado à probabilidade de ser preso somente para os homens brancos (quanto mais claro o tom de pele, menor a probabilidade de ser preso). Entre os homens negros, independentemente da cor de suas peles, a probabilidade de serem presos era a mesma. Para fortalecer essa asserção, foi controlado no experimento o nível educacional dos participantes (703 homens negros e 888 homens brancos) e de seus pais, além dos cargos ocupados pelos respondentes. No referido estudo, uma análise da chance de ser preso a depender do percentil de refletância da pele mostrou também que, para os homens brancos com refletância da pele semelhante à dos negros de pele mais clara, a probabilidade de serem presos era semelhante à de seus pares negros. A pesquisa sugere, portanto, que embora um tom de pele mais claro entre aqueles considerados brancos tenda a diminuir as chances de ser preso, tal chance é uniformemente mais alta para pessoas de pele mais escura, independente de variações de tom.
UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO ANALÍTICO- COMPORTAMENTAL DO COLORISMO
Com base na definição de colorismo de Hunter (2007), pode-se dizer que a cor da pele age como estímulo relacionado a consequências reforçadoras ou punitivas ou à apresentação de estímulos potencialmente aversivos em uma contingencia - isto é, há uma relação de dependência entre o tom da pele de um indivíduo e tais consequências, aparentemente sob controle do estímulo antecedente (primariamente o tom da pele), se configurando como controle de estímulos. Os dados censitários e os achados das pesquisas apresentadas evidenciam que, quanto mais branca a pele, maior o acesso a consequências reforçadoras positivas e menor acesso a consequências punitivas ou estimulação aversiva e que, quanto mais preta a pele, menor o acesso a consequências reforçadoras positivas e maior o acesso a consequências punitivas ou estimulação aversiva. É possível pensar também, com base nisso, que o custo de resposta para a obtenção de consequências reforçadoras positivas pode ser maior na medida em que a pele de uma pessoa é mais escura, dado que o acesso a tais consequências é mais restrito. Do mesmo modo, a probabilidade de o comportamento ter consequências aversivas também varia de acordo com o tom da pele. Uma resposta com topografia similar pode ser punida se emitida por uma pessoa de pele mais escura, enquanto que pode não ser punida se emitida por uma pessoa de pele mais clara (por exemplo, correr em uma rua para não chegar atrasado ao trabalho).
Neste sentido, podemos dizer que o colorismo se refere a contingências sociais nas quais o tom da pele de uma pessoa é variável antecedente relevante que sinaliza a probabilidade de ocorrência ou o grau de disponibilidade de determinadas consequências para esta pessoa bem como, portanto, o custo de resposta exigido para acessá-las. Para quem provê ou disponibiliza tais consequências, o tom de pele do interlocutor é o antecedente que ocasiona a variação na probabilidade de emissão de respostas que gerem estimulação aversiva/reforçadora para este interlocutor.
Essa interpretação se relaciona com o conceito de privilégio, que pode ser visto como a obtenção de consequências reforçadoras condicional à participação em determinado grupo, ou seja, o acesso facilitado a reforçadores relevantes (relacionados ao poder6) por pessoas de determinados grupos sociais, sem a necessidade de serem contingentes ao comportamento emitido por estas (Laurenti, 2019; Terry et al., 2010). As diferenças entre os dois termos, colorismo e privilégio, parecem ser que, no primeiro caso, o tom da pele é o marcador primário relacionado a determinadas consequências, as quais poderão ser reforçadoras ou punitivas (a depender do tom da pele). No segundo caso, não há especificação de qual marcador sinalizará reforçamento, embora este seja relacionado a características de grupos que detêm poder em uma cultura. O colorismo é, portanto, uma expressão específica de relações sociais que envolvem privilégios ou vantagens sociais – neste caso, mediados pelo tom de pele.
Essa interpretação parece ser consistente com os dados da literatura, que apontam uma relação entre pele mais clara e consequências reforçadoras positivas (e.g., maiores salários, frequentar escola por mais anos), como também uma relação entre peles mais escuras e consequências punitivas e potencialmente aversivas (e.g., maiores sentenças por crimes semelhantes, menores níveis de autoestima).
Uma ressalva importante a ser feita é que, embora possa parecer que a relação entre a cor da pele e as consequências reforçadoras e punitivas ocorra em toda e qualquer situação na vida de um indivíduo, esse não é o caso, como podemos ver pela articulação da raça com outros marcadores sociais. Outras características, além do tom da pele, podem agir conjuntamente no controle do comportamento de quem interage com determinado indivíduo. Nesse sentido, a interpretação proposta parece válida para os dados obtidos como análise de grupo (observando dados estatísticos e pesquisas com vários participantes), sendo utilizada como guia e como parte do contexto antecedente histórico em uma situação clínica, por exemplo, mas não como constatação prévia à análise de um caso específico.
ALGUMAS IMPLICAÇÕES PARA A ÁREA CLÍNICA
Na clássica obra Ciência e Comportamento Humano, Skinner (1953/1967) considera a psicoterapia como uma agência de controle, ou seja, um grupo de pessoas organizadas de alguma maneira e que detém instrumentos e estratégias de controle sobre outras pessoas. A psicoterapia se diferenciaria das outras agências por algumas razões, dentre elas, talvez a principal, seu compromisso ético: ela controlaria para o bem dos controlados e trabalharia para amenizar os efeitos colaterais gerados por outras agências, cujo controle costuma ser coercitivo. Assim sendo, as implicações do colorismo para a clínica podem e devem ser estudadas de uma perspectiva cultural, considerando que já temos ferramentas conceituais para tal empreitada, como, por exemplo, como a própria agência “psicoterapia” pode estar contribuindo para a manutenção de condições de opressão (e ser parte do problema e não da solução, como nos diz Holland, 1978). Ignorar tal perspectiva nos estudos sobre racismo e colorismo poderia sugerir que análises em um nível exclusivamente clínico seriam suficientes para lidar adequadamente com tais problemas, eventualmente produzindo resultados ética e politicamente questionáveis. Dados os limites deste trabalho, porém, privilegiaremos análises que possam ser úteis na interação entre terapeutas e pessoas que estão em atendimento. Nossa proposta visa enfatizar que o colorismo é tema de grande relevância para a atuação clínica. Sem conhecimento a respeito do fenômeno, a psicoterapia, como agência de controle, corre o risco de atuar na contramão do que se propõe, contribuindo para o sofrimento da pessoa atendida, aumentando (ao invés de amenizar) os efeitos colaterais das práticas coercitivas exercidas por outras agências, e abrindo mão, portanto, do compromisso ético de atuar pelo bem do controlado. Contudo, conforme apontou Holland (1975, 1978), a Análise do Comportamento tem também o potencial de identificar e intervir sobre as contingências sociais que explicam tanto a origem dos “efeitos colaterais” que se apresentam como demandas no contexto clínico quanto os objetivos dos próprios analistas do comportamento enquanto integrantes dessa e de outras agências de controle.
Tomaremos a liberdade de propor situações hipotéticas, mas plausíveis, para avaliar algumas das possíveis implicações do colorismo para a prática de terapeutas comportamentais.
Em um contexto de atendimento clínico, um indivíduo negro relata um histórico de ser sistematicamente preterido após a fase de entrevistas para a ocupação de um certo cargo. Ele possui um bom currículo (e.g., tem formação universitária e cumpre os critérios necessários para se candidatar para as vagas) e, além disso, relata sempre ser aprovado nas etapas realizadas à distância, geralmente duas: provas de língua portuguesa e de conhecimento lógico-matemático e prova de conhecimentos específicos para a vaga. A falta de conhecimento sobre as variáveis comportamentais que caracterizam o colorismo pode impedir que o terapeuta em questão faça uma avaliação mais completa do caso.
Nesse sentido, o terapeuta poderia hipotetizar que, apesar de possuir um bom currículo, ele não possui as habilidades sociais necessárias para ser bem-sucedido durante a entrevista, ou até questionar se o outro candidato não era, de fato, mais apropriado para a vaga. Embora essas hipóteses sejam válidas, a falta de conhecimento sobre relações raciais, de maneira mais ampla, e sobre colorismo, de maneira mais específica, pode impedir que o terapeuta coloque a cor da pele do candidato como outra hipótese, igualmente válida, no curso de avaliação. Especialmente se o cliente em questão for uma pessoa negra com pele clara, a possibilidade de conduta racista por parte da empresa pode ser descartada de antemão pelo terapeuta, e o tratamento pode seguir um curso inadequado, no qual habilidades relacionadas a postura, maneira de falar e de responder às perguntas, entre outras, que podem inclusive já ser adequadas para contextos de entrevistas de emprego, sejam consideradas pelo terapeuta como inadequadas, tornando não só parte do processo terapêutico pouco útil, como também um possível produtor de outras formas de sofrimento psíquico (como o cliente pensar que não sabe falar ou se portar adequadamente).
Relacionado a este primeiro exemplo, é possível também que um indivíduo com histórico de busca de emprego ou até de parceiros afetivos demonstre comportamentos característicos de desamparo aprendido, caso sua história de vida reflita os dados encontrados em diversas pesquisas sobre a temática. Frustrações recorrentes, após tentativas variadas malsucedidas, podem levar a uma interrupção das tentativas, bem como a respostas emocionais negativas. Tal quadro pode se caracterizar como uma depressão. Caso as tentativas fracassadas que levaram à depressão estejam relacionadas diretamente à cor da pele, uma atuação que não identifique essa variável, ou seja, que não leve em consideração os efeitos do racismo, de modo mais geral, e do colorismo, de maneira específica, será danosa no sentido de negligenciar esse aspecto durante a avaliação ou até de elaborar planos de ação que coloquem outros comportamentos como socialmente inadequados. Dessa maneira, corre-se o risco de a psicoterapia perpetuar o racismo se não houver a identificação da variável “cor de pele/raça” como relevante no processo de adoecimento psíquico.
Em outro exemplo hipotético, uma mulher negra se queixa de baixa autoestima e relata que sistematicamente os homens pelos quais ela se interessa (ou não) demonstram interesse somente nas suas amigas. Após questionar sobre as características físicas das amigas da cliente em questão, a terapeuta nota que todas as amigas são negras e que, por essa razão, as preferências dos homens não estão baseadas na raça destas, mas em outras características, voltando sua atenção para aspectos como tipos de vestimentas utilizadas e maquiagens, assuntos abordados e forma de falar da cliente e de suas amigas. Novamente, o desconhecimento sobre como o colorismo opera pode impedir que o tom de pele seja apontado como uma das hipóteses sobre o que controla os comportamentos dos homens, e que, por sua vez, gera sofrimento psíquico na cliente, por não se achar atraente.
Um quarto exemplo hipotético é o de um homem branco que procura a terapia com uma queixa de inadequação. Ele relata que, após se mudar para outra cidade, em seis momentos distintos e com uma diferença em termos de tempo de poucos meses, ele foi seguido pelos seguranças de três diferentes supermercados, e não entendeu por que isso aconteceu. Ele mesmo relata que, sendo branco, não sofre racismo, e diz que não consegue pensar em outra razão para que os seguranças o tenham seguido. A terapeuta, ouvindo o caso, também fica perplexa, imaginando que talvez, em outras situações, homens brancos tenham furtado os supermercados em questão, e que, por essa razão, os seguranças passaram a seguir alguns dos homens brancos, talvez os que “escondam” parte do rosto utilizando touca ou capuz, ou os que estejam utilizando roupas associadas a uma classe social inferior. Ela encaminha o caso investigando essas questões, e não se atenta para o fato de que, apesar de ser um homem branco, o cliente, que mudou de cidade, possui nariz grande e lábios carnudos, características associadas à raça negra e que, por viver em uma sociedade racista, não só a cor da pele, mas outras características associadas a pessoas negras podem se tornar estímulos aversivos condicionados. Além disso, por ter se mudado, os padrões de brancura e negritude podem ser diferentes em diferentes regiões do país. Assim, mais uma vez, as hipóteses levantadas pela terapeuta sobre o que poderia ter controlado os eventos nos supermercados podem levar a um curso de ação, no mínimo, incompleto, e no máximo, inadequado, criando outros “problemas” para o cliente, que pode passar a acreditar que não sabe se portar em supermercados ou em outros estabelecimentos comerciais.
LIMITAÇÕES E SUGESTÕES PARA PESQUISAS
Uma limitação importante deste trabalho é que, apesar de considerarmos que o tom da pele se correlaciona a certos reforçadores, é pertinente explorar, em trabalhos futuros, que tipos de reforçadores são esses. Na definição de privilégios, por exemplo, menciona-se que certos grupos possuem acesso facilitado a reforçadores (e.g., a população branca consegue acessar mais facilmente consequências como empregos de alto prestígio social do que a população negra), mas não se examina de modo mais amplo quais seriam esses reforçadores. Por exemplo, ir a um show de rock, fazer as unhas das mãos e viajar para uma cidade próxima podem ser atividades reforçadoras, mas talvez menos associadas com ascensão social e com status do que ir a um concerto de música clássica, frequentar uma universidade pública ou viajar para o exterior. Desse modo, em ambos os casos, trabalhos futuros devem se voltar para esse aspecto, avaliando, por exemplo, se os usos do que Bourdieu (1986) chamou de capital social, cultural e econômico podem oferecer uma descrição mais detalhada dos tipos de reforçadores cuja disponibilidade esteja em questão, tanto no caso do privilégio quanto do colorismo. No caso do colorismo, a discussão se torna ainda mais complexa, uma vez que não só estão presentes consequências reforçadoras positivas (que poderiam ser entendidas aqui como consequências relacionadas a status e a ascensão social), mas também consequências punitivas e/ou aversivas.
Outra limitação do trabalho é que, para que a Análise do Comportamento avance na compreensão e intervenção sobre este campo será imprescindível aprofundar a análise de contingências culturais que historicamente têm mantido as práticas envolvidas no colorismo, incluindo o papel das agências de controle. A análise aqui apresentada privilegiou contingências operantes presentes em contextos clínicos, mas a clínica, como agência controladora, é ela mesma resultado de contingências culturais que afetam todas as demais agências, e que merecem estudos pormenorizados. Outras sugestões para pesquisas futuras são:
1) investigar quais outras características além do tom de pele estão mais relacionadas com consequências reforçadoras ou punitivas (por exemplo, manipulando variáveis como tom de pele e cabelo vs. tom de pele e formato do nariz);
2) manipular o tom de pele de personagens fictícios em um jogo online e a relação
entre este e o uso de xingamentos racistas;
3) investigar possíveis macrocontingências e metacontingências envolvidas no fenômeno do colorismo;
4) Analisar a relação da psicoterapia, como agência de controle, e sua relação com outras agências, tais como o Governo, a Religião e a Educação, na manutenção de práticas que levam a desigualdade e a preconceitos;
5) identificar molduras relacionais que permitam entender os tipos de relações mais comuns realizadas pela população entre, por exemplo, pessoas com pele branca e traços fenotípicos negroides vs. pessoas com pele branca sem tais traços.
Terapeutas, independentemente da abordagem, precisam se atentar e descrever, em publicações e em apresentações em congressos, a raça de seus pacientes (assim como outros marcadores sociais, como a classe social). Precisam estudar sobre o que é ser negro, mas também sobre o que é ser branco em uma sociedade extremamente racista. As especificidades da população negra só serão atendidas de maneira satisfatória se psicólogas e psicólogos tiverem uma atuação comprometida com uma postura antirracista e se estudarem questões raciais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O colorismo é um fenômeno ainda pouco explorado em pesquisas brasileiras, apesar de ter sua importância evidenciada em diversas pesquisas já realizadas, especialmente nos Estados Unidos. Com base nas análises aqui realizadas, foi possível propor uma interpretação analítico-comportamental sobre o fenômeno, como também salientar sua importância no contexto brasileiro, especialmente no contexto clínico (embora não se limite a este). Entendemos o colorismo como um conjunto de contingências sociais em que a cor da pele é variável antecedente relevante para o acesso a determinadas consequências. De forma geral, quanto mais escura a pele, maior a probabilidade de respostas do indivíduo terem consequências aversivas e menores são as chances de que tenha acesso a consequências positivamente reforçadoras, aumentando-se o custo de resposta para obtê-las. Tal entendimento se mostra relevante no sentido de visibilizar este fenômeno e oferecer uma operacionalização das variáveis nele envolvidas que possa instrumentalizar a teoria e a prática de analistas do comportamento.
Por conta dos poucos estudos pautados na realidade brasileira, espera-se que estudos futuros possam aprofundar as análises aqui apresentadas. Uma compreensão abrangente do colorismo, que leve também em consideração as variáveis culturais peculiares que determinam a configuração do fenômeno no Brasil, dependerá da conjugação de investigações conceituais, experimentais e aplicadas, e deve também ser informada pela experiência dos prestadores de serviços analítico-comportamentais (e de outras abordagens). O contínuo aperfeiçoamen- to dessa compreensão poderá gerar efeitos socialmente relevantes nos resultados produzidos pelas intervenções de analistas do comportamento dentro e fora do contexto clínico.
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Notas
2) O racismo pode ser conceituado como uma ideologia que se baseia na crença de que diferenças biológicas, fenotípicas e/ou culturais estão intrinsecamente relacionadas com características morais, intelectuais e estéticas dos in- divíduos, de modo que grupos com poder definem que suas próprias características estariam no topo dessa hierarquia, e as características de grupos subalternizados, abaixo dessas. Nesse sentido, o termo raça aqui colocado se refere a seu sentido sociológico, como uma categoria de exclusão e dominação (Munanga, 2004), se referindo a ascendência, atributos físicos e/ou aspectos culturais reais e/ou assumidos em determinado grupo.
3) Nem sempre se coletam dados sobre os grupos preto e pardo separadamente, sendo comum a agregação dos dados de pretos e pardos sob a denominação “negros”. Nos casos em que esses dados foram coletados separadamente, adicionamos no texto os três grupos: negros (pretos, pardos) e brancos.
4) Taxa de desocupação de 8,5% contra 13,2% para indivíduos sem instrução ou com o ensino fundamental incompleto; 14,7% vs. 19,7% para o fundamental completo ou médio incompleto; 11,5% vs. 15,5% para o médio completo ou superior incompleto; e por fim, 6,3% contra 7,4% para superior completo. Em todos os casos, as maiores taxas correspondem à população negra, e as menores, à branca.
5) A denominação “brancos” e “negros” já estava presente no registro do banco de dados utilizado no estudo. É importante salientar que os critérios de classificação racial nos Estados Unidos são diferentes dos utilizados no Brasil. Lá, a hereditariedade é o critério utilizado para definir a raça de um indivíduo, de modo que é possível que pessoas com pele clara para os padrões brasileiros sejam consideradas negras, uma vez que seus pais ou avós são negros (possuem descendência africana.
6) De acordo com Baum (2017), poder pode ser visto como o grau de controle que cada indivíduo em um relacionamento exerce sobre o comportamento do outro indivíduo. Se uma pessoa se beneficia mais que a outra, considera-se que esta possui mais poder sobre a outra.