
Recepción: 14 Junio 2020
Aprobación: 02 Septiembre 2020
Resumo: Esse estudo utilizou um jogo de cartas para avaliar o efeito da frequência de checagem sobre a acurácia dos relatos dos valores das cartas. Participaram do estudo seis universitários que jogaram quatro partidas em dois dias de aplicação. Vencia o jogo aquele que, ao final das partidas, tivesse menos cartas. No jogo, dividido em rodadas, os participantes relatavam de modo acurado ou distorcido os valores de suas cartas, sendo que relatos distorcidos aumentavam as chances de vitória. Os relatos eram checados intermitentemente e, quando distorcidos, eram punidos com a compra de cartas, reduzindo chances de vencer o jogo. As probabilidades de checagem foram manipuladas em duas condições experimentais: uma com probabilidade de checagem de 0,5, nas quais os relatos eram checados quando um dado caía em números pares; e outra de 0,17, na qual as checagens ocorriam quanto o dado caía no seis. Foram observados mais relatos distorcidos na probabilidade 0,17, o que serviu de evidência para o efeito da probabilidade de checagem sobre a correspondência verbal. Os valores das cartas compradas e o relato do oponente também afetaram a correspondência verbal, o que sugere que relatos distorcidos tendem a ocorrer quando os acurados têm baixa probabilidade de reforçamento.
Palavras-chave: comportamento verbal, correspondência verbal, frequência de checagem, jogo de cartas, adultos.
Abstract: Verbal correspondence comprises the relationship between doing and saying from the same individual, having been extensively investigated in Experimental Analysis of Behavior. Verbal correspondence of reports about other stimuli besides than own speaker’s behavior also has implications for the relationship between speakers and listeners and, in the last decade, has been investigated with the use of a card game. The present study, taking advantage of new methodological refinements, applied the card game to investigate the effect of the probability of checking announced via instructions on the accuracy of the reports of the card values. Six college students participated in the study, who played four matches in two days of application. In the game, divided into rounds, the participants reported in an accurate or distorted way the values of their cards. The player who reported the highest value won the rounds when there was no check, and discarded the card drawn in the round. Distorted reports increased the chances of victory, since the one who, at the end of the 30 rounds, had the least number of cards in his pile of cards received at the beginning of the match would win the game. The reports were checked intermittently and, when distorted, were punished with the purchase of two cards, reducing the chances of winning the game. The check probabilities were manipulated in two experimental conditions: one with a check probability of 0.5, in which the reports were checked when a six-sided dice played in each round fell in even numbers; and the other 0.17, in which the checks occurred when the dice fell on six. One confederate, posing as a participant, played in the same way against all participants to increase experimental control. Piles of previously assembled cards were also used to balance the probability of winning with accurate reports. As expected, more distorted reports were observed at probability 0.17 compared to the probability of checking 0.5 for five of the six participants. These results served as evidence for the effect of the probability of checking on verbal correspondence. The values of the cards purchased in relation to the opponent’s previous report also affected verbal correspondence, so that distorted reports were rare when the participant bought higher value cards or higher than those reported by the confederate. These data served as evidence for the effect of the probability of victory with accurate reports, that is, the greater the chance of victory when reporting accurately, the greater the verbal correspondence.
Keywords: verbal behavior, verbal correspondence, check frequency, card game, adults.
A correspondência verbal investiga a relação entre comportamentos de um indivíduo e os relatos desse indivíduo acerca de tais comportamentos (Beckert, 2005; Catania, 1998/1999;Lloyd, 2002; Medeiros & Córdova, 2016). Como defendem de Rose (2001), Pergher (2002), Beckert (2005), Medeiros (2013a; 2013b), e Medeiros e Medeiros (2018), a acurácia de relatos acerca do próprio comportamento é fundamental para as relações humanas, especialmente, para os diversos campos de atuação do psicólogo, pois os ouvintes nem sempre acessam os comportamentos em si, e sim, apenas os relatos acerca deles. Toda essa linha de investigação parte do pressuposto de que relatar é comportar-se verbalmente, mais especificamente tatear e, como qualquer comportamento, está sob efeito de variáveis ambientais.
As pesquisas em correspondência verbal (c.f., Brino & de Rose, 2006; Cortez, de Rose, & Miguel, 2014; Cortez, Miguel, & de Rose, 2019; Critchfield & Perone, 1990; 1993; Paniagua & Baer, 1982; Ribeiro, 1989) têm como objetivo investigar as variáveis que afetam a acurácia de relatos verbais sobre o próprio comportamento. Ribeiro (1989) investigou a correspondência verbal de autorrelatos de oito crianças acerca do comportamento de brincar. Estiveram em uma sala onde poderiam brincar com até três brinquedos de um conjunto de seis. Após, eram conduzidas a outra sala e relatavam com quais brinquedos haviam brincado. Os relatos das crianças eram individuais ou em grupo, os quais produziam fichas de acordo com as contingências de cada condição experimental. Na linha de base, em que quaisquer relatos das crianças eram consequenciados com fichas, todas as crianças apresentaram um alto nível de correspondência verbal. Na condição em que o relato de brincar era consequenciado com fichas no contexto individual, duas crianças passaram a relatar inacuradamente terem brincado com todos os brinquedos. Quando a mesma contingência foi aplicada no contexto de grupo, mais três crianças apresentaram queda na correspondência. Quando foi aplicado o reforço de correspondência, as crianças voltaram relatar acuradamente, o que se manteve em uma nova condição de reforçamento não contingente a relatos. Ribeiro (1989) discutiu seus resultados como evidência dos efeitos das consequências programadas aos relatos verbais sobre a sua acurácia, assim como, dos efeitos de aprendizagem por modelos e por regras.
O estudo de Gomes, Kawakami, Pereira e Fidalgo (2018) obteve resultados similares aos de Ribeiro (1989) ao replicar esse estudo, comparando o efeito de reforçamento e punição aos relatos. Já os estudos de Dias (2008) e Ferreira, Neves, Simonassi, Andrade e Dias (2014), que também replicaram o estudo de Ribeiro com a alteração da tarefa para ingerir alimentos em vez de brincar, obtiveram alta frequência de relatos acurados ao longo de todas as condições. Ferreira (2009) obteve resultados similares aos de Dias (2008) e Ferreira et al. (2014), sendo que as crianças, em seu estudo, relatavam quantas operações matemáticas haviam resolvido no papel. As diferenças entre os resultados de Ferreira (2009), Dias (2008) e Ferreira et al. (2014) e os de Gomes et al. (2018) e Ribeiro (1989) apontam para a possibilidade de um efeito do tipo de comportamento relatado sobre a correspondência verbal. Esse efeito pode ter relação com a probabilidade de checagem dos relatos, uma vez que a ingestão de alimentos e resolução no papel de operações matemáticas deixam um registro que pode ser checado, enquanto brincar com alguns brinquedos, não. A possibilidade de checagem nesses estudos pode ter afetado positivamente a correspondência verbal.
Em Brino e de Rose (2006) e Donaris (2020), estudos nos quais foi investigada a correspondência verbal no autorrelato de desempenho em uma tarefa de leitura, a presença do experimentador durante a tarefa experimental foi manipulada. Em ambos estudos, quando o experimentador estava presente, as crianças relatavam acuradamente seus erros na tarefa de leitura, o que não era observado em sua ausência. Esses resultados também podem ser interpretados a partir da probabilidade de checagem dos relatos. Ao executarem as tarefas de leitura e de relato sozinhas com o computador, a probabilidade de checagem era igual a zero. Porém, a presença do experimentador pode ter sinalizado uma probabilidade de checagem igual a 1, na medida em que o experimentador poderia observar o fazer e o dizer dos participantes. Ainda que nas condições de linha de base, nesses estudos, os relatos não tenham sido consequenciados diferencialmente, esse tipo de reforçamento diferencial provavelmente esteve presente na história desses participantes (Brino & de Rose, 2006). Cortez et al. (2019), usou uma tarefa similar, manipulando o efeito da audiência sobre a acurácia dos relatos de erros. Eles observaram que os relatos de erros para o experimentador (i.e., possível audiência negativa) foram mais acurados que os relatos para o computador (i.e., uma audiência neutra).
Independentemente do tipo de comportamento a ser relatado (e.g., brincar, comer, ler em voz alta etc.), os estudos sobre correspondência verbal têm investigado fatores que afetam a acurácia de relatos verbais acerca do próprio comportamento do participante (e.g., Cortez et al., 2014; Cortez et al., 2019; Critchfield & Perone, 1990; 1993;Gomes et al., 2018; Paniagua & Baer, 1982; Ribeiro,1989). Por outro lado, para Lloyd (2002) e Medeiros e Medeiros (2018), a correspondência verbal não se restringe à relação entre o comportamento verbal e outro comportamento, como também pode compreender a correspondência de relatos acerca de quaisquer estímulos. Com base nessa possibilidade, um conjunto de estudos vêm sendo realizado investigando a correspondência verbal de relatos acerca de valores de cartas em um jogo de baralho (Antunes & Medeiros, 2016; 2020; Brito & Medeiros, 2020; Brito, Medeiros, Medeiros, Antunes, & Souza 2014; Medeiros, Oliveira, & Silva, 2013).
O estudo de Brito et al. (2014) aplicou o jogo de cartas para investigar o controle da magnitude da punição sobre a frequência de relatos distorcidos. O experimento contou com a participação de 12 universitários disputando um jogo em duplas de oponentes. Cada jogador recebia uma pilha de cartas e, para vencer, era necessário se desfazer das cartas de sua pilha antes de seu oponente. O jogo era dividido em rodadas e, a cada rodada, os jogadores compravam duas cartas de suas pilhas. Em seguida, os participantes relatavam oralmente o valor da soma de suas cartas de forma sequencial e alternada entre as rodadas. Após os relatos dos jogadores, era jogado um dado que, quando caía em 1 ou 3 (0,33 de probabilidade de checagem), determinava a checagem, ou seja, os participantes tinham que mostrar suas cartas. Quando não havia checagem, vencia aquele que tivesse relatado o maior valor, podendo assim descartar as cartas de sua mão. As consequências para os relatos distorcidos quando havia checagem foram manipuladas nas condições de magnitude baixa (MB) e alta (MA). Em MB, relatos distorcidos resultavam na perda da rodada, permanecendo o participante com suas duas cartas. Em MA, relatos distorcidos resultavam na compra das cartas já descartas (lixo).
Brito et al. (2014) observaram que em MB houve maior frequência de distorção dos relatos dos participantes que em MA. Dessa forma, foi possível sugerir a possibilidade de controle da correspondência do relato verbal como função de variáveis ambientais, como a magnitude da punição para relatos distorcidos, por exemplo. Também foi observado que relatos distorcidos foram mais frequentes quando os participantes compravam cartas mais baixas, principalmente quando eram os primeiros a relatar na rodada.
O estudo de Souza, Guimarães, Antunes e Medeiros (2014) utilizou o mesmo jogo de cartas de Brito et al. (2014) para investigar o efeito de perguntas abertas (PA) ou fechadas (PF), sobre a correspondência verbal em adultos e crianças. Em PA, os relatos das cartas eram solicitados por meio de perguntas abertas e, em PF, por meio de perguntas fechadas. Os participantes jogaram duas partidas em PF e duas em PA. As checagens ocorriam quando o dado caía em seis (0,17 de probabilidade de checagem). As crianças apresentaram menores porcentagens de relatos distorcidos quando comparadas aos adultos e também ocorreu uma maior frequência de relatos distorcidos em PF, principalmente quando levava-se em consideração apenas o segundo a relatar. Novamente, foi observada uma relação inversamente proporcional entre os valores das cartas compradas e a correspondência verbal. O estudo de Medeiros e Demoly (2019) replicou os resultados de Souza et al. (2014), conseguindo eliminar a interferência da vez de relatar nos resultados ao usar relatos escritos simultâneos.
O estudo de Antunes e Medeiros (2016) também utilizou relatos escritos simultâneos para investigar diretamente o efeito das cartas compradas sobre a correspondência verbal de crianças no jogo de cartas. Os participantes desse estudo jogaram partidas nas quais recebiam a mesma quantidade de cartas de cada valor (Linhas de Base); nas quais recebiam mais cartas de baixo valor (Probabilidade Baixa – PB); e nas quais recebiam mais cartas de alto valor (Probabilidade Alta– PA). A probabilidade de checagem e a magnitude da punição para relatos distorcidos foi a mesma de Medeiros e Demoly (2019). Foram observadas mais distorções em PB e o modo como os oponentes jogavam afetou a acurácia dos relatos, como observado em Antunes e Medeiros (2020), Brito et al. (2014) e Souza et al. (2014).
Os resultados do estudo de Medeiros et al. (2013) também foram afetados pelo modo como os oponentes jogam. Nesse estudo, foi investigado, em dois experimentos, o efeito da probabilidade de checagem sobre a precisão do relato dos participantes adultos. No Experimento 1, os 12 participantes jogaram uma partida em probabilidade de checagem 0,5 e outra em 0,17. Os resultados apontaram uma baixa frequência de distorção de relatos nas duas condições experimentais, sendo a frequência de distorções maior na condição de 0,17 do que em 0,5, e quando o participante era o segundo a relatar na rodada. Para verificar quais cartas haviam sido compradas, um experimentador auxiliar permaneceu atrás de cada participante em todas as partidas. O mesmo recurso foi usado em Souza et al. (2014). Em ambos estudos, especulou-se que a presença dos experimentadores auxiliares pode ter funcionado com audiência negativa para relatos distorcidos (cf. Brino & de Rose, 2006; Donaris, 2020; Cortez et al., 2019; Skinner, 1957), o que explicaria a baixa frequência geral de relatos distorcidos.
Já no Experimento 2 de Medeiros et al. (2013), a comparação entre as probabilidades de checagem se deu por meio de um delineamento de grupos, os quais foram submetidos a duas partidas de uma única probabilidade de checagem. Foram aplicadas as probabilidades 0,17, 0,33 e 0,5. Cada grupo era composto de seis participantes. Com o uso de equipamentos de registro audiovisual, não foram necessários experimentadores auxiliares para registrarem as cartas compradas. Foi encontrada a maior frequência média de distorções de relatos na condição experimental de 0,33, quando comparada com as outras condições, ainda que a menor média de distorções tenha ocorrido em 0,5. Uma dupla de oponentes do grupo 0,33 distorceu em praticamente todas as rodadas, produzindo a maior média de distorções nesse grupo. Esse resultado serviu de evidência da interferência do modo como o oponente joga sobre a correspondência verbal.
A frequência com a qual relatos são checados pode ter uma grande relevância para compreender as ocorrências de relatos não correspondentes no contexto natural (Medeiros, 2013a; 2013b; Medeiros & Medeiros, 2018). Psicólogos clínicos, médicos e professores, por exemplo, tentam controlar os comportamentos de clientes, pacientes e alunos, respectivamente, aos quais raramente têm acesso direto aos seus comportamentos. Nessas situações, a frequência de checagem se aproxima de zero. O estudo de Medeiros et al. (2013) foi importante, portanto, ao demonstrar empiricamente que, quanto menor a frequência com a qual é checada a correspondência dos relatos aos eventos relatados, menor a sua acurácia. Porém, esse foi o primeiro estudo a empregar o jogo de cartas como tarefa experimental, assim, padeceu de limitações metodológicas que podem ter comprometido a fidedignidade dos resultados. Ainda que parte dos resultados de outros estudos na área possam ser interpretados com base na probabilidade de checagem (Brino & de Rose, 2006; Donaris, 2020; Dias, 2008, Ferreira, 2009; Ferreira et al., 2014; Gomes et al., 2018; Ribeiro, 1989), essa variável não foi diretamente manipulada por tais estudos, como ocorreu em Medeiros et al. (2013). As pesquisas de Gomes et al. (2018) e Ribeiro (1989), por exemplo, utilizaram condições em que os relatos não eram checados (i.e., reforço do relato de brincar) e condições nas quais eram checados todas as vezes (i.e., reforço de correspondência). Todavia, em contextos naturais, o mais comum é a conferência intermitente dos relatos, como reproduzida no experimento de Medeiros et al. (2013).
Refinamentos metodológicos foram desenvolvidos em estudos posteriores, os quais possibilitaram um maior controle de variáveis. Medeiros e Demoly (2019) utilizaram um confederado como falso participante para padronizar o modo como o oponente joga, eliminando o efeito dessa variável não controlada. Assim como em Antunes e Medeiros (2016, 2020), Medeiros e Demoly (2019) utilizaram pilhas de cartas montadas previamente de acordo com os protocolos de registros, prescindindo do experimentador auxiliar. Esses três estudos também tornaram fixa a magnitude da punição para relatos distorcidos quando havia checagem. Nos estudos em que a punição era a compra de todo o lixo, a quantidade de cartas no lixo poderia afetar a correspondência, uma vez que quanto mais cartas no lixo, maior a magnitude de punição para relatos distorcidos.
Em Antunes e Medeiros (2016,2020) e Medeiros e Demoly (2019), a quantidade de rodadas por partida era fixa, diferindo dos estudos de Medeiros et al. (2013), Brito et al. (2014) e Souza et al. (2014), nos quais as partidas eram encerradas quando um dos oponentes descartava todas as suas cartas. Nesse sentido, participantes tiveram níveis de exposições às contingências diferentes, o que pode ter produzido maior variabilidade nos resultados. Por fim, os relatos orais e sequenciais tornavam as contingências diferentes para o primeiro ou o segundo jogador a relatar em termos de controle de estímulos, exigindo análises em separado. Lettieri (2017) e Brito e Medeiros (2020) realizaram o jogo em situação computadorizada de modo que o participante jogava contra o computador e era sempre o segundo a relatar.
O presente estudo, portanto, replicou o Experimento 1 de Medeiros et al. (2013), investigando o efeito probabilidade de checagem sobre a acurácia de relatos no jogo de cartas. Os participantes adultos jogaram partidas nas probabilidades anunciadas de checagem 0,5 e 0,17 em um delineamento intragrupos. Foram empregadas as seguintes alterações metodológicas com o objetivo de aumentar o controle experimental: a participação de um confederado; o uso de pilhas de cartas previamente definidas; o participante era sempre o segundo a relatar; as partidas tinham sempre a mesma duração em número de rodadas; e os relatos distorcidos checados produziam consequências de magnitude fixa. A probabilidade de checagem, ao se analisar os estudos da área, se configura em uma variável relevante no controle da correspondência verbal, o que justifica uma investigação cuidadosa dos efeitos dessa variável quando diretamente manipulada.
MÉTODO
Participantes
O experimento foi realizado com seis estudantes de uma Instituição de Ensino Superior de Brasília, sendo um homem e cinco mulheres, com a faixa etária entre 21 e 25 anos. Todos os participantes eram ingênuos quanto aos procedimentos do estudo e aceitaram participar voluntariamente assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE.
Local
O presente estudo foi realizado em uma sala de aula de um centro universitário de Brasília. Foram utilizadas uma mesa de professor e três cadeiras. A iluminação da sala foi feita por lâmpadas fluorescentes. A temperatura foi controlada por meio de um aparelho de ar condicionado. A sala de aula foi reservada exclusivamente para as sessões experimentais, permanecendo livre de interrupções.
Materiais
Para a realização do experimento, foram utilizados protocolos de registro, três instruções impressas do jogo, um dado de seis faces e as cartas de dois baralhos comuns, com a retirada das figuras (i.e., dama, valete e rei), dos ases e dos coringas.
Procedimento
O experimento era iniciado após a assinatura do TCLE. Em seguida, os participantes eram submetidos a uma partida de pré-treino com cinco rodadas para que os participantes pudessem ter contato com o funcionamento do jogo.
O Jogo. O jogo era disputado sempre por duas pessoas: um participante e a confederada, sentados um de frente para o outro, jogando como oponentes. A confederada era uma experimentadora auxiliar previamente treinada, que participou do experimento como uma participante real. A confederada jogou todas as partidas contra todos os participantes.
Cada jogador recebia uma pilha com 30 cartas com as faces viradas para baixo e o jogo era finalizado ao final de 30 rodadas. O jogador que tivesse menos cartas em sua pilha ao final das 30 rodadas, vencia o jogo. A cada rodada, cada jogador tirava uma carta de sua pilha, via seu valor, e não mostrava para ninguém o seu conteúdo. Cada um relatava, então, um valor de “2” a “10”; podendo ou não corresponder ao valor da carta em si. Sempre a confederada começava relatando e, em seguida, o participante emitia seu relato. Cada carta valia o seu próprio número, indo do “2” ao “10” de todos os naipes.
Após os dois jogadores relatarem sobre suas cartas, a experimentadora lançava o dado. Se o dado não caísse em uma das faces que determinasse checagem das cartas (i.e., mostrar o conteúdo da carta), o jogador que tivesse relatado o maior valor vencia a rodada e colocava a sua carta no lixo com a face virada para baixo. O outro jogador permanecia com sua carta, colocando-a com a face voltada para baixo embaixo de sua pilha de cartas; também sem mostrá-la. Caso os jogadores relatassem o mesmo valor, ambos devolviam as suas cartas para o final de suas respetivas pilhas com as faces voltadas para baixo.
Se houvesse checagem, os jogadores teriam que mostrar as suas cartas daquela rodada. Os valores do dado que determinavam a ocorrência ou não da checagem da rodada eram determinados pela condição experimental. Caso um jogador tivesse relatado um valor maior que o da sua carta, ou seja, distorcesse o relato, perderia a rodada. O jogador, então, comprava duas cartas de um terceiro monte de cartas, denominado “monte do castigo”, comum aos dois jogadores, e colocava essas duas cartas junto com a carta da sua mão embaixo de sua pilha com as faces viradas para baixo. Caso os dois jogadores distorcessem seus relatos, cada jogador pegava uma carta do “monte do castigo” e a colocava ao final de sua própria pilha juntamente com a própria carta. Caso não houvesse distorção do relato do valor da carta de nenhum dos jogadores, aquele que tivesse o maior valor descartava a carta de sua mão no lixo e o jogador que havia relatado o menor valor colocava a própria carta no final de sua pilha.
Condições experimentais. A coleta de dados foi realizada em dois dias de aplicação, sendo jogadas duas partidas a cada dia, totalizando as quatro partidas do experimento. Os participantes jogaram duas partidas com probabilidade de checagem de 0,5, e duas partidas com probabilidade de checagem de 0,17. Na probabilidade de checagem 0,5, todas as vezes que o dado caísse em números pares, os jogadores teriam que mostrar suas cartas. Já na probabilidade de checagem 0,17, toda vez que o dado caísse no número seis, haveria checagem dos relatos dos jogadores.
Balanceamento de ordem. Foram definidas duas ordens de exposição às condições experimentais por dia de aplicação, sendo a primeira ordem (0,5 – 0,17) e a segunda ordem (0,17 – 0,5). No primeiro dia, metade dos participantes jogou primeiro uma partida com probabilidade de checagem 0,5 e depois uma outra partida com probabilidade 0,17. No segundo dia, esses mesmos participantes jogaram, inicialmente, uma partida com probabilidade de checagem de 0,17 e, em seguida, outra partida com a probabilidade de 0,5. A outra metade de jogadores jogou as quatro partidas com as probabilidades invertidas.
Instruções aos jogadores. Antes do início de cada partida, foram entregues para cada jogador as instruções impressas do jogo para aquela probabilidade de checagem. As instruções foram lidas em conjunto com os participantes antes do início das partidas. Após o relato dos participantes de não terem mais dúvidas, as instruções impressas eram recolhidas pela experimentadora. As instruções para a probabilidade de checagem 0,17 foram:
O jogo que você está prestes a jogar consiste em um jogo de cartas. O objetivo do jogo é tentar eliminar todas as cartas da sua pilha para a pilha do lixo. Aquele que, ao final das 30 rodadas, tiver o menor número de cartas em suas mãos vence a partida. Para início do jogo, cada um deve tirar a carta de cima da sua pilha de forma que fique visível para você, mas de forma oculta do seu oponente, que está à sua frente. A pessoa à esquerda da pesquisadora iniciará a rodada dizendo o valor de sua carta. Sua pilha possui cartas de 2 a 10, sendo que as cartas valem seus respectivos valores. Em seguida, é a vez do outro participante de fazer o mesmo. Após ambos terem dito seu respectivo valor, a experimentadora deve jogar o dado. Se o dado cair em 1, 2, 3, 4 ou 5, o jogador que tiver dito o maior número vence a rodada e não precisa mostrar sua carta, o que lhe permite descartar sua carta na pilha do lixo. O jogador que perdeu a rodada deve colocar sua carta ao final de sua pilha. No caso de empate, ambos colocam sua carta o final da pilha. Se, por outro lado, o dado cair em 6, e um dos participantes tiver dito valor diferente da sua carta, este perde a rodada e deve comprar duas cartas do monte do castigo e colocá-las embaixo de sua pilha. O que ganhou, descarta sua carta na pilha do lixo. Caso os dois digam valores diferentes dos de suas cartas, cada um deverá pegar uma carta do monte do castigo e colocá-la ao final de sua própria pilha. Alguma dúvida? Podemos iniciar então?
As instruções nas partidas de probabilidade de checagem 0,5 foram as mesmas das partidas de probabilidade de checagem 0,17, porém com a mudança em algumas frases, sendo estas: “se o dado cair em 1, 3 ou 5, o jogador que tiver dito o maior número vence a rodada e não precisa mostrar suas cartas, o que lhe permite descartar sua carta na pilha do lixo”, e “Se, por outro lado, o dado cair em 2, 4 ou 6, e um dos participantes tiver dito valor diferente da sua carta, este perde a rodada e deve comprar duas cartas do monte do castigo e colocá-las embaixo de sua pilha”.
Após o participante e a confederada lerem as instruções e confirmarem que não tinham dúvida quanto a maneira de se jogar, o jogo iniciava conforme apresentado nas regras do jogo. É importante ressaltar que não foi sinalizado aos participantes sobre as partidas jogadas em diferentes probabilidades de checagem. Apenas era informado, nas instruções específicas de cada partida, quando as cartas deveriam ser reveladas.
Pilhas de cartas. Para conseguir verificar a correspondência ou não de relatos dos participantes, o baralho de cada jogador precisou ser manipulado e descrito no protocolo de registro, para que a pesquisadora pudesse ter acesso a qual carta cada jogador compraria em cada rodada. Durante a realização do jogo, a experimentadora tinha acesso ao protocolo de registro e o alimentava, escrevendo o relato de cada jogador a cada rodada.
O protocolo de registro foi elaborado após a formação da pilha de cartas de cada jogador. As cartas foram divididas em três grupos, e cada grupo continha dez cartas. O primeiro grupo foi formado por cartas com numeração de dois a quatro, o segundo foi por cartas de cinco a sete, e o terceiro grupo com cartas de oito a dez.
De acordo com essa divisão em grupos de cartas, foram definidas as rodadas em que a confederada iria apresentar relato distorcido. No grupo com cartas de dois a quatro, a confederada distorceu o relato todas as vezes em que essas cartas eram compradas; nas cartas de cinco a sete, a confederada distorceu em três rodadas; a confederada não distorceu nas cartas de oito a 10. As cartas que a confederada deveria distorcer eram marcadas com um pequeno sinal feito a lápis. A confederada relatava 10 sempre que distorcia os seus relatos.
RESULTADOS
Com base na Figura 1, que mostra a frequência de relatos distorcidos para todos os participantes em função da frequência de checagem, é possível observar que cinco dos seis participantes apresentaram mais relatos distorcidos em 0,17. P6 foi o único participante que apresentou mais distorções em 0,5, porém, com apenas um relato distorcido de diferença. P5 foi o participante que apresentou a maior diferença entre as condições, com 19 distorções de diferença em favor da condição 0,17. Para P1, P2, P3 e P4, as diferenças variaram entre quatro e sete distorções em favor da condição 0,17. P2 e P5 foram os participantes que apresentaram maiores frequências de distorções, ambas em 0,17, sendo 44 e 40 respectivamente.

Na Figura 2, é apresentada a frequência de relatos distorcidos para cada participante nos três grupos de cartas nas duas probabilidades de checagem no segundo dia de jogo. Para a maioria dos participantes, foi possível observar que as maiores frequências de distorções aconteceram nas menores faixas de pontos. Na maior faixa de pontos, os participantes praticamente não apresentaram relatos distorcidos, como é o exemplo do participante P4, que não apresentou relato distorcido do valor de sua carta nessa faixa de pontos. Os participantes P2 e P6 foram os que apresentaram as maiores frequências de relatos distorcidos em praticamente todas as faixas de pontos quando comparados aos outros participantes.

Também é possível observar, com base na Figura 2, que as diferenças nas frequências de distorções do Grupo 5-7 foram maiores para o Grupo 8-10 do que as diferenças do grupo 2-4 para o Grupo 5-7. Inclusive, para os participantes P5 e P2, as maiores frequências de distorções ocorreram no Grupo 5-7.
Na Figura 3, são apresentadas as porcentagens de relatos correspondentes para cada participante de acordo com o relato da confederada nas duas probabilidades de checagem nos dois dias de jogo. Praticamente só houve queda na correspondência quando a confederada relatava um valor superior ao da carta comprada pelo participante. Apenas P2, P3 e P4 apresentaram relatos distorcidos quando compraram cartas maiores que as relatadas pela confederada, o que ocorreu três vezes com P2 e apenas uma vez com P3 e P4. Não é possível perceber diferenças em função da probabilidade de checagem quanto às porcentagens de distorções quando a confederada relatava um valor inferior ao da carta comprada pelo participante. Quando a confederada relatava um valor maior que a carta comprada pelos participantes, as porcentagens de relatos acurados foram menores em 0,17. Inclusive, as diferenças entre as porcentagens de relatos correspondentes foram maiores nessa análise do que as diferenças entre fre- quências de distorções, levando-se em consideração todas as rodadas mostradas na Figura 1. P6, de acordo com a Figura 1, apresentou mais distorções em 0,17 do que em 0,5. Pela análise da Figura 3, todavia, as suas maiores porcentagens de distorções ocorreram em 0,17, assim como com os demais participantes.

DISCUSSÃO
O presente estudo investigou se a manipulação da probabilidade de checagem teria influência sobre a correspondência verbal de relatos de participantes adultos em um jogo de cartas. Os resultados apresentados neste estudo corroboraram os encontrados no Experimento 1 de Medeiros et al. (2013), em que os participantes apresentaram maiores porcentagens de distorções nas partidas com probabilidades de checagem mais baixas. Em outras palavras, com base em Medeiros et al. (2013) e no presente estudo, quanto menos se confere a fidedignidade de relatos, menor será a correspondência verbal em contextos nos quais relatos distorcidos têm maior probabilidade de reforçamento em comparação aos relatos acurados.
O presente estudo, assim como os demais que utilizaram o mesmo jogo de cartas (Brito & Medeiros, 2020; Brito et al., 2014; Medeiros & Demoly, 2019; Lettieri, 2017; Medeiros et al., 2013; Souza et al., 2014), verificou menos relatos distorcidos diante da maior probabilidade de reforçamento de relatos acurados quando os participantes compravam cartas mais altas. O efeito da probabilidade de reforçamento para relatos acurados foi demonstrado nos estudos de Antunes e Medeiros (2016, 2020), que manipularam diretamente a probabilidade de reforçamento para relatos acurados. É importante ressaltar que, nesses estudos, a probabilidade de reforçamento para relatos acurados não é o mesmo que um treino de correspondência, como o realizado nos demais estudos de correspondência que empregaram outras tarefas experimentais (Cortez et al., 2014; Cortez et al., 2019; Ferreira et al., 2014; Gomes et al. 2018; Ribeiro, 1989).
Nos treinos de correspondência, apenas relatos correspondentes são reforçados (Beckert, 2005). Nas rodadas em que o participante compra cartas mais altas, ou quando o relato do primeiro jogador a relatar é inferior à carta comprada, o relato do valor da carta de modo correspondente será reforçado com a vitória da rodada. Nessas situações, ao contrário dos treinos de correspondência, todavia, relatos não correspondentes também podem ser reforçados, desde que maiores que o relato do oponente e desde que não haja checagem. Nesse sentido, as contingências para quando o participante comprar cartas altas ou maiores que o relato de seu oponente se assemelham à linha de base dos estudos de Ribeiro (1989), Gomes et al. (2018) e Ferreira et al. (2014). Com a ressalva de que, no jogo de cartas, relatos distorcidos são intermitentemente punidos, diferentemente das linhas de base desses estudos.
Praticamente não houve distorções quando a confederada, a qual relatava sempre primeiro, dizia valores inferiores aos comprados pelo participante. Dados parecidos foram obtidos por Medeiros (2012) e Lettieri (2017). Porém, nesses estudos, ainda foi observada uma maior incidência de relatos distorcidos nessa situação do que no presente experimento. Uma possibilidade de explicação para essa diferença é o fato de que, nos estudos de Medeiros (2012) e Lettieri (2017), o jogo foi computadorizado e o participante permanecia sozinho com o computador. No presente experimento, o participante sempre jogava na presença da experimentadora e de seu oponente, o que pode ter suprimido os relatos distorcidos em situações nas quais os relatos acurados já seriam reforçados com as vitórias nas rodadas. O monitoramento, conforme observado por Brino e de Rose (2006) e Donaris (2020), aumenta a correspondência verbal.
O fato de ocorrerem distorções em situações nas quais relatos acurados já atenderiam às contingências programadas (i.e., vencer as rodadas) sem o risco de punição que os relatos distorcidos produziriam ainda precisa ser explicada. Medeiros (2012) sugere que tais distorções decorreram de erros de adição dos valores das cartas, já que os participantes compravam duas cartas e precisavam somá-las antes de relatar. Porém, isso não se aplica ao presente estudo e ao de Lettieri (2017), uma vez que apenas uma carta era comprada por vez. É provável que aspectos irrelevantes da situação experimental possam ter assumido controle sobre os relatos dos participantes nessas situações. Esse tipo de controle não planejado foi reportado em diversos estudos (cf. Medeiros, Ribeiro, & Galvão, 2003). Como em Medeiros et al. (2003), questionários pós-experimentais poderiam ser aplicados em novos estudos e talvez fornecessem informações às quais poderiam suscitar hipóteses de variáveis de controle passíveis de investigação empírica.
Os estudos com relatos simultâneos, como os de Antunes e Medeiros (2016, 2020) e Medeiros e Demoly (2019), excluem a influência do relato do oponente dentro da mesma rodada, uma vez que o relato de ambos é conhecido ao mesmo tempo. Obviamente, os relatos do oponente ao longo das rodadas interferem nos relatos de seu adversário, mas não dentro da mesma rodada. Nos estudos que usam relatos simultâneos, o valor relatado pelo oponente na rodada não exerce controle sobre o comportamento dos participantes, de modo que a correspondência é afetada primordialmente pela carta comprada, favorecendo controle pelas variáveis independentes dos experimentos. O presente trabalho poderia ser replicado com o uso de relatos simultâneos, excluindo o efeito relato do oponente dentro da mesma rodada.
O uso do dado real também é um fator quem tem sido controlado em outros estudos (Antunes & Medeiros, 2020; Brito & Medeiros, 2020; Medeiros & Demoly, 2019), os quais utilizaram dados virtuais. Nesses estudos, eram programadas previamente as rodadas em que haveria checagem, sendo distribuídas igualmente entre os participantes e balanceadas quanto a terem cartas maiores ou menores que o seu oponente. Nesse estudo, assim como em Medeiros et al. (2013), Brito et al. (2014), Souza et al. (2014) e Antunes e Medeiros (2016), não houve esse controle, sendo utilizado um dado comum de seis faces. Com as checagens ao acaso pelo dado real, não necessariamente as probabilidades de checagem foram 0,5 e 0,17 para todos os participantes. Além disso, participantes diferentes passaram por frequências de punições diferentes ou punições em momentos diferentes. Esse aspecto não controlado, por mais que tenha a vantagem de fornecer uma situação mais próxima de um jogo real, pode ser responsável pela variabilidade observada nesses estudos. Novos estudos investigando a probabilidade de checagem poderiam utilizar recursos que garantissem que a probabilidade programada realmente acontecesse e que fosse distribuída de forma homogênea entre os participantes. Com os dados reais, avalia-se, não o efeito da probabilidade de checagem em si, mas a probabilidade de checagem anunciada pelas instruções.
O presente trabalho representou um avanço em relação ao estudo de Medeiros et al. (2013) ao aplicar mais partidas para cada condição. Obviamente, quanto mais rodadas forem jogadas, maiores as chances das probabilidades de checagem anunciadas se aproximem das probabilidades reais. No Experimento 1 de Medeiros et al. (2013), faz mais sentido falar do controle pela probabilidade divulgada na instrução do que pela exposição às contingências do jogo, uma vez que os participantes jogaram apenas uma partida em cada probabilidade de checagem. A diferença dos resultados entre os participantes dos Experimento 1 de Medeiros et al. (2013) que iniciaram em 0,17 com os que iniciaram em 0,5 serve de evidência para a necessidade de mais partidas em cada probabilidade de checagem para atenuar o efeito da ordem de exposição às condições. Além disso, o fato de os participantes, no presente estudo, terem sido expostos às duas probabilidades de checagem nos dois dias de aplicação minimizou o efeito da ordem observado em Medeiros et al. (2013). Novos estudos também poderiam empregar mais valores de probabilidade de checagem, como 0, 0,33, 0,83 e 1,0, verificando-se qual o formato das curvas de porcentagem de distorções em função de diferentes probabilidades de checagem. Para tal, seria necessário aplicar critérios de estabilidade, como utilizados em Donaris (2020). Com dados em transição, seria improvável aferir do modo fidedigno as diferenças na correspondência verbal em função de probabilidades muito próximas entre si.
Mesmo que no presente trabalho os participantes tenham jogado duas partidas em cada probabilidade de checagem, ainda é difícil afirmar que as probabilidades em si tenham afetado do desempenho. Donaris (2020) inovou os estudos de correspondência ao utilizar critérios de estabilidade, sendo analisados apenas os dados estáveis. Critérios de estabilidade também poderiam ser empregados para avaliar o efeito da probabilidade de checagem a que os participantes foram expostos de modo mais fidedigno, assim como para avaliar o efeito da magnitude da punição investigado em Brito et al. (2014) e Brito e Medeiros (2020).
No presente estudo, com a inserção de uma confederada jogando contra todos os participantes, foi balanceada a influência da forma como outro jogador relataria ao longo das rodadas sobre os relatos dos participantes. Com essa alteração, foi possível observar melhor a influência da variável de interesse do estudo, que era a probabilidade de checagem. Os dados do presente estudo foram menos variados que os obtidos em Medeiros et al. (2013), Brito et al. (2014), Souza et al. (2014) e Antunes e Medeiros (2016), no qual observou-se que as frequências de distorções de participantes que jogaram um contra o outro foram muito próximas entre si. Ou seja, se um participante distorcia muito, o outro tendia a fazer o mesmo. Esse mesmo procedimento foi bem-sucedido nos estudos de Antunes e Medeiros (2020) e Medeiros e Demoly (2019), como forma de produzir resultados menos variados.
Esse estudo, assim como o de Medeiros et al. (2013), não usou reforçadores materiais, tais como fichas que poderiam ser trocadas por pequenos brinquedos, objetos de papelaria ou doces em uma loja experimental. A ausência de reforçadores materiais, assim como apontado por Medeiros et al. (2013), pode ser responsável pela variabilidade entre os resultados dos participantes, uma vez que vencer rodadas ou partidas pode não exercer a mesma função reforçadora sobre os relatos dos diferentes participantes. Antunes e Medeiros (2020), Brito e Medeiros (2020) e Medeiros (2012) utilizaram reforçadores materiais em seus estudos e, ainda assim, encontraram variabilidade quanto aos resultados de diferentes participantes. Por mais que o uso de reforçadores materiais seja uma alternativa útil para tornar o valor reforçador da tarefa mais homogêneo entre os diferentes participantes, as contingências presentes no jogo, em si, têm se mostrado eficazes em manter os comportamentos dos participantes sem a necessidade da adição de outros reforçadores.
Esse estudo, assim como o de Medeiros et al. (2013), conseguiu demonstrar o efeito da probabilidade de checagem sobre a correspondência verbal. Com a adição de diversos refinamentos metodológicos, os resultados de Medeiros et al. (2013) foram replicados, dando robustez à probabilidade de checagem como uma variável independente no controle da correspondência verbal. Ao se pensar em contextos naturais, são corriqueiros exemplos nos quais ouvintes raramente ou nunca não têm acesso aos estímulos relatados e, ainda assim, comportam-se sob controle desses relatos na condição de estímulos verbais, como no caso de entrevistas de emprego ou em psicoterapia. Sendo assim, conhecer o efeito da probabilidade de checagem sobre a acurácia de relatos verbais pode se constituir em um elemento muito importante para o sucesso de intervenções comportamentais.
REFERÊNCIAS
Antunes, R. A. B., & Medeiros, C. A. (2016). Correspondência verbal em um jogo de cartas com crianças. Acta Comportamentalia, 24(1), 15-28. Disponível em http://www.revistas.unam.mx/index.php/acom/article/view/54709
Antunes, R. A. B., & Medeiros (2020). Efeito da probabilidade de reforçamento de relatos acurados na correspondência verbal em um jogo de cartas. Comportamento em foco, v. 11. São Paulo: ABPMC.
Beckert, M. E. (2005). Correspondência verbal/não-verbal: Pesquisa básica e aplicações na clínica. In J. A. Rodrigues, & M. E. Ribeiro (Eds.). Análise do Comportamento: Pesquisa, teoria e aplicação (pp. 229-244). Porto Alegre: Artmed.
Brino, A. L. F., & de Rose, J. C. (2006). Correspondência entre auto-relatos e desempenhos acadêmicos antecedentes em crianças com história de fracasso escolar. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 2, 67-77. doi: 10.18542/rebac.v2i1.803
Brito, R. C. L., & Medeiros, C. A. (2020). Efeitos da perda de pontos na correspondência verbal num jogo de cartas. Comportamento em foco, v. 11. São Paulo: ABPMC.
Brito, R. L., Medeiros, C. A., Medeiros, F. H, Antunes, R. A. B., & Souza, L. G. (2014). Efeitos da magnitude da punição na correspondência verbal em situação lúdica. In N. B. Borges, L. F. G. Aureliano, & J. F. Leonardi (Eds.). Comportamento em foco, vol. 4 (pp. 173-188). São Paulo: ABPMC.
Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. (D. das G. de Souza, & cols., Trads.) 2ª. Ed. Porto Alegre: Artmed.
Cortez, M. D., de Rose, J. C., & Miguel, C. (2014). The role of correspondence training on children’s self-report accuracy across tasks. The Psychological Record, 64, 393-402. doi: 10.1007/s40732-014-0061-8
Cortez, M. D., Miguel, C. F., & de Rose, J. C. (2019). O Papel de diferentes audiências na acurácia do relato verbal de crianças. Acta Comportamentalia, 27(3), 389-405. Disponível em http://www.revistas.unam.mx/index.php/acom/ar- ticle/view/70630
Critchfield, T. S., & Perone, M. (1990). Verbal self-reports of delayed matching to sample by humans. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 53, 321–344. doi: 10.1901/jeab.1990.53-321
Critchfield, T. S., & Perone, M. (1993). Verbal self-reports about matching to sample: Effects of the number of elements in a compound sample stimulus. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 59, 193–214. doi: 10.1901/ jeab.1993.59-193.
de Rose, J. C. C. (2001). O relato verbal segundo a perspectiva da análise do comportamento: Contribuições conceituais e experimentais. In Banaco, R. A. (Ed.). Sobre comportamento e cognição: Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista, v. 1 (pp. 140-164). Santo André: ESETec.
Donaris, D. F. (2020). Efeitos do monitoramento sobre a correspondência fazerdizer em crianças em uma atividade acadêmica. (Dissertação de Mestrado não publicada) Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, São Carlos, SP.
Dias, J. S. (2008). Análise de correspondência de comer e relatar de crianças. (Dissertação de Mestrado), Universidade Católica de Goiás, Goiânia.
Ferreira, J. V. (2009). Correspondência fazer-dizer em crianças na resolução de operações matemáticas. (Monografia de Graduação), Centro Universitário de Brasília, Brasília, DF.
Ferreira, M., Neves, S. M. M., Simonassi, L. E., Andrade, M., & Dias, D. O. P. (2014). Análise comparativa da correspondência entre comer e relatar de crianças e adultos. Revista Fragmentos de Cultura-Revista Interdisciplinar de Ciências Humanas, 24, 61-72. doi: 10.18224/frag.v24i0.3565
Gomes, C. T., Kawakami, D. T., Pereira, M. E. M., & Fidalgo, A. P. (2018). Efeitos da apresentação e retirada de reforçadores sobre a correspondência verbal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34, e3425. doi: 10.1590/0102.3772e3425
Lettieri, D. (2017). Efeito do questionamento reflexivo sobre a emissão de autorregras e sobre a correspondência verbal em um jogo de cartas. (Dissertação de Mestrado não publicada) Centro Universitário de Brasília, Brasília – DF.
Lloyd, K. E. (2002). A review of correspondence training: Suggestions for a revival. The Behavior Analyst, 25, 57-73. doi: 10.1007/BF03392045
Medeiros, C. A. (2013a). Correspondência verbal na escola: Treinando o comportamento de mentir. In E. Tunes (Ed.). O fio tenso que une a psicologia à educação (pp. 75-98). Brasília: Centro Universitário de Brasília.
Medeiros, C. A. (2013b). Mentiras, indiretas, desculpas e racionalizações: Manipulações e imprecisões do comportamento verbal. In C. V. B. B. Pessoa, C. E. Costa, & M. F. Benvenuti (Eds.). Comportamento em foco, vol. 2 (pp. 157-170). São Paulo: ABPMC. Disponível em: http://abpmc.org.br/arquivos/ publicacoes/1405122562c78cfe5f87c.pdf
Medeiros, C. A., & Córdova, L. F. (2016). A função do mentir em crianças: O controle operante na correspondência verbal. In P. G. Soares, J. H. de Almeida, & C. R. X. Cançado (Eds.). (2016). Experimentos clássicos em Análise do Comportamento: Análise Experimental do Comportamento (pp. 222-238). Brasília: Instituto Walden4. Disponível em: https://www.walden4.com.br/li-vrosw4/pdf/iw4_experimentos_classicos_v1_2016.pdf
Medeiros, C. A., & Demoly, P. de M. (2020). Efeito de perguntas abertas e fechadas na correspondência verbal em um jogo de cartas. Revista Brasileira De Terapia Comportamental e Cognitiva, 21(4), 398-414. doi: 10.31505/rbtcc. v21i4.1367
Medeiros, C. A., & Medeiros, N. N. F. A. (2018). Correspondência verbal na Terapia Analítica Comportamental: Contribuições da pesquisa básica. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 20, 40-57. doi: 10.31505/ rbtcc.v20i1.1136
Medeiros, C.A., Oliveira, J. A., & Silva, C. O. (2013). Correspondência verbal em situação lúdica: Efeito da probabilidade de checagem. Revista Fragmentos de Cultura, 23, 563-578. doi: 10.18224/frag.v23i4.2987
Medeiros, C. A., Ribeiro, A. F., & Galvão, O. F. (2003). Efeito de instruções sobre a demonstração de equivalência entre posições. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 19(2), 175-171. doi:10.1590/S0102-37722003000200009
Medeiros, F. H. (2012). Contingências de reforçamento positivo e punição negativa na correspondência verbal. (Monografia não publicada) Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, Brasília, DF.
Paniagua, F., & Baer, D. (1982). The analysis of correspondence training as a chain reinforceable at any point. Child Development, 53, 786-798. doi: 10.2307/1129393
Pergher, N. K. (2002). É possível saber se o cliente está falando a verdade? In A. M. S. Teixeira, A. M. L. S. Machado, N. M. S. Castro, & S. D. Cirino (Eds.). Ciência do comportamento: Conhecer e avançar, vol. 2 (pp. 109-122). Santo André: ESETec – Editores Associados.
Ribeiro, A. F. (1989). Correspondence in children’s self-report: Tacting and manding aspects. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 51, 361–367. doi: 10.1901/jeab.1989.51-361
Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.
Souza, R. S., Guimarães, S. S., Antunes, R. A. B., & Medeiros, C. A. (2014). Cor- respondência verbal em um jogo de cartas: Perguntas abertas e fechadas. In N. B. Borges, L. F. G. Aureliano, & J. F. Leonardi (Eds.). Comportamento em foco, vol. 4 (pp. 189-204). São Paulo: ABPMC. Disponível em: http://abpmc. org.br/arquivos/publicacoes/141622281567a933aae65d.pdf