Sessões de FAP presencial e on-line: uma comparação da interação terapêutica

Vitória Baldissera de Souza
Universidade Federal do Paraná, Brasil
Jocelaine Martins da Silveira
Universidade Federal do Paraná, Brasil

Sessões de FAP presencial e on-line: uma comparação da interação terapêutica

Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 29, núm. 2, pp. 139-158, 2021

Universidad Veracruzana

Recepción: 21 Junio 2020

Aprobación: 11 Noviembre 2020

Resumo: A psicoterapia on-line tem se tornado cada vez mais comum, graças aos avanços tecnológicos e do maior acesso à internet. O presente estudo objetivou comparar a frequência de categorias da interação terapeuta/cliente entre sessões presenciais e sessões on-line, em um tratamento com a Psicoterapia Analítica Funcional (Functional Analytical Psychotherapy - FAP). Duas participantes foram selecionadas e foi utilizado o delineamento experimental de sujeito único de multitratamento A-B-BC-B’-BC’ (linha de base, FAP presencial e FAP on-line, com repetição das duas últimas fases). Ambas as participantes foram atendidas pela mesma terapeuta durante quinze sessões. As medidas consistiram em categorização de interações terapeuta/cliente e nos escores de ansiedade social e de intensidade de sintomas de depressão antes e depois das quinze sessões. Os resultados indicaram que as participantes apresentaram mais comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) problemáticos e de melhora durante as sessões presenciais. A terapeuta evocou progressivamente menos (ERBs) ao longo dos processos das participantes, mas consequenciou mais nas sessões presenciais. Quanto aos escores de depressão e ansiedade social, houve melhora do Índice de Mudança Confiável apenas para uma das participantes. Discute-se a ocorrência de progresso clínico das participantes independentemente das condições, sugerindo que a inserção de sessões on-line não implica em prejuízos terapêuticos.

Palavras-chave: psicoterapia on-line, psicoterapia via internet, telepsicologia, telepsicoterapia, psicoterapia analítica funcional.

Abstract: Online psychotherapy has become increasingly common, thanks to technological advances and greater access to the internet. This study aimed to compare the frequency of categories of therapist /client interaction between face-to-face sessions and sessions online, in a treatment with Functional Analytical Psychotherapy (FAP). Two participants were selected and the A-B-BC-B’-BC ’multi-treatment single-subject experimental design (baseline, face-to-face FAP and online FAP, with repetition of the last two phases) was used. Both participants were seen by the same therapist for fifteen sessions. The measures consisted of categorizing therapist/ client interactions and the scores of social anxiety and intensity of depression symptoms before and after the fifteen sessions. The results indicated that the participants showed more clinically relevant behaviors (CRBs) that were problematic and improved during the face-to-face sessions. The therapist evoked progressively less (ERBs) throughout the participants’ processes, but responded more in face-to-face sessions. As for the scores of depression and social anxiety, there was an improvement in the Reliable Change Index for only one of the participants. The occurrence of clinical progress of the participants is discussed, regardless of the conditions, suggesting that the insertion of online sessions does not imply therapeutic losses.

Keywords: online psychotherapy, internet psychotherapy, telepsychology, tele- psychotherapy, functional analytical psychotherapy.

A psicoterapia on-line tem sido cada vez mais realizada no mundo (Pieta & Gomes, 2014; Pieta et al., 2015; Rodrigues, 2014; Rodrigues & Tavares, 2016; Siegmund et al., 2015; Ulkovski et al., 2017). Esta forma de atendimento passou a ser ainda mais demandada durante a pandemia da COVID-19, em razão da adoção da medida sanitária referente ao distanciamento social, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2020). A psicoterapia on-line consiste na prestação de cuidados em saúde mental por profissionais, por meio de e-mail, videoconferência, fóruns, chat, realidade virtual ou a combinação destes (Singulane & Sartes, 2017). Diante do crescimento das referidas interações on-line, surgem questionamentos quanto aos seus benefícios terapêuticos. Diversos estudos, conduzidos em países como Austrália, Estados Unidos, China, Inglaterra, Escócia e Suíça, sugerem tanto a efetividade quanto a eficácia de terapias mediadas por tecnologias de telecomunicação (Pieta & Gomes, 2014; Pieta et al., 2015; Rodrigues & Tavares, 2016; Siegmund et al., 2015; Ulkovski et al., 2017; Wagner et al., 2014).

No Brasil, a prática e a pesquisa dos atendimentos on-line foram orientadas pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP, Resolução CFP Nº 011/2018). Com a pandemia do novo coronavírus e as orientações dos órgãos de saúde sobre a necessidade do distanciamento social, o CFP reviu estas normativas e lançou a Resolução CFP Nº04/2020, que flexibiliza a oferta de atendimentos on-line.

Diversos problemas clínicos tratados por meio de intervenções psicológicas on-line foram avaliados, tais como a ansiedade, a depressão, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e o transtorno de conduta. Nos casos de transtorno de ansiedade, com base em pelo menos dois estudos de meta-análise (Berryhill, Halli-Tierney, Culmer et al., 2018; Varker et al., 2019), pode-se admitir que a oferta de intervenções psicológicas on-line é tão efetiva e eficaz quanto o atendimento presencial.

No tratamento da depressão, as intervenções on-line também foram consideradas equivalentes às face a face por, pelo menos, cinco meta-análises (Berryhill, Culmer, Williams et al., 2018; Sierra et al., 2018; Stefanopoulou et al., 2018; Sztein et al., 2017; Varker et al., 2019). Mais especificamente sobre as terapias de terceira onda, Sierra e colaboradores (2018) examinaram estudos que incluíram intervenções via website, e-mail e aplicativos para celular (apps). Nos estudos examinados, as intervenções on-line foram comparadas com a condição de fila de espera ou com o tratamento usual (treatment as usual - TAU). A maioria dos estudos avaliou a Terapia de Aceitação e Compromisso (Acceptance and Commitment Therapy - ACT) ou a Ativação Comportamental (Behavioral Activation - BA). A FAP não foi mencionada nos estudos examinados, talvez porque as estratégias predominantes nos estudos recuperados são próprias para tratar depressão (BA) ou comumente focadas nela (ACT). Além disto, pode-se supor que tenha havido dificuldades para criar uma oferta de atendimento on-line com a FAP, cuja integridade do tratamento requer consequências imediatas do terapeuta às respostas do cliente, uma vez que eventuais atrasos entre áudio e vídeo podem prejudicar o responder contingente do terapeuta.

O Inventário de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory - BDI-II), destinado a mensurar a intensidade dos sintomas depressivos, foi a principal medida de resultado reportada pelos estudos. Sierra e colaboradores (2018) encontraram tamanhos de efeito de médio a grande em relação às terapias de terceira onda para tratamento da depressão com intervenções on-line. Um aspecto importante quanto ao resultado favorável das intervenções on-line verificado nesta meta-análise diz respeito às características dos participantes, uma vez que as pessoas deprimidas com sintomas de evitação social podem sentir-se mais confortáveis com o tratamento remoto.

Sztein e colaboradores (2017) verificaram que a Terapia Comportamental Cognitiva (TCC) oferecida por internet relacionou-se com a redução imediata e duradoura de sintomas depressivos. Não houve diferença estatisticamente significante entre programas que incluíram algum componente de apoio do clínico e os que foram exclusivamente on-line. Ainda sobre a depressão, Stefanopoulou e colaboradores (2018) avaliaram estudos que aplicaram por meios digitais a TCC, a BA, a Terapia de Resolução de Problemas, a Psicoeducação, o Coaching, o Mindfulness, a ACT e a psicoterapia psicodinâmica. Os resultados indicaram que as intervenções digitais produziram melhoras clínicas significantes em sintomas depressivos.

Os estudos citados consideraram atendimentos psicológicos on-line e diferentes formas de teleatendimento, tais como os apps, os telefonemas e as mensagens de texto. Quanto ao formato de intervenções por videoteleconferência, Berryhill, Culmer, Williams e colaboradores (2018) verificaram que, dentre os 33 estudos revisados, 22 relataram reduções estatisticamente significantes nos sintomas depressivos. Do mesmo modo, a meta-análise realizada por Varker e colaboradores (2019) indicou resultados terapêuticos do uso de telepsicologia síncrona.

Além da ansiedade e da depressão, outros transtornos foram analisados em termos dos atendimentos psicológicos on-line. Varker e colaboradores (2019) verificaram que a psicoterapia on-line foi bem-sucedida no tratamento do TEPT e de transtornos de conduta, havendo evidências que apoiam o uso de intervenções por videoteleconferência, por telefone e tratamentos baseados em fornecimento de textos via internet em tempo real (por exemplo, webchat).

Até este ponto, foram citados dados que sugerem bons resultados no tratamento de importantes problemas clínicos, os quais foram obtidos por diversas formas de atendimento psicológico remoto. Se as medidas de resultado parecem promissoras, resta o questionamento quanto às medidas de processo em psicoterapia, isto é, quanto às características da interação terapeuta/cliente em ambientes virtuais. Em que medida ela preserva os elementos desejáveis observados na condição presencial? Jenkins-Guarnieri e colaboradores (2015) investigaram, em uma revisão sistemática, a percepção de pacientes atendidos por meio de teletratamentos (videoteleconferência e telefonemas) para saúde mental, comparando-as com os tratamentos psicoterápicos tradicionais presenciais. A única diferença significativa encontrada foi maiores medidas sobre aliança terapêutica e conforto dos participantes em modalidades presenciais de tratamentos em grupo. Por outro lado, em psicoterapias individuais, os níveis de satisfação dos clientes foram semelhantes entre as condições on-line e face a face.

Segundo Sztein e colaboradores (2017), os motivos de abandono de tratamento reportados pelos participantes com depressão que passaram pelos atendimentos on-line foram similares aos relatados por pacientes com depressão que foram atendidos com terapia face a face, excluindo, é claro, as dificuldades no manuseio dos equipamentos e a falta do contato presencial. Os motivos relatados para os abandonos da terapia por internet foram: a demora, a falta de motivação, a dificuldade em manusear o hardware ou software, a falta do contato face a face com o terapeuta, o aumento dos sintomas e a percepção de falta de efetividade do tratamento. Se, por um lado, alguns participantes deprimidos indicaram a falta do contato face a face com o terapeuta como um dos motivos de abandono, por outro, o sucesso do atendimento on-line não dependeu do componente do apoio do clínico (contato com terapeuta como pré-requisito), conforme já mencionado (Sztein et al., 2017). Deste modo, permanece a dúvida: haveria aspectos imprescindíveis da condição presencial em psicoterapia, os quais inviabilizariam o tratamento para algumas pessoas?

Quando a pergunta se volta para aspectos da interação terapeuta/cliente, é esperado que os estudos examinados ofereçam feedbacks em tempo real, tais como os estudos incluídos na revisão feita por Jenkins-Guarnieri e colaboradores (2015), os quais consistiram em videoteleconferência e telefonemas. Esta talvez tenha sido uma dificuldade para o estudo da FAP on-line, a qual requer a consequenciação imediata das respostas do cliente na interação com o terapeuta e as interrupções geradas pelos problemas técnicos inerentes às intervenções via internet podem prejudicar o responder contingente do terapeuta.

A FAP, considerada uma terapia contextual, tem no responder contingente do terapeuta seu principal mecanismo de mudança. Por meio das interações dentro da sessão, momento a momento, respostas pouco frequentes do cliente são reforçadas até que um novo repertório seja estabelecido e apresentado, tanto dentro da sessão, quanto na vida cotidiana (Baruch et al., 2011). Para avaliar as interações terapeuta/ cliente em um tratamento com a FAP, muitos estudos usam a Functional Analytic Psychotherapy Rating Scale (FAPRS, Callaghan et al., 2008). A FAPRS contém categorias para as respostas do terapeuta e do cliente, sendo que a categorização, eminentemente dependente da formulação do caso clínico, é feita com base em registros de verbalizações. Assim, para cada vez de fala de um membro da díade, uma categoria é atribuída. Considerando que a aplicação da FAPRS requer apenas a devida formulação de caso clínico e o registro das verbalizações correspondentes ao cliente e seu terapeuta, entendemos que ela pudesse ajudar na observação de semelhanças e diferenças nas condições em que terapeuta e cliente estivessem interagindo presencialmente e on-line.

Portanto, o objetivo principal do presente estudo foi comparar, em um tratamento com a FAP, a frequência de categorias da interação terapeuta/cliente entre sessões presenciais e sessões realizadas via software de comunicação síncrona pela internet a partir de conexões de voz e vídeo, entre uma terapeuta e duas clientes adultas. O objetivo secundário foi verificar se indicativos de melhora dados pelos instrumentos aplicados podem ser atribuídos à intervenção realizada.

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo duas mulheres, estudantes universitárias. Ambas foram cegas quanto à hipótese do estudo, mas puderam identificar as condições em que o tema do estudo foi aplicado, ou seja, quando a sessão era presencial ou on-line. Amanda tinha 20 anos e era estudante universitária. Queixava-se de crises de ansiedade, problemas familiares, baixa autoestima e dificuldade em desenvolver intimidade. Sua conexão da internet era ruim. Sheila tinha 26 anos, era assessora de imprensa e estudante universitária. Suas queixas centravam-se nas crises de ansiedade, na inassertividade, em sua autoinvalidação e na sua autoexigência, que considerava alta. A conexão da internet dela era boa.

Colaboradores

Uma terapeuta foi convidada a participar do estudo. Ela se formou em Psicologia em 2013, concluiu curso teórico de FAP em 2016, especialização em Análise do Comportamento em 2017 e tem experiência clínica desde 2016. A terapeuta não foi cega quanto aos objetivos do estudo nem quanto às condições.

Uma equipe de oito transcritores foi selecionada e treinada para transcrever as gravações das sessões por completo para posterior categorização e quatro categorizadores foram selecionados e treinados para colaborarem na pesquisa, todos eram estudantes de graduação em Psicologia. Por fim, um assessor especialista em Tecnologia da Informação (TI) foi recrutado para orientações à terapeuta participante.

Delineamento de pesquisa

Foi utilizado o delineamento experimental de sujeito único de multitratamento A-B-BC-B’-BC’ (Wolery et al., 2010). A linha de base (A) se referiu ao procedimento de triagem, com três sessões. A condição B consistiu em sessões FAP presenciais, enquanto que a condição BC consistiu em sessões FAP realizadas via Skype. Ambas as condições foram compostas por três sessões e foram aplicadas de forma intercalada, totalizando quinze sessões para cada participante. Tanto a sessão presencial quanto a sessão on-line foram semanais, com duração de 50 minutos cada, em dia e hora estipulados entre a psicóloga e as participantes.

Aspectos éticos

A pesquisa foi realizada mediante aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Setor de Ciências da Saúde da UFPR (Parecer CEP/SD-PB nº 3058952).

Instrumentos

O Inventário de Depressão de Beck (BDI-II, da sigla em inglês) mede a intensidade da depressão de quem responde o inventário (Beck & Blamsderfer, 1974; Beck et al.,1996). Este instrumento é composto por 21 itens que se referem aos sintomas característicos de transtornos depressivos. Foi traduzido, adaptado e padronizado para a população brasileira em 2011, com uma elevada consistência interna (alfa de Cronbach em torno de 0,90), uma boa estabilidade temporal (coeficiente CIC de 0,886) e uma boa capacidade discriminativa de detecção de casos de depressão em adultos (resultado do cálculo da área sob curva ROC de 82,1%) (Gorenstein et al., 2011).

A Escala de Ansiedade Social de Liebowitz (LSAS, da sigla em inglês) tem por objetivo medir as dificuldades de interação social de quem sofre de ansiedade social. Consiste em 24 itens relacionados ao medo e a evitação de interações sociais em uma Escala Likert de 4 pontos. O total da soma destes pontos indicará se o indivíduo se enquadra na população clínica do Transtorno de Ansiedade Social (TAS). A nota de corte varia de acordo com a nacionalidade das amostras (Liebowitz, 1987) e há controvérsias sobre qual nota de corte seria mais adequada. Para este estudo, optou-se pela nota de corte sugerida pela maioria dos autores, que é 60. A fidedignidade deste instrumento é considerada excelente (CCI de 0,81 e correlação de Pearson de 0,82), assim como sua consistência interna (alfa de Cronbach entre 0,90 e 0,96) (Santos, 2012).

A Functional Analytic Psychotherapy Rating Scale (FAPRS), criada por Callaghan e colaboradores (2008), tem como objetivo descrever o mecanismo de mudança da FAP, por meio da classificação dos comportamentos do psicólogo e do paciente. Esta escala oferece categorias para os comportamentos do terapeuta e do cliente emitidos em sessão, a partir das falas entre eles. Estes comportamentos consistem em CRBs emitidos pelo cliente – CRB1, em que este se engaja em comportamento problemático na sessão; CRB2, que se refere a comportamentos de melhora dele em sessão, e CRB3, quando ele analisa o próprio comportamento durante a sessão –, respostas do terapeuta que evocam – ERBs – e consequenciam os CRBs – TRB1, TRB2 e TRB3, seguindo a mesma lógica dos CRBs – e relatos do cliente sobre mudanças fora da sessão (Busch et al., 2010).

Para descrever situações específicas que pudessem ocorrer em uma sessão de psicoterapia realizada on-line, foram elaboradas algumas categorias que não constam na FAPRS. Elas envolvem comentários sobre a videoconferência, eventuais interrupções no ambiente ou solicitações para mexer em algum equipamento, por exemplo. No entanto, se uma fala de um membro da díade pudesse ser categorizada com estas categorias e com as categorias da FAPRS (Callaghan & Follette, 2008), estas seriam priorizadas, mantendo a diretriz de uma categoria por fala. As categorias criadas para o presente estudo e adicionadas à FAPRS estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1. Categorias elaboradas para as sessões on-line, adicionadas à FAPRS.

Tabela 1.
Categorias elaboradas para as sessões on-line, adicionadas à FAPRS.
CódigoBreve descrição do código
EIFalas relacionadas a eventos intervenientes que ocorrem durante a sessão on- line: pessoa interrompe a sessão, animais de estimação ao fundo, barulho, etc.
TCHATerapeuta faz verbalizações sobre a qualidade da chamada: áudio, imagem, conexão da internet, perguntar se o cliente está ouvindo ou vendo o terapeuta, etc. *Não se aplica quando o terapeuta comenta sobre a relação terapêutica, diferenças de interação entre a sessão on-line e presencial ou compara as modalidades.
CCHACliente faz verbalizações sobre a qualidade da chamada: áudio, imagem, conexão da internet, perguntar se o terapeuta está ouvindo ou vendo o cliente, etc. *Não se aplica quando o cliente comenta sobre a relação terapêutica, diferenças de interação entre a sessão on-line e presencial ou compara as modalidades.
TREPTerapeuta solicita que o cliente repita o que falou por conta de variáveis exclusivas da sessão on-line: áudio cortado, volume do microfone baixo, eventos intervenientes, imagem congelada, etc.
CREPCliente solicita que o terapeuta repita o que falou por conta de variáveis exclusivas da sessão on-line: áudio cortado, volume do microfone baixo, eventos intervenientes, imagem congelada, etc.
TSOLTerapeuta solicita que o cliente mexa em algo relacionado à chamada: aumentar ou diminuir volume, falar mais próximo ao microfone, ligar ou desligar a webcam, encerrar a chamada, encerrar a chamada para ligar de novo, etc.
CSOLCliente solicita que o terapeuta mexa em algo relacionado à chamada: aumentar ou diminuir volume, falar mais próximo ao microfone, ligar ou desligar a webcam, encerrar a chamada, encerrar a chamada para ligar de novo, etc.

Local

As sessões presenciais de triagem e de atendimento psicoterapêutico foram realizadas em uma clínica-escola de uma universidade pública. As sessões on-line foram realizadas na casa dos participantes, enquanto a terapeuta as atendeu em uma sala da clínica-escola, por meio de dispositivos de telecomunicação.

Procedimentos

Após a seleção das participantes, que aguardavam na lista de espera da clínica-escola, os colaboradores foram também selecionados e treinados. A concordância entre colaboradores e pesquisadora, primeira autora do artigo, foi aferida, em relação às respostas codificadas da FAPRS, a partir da Aferição da Concordância Inter-observadores no cálculo do kappa (Cohen, 1960). O kappa considerado aceitável é próximo de 0,6 (Landis & Koch, 1977). O primeiro cálculo do kappa entre os categorizadores após o treino teve resultado entre 0,1 e 0,2, sendo necessário um retreino. Após nova categorização, o resultado do cálculo foi entre 0,8 e 0,9, indicando uma excelente concordância inter-observadores.

Coleta de dados

No início da primeira sessão de triagem, foram aplicados os inventários BDI-II e LSAS, que foram reaplicados após a intervenção, em uma sessão presencial de encerramento, depois da última sessão on-line. Os dados referentes ao BDI-II e à LSAS foram usados para caracterizar as participantes e o andamento do tratamento, no período. Esperou-se que os resultados destes instrumentos variassem entre a primeira e a segunda medida, não havendo expectativa de que variassem conforme as sessões presenciais ou on-line.

Com o fim da triagem, teve início o tratamento FAP presencial. Antes da fase FAP on-line, um encontro on-line de habituação foi realizado, com ambas as participantes, para assegurar-se que um software de proteção de dados do usuário da internet fora instalado no aparelho, averiguar a qualidade do áudio e da imagem do vídeo, da conexão de internet, possíveis problemas técnicos e suas soluções. Também foi examinado o ambiente em que as participantes realizariam as sessões on-line, para evitar possíveis interrupções de terceiros e garantir o sigilo. Tiveram início as três sessões FAP on-line (condição BC), seguidas por três sessões presenciais de FAP (condição B’) e encerrando com três sessões on-line de FAP (condição BC’).

O áudio e o vídeo das sessões foram gravados por completo, em todas as condições. Em seguida, estas gravações foram transcritas pela equipe de transcritores e então passaram para a categorização, feita pelos outros colaboradores, que receberam as categorias novas antes de categorizar as sessões on-line. Encerrada a coleta de dados, as clientes continuaram em psicoterapia presencial com a terapeuta.

Análise de dados

Comparou-se a quantidade das categorias CRB1, CRB2, CRB3, ERB, TRB1, TRB2 e TRB3 nas condições on-line e presencial. Além disto, foi realizada a análise de probabilidade transicional, para indicar as chances de uma determinada categoria ser seguida por outra (Gabadinho et al., 2011), por meio da matriz de probabilidade de transição markoviana (Meyn & Tweedie, 1993).

Ademais, após a aferição dos escores das escalas (BDI-II e LSAS) aplicadas no começo e no fim do conjunto das quinze sessões de coleta de dados, suas pontuações foram comparadas antes e depois da intervenção, a fim de verificar se algum progresso nas medidas de resultado havia sido alcançado até este ponto do tratamento, independentemente das condições on-line e presencial. Para verificar se as mudanças obtidas nestas escalas indicaram que as clientes saíram da faixa clínica e se a mudança poderia ser relacionada à intervenção das quinze sessões de FAP conduzidas, usou-se o Método JT (Jacobson & Truax, 1991).

RESULTADOS

A Figura 1 apresenta a frequência absoluta e a linha de tendência por média móvel, a partir da introdução da condição de FAP presencial, dos comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) de Amanda e de Sheila no decorrer das quinze sessões.

Figura 1.
Frequência absoluta e linha de tendência por média móvel, a partir da introdução da condição de FAP presencial, dos comportamentos clinicamente relevantes (CRB1, CRB2 e CRB3) de Amanda e de Sheila ao longo das quinze sessões e condições da pesquisa.
Frequência absoluta e linha de tendência por média móvel, a partir da introdução da condição de FAP presencial, dos comportamentos clinicamente relevantes (CRB1, CRB2 e CRB3) de Amanda e de Sheila ao longo das quinze sessões e condições da pesquisa.

Com a introdução da FAP, Amanda apresentou mais comportamentos problemáticos em sessão (CRB1s), os quais foram sendo reduzidos no desenvolvimento da psicoterapia, em ambas as condições. Os comportamentos de melhora (CRB2s) foram mais frequentes nas sessões presenciais. Em relação à linha de tendência, Amanda tendeu a apresentar mais comportamentos clinicamente relevantes problemáticos (CRB1s) na condição presencial.

No caso de Sheila, os comportamentos de melhora (CRB2s) variaram ao longo das quinze sessões, já o comportamento de avaliar-se nas interações (CRB3) não pareceu variar em função das condições ou nem da ordem das sessões. De acordo com as linhas de tendência, Sheila apresentou mais comportamentos problemáticos (CRB1s) na primeira condição presencial, mas passou a apresentá-los progressivamente menos. Além disto, a tendência dela foi de apresentar mais comportamentos de melhora (CRB2s) e de análise do próprio comportamento (CRB3s) nas sessões face a face se comparadas com as via Skype.

A Figura 2 apresenta a frequência absoluta e a linha de tendência por média móvel, a partir da introdução da condição de FAP presencial, das evocações realizadas pela terapeuta (ERBs) com Amanda e com Sheila no decorrer das sessões.

Figura 2
Frequência absoluta e linha de tendência por média móvel, a partir da introdução da condição de FAP presencial, das evocações da terapeuta (ERBs) com Amanda e com Sheila ao longo das quinze sessões e condições da pesquisa.
Frequência absoluta e linha de tendência por média móvel, a partir da introdução da condição de FAP presencial, das evocações da terapeuta (ERBs) com Amanda e com Sheila ao longo das quinze sessões e condições da pesquisa.

As linhas de tendência indicam que na interação com Amanda e Sheila, a terapeuta apresentou redução da frequência de vezes em que evocou comportamentos clinicamente relevantes (ERBs) ao longo das sessões. A tendência, a partir da introdução da FAP, a responder efetivamente e a frequência absoluta das respostas efetivas aos comportamentos clinicamente relevantes de Amanda e de Sheila, dadas pela terapeuta (TRBs) são apresentados na Figura 3.

Frequência absoluta e linha de tendência por média móvel, a partir da introdução da condição de FAP presencial, das respostas efetivas da terapeuta (TRBs) aos CRBs emitidos por Amanda e por Sheila ao longo das quinze sessões e condições da pesquisa.
Figura 3
Frequência absoluta e linha de tendência por média móvel, a partir da introdução da condição de FAP presencial, das respostas efetivas da terapeuta (TRBs) aos CRBs emitidos por Amanda e por Sheila ao longo das quinze sessões e condições da pesquisa.

A linha de tendência da emissão de TRBs indica que a terapeuta respondeu mais efetivamente aos CRB1s e CRB2s de Amanda nas sessões face a face do que nas sessões via Skype. Já em relação ao TRB3, a terapeuta tendeu a responder efetivamente aos CRB3s de Amanda na última condição de FAP on-line.

Na interação com Sheila, a terapeuta respondeu efetivamente aos comportamentos problemáticos (TRB1s) até não responder mais. Em contrapartida, a terapeuta respondeu efetivamente aos comportamentos de melhora (TRB2s) conforme eles foram acontecendo. A terapeuta respondeu efetivamente quando Sheila analisou o próprio comportamento (TRB3) nas sessões presenciais, mas não o fez em todas as sessões on-line. Isto pode ter acontecido devido a atrasos entre áudio e vídeo, que ocorreram em todas as sessões on-line, com ambas as participantes. A tendência de a terapeuta responder efetivamente aos comportamentos problemáticos (TRB1s) de Sheila foi diminuindo no decorrer das quinze sessões. A terapeuta tendeu a responder mais efetivamente aos comportamentos de melhora (TRB2) e de análise do próprio comportamento (TRB3) nas condições face a face com Sheila.

Sobre os resultados da análise de probabilidade transicional, em termos de probabilidade, com Amanda, a terapeuta evocou menos comportamentos problemáticos (CRB1s) e mais comportamentos de melhora (CRB2s) nas sessões on-line. Uma hipótese para isto foi a de que a condição on-line foi precedida pela presencial, na qual a FAP já estava sendo aplicada. Logo, é possível que a racional lógica da FAP (Weeks et al., 2012), em que a frequência de CRB1s tende a diminuir e a de CRB2s tende a aumentar no decorrer do tratamento, já estivesse em vigor no início das sessões via internet. A terapeuta não evocou comportamentos de interpretar suas interações (CRB3). Isto pode ser explicado pela conceituação de caso de Amanda, em que analisar funcionalmente o próprio comportamento era considerado um CRB2. Segundo o manual da FAPRS (Callaghan et al., 2008), um comportamento do cliente que pode ser classificado como CRB2 ou CRB3 deve ser categorizado como CRB2. Deste modo, as análises do próprio comportamento feitas por Amanda foram categorizadas como CRB2s.

A terapeuta consequenciou de modo semelhante entre as condições os comportamentos clinicamente relevantes tanto problemáticos (CRB1s) quanto de melhora (CRB2s) de Amanda. Por outro lado, foi mais provável que a terapeuta efetivamente consequenciasse análises feitas pela paciente sobre seu próprio comportamento (CRB3) nas sessões on-line. Especificamente nas sessões via Skype com Amanda, tanto falas da terapeuta quanto da participante sobre a qualidade da vídeo-chamada foram seguidas por comentários do mesmo tipo ou por falas que dessem prosseguimento à sessão (TPR e CPR, respectivamente).

Foi mais provável que a terapeuta evocasse comportamentos de melhora (ERB) de Sheila nas sessões via Skype, se comparadas com as sessões face a face. No entanto, as chances de a terapeuta evocar comportamentos problemáticos ou de análise do próprio comportamento de Sheila foram menores nas sessões on-line. A terapeuta respondeu efetivamente aos comportamentos problemáticos (TRB1s) e aos de interpretação do próprio comportamento (TRB3s) de Sheila com mais frequência nas sessões via Skype. A terapeuta respondeu com mais frequência efetivamente aos comportamentos de melhora (TRB2s) de Sheila nas sessões presenciais. Exclusivamente nas sessões on-line, foram frequentes verbalizações da terapeuta e de Sheila acerca da qualidade da chamada (TCHA e CCHA, respectivamente).

A Tabela 2 apresenta as principais transições entre as categorias da FAPRS e as categorias elaboradas para as sessões de psicoterapia on-line, para as duas participantes, divididas entre as condições de FAP presencial e FAP on-line.

Tabela 2.
Principais transições entre as categorias nas sessões presenciais e on-line. “-“ significa que não houve transição entre as categorias.
TransiçãoAmanda FAP PresencialAmanda FAP On-lineSheila FAP PresencialSheila FAP On-line
ERB-CRB145,83%29,03%32,26%13,79%
ERB-CRB254,17%70,97%58,06%82,76%
ERB-CRB3--9,68%3,45%
CRB1-TRB150%47,37%21,05%42,86%
CRB2-TRB247,62%47,37%65,28%49,12%
CRB3-TRB3-33,33%28,57%33,33%
TCHA-CCHA-66,67%-60%
TCHA-CPR-11,11%-20%
CCHA-TCHA-40%-50%
CCHA-TPR-60%-50%
EI-TPR---25%
EI-CPR---25%

O escore do BDI-II de Amanda, na primeira sessão foi 29, remetendo à classificação de depressão grave. Ao final da intervenção, o escore foi 15 (depressão leve). O escore do LSAS de Amanda na primeira sessão foi 68 (faixa clínica para Transtorno de Ansiedade Social). O escore foi de 43 na última aferição, indicando saída da faixa clínica. Sheila obteve o escore oito na primeira aplicação do BDI- II (depressão mínima). Na segunda aplicação, o escore foi 17 (depressão leve). Quando à primeira aferição do LSAS no caso de Sheila, obteve-se o escore 40 (não clínica), mantendo-se assim na segunda aferição (escore 37).

Conforme a aplicação do Método JT aos escores do BDI-II, no que se refere à Significância Clínica (SC), o resultado geral foi de 13,269. Isto significa que Amanda se encontrava inicialmente na população disfuncional e permaneceu nela, não acontecendo mudança no status clínico. Já Sheila passou da população funcional para a população disfuncional com relação à intensidade dos sintomas de depressão. Assim, houve mudança de status clínico de funcional para disfuncional. Em relação ao Índice de Mudança Confiável (IMC), o resultado de Amanda foi de 2,412 e o de Sheila foi de -1,550. Isto quer dizer que a mudança da classificação de Amanda de depressão grave para leve pode ser atribuída à intervenção. Em contrapartida, para Sheila, não podem ser feitas afirmações de melhora ou piora devido à intervenção. Em relação aos escores do LSAS, a SC foi de 54.459. Ou seja, Amanda passou para a população funcional e Sheila já se encontrava na população funcional e continuou nesta mesma população, no que se refere à intensidade dos sintomas de ansiedade. O IMC de Amanda foi de 3,250 e o de Sheila, 0,390. Significa que Amanda apresentou melhora que pode ser atribuída à intervenção, enquanto que para Sheila não podem ser feitas afirmações de melhora ou piora devido à intervenção.

DISCUSSÃO

O presente estudo visou comparar a interação terapeuta/cliente entre sessões presenciais e on-line de um tratamento com a FAP. Com base nos resultados, para as duas participantes, pode-se admitir que houve mais comportamentos clinicamente relevantes (CRBs), tanto de melhora quanto problemáticos, durante as sessões presenciais. A terapeuta consequenciou mais nas sessões presenciais de ambas as clientes. No atendimento às duas participantes, a terapeuta tendeu a evocar progressivamente menos (CRBs) ao longo das sessões, independentemente da condição on-line ou presencial. Conforme uma intervenção FAP avança, o cliente aprende a emitir CRB2s sem a necessidade de evocação do terapeuta (Lizarazo et al., 2015) e isto parece ter acontecido na intervenção deste estudo. De modo geral, houve uma considerável variação nas categorias, assim como comentado por Kanter e colaboradores (2017) sobre o aspecto idiossincrático da FAP.

Em relação aos comportamentos clinicamente relevantes, os processos de ambas as participantes seguiram o que se espera de um tratamento com a FAP, isto é, a frequência de comportamentos problemáticos foi elevada no início da psicoterapia, enquanto que a de comportamentos de melhora começou pequena. Então, essas frequências invertem ao longo das sessões. Adicionalmente, nas últimas sessões, Amanda e Sheila apresentaram mais interpretações funcionais de seus próprios comportamentos. Isso pode ter relação com o que foi observado por Sztein e colaboradores (2017) quanto aos motivos de abandono do tratamento. É possível que ao perceber efetividade no tratamento, as clientes tenham mantido sua adesão ou mesmo aderido ainda mais, a despeito do ambiente on-line intercalado no tratamento usual.

No caso de Amanda, as evocações da terapeuta decresceram no decorrer do processo, independentemente da condição. Uma possível explicação para isto é a baixa qualidade do sinal de internet da residência de Amanda, já que a terapeuta precisou solicitar para que ela repetisse a fala algumas vezes, interrompendo o fluxo da sessão. Sheila também apresentou mais comportamentos clinicamente relevantes nas condições presenciais, sendo que sua conexão com a internet era boa e as únicas interrupções nas sessões on-line foram eventos intervenientes no ambiente em que ela estava fazendo a sessão. Assim, deduz-se que, ao realizar uma psicoterapia on-line, a qualidade da conexão e os eventos intervenientes, como um familiar batendo à porta ou o movimento de animais de estimação podem influenciar a interação terapeuta/cliente.

A terapeuta evocou cada vez menos comportamentos clinicamente relevantes de ambas as participantes, independentemente da condição. Entretanto, comparando as condições, a terapeuta respondeu mais efetivamente aos comportamentos clinicamente relevantes das participantes nas sessões presenciais. Pode ser que a modelagem direta, requerida na aplicação da FAP (Weeks et al., 2012), embora aconteça em ambas as condições, seja mais viável nas sessões face a face.

De acordo com as análises de probabilidade transicional entre as categorias, a terapeuta pareceu ser mais eficaz na condição on-line do que na presencial no tratamento de Amanda, uma vez que as evocações de CRBs seguidas de respostas efetivas foram mais prováveis nas sessões via Skype. Todavia, isto pode ter acontecido porque as sessões on-line tiveram início após seis sessões presenciais, ou seja, no decorrer do processo psicoterapêutico, em que a lógica da FAP (Weeks et al., 2012) já estava sendo aplicada e poderia ter exercido influência nas condições seguintes. Sobre as transições entre as categorias exclusivas das sessões on-line, elas não pareceram prejudicar a dinâmica da sessão e nem do processo. Houve comentários sobre a psicoterapia on-line e progressões positivas para a sessão que não pareceram prejudicar outros aspectos terapêuticos do atendimento.

No caso de Sheila, as probabilidades de transição variaram entre as categorias, não indicando superioridade de uma condição sobre a outra. De modo semelhante à Amanda, as transições entre as categorias específicas das sessões on-line não pareceram prejudicar o funcionamento da psicoterapia.

Quanto aos escores de Amanda antes e depois das quinze sessões, observou-se redução na intensidade dos sintomas de depressão e de ansiedade, podendo ser atribuída à intervenção. Quanto aos escores de Sheila não foi possível afirmar se os efeitos da psicoterapia influenciaram a intensidade dos sintomas, havendo inclusive piora nos sintomas de depressão.

Assim, quanto aos escores do BDI-II, uma das participantes permaneceu na faixa clínica e a outra entrou para a faixa clínica. No presente estudo, não foi possível comparar os referidos escores em termos das condições on-line ou presencial. Em um estudo de Lappalainen e colaboradores (2014), a ACT on-line e presencial apresentou resultados equivalentes, com apenas seis semanas de duração (e follow-up de 18 meses). No tratamento de clientes cuja problemática principal consistiu em relacionamentos interpessoais, os escores de depressão podem indicar alguma mudança clínica importante que não chegou a termo. Por exemplo, o comportamento problemático de Sheila consistiu em negar seu sofrimento. É possível que, com a intervenção em FAP, suas respostas ao BDI-II tenham sido mais acuradas na segunda aferição.

O delineamento do presente estudo manteve a mesma sequência de condição presencial, seguida da on-line para ambas as clientes. Embora isto impossibilite inferências sobre a influência que uma condição possa ter exercido na subsequente, a sequência planejada reproduz uma forma de contato bastante comum em processos terapêuticos, quando um cliente inicia presencialmente o tratamento e depois precisa dar continuidade on-line. Sztein e colaboradores (2017) observaram que a assistência prévia do clínico não foi um requisito necessário para o sucesso de um tratamento com um programa de TCC on-line. Isto deixa pistas de que os resultados do presente estudo poderiam ser semelhantes caso a sequência das condições tivesse iniciado pelas sessões on-line. Estudos futuros podem avaliar com mais detalhes tratamentos inteiros prestados on-line, comparando-os com presenciais e podem avaliar a possível influência das condições uma sobre a outra, a depender da ordem em que são oferecidas.

As verbalizações da terapeuta e de ambas as participantes sobre a videoconferência foram constantes, independentemente da qualidade da conexão com a internet. Mesmo assim, de modo geral, o processo psicoterapêutico parece não ter sofrido prejuízos, corroborando dados da literatura (Prado & Meyer, 2006; Rees & Maclaine, 2015; Stubbings et al, 2013).

O grau de conveniência para o cliente na realização de atendimentos remotos parece importante. As participantes do estudo aguardavam em lista de espera para terapia no formato presencial, mas aceitaram receber algumas sessões on-line. Sierra e colaboradores (2018) verificaram um tamanho de efeito grande para o tratamento de pessoas com depressão que receberam alguma terapia de terceira onda on-line. E isto pode ter sido, em parte, potencializado pela conveniência para participantes deprimidos que, tipicamente, evitam contato social. Talvez a condição on-line pudesse resultar em mais benefícios para as participantes, se lhes conviesse naturalmente, como em casos em que o cliente viaja, muda-se de cidade, reside muito longe do consultório do terapeuta, ou está em repouso domiciliar. Do mesmo modo, podemos imaginar que situações extraordinárias, como as impostas pela pandemia da COVID-19, levem a uma adesão maior das pessoas a formas de atendimentos remotos.

O curso do processo psicoterapêutico pareceu influenciar fortemente as respostas de melhora de ambas as participantes, assim como suas interpretações funcionais quanto aos seus próprios comportamentos. Isso está de acordo com observações na literatura, como a revisão sobre decisões metodológicas em pesquisas em FAP realizada por Meyer e Oshiro (2019) e suposto por Cipolletta e colaboradores (2018), no que se refere a uma intervenção on-line.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo objetivou comparar a interação terapeuta/cliente entre sessões de FAP presenciais e on-line. Ele avança em quatro pontos principais. Do ponto de vista metodológico, o estudo propôs uma forma de avaliar aspectos da psicoterapia de processo on-line, com registros de interações em tempo real, o que é essencial para intervenções baseadas na consequenciação imediata de respostas do cliente. Além disso, foram criadas categorias exclusivamente pertinentes a verbalizações de terapeutas e clientes em ambientes virtuais, às quais foram adicionadas a um instrumento bastante usado por outras pesquisas, o FAPRS. Estes aspectos facilitam o estudo de intervenções psicológicas telessincrônicas. Um outro avanço do estudo refere-se à produção de dados sobre teleatendimento em saúde na América do Sul e, de modo particular, na América Latina, já que a maior parte dos dados é originada em outras culturas. Um terceiro avanço a ser destacado é a avaliação de uma estratégia psicoterápica de terceira onda ainda não reportada na literatura sobre atendimentos remotos – a FAP. Por fim, o estudo avança ao produzir dados sobre as características do processo psicoterápico on-line, uma vez que os documentos sobre a psicoterapia de resultado on-line são mais abundantes que a de processo.

A presente pesquisa apresentou algumas limitações. Uma limitação consistiu na delimitação de partes do tratamento em FAP on-line a serem analisadas, em vez de isolar tratamentos inteiros on-line e face a face. Outra limitação foi o possível viés quanto à ordem das condições. Assim, uma condição pode ter influenciado a outra. Considerando que ambas as participantes passaram pela mesma ordem de apresentação das condições, não foi possível analisar os benefícios relativos de cada uma delas. Além disso, a qualidade da conexão com a internet não foi controlada, tendo influenciado as verbalizações e outras ações na interação da terapeuta com as participantes.

Para os clínicos, os dados do presente estudo encorajam a prática da FAP on-line, desde que haja boa conexão com a internet e adequada indicação, a partir da formulação de caso clínico, já que há diferenças no comportamento de um cliente para outro. Adicionalmente, há razões para supor que quanto mais interessante for para o cliente o atendimento remoto, mais inclinado ele estará para aderir à relação terapêutica on-line.

Para os pesquisadores, os dados indicam a possibilidade de novos estudos com intervenções psicológicas telessincrônicas, de modo a explorar mais conhecimentos quanto às características da psicoterapia de processo on-line. Além disto, com o advento da pandemia da COVID-19, as pesquisas sobre os efeitos da psicoterapia on-line tornaram-se ainda mais urgentes.

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