Resumo: Esta pesquisa objetivou investigar as relações funcionais presentes nas contingências e metacontingências descritas na Lei 12.318 de 26 de agosto de 2010, também conhecida como Lei da Alienação Parental. Foi utilizada metodologia descritiva: inicialmente, as tríplices contingências foram identificadas e classificadas em completas ou incompletas nos artigos da Lei; em seguida, foram analisadas legislações afins ao tema com o intuito de complementar as tríplices contingências incompletas; na sequência, foram analisadas metacontingências envolvidas na alienação parental. Foram encontradas duas tríplices contingências, uma completa (comportamento do(a) genitor(a) ou responsável de praticar alienação) e uma incompleta (comportamento do magistrado de combater os atos). Foi descrita uma metacontingência principal (práticas de alienação parental) e sugerida uma alternativa (práticas parentais saudáveis). Conclui-se que para a seleção de comportamentos de práticas parentais adequadas ao direito à convivência familiar é salutar a utilização de consequências reforçadoras em oposição às exclusivamente punitivas, bem como uma maior integração com os demais códigos jurídicos que garantem esse direito.
Palavras-chave: Lei de Alienação Parental, alienação parental, contingência, metacontingência, cultura.
Abstract: This research aimed to investigate the functional relations in the contingencies and meta-contingencies of Law 12.318/2010, also known as the Parental Alienation Law. Descriptive methodology was used. The analysis happened in stages, initially the Law articles were identified and the three-term contingencies were assembled and classified as complete or incomplete; then, the related legislation was analyzed in order to complement the incomplete ones; in the sequence, a main metacontingency, involved in parental alienation, its aggregate product and the cultural consequence to be achieved were proposed; finally, alternative (desired) responses were elaborated based on the parental alienation responses described in the legal text. There were found two three-term contingencies, one complete, which refers to the parent’s or person’s behavior that alienate, and another incomplete, regarding to the magistrate’s behavior to combat these acts. The main metacontingency was not explicitly obtained by one article. However, it could be seen that is set by the law’s pretension of controlling the dysfunctional parental practices that hinder infants from their right to family life, changing them to healthy practices. At this context, healthy parental practices for child development were identified as the desired aggregate product. These practices are selected by the control agencies (family and government) and society, with the aim of achieving the cultural consequence of guaranteeing for children and adolescents the fundamental right to family life. To add, the perception that the law focuses on the identification and punishment of alienation acts was taken as a result, which compromises its effectiveness once it does not teach the expected behavior. Thus, it is concluded that in order to be effective in controlling unwanted behaviors and in reinforcing desired parental practices it is salutary to overcome the punitive logic present in legislation, as well as to establish an efficient relationship with other legal codes that guarantee the same fundamental rights to family life like the Federal Constitution, the Brazilian Civil Code, and especially the Statute of the Child and Adolescent, in order to be able to implement healthy cultural family coexistence practices for the full development of children and adolescents.
Keywords: Contingency, Metacontigency, Law, Parental Alienation, Culture.
Análise de Contingências e Metacontingências da Lei de Alienação Parental 12.318/2010

Recepción: 08 Septiembre 2020
Aprobación: 10 Noviembre 2020
O comportamento social foi definido por Skinner (1953) como o comportamento de duas ou mais pessoas, uma pessoa em relação a uma outra ou delas em relação a um ambiente comum. Corroborando com Skinner, Sampaio e Andery (2010) explicam que elementos do comportamento de um indivíduo servem de contexto para a resposta do outro, consequenciando-o ou servindo como estímulo discriminativo. Assim, “o comportamento social surge, porque um organismo é importante para outro como parte de seu ambiente” (Skinner, 1953, p.298). Ao se comportarem em um ambiente social, os seres humanos fizeram emergir o fenômeno da cultura, que se caracteriza por padrões de comportamentos realizados de modo semelhante por várias pessoas (práticas culturais) e seus produtos, aprendidos e transmitidos socialmente (Glenn, 2003, 2004).
Culturas são compostas por duas ou mais pessoas, que podem influenciar a maneira como práticas culturais ocorrem. Segundo Skinner (1953), os membros de uma cultura podem se engajar em práticas sob controle de consequências reforçadoras, punidoras ou mesmo extinção. Em culturas complexas, há uma organização que pode se basear nos pressupostos descritos por agências de controle, como governo, religião, educação e psicoterapia (Skinner, 1953, 1971). Por meio da criação de agências legais, como os poderes executivo e legislativo, o governo tornou-se mais refinado em controlar algumas dimensões do comportamento social. O governo adota a distinção entre “legal” e “ilegal”, de modo semelhante à classificação de práticas culturais em “certo” e “errado”, ou seja, esta agência vai dizer quais práticas serão reforçadas e quais serão punidas, em uma ética prescritiva (Skinner, 1953, 1971; Ditrich & Abib, 2004).
A Lei é o mecanismo de codificação dos procedimentos controladores da agência governamental. Constitui-se por uma norma, construída por uma autoridade do governo (no Brasil, o poder legislativo), a quem toda a comunidade fica submetida mediante sua entrada em vigor. Conforme Skinner (1953, p.339) “a Lei é um enunciado de uma contingência de reforço mantida por uma agência governamental”, cuja finalidade, segundo Todorov (2005), é controlar o comportamento. Nesse sentido, seria producente que as Leis descrevessem contingências completas, com a especificação de contextos, ações, e consequências diante de seu cumprimento ou descumprimento.
Leis podem descrever tanto contingências, quanto metacontingências. Metacontingência é uma unidade de análise que descreve relações funcionais entre culturantes (contingências comportamentais entrelaçadas – CCEs - e seus produtos agregados - PAs) e consequências selecionadoras (Glenn et al., 2016). Tal relação deve ser mediada em um arranjo de contingências de reforçamento social (Sampaio & Andery, 2010), e a ligação entre contingências e metacontingências é favorecida pelo comportamento verbal (cf. Gleen, 2003; Sampaio et al., 2013).
Todorov (1987) analisa a Constituição da República Federativa do Brasil (CF) como uma metacontingência. Considerando o contexto de redemocratização do país, o autor descreveu as contingências entrelaçadas envolvidas nos movimentos sociais e nas diversas entidades responsáveis pela organização da sociedade civil, indicando que o discurso político funcionou como consequência imediata ao engajamento dos sujeitos nas referidas práticas culturais, o que favoreceu a manutenção destas até o acesso às consequências em longo prazo: atribuição do poder público a um partido civil.
Todorov, Moreira, Prudêncio, e Pereira (2004) analisaram as metacontingências no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), descrevendo contingências entrelaçadas de diversas instâncias da sociedade (agentes do poder judiciário, familiares, cidadãos, psicólogos, conselheiros tutelares, entre outros), cujo objetivo comum é a proteção dos direitos de crianças e adolescentes.
Com o objetivo de identificar as contingências entrelaçadas descritas nos artigos da Lei, Todorov et al. (2004) desenvolveram uma metodologia de análise em que os artigos são classificados como antecedentes – os que descrevem o contexto para ocorrência das respostas; respostas – ações esperadas do sujeito; e, consequentes – modificações ambientais relacionadas funcionalmente às respostas. Após a classificação de cada artigo, os termos foram agrupados em tríplices contingências que podem ser caracterizadas como completas, quando compostas pelos três termos, à exceção dos casos nos quais há ausência exclusivamente do antecedente; ou incompletas, quando há ausência de um ou dois dos termos na própria Lei (Todorov et al., 2004). Os autores encontraram 47,22% de contingências completas e 52,78% de incompletas, além de identificarem a metacontingência principal descrita no artigo terceiro da Lei e 29 metacontingências secundárias representadas pelos temas de cada capítulo (Todorov et al., 2004).
Valendo-se dos avanços teóricos no entendimento de metacontingências, que podem ser consideradas como unidade de análise para Leis, bem como dos estudos pioneiros de Todorov (1987) e Todorov et al. (2004), que acarretaram a construção da metodologia de análise, alguns códigos jurídicos e processos legislativos tornaram-se objetos de estudo por analistas do comportamento.
Prudêncio (2006) analisou se as práticas jurídicas em processos de ato infracional no Distrito Federal estavam em conformidade com o ECA. Cabral (2007), Martins (2009) e Naves (2013) analisaram o Estatuto da Pessoa com Deficiência, as Leis Orgânicas da Saúde - LOS e as relações entre mídia e Leis nas alterações da família brasileira, respectivamente. Além disso, de Carvalho e Todorov (2017) escolheram como objeto de estudo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB. Já Cabral (2014) estudou a Lei 12.433/11 que modifica a Lei de Execução Penal.
Não obstante, Araujo, Melo e Haydu (2016) também investigaram, sob a ótica analítico-comportamental, o Código Penal brasileiro - CPB. Cabral e Todorov (2016), investigaram o Processo Legislativo da Lei sobre a Remição de Pena pelo Estudo. Kill (2016) analisou a Lei 12.608/12 que define a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Kaiser, Haydu e Gallo (2015), Fava e Vasconcelos (2017) e Valderlon e Elias (2019) fizeram análises sobre contingências e metacontingências no Programa Bolsa Família - PBF. Já Lourencetti e Carrara (2017) abalizaram as Legislações referentes ao Planejamento Urbano Brasileiro.
Em 2010, foi promulgada a Lei 12.318 (Lei de Alienação Parental), que visa combater os atos de alienação parental, termo que se refere a comportamentos emitidos por um dos genitores (ou familiares) que promovem repúdio verbal ou não verbal da criança ao outro genitor (ou familiares), interferindo na formação psicológica da criança e promovendo prejuízos no estabelecimento ou manutenção dos vínculos com o genitor alvo da alienação. Esses atos podem ser extremamente prejudiciais para a criança, com possíveis graves consequências de ordem comportamental e psíquica (Trindade, 2007), como ansiedade, depressão, isolamento, agressividade e dificuldades na escola (Cuenca, 2008; Rocha, 2009). Esta Lei foi iniciativa do juiz Elzio Perez com o apoio do deputado Régis de Oliveira, que levou o projeto para a câmara. Isso mobilizou também áreas da sociedade civil, como grupos de proteção aos interesses do menor e da família (e.g., “SOS Papai e Mamãe”, “APASE”, “Pai legal”), que forneceram suporte e incentivo para que a Lei fosse implantada. Após a sua implementação, a Lei 12.318 ganhou visibilidade e relevância, embora ainda não haja fundamentação científica com base em estudos empíricos que possam atestar a ocorrência da alienação parental (Soma, Castro, Williams & Tannús, 2016).
Até o presente momento, o Brasil é o único país que possui, em seu ordenamento jurídico, uma Lei acerca da Alienação Parental. Contudo, a formulação dessa lei não envolveu a comunidade acadêmica, especialmente pesquisadores das áreas jurídica e de saúde mental, gerando falta de clareza conceitual e a consequente generalização dos atos de alienação parental. Isso pode acarretar acirramento do conflito parental e na ocultação de reais denúncias de casos de violência contra crianças e adolescentes cometidos por um dos pais ou cuidadores (Oliveira, 2020; Soma et al., 2016; Sousa & Brito, 2011).
O presente estudo objetiva identificar as tríplices contingências e metacontingências da Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, que dispõe sobre alienação parental e altera o art. 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Na literatura comportamental, observa-se maior prevalência de estudos sobre Leis que descrevem comportamentos desejados (deveres), em vez de especificar comportamentos inadequados (e.g., Código Penal). Mediante tal contexto, os objetivos secundários foram: utilizar, quando necessário, legislações afins à temática para o complemento das análises de contingências; e elaborar comportamentos adequados à prática cultural baseando-se nos comportamentos especificados na Lei de Alienação Parental.
Inicialmente, se faz necessário a delimitação (recorte) do objeto de estudo da Lei analisada: alienação parental. De acordo com a Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, Art. 2º: “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”
Gardner (1985) define Síndrome da Alienação Parental (SAP) como uma síndrome da infância que ocorre exclusivamente em contextos de separação e disputa de guarda e se manifesta com comportamentos da criança de reproduzir discursos contrários a um dos genitores sem justificativa clara. Darnall (1997, apud Soldera & Portela, 2016) contrapõe-se a Gardner e propõe a supressão do termo síndrome, passando-se a tratar de atos de alienação, bem como retira o foco dos comportamentos da criança alienada para os comportamentos dos alienadores.
Replicou-se o método descritivo desenvolvido por Todorov et al. (2004), para sistematizar contingências e metacontingências da Lei 12.318/2010. Na identificação das contingências, foram estabelecidas análises funcionais a partir das quais cada artigo pôde ser definido como antecedente, resposta ou consequente de acordo com os critérios: a) antecedentes são artigos que descrevem contextos, condições ou circunstâncias para a ocorrência da resposta; b) respostas são as ações esperadas; c) consequentes são resultados e produtos diretos que têm relação funcional com respostas descritas nas contingências.
Após analisadas, as contingências foram classificadas em completas ou incompletas. As completas foram compostas pelos três termos ou podendo haver ausência de antecedentes, a depender do caso; as incompletas foram definidas pela ausência de um ou dois dos termos da contingência. Em seguida, foram identificados: contingências comportamentais entrelaçadas, produtos agregados e consequências da metacontingência que compõem a Lei de Alienação Parental.
De Carvalho e Todorov (2017) trazem em sua metodologia a inclusão de códigos de lei familiares ao objeto de estudo, de modo a encontrar artigos que possam completar contingências que estivessem incompletas. Assim, neste trabalho, também foram analisados a Constituição da República Federativa do Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil (CC), os três com as devidas alterações sofridas no decorrer dos anos, e selecionados artigos destas leis que podem constituir contexto, descrever respostas ou apresentar consequências para alienação parental, para compor os termos das contingências incompletas.
A conceituação de um ato de alienação parental é descrita no caput do art. 2º da Lei 12.318/2010 (ver Quadro 1). As contingências e metacontingências da Lei são compostas, em maioria, por contingências sociais, por isso, é necessário descrever quais são os sujeitos alvos da Lei. Entende-se que em uma circunstância de alienação, há, no mínimo, três sujeitos envolvidos: o genitor ou responsável, que comete os atos, a criança ou adolescente e o genitor ou responsável alienado.

No Quadro 1 foram agrupadas respostas de alienação e possíveis consequências para essas respectivas respostas. Não há, necessariamente, uma correspondência exclusiva entre resposta e consequência sugeridas nessa organização. Ou seja, a consequência sugerida para uma resposta de alienação parental também pode ocorrer para outras quando necessário, de acordo com a avaliação do magistrado.
Nas análises de contingências da Lei de Alienação Parental, foram encontradas duas contingências de reforço, uma completa, referente ao comportamento do alienador de “prática de alienação parental”, e outra incompleta, referente ao comportamento do magistrado de “dirimir alienação parental”. O art. 2º traz sete incisos que descrevem topografias de respostas de atos de alienação que, identificados pelo juiz, podem ter função de contexto para suas ações (ver coluna do meio).
Assim, para a classe de respostas de “praticar alienação parental”, os sujeitos das ações são os genitores ou responsáveis pelos infantes (alienadores). Não há na Lei artigo que descreva o contexto em que essas classes ocorrem, entretanto, são relatadas consequências contingentes às respostas dos genitores dispostas pelo Ministério Público, como: identificação da situação pelo perito e declaração e combate dos atos pelo Juiz (ver coluna da direita). Nesse sentido, a prática de alienação parental é considerada completa.

Outro agente envolvido no texto da lei é o magistrado. Tomando a perspectiva de seu comportamento, quanto à classe de respostas de “dirimir alienação parental”, há artigos que definem os antecedentes das respostas do magistrado (a circunstância em que alienação parental ocorre), contudo não há artigos que mencionem as consequências individuais, seja do cumprimento ou do descumprimento, por parte do alienador, das ações do juiz que visem garantir o direito à convivência familiar saudável. Configura-se, portanto, uma tríplice contingência incompleta, haja vista ausência de consequência contingentes às ações indicadas ao magistrado no texto da lei (Quadro 2).
Em buscas nas legislações afins que pudessem fornecer elementos ambientais adequados para completar as contingências da lei, foram detectadas, no art. 1.589 do Código Civil, consequências para complementar a tríplice descrita acima. Estas foram: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação” (Lei nº 10.406, 2002). Portanto, o que constitui consequência para respostas contrárias à alienação parental é o acesso ao filho e garantia do direito ao cuidado e educação por parte genitor alienado. Explanadas as tríplices, salienta-se que, embora a Lei faça referência a diversos sujeitos em uma circunstância de alienação parental, descreve parte das contingências somente para dois deles: o(a) alienador(a) e o(a) juiz(a). Isso indica seu enfoque principalmente na identificação e punição dos atos.
A Lei de Alienação Parental não descreve comportamentos desejados e foca na identificação e combate de comportamentos inadequados. Além disso, não há em seu texto descrição explícita de sua metacontingência principal em forma de artigo. A metacontingência principal da Lei engloba as contingências envolvidas na prática de alienação parental. A partir desta, e das leis complementares utilizadas nesse estudo, foi então sugerida uma metacontingência que descreve práticas parentais adequadas (ver Figura 1).

A Lei menciona os sujeitos das contingências e metacontingências de alienação parental como: pais ou responsáveis na figura de alienador e/ou alienado, o infante, o magistrado, o profissional perito e o representante do Ministério Público. A relação em que respostas de cada sujeito servem como antecedente para as dos outros caracterizam as contingências comportamentais entrelaçadas da metacontingência de Alienação Parental. Assim, ainda que os operantes de cada sujeito sejam mantidos por suas consequências individuais diretas, a resposta do alienador é contexto para a resposta do infante de repúdio ao outro genitor. O produto agregado desses entrelaçamentos pode ser o ambiente familiar aversivo para a criança e eventuais problemas psicológicos (e.g., transtornos mentais e/ou déficits de desenvolvimento e de aprendizagem). As CCE e PA servem de contexto para a intervenção do poder judiciário, que pode exercer função de ambiente selecionador/punidor.
Compreende-se, portanto, que os entrelaçamentos devem ser modificados para cuidados parentais em conjunto e convivência familiar saudável entre genitores/cuidadores, visando o produto agregado garantia do direito fundamental à convivência familiar. As consequências selecionadoras seriam de reforço positivo, como ambiente familiar saudável e o desenvolvimento e a aprendizagem adequados para o infante; e de reforço negativo, como a evitação de sanções exercidas pelas agências controladoras família, que pode limitar o acesso do alienador ao filho, estado, que pode instituir medidas judiciais de restrição de contato com o filho. É necessário ressaltar que a Lei de Alienação Parental está também inserida em uma metacontingência mais ampla, compondo uma rede de outras metacontingências dispostas pelo ECA visando proteção integral à criança e ao adolescente.
Objetivando expandir as análises na perspectiva cultural, explorando possibilidades que pudessem compor e promover práticas parentais saudáveis ao desenvolvimento infantil, foram identificadas respostas adequadas com base nos exemplos expostos na Lei (Quadro 3). Destaca-se que práticas parentais adequadas e ambiente familiar saudável devem implicar em um ambiente no qual haja poucos conflitos familiares e cuidados básicos com saúde, educação e lazer da criança. Tais classes deveriam ser mais bem operacionalizadas a fim de que as leis especificassem melhor os comportamentos promotores destas. Tomar como recorte uma discussão específica sobre o que seriam os direitos fundamentais da criança e do adolescente fugiria ao escopo desta pesquisa. Ainda que de modo abrangente, buscou-se responder a essas questões a partir de legislações afins já vigente, em duas categorias: 1- Garantias do direito de convivência familiar e 2- Exercício do poder familiar.

Na primeira estão o art. 227 da Constituição Federal (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988/2001), que enuncia como dever da família, da sociedade e do Estado, com prioridade absoluta, garantir a todas as crianças e adolescentes, entre outros direitos, o direito à convivência familiar e comunitária; o art. 4º do ECA que reitera o texto do art. 227 da Constituição; e o art. 19 do ECA que versa sobre o direito da criança e do adolescente de serem criados e educados no seio da família, assegurado o direito à convivência familiar para o seu pleno desenvolvimento.
Na segunda, na condição de dissolução da conjugalidade, descrevem os artigos
1.579 do Código Civil que assegura que o divórcio não modifica direitos e deveres perante à prole; e 1.589, também do CC, que garante o direito da mãe ou pai que não detém a guarda de visitar e fiscalizar a manutenção e educação dos filhos, mediante acordo entre os pais ou sentença judicial. Ainda na segunda categoria, o art. 1.634 do CC e o art. 21 do ECA apontam que independentemente da situação conjugal, o exercício do poder familiar compete a ambos os pais, igualmente, respeitando a legislação civil, citando alguns deveres e informando a possibilidade de acionar o poder judiciário se houver divergência; o art. 22 do ECA que determina aos pais os deveres de sustento, guarda e educação, além de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais; e o art. 70 do ECA que impõe como dever de todos prevenir ameaça ou violação dos direitos de crianças e adolescentes.
Observa-se que o direito de crianças e adolescentes à convivência familiar é resguardado por legislações de grande relevância no país, entretanto, as proposições nesses textos jurídicos são primordialmente genéricas, portanto, pouco efetivas para o objetivo de instaurar práticas parentais saudáveis ao desenvolvimento infantil. Por esta razão foram pensadas as respostas alternativas (Quadro 3), de modo que quebrassem os binarismos “alienador(a)” e “alienado(a)”, ou mesmo “paternidade” e “maternidade”, e apresentassem comportamentos que valorizam as práticas parentais de ambos os responsáveis e de suas famílias extensas, atuando com respeito ao melhor interesse da criança e do adolescente, em um exercício igualitário e equilibrado de práticas parentais, considerando as particularidades de cada família. Destaca-se, novamente, que as consequências aqui sugeridas não são excludentes, pois, supostamente, para exercer autoridade parental em conjunto, deve haver uma distribuição igualitária de contato com o filho.
A Lei de Alienação Parental é, prioritariamente, punitiva e não propositiva, uma prática de controle comum das agências do Governo (Skinner, 1971; Todorov, 2005). Isso fica evidente dadas as tríplices contingências analisadas, em que as únicas respostas esperadas descritas no texto jurídico são os atos (respostas) de alienação e as respostas de dirimi-las com consequências punitivas.
A lógica de identificar e punir, demonstra a utilização primordial de controle aversivo, o que pode diminuir a eficiência da Lei na garantia de direitos das crianças e adolescentes. Punições positivas (e.g., a aplicação de multa) ou negativas (inversão de guarda, privando o alienador de contato reforçador com o filho) podem diminuir a frequência das respostas de alienação parental. Todavia, esse tipo de controle dificulta a aprendizagem de respostas adequadas (Catania, 1999/1998). Ademais, podem ser citados outros possíveis efeitos colaterais (Moreira & Medeiros, 2018), tais como: a eliciação de respostas emocionais, como raiva, tristeza ou angústia, e a supressão de outras respostas além daquela que foi punida, como algumas respostas adequadas de cuidados e respostas de afetividade por parte do alienador. Tais efeitos podem, inclusive, dificultar a modelagem de respostas de cuidados parentais adequados.
Contingências comportamentais entrelaçadas mantidas por controle aversivo podem ter os mesmos efeitos colaterais de respostas operantes mantidas pelo mesmo tipo de controle. Acrescenta-se ainda, que identificar e punir são respostas emitidas somente após a ocorrência do dano às crianças e adolescentes, impossibilitando a garantia de direitos na perspectiva do art. 70 do ECA que prevê: “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente” (Lei nº 8.069, 1990).
Os incisos I ao VII do art. 2º exemplificam respostas que podem ser classificadas como alienação parental, estes descrevem topografias de respostas. No contexto de alienação parental, não há fundamentação científica para o conceito, assim, as aludidas topografias tornam-se os critérios prioritários para constatação dos atos de alienação. Além disso, a Lei só figura o genitor ou responsável alienador, o que pode dificultar o trabalho dos agentes públicos, pois seu foco será praticamente apenas punir classes de respostas inadequadas.
Assim, é necessário lidar com os contextos de alienação, considerando sua complexidade, complementando outras estratégias ao uso punitivo do direito, considerando os comportamentos dos agentes da família [os(as) responsáveis e a prole] como relações contingentes desses sujeitos com o ambiente e inseridos em uma cultura. Além disso, talvez os peritos pudessem ter suporte de psicólogos(as) analistas do comportamento na análise de contingência com objetivo de conseguirem identificar a função das respostas de alienação, garantindo, possivelmente, melhores cuidados com as crianças em casos de alienação parental.
Ainda assim, reitera-se que o jurista não tem obrigação de exercer um papel de analista do comportamento (e.g., fazer uma análise funcional, modelar respostas adequadas etc.), contudo, segundo Azevedo (2001), as soluções e sentenças jurídicas se justificam desde que atendam as demandas da vida humana, indo além da objetividade e generalidade das normas, considerando os interesses sociais e pessoais de maneira contextualizada. A Lei de Alienação Parental é um dispositivo legal autônomo, mas, para ser eficaz, é fundamental uma articulação com o Estatuto da Criança e do Adolescente e com as demais legislações afins.
Com base na metodologia de Todorov et al. (2004), na Lei 12.318/2010 foram encontradas duas tríplices contingências, uma completa e outra incompleta. A primeira diz respeito ao comportamento “praticar alienação parental”, executado por pais ou responsáveis e foi classificada como completa. A segunda faz referência ao comportamento dos magistrados de “dirimir alienação parental” e foi classificada como incompleta. Contudo, embasada pela metodologia complementar de Carvalho e Todorov (2017), foi possível encontrar no Código Civil (Lei nº 10.406, 2002) diretrizes legais complementares às tríplices contingências de alienação parental. Também foi identificada uma metacontingência de “práticas de alienação parental” e sugerida uma de “práticas parentais saudáveis ao desenvolvimento infantil”.
As metacontingências foram pouco exploradas, pois a Lei descreve somente comportamentos do “alienador(a)” e do “magistrado”, sendo que as contingências comportamentais entrelaçadas envolvem outros sujeitos. Ressalta-se ainda que “a legislação como um todo é fruto de um entrelaçamento complexo de contingências comportamentais que pretende produzir um ordenamento social baseado em Leis. Essas Leis, além de não serem independentes, podem ser complementares” (Araujo, Melo & Haydu, 2016, p. 150), o que é o caso da Lei de Alienação Parental em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
As unidades de análise de tríplice contingências e metacontingências, mostraram-se eficazes para a compreensão e a análise da Lei da Alienação Parental, bem como para identificar as relações funcionais entre os dispositivos legais e subsidiar as respostas desejadas em contraponto aos enunciados punitivos da Lei. Assim, evidencia-se a contribuição que a ciência do comportamento pode ofertar para planejamentos culturais, haja vista que uma Lei sancionada não é garantia de controle social por si só. Para que seja mais eficaz, devem ser combinadas as regras ao rearranjo de contingências (Cabral & Todorov, 2016) que favoreçam o convívio familiar saudável como sessões de aconselhamento parental, psicoterapia individual para genitores e infantes, psicoterapia familiar, acesso a serviços de convivência e fortalecimento de vínculos etc.
A Lei de alienação, no Brasil, carrega um conceito frágil, sem fundamentação científica, o que torna questionável o controle dos comportamentos inadequados no que tange a práticas culturais de convivência familiar. Estudos questionam a utilidade da Lei uma vez que esta pode ampliar a vitimização das mães e dos filhos ao aumentar as chances de encobrir casos reais de maus tratos e abuso sexual por parte de um dos genitores e por apresentar indícios de que as acusações de alienação parental são utilizadas como instrumento de violência de gênero, já que mulheres são, mais comumente, acusadas de alienação parental e sentenciadas como alienadoras (Oliveira, 2020; Soma et al., 2016).
O estudo de Oliveira (2020) avaliou 128 sentenças judiciais de Varas de Família do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) com acusações de alienação parental, proferidas entre os anos de 2010 e 2019. Em apenas 19 sentenças um dos genitores foi considerado alienador. A maioria dos acusados de alienação parental e dos sentenciados como alienadores eram mulheres. O pesquisador questiona a utilidade da Lei uma vez que os magistrados pouco recorrem a ela para embasar suas decisões, além disso, apresenta indícios de que as acusações de alienação parental foram utilizadas como instrumento de violência de gênero.
Outrossim, a Lei de Alienação Parental foca prioritariamente na identificação do comportamento problema e sua punição. Em alguns casos, sobretudo quando se quer uma redução rápida da frequência de respostas de alienação parental, a punição é imprescindível. Contudo, ela não deve configurar a única estratégia interventiva. Assim, há a necessidade de enfrentamento das práticas parentais inadequadas com modificações de contingências que permitam aprendizagem de repertórios adequados para o comportamento esperado bem como ambiente selecionador para estes.
Ressalta-se que a Lei da Alienação Parental se articule eficientemente com a Constituição Federal (1988), o Código Civil (2002) e, principalmente, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), objetivando implementação de práticas culturais de convivência familiar saudáveis ao pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes. Entende-se, dessa maneira, que a proposta de estabelecer respostas propositivas com base nas respostas indesejadas e nas legislações afins constitui-se como uma alternativa de interlocução mais diretiva entre os referidos dispositivos legais. Assim, estipula possibilidade efetiva do aprendizado de novas práticas, sobretudo por envolver todos os sujeitos inseridos no contexto das práticas parentais sem o reducionismo dos rótulos de “alienador(a)” e “alienado(a)”.
Sugere-se, por fim, a importância de novos estudos na área da Psicologia, não com o intuito de absorver o conceito de alienação parental, mas para provocar uma implicação ética da categoria com as contribuições que podem ser dadas nos âmbitos da atuação do profissional psicólogo, na orientação para elaborações e interpretações do ordenamento jurídico e especialmente na promoção de práticas parentais que garantam os direitos fundamentais da população, nesse contexto, de crianças e adolescentes.



