Resumo: O objetivo deste estudo foi verificar o efeito do treino com tentativas de escolha de acordo com o modelo composto (MTS-C) na emergência de relações entre estímulos pelos elementos individuais dos modelos. O participante foi um menino de 6 anos de idade, com diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo. Os estímulos foram sinais de Libras (A), nome ditado (B), palavras escritas (C) e figuras (D) correspondentes de animais. Foi utilizado um delineamento de linha de base múltipla entre conjuntos de estímulos, foram ensinadas as relações AB-C e AB-D e testadas dez relações emergentes. Os resultados indicaram que o participante aprendeu todas as relações ensinadas, mas não demonstrou a formação das classes de estímulos equivalentes planejadas. Esses resultados diferem daqueles encontrados anteriormente na literatura, provavelmente em função das diferenças no repertório de entrada do participante, na estrutura dos blocos de ensino e no número de relações testadas.
Palavras-chave: equivalência de estímulos, discriminação condicional, estímulo composto, transtorno do espectro do autismo, hiper seletividade.
Abstract: The objective of this study was to verify the effect of matching-to-sample training with compound sample stimuli (MTS-C) on the emergence of relations between stimuli by the individual elements of the samples. The participant was a 6-year-old boy diagnosed with Autism Spectrum Disorder. The stimuli were corresponding Libras signs (A), dictated names (B), written words (C) and pictures (D) of animals. A multiple-baseline design across three-stimulus sets was used by testing transitive relations CD and DC. After initial baseline testing, relations AB-C and AB-D were taught for the first stimulus set. After reaching the learning criterion for AB-C and AB-D, emergent relations (AB, BA, AC, CA, AD, DA, BC, CB) were tested for the first stimulus set and transitive relations (CD, DC) were tested for the three stimulus sets. That sequence was then repeated for the other sets. Teaching and testing were all applied with an educational computer program. The results indicated that the participant learned all the taught relations and the emergence of some relations not directly taught. The number of trial blocks to reach the learning criterion decreased throughout the procedure (78 blocks for the first set, 58 for the second and 22 for the last set). The percentage of correct responses at baseline varied between 30 and 40% for CD and DC relations. In the tests applied immediately after teaching AB-C and AB-D for the first set, the participant presented 80% correct responses for CD and DC first set relations, while the percentage of correct responses remain the same for the other sets. In the tests applied immediately after teaching AB-C and AB-D for the second set, the participant presented, respectively, 50 and 60% correct responses for CD and DC second set relations, while the percentage of correct responses remain the same for the last set. In the tests applied immediately after teaching AB-C and AB-D for the third set, the participant presented same percentage of correct responses for CD and DC third set relations as in baseline. These results do not allow us to state that the participant formed all the classes planned in the study. Besides, maintenance data suggest that performance was not maintained, because percentage of correct responses for CD and DC relations returned to baseline condition. These results differ from those found previously in the literature, in which one participant demonstrated formation of equivalent stimulus classes. Data are discussed based on other literature papers and the differences among the studies. The differences are in the participant’s input repertoire (the participant in this study was not a sign language user), the structure of the teaching blocks (gradual introduction of the number of sample and comparison stimuli) and the number of relations tested (ten relations).
Keywords: stimulus equivalence, conditional discrimination, compound stimulus, autism spectrum disorder, hyper selectivity.
Equivalência de Estímulos com estímulos compostos em um menino com autismo1

Received: 06 April 2023
Accepted: 31 August 2023
Para produzir repertórios de discriminação condicional (em que uma determinada condição ou estímulo condicional define outro estímulo como discriminativo, ou seja, aquele cuja escolha produzirá acesso ao reforçador) geralmente utilizamse tentativas de escolha de acordo com o modelo (MTS, do inglês Matching-toSample). Essas tentativas são geralmente apresentadas com um estímulo modelo (ou condicional) e dois ou mais estímulos de comparação (em que um é discriminativo para o reforçador) compostos por um único elemento (Elias et al., 2008; Haegele et al., 2011; Maguire et al., 1994; Sidman, 1971), que pode ser visual estático (palavra impressa ou figura), visual dinâmico (vídeo) ou auditivo (palavra ditada).
Sidman (1971) ensinou uma série de discriminações condicionais a um jovem com microcefalia, utilizando tentativas de MTS para selecionar palavras impressas na presença das palavras ditadas correspondentes. Este jovem já apresentava relações entre palavras ditadas e figuras. Em função do ensino, ele passou a selecionar palavras impressas na presença das figuras correspondentes e viceversa e a ler oralmente essas palavras impressas sem que essas relações fossem diretamente ensinadas.
A discriminação condicional pode ser utilizada para gerar classes de estímulos equivalentes. Por exemplo, um participante aprende a selecionar a figura de um gato (B1) na presença da palavra falada “gato” (A1) e aprende a selecionar a palavra impressa GATO (C1) na presença da figura de um gato (B1). Da mesma forma, ele aprende a selecionar a figura de um cachorro (B2) na presença da palavra falada “cachorro” (A2) e aprende a selecionar a palavra impressa CACHORRO (C2) na presença da figura de um cachorro (B2). Portanto, são ensinadas as relações A1B1, B1C1, A2B2 e B2C2, separadamente. Se esses estímulos se tornarem equivalentes, então os estímulos A1, B1 e C1 e os estímulos A2, B2 e C2 passam a pertencer a duas classes de estímulos equivalentes. Para verificar se os estímulos são equivalentes, depois de instaladas as discriminações condicionais diretamente ensinadas entre eles, é necessário fazer os testes das relações não ensinadas, ou relações emergentes, seguindo, de maneira objetiva, as três propriedades da definição matemática de equivalência: reflexividade, simetria e transitividade (Sidman & Tailby, 1982). Reflexividade corresponde à relação condicional entre dois estímulos idênticos (A = A). Simetria corresponde à relação condicional inversa à ensinada entre dois estímulos diferentes (se A = B, então B = A). Transitividade é a relação condicional entre dois estímulos não relacionados anteriormente (se A = B e B = C, então A = C).
Alguns estudos têm utilizado tentativas de MTS com estímulos compostos, no qual o estímulo modelo e/ou o de comparação são constituídos por mais do que um elemento (Groskreutz et al., 2010; Lovaas et al., 1971; Rosales et al., 2014; Stromer et al., 1993), num esforço para aumentar a eficiência da intervenção, gerando um número maior de relações e/ou de respostas operantes emergentes com menos treino. Por exemplo, um participante aprende a selecionar a palavra impressa GATO (C) na presença da palavra falada “gato” (A) e da figura de um gato (B), apresentadas simultaneamente, ou seja, é ensinada a relação AB-C, em que AB representa o estímulo modelo composto. Há, nessa área de estímulos compostos por múltiplos elementos, estudos que utilizaram tentativas de MTS com o estímulo modelo composto e estímulos de comparação simples (Stromer & Stromer, 1990b), estímulos modelos simples e estímulos de comparação compostos (Ribeiro et al., 2015) ou ambos compostos (Hayashi & Vaidya, 2008).
Um dos benefícios do treino com estímulos modelos compostos é que cada um dos elementos do estímulo modelo composto pode exercer controle de estímulo e ocasionar a seleção do estímulo de comparação correto (Groskreutz et al., 2010), o que implica em economia de ensino, seja no número de tentativas de ensino assim como na emergência de novas relações.
Uma limitação em potencial do treino com estímulos compostos é que, em alguns casos, é identificada a hiper seletividade de estímulos, em que os elementos individuais dos estímulos modelos compostos não controlam corretamente as respostas de escolha (Lovaas et al., 1971; Stromer & Stromer, 1990a; Stromer et al., 1993). Hiper seletividade de estímulos, ou controle restrito de estímulos, é identificado quando um indivíduo é treinado para responder a uma combinação de estímulos com múltiplos elementos, mas responde a somente parte dos elementos quando esses são apresentados isoladamente (Lovaas et al.,1971; Kelly & Reed, 2021). No exemplo anterior, após ensinar a relação AB-C, ao testar as relações separadamente A-C e B-C, pode ser que ocorra a resposta correta para B-C, mas não para A-C, ou seja, apenas o elemento B do estímulo modelo AB exerce controle sob o responder.
A literatura traz estudos que evidenciam que indivíduos com atrasos no desenvolvimento podem demonstrar hiper seletividade de estímulos, como crianças e adultos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) (Lovaas et al., 1971; Kelly & Reed, 2021). Ploog (2010) citou que fatores procedurais, como os tipos de dicas utilizadas no ensino, podem ser potenciais contribuidores para o desenvolvimento de hiper seletividade, mas que não havia evidência de que a modalidade sensorial dos estímulos seja um fator primário na demonstração deste comportamento.
As dicas podem ser divididas em “dentro do estímulo” e “externa ao estímulo” (Markham et al., 2020). Uma dica dentro do estímulo refere-se a algum aspecto do estímulo discriminativo (SD) ou estímulo delta (S∆) que é alterado para ajudar o indivíduo a fazer uma discriminação correta. Por exemplo, se uma criança deve apontar a imagem de um gato na presença de outras imagens, a figura do gato pode ser colorida e as outras imagens em preto e branco. Uma dica externa ao estímulo acontece quando outro estímulo é adicionado para ajudar o indivíduo a fazer uma discriminação correta. Por exemplo, apontar para o braço esquerdo da criança ao mesmo tempo que solicita “Levante seu braço esquerdo”.
Schreibman et al. (1978) demonstrou a superioridade de dicas dentro do estímulo, particularmente para indivíduos propensos a hiper seletividade, pois elas são apresentadas como um dos elementos do SD final, enquanto dicas externas ao estímulo são apresentadas em adição ao SD final (Schreibman et al., 1978). Indivíduos que são propensos a demonstrar controle restrito de estímulos podem atentar a somente um elemento, a dica, quando dicas externas ao estímulo são utilizadas, dificultando a transferência de controle de estímulos para o SD final (Schreibman et al., 1978). Entretanto, Maguire et al. (1994) e Groskreutz et al. (2010) utilizaram dicas externas ao estímulo e não encontraram respostas de hiper seletividade ou controle restrito de estímulos.
Maguire et al. (1994) apresentaram uma série de estudos nos quais implementaram treino de escolha de acordo com o modelo composto (MTS-C) em dois adultos diagnosticados com TEA e quatro crianças neuro típicas. Os estímulos compostos incluíam dois (Experimentos 1 e 2) ou três (Experimentos 2 e 3) elementos. Todos os estímulos utilizados eram visuais (figuras). Para o ensino, foi utilizada dica externa ao estímulo, em que, nas primeiras tentativas, o estímulo modelo complexo era colocado sobre o estímulo comparação correto. O participante do Experimento 1A era um homem de 21 anos diagnosticado com TEA. Após o treino com tarefas de MTS-C, os testes demonstraram controle de estímulos visuais por elementos individuais dos estímulos modelos e formação de duas classes de estímulos com três membros. Os resultados do experimento 1A foram replicados no experimento 1B com um adulto de 22 anos de idade com TEA e duas crianças neuro típicas com quatro e nove anos de idade. No experimento 2A, as classes de estímulos de três membros foram expandidas para uma classe de estímulos de quatro membros, com o ensino das relações AB-D e D-C. Os resultados nos testes indicaram a formação de duas classes de estímulo com quatro membros para crianças neuro típicas com quatro anos de idade. No Experimento 2B, foram ensinadas as relações ABC-D, ou seja, um novo elemento foi incluído nos estímulos modelos, para duas crianças neuro típicas de quatro e nove anos de idade. Os resultados do Experimento 2B replicaram os do Experimento 2A. Os resultados dos experimentos de Maguire et al. (1994) demonstraram a utilidade do treino de MTS-C para adultos com TEA e crianças neuro típicas e não houve evidências de hiper seletividade de estímulos, todos na modalidade visual.
Groskreutz et al. (2010) expandiram os resultados de Maguire et al. (1994) ao utilizarem treino com tarefas de MTS-C em crianças e adolescentes com TEA, com idades entre quatro e 18 anos. Nas sessões de treino, os participantes foram ensinados a selecionar palavras impressas na presença de estímulos auditivo/visuais compostos (nomes ditados de figuras + figuras). Para o ensino, foi utilizada uma forma de dica externa ao estímulo (o experimentador apontava para o estímulo comparação correto) usando atraso progressivo (após 0s, 1s, 2s, 3s, 4s e 5s da apresentação dos estímulos de comparação). Após alcance de critério no treino, foram conduzidas tentativas de teste para avaliar o controle dos elementos individuais dos estímulos modelos auditivo-visuais, pela leitura das palavras impressas e nomeação das figuras e todas as possíveis relações treinadas e emergentes de relações entre estímulos. Os resultados demonstraram a formação de classes de estímulos equivalentes com três membros e nenhuma evidência de hiper seletividade (Groskreutz et al., 2010)
Mais recentemente, Yorlets et al. (2018) tiveram por objetivo estender os trabalhos de Maguire et al. (1994) e Groskreutz et al. (2010) utilizando um protocolo de aprendizagem sem erros no treino com MTS-C. A participante foi uma menina com 10 anos de idade com diagnóstico de TEA, que foi ensinada a selecionar palavras impressas e figuras na presença de estímulos modelos compostos. Os estímulos modelos eram compostos por elementos visuais (sinais da Língua Americana de Sinais) e auditivos (nome ditado no sinal). Foram utilizadas dicas dentro dos estímulos de comparação correto (tamanho das letras para as palavras impressas e contorno na cor azul para as figuras). Após alcance de critério no treino, os testes realizados na ausência de consequências programadas demonstraram o controle preciso de cada elemento do modelo, bem como as relações emergentes entre estímulos e a formação de três classes de estímulos com quatro membros cada (sinal, nome, figura, palavra impressa). Nenhuma evidência de hiper seletividade de estímulos foi verificada durante os pós-testes. Apesar dos resultados promissores, a participante do estudo de Yorlets et al. (2018) já utilizava língua de sinais. Adicionalmente, os estímulos eram apresentados pelo próprio experimentador, o que pode produzir diferenças quanto à velocidade ou ao formato na apresentação do sinal a cada tentativa e não foram testadas relações em que os sinais eram apresentados como comparação.
Como mostrado nos três estudos (Groskreutz et al., 2010; Maguire et al., 1994; Yorlets et al., 2018) o treino com tentativas de MTS-C foi eficiente para demonstrar controle pelos estímulos modelos compostos assim como por cada elemento individualmente. Adicionalmente, nesses estudos, foram utilizadas dicas dentro e externas aos estímulos discriminativos para produzir aprendizagem sem erros ou com poucos erros.
Oliveira e Elias (2020) tiveram por objetivo verificar os efeitos do ensino de respostas de ouvintes em tentativas de discriminação condicional na emergência de respostas intraverbais em três crianças com cinco e seis anos de idade com diagnóstico de TEA. Inicialmente, foi aplicado um protocolo de relações intraverbais e uma sonda com dez perguntas, em três sessões de linha de base, das quais foram selecionadas três que nenhum dos participantes respondeu corretamente para as fases de ensino. As outras sete perguntas serviram como controle. Em seguida, eles foram expostos ao ensino de discriminações condicionais entre nome-figura e entre pergunta-figura e a um teste de tato para as figuras. Por fim, as dez perguntas foram reaplicadas. Foi utilizado um protocolo com dica externa aos estímulos, em que o número de estímulos comparações era aumentado de um (um modelo para um comparação) a três (um modelo para três comparações) conforme desempenho do participante. Os resultados indicaram que emergiram as respostas intraverbais para as três perguntas utilizadas no ensino, mas não para as perguntas controle que os participantes responderam incorretamente durante a linha de base.
O presente estudo pretende expandir os achados de Yorlets et al. (2018), com as seguintes modificações: (i) o participante foi um menino com TEA não usuário de língua de sinais; (ii) as tentativas foram apresentadas em um computador portátil e um programa educacional específico; (iii) o protocolo de aprendizagem sem erros foi o mesmo utilizado em Oliveira e Elias (2020), com dica externa aos estímulos; e (iv) foram testadas todas as possíveis relações simétricas, transitivas e de controle por cada elemento do estímulo composto. Portanto, o objetivo desse estudo foi verificar o efeito do treino com tentativas de MTS-C na emergência de relações entre estímulos pelos elementos individuais dos modelos e de relações simétricas e transitivas, utilizando um protocolo de ensino com introdução gradual das dificuldades na tarefa, como o número de estímulos modelos e de comparação em cada bloco consecutivo.
O participante foi um menino de 6 anos de idade, com diagnóstico de TEA, regularmente matriculado na primeira série do ensino fundamental público. Para este estudo, foi utilizada a escala CARS (do inglês Childhood Autism Rating Scale; Schopler et al., 1986; traduzido para o Brasil por Pereira et al., 2008), em entrevista com a mãe. As pontuações podem ser encontradas na Tabela 1. A pontuação total foi de 33, o que coloca o participante no grau leve-moderado de TEA.
O participante faz uso atípico do corpo, com pouco uso do calcanhar esquerdo. Ele se locomove normalmente com o membro inferior direito, mas para o esquerdo a movimentação é feita totalmente na ponta do pé. Como consequência disso, há notáveis diferenças nas musculaturas das duas pernas, especificamente da coxa e da panturrilha. Além disso, o participante apresenta resistência a mudanças de rotina, assim como respostas emocionais anormais e excessivas em novos contextos. Ele utiliza o toque com a mão como fonte de estímulos sensoriais, aparentemente muito reforçadores, já que a criança sempre encosta em objetos, pessoas e comidas e demonstra irritabilidade quando alguém o proíbe de fazê-lo.
O participante também apresenta padrões rotativos (estereotipias) girando corpo, braços, pernas e objetos ao redor. Por fim, ele apresenta atraso na comunicação não verbal, pois não faz uso de gestos como apontar e não olha para objetos de desejo. A comunicação ocorre majoritariamente por meio de comunicação verbal e, quando ele fala algo de forma incorreta e as pessoas não entendem, ocorre aumento na frequência e na intensidade de fala, grito e choro.

Para a coleta de dados foi utilizado um notebook Dell Inspiron, com tela de 15 polegadas, com o software MestreLibras (Elias & Goyos, 2010). Foram utilizados também bancos de imagens e vídeos para a seleção de reforçadores escolhidos pela criança. O ambiente de coleta foi a casa do participante, na sala de estar, sem a presença próxima de familiares e com aparelhos eletrônicos desligados.
Para a seleção dos estímulos, os pesquisadores definiram, a priori, o uso de animais cujos nomes contêm até três sílabas. Os estímulos selecionados nessa etapa foram: alce, atum, abibe, ádax, boto, bútio, biguá, coala, cutia, corvo, cervo, corça, dodô, ema, foca, furão, gambá, iaque, lula, lêmure, raia, quati, tatu, tordo. Em seguida, foi realizada uma sonda a fim de verificar que animais o participante não conseguia nomear. As fotos dos animais foram apresentadas, uma a uma, juntamente com a pergunta “Que animal é esse?”. Como o participante não nomeou corretamente nenhum dos animais apresentados, foram eliminados os nomes com três sílabas (para tentar evitar controle do responder pelo tamanho da palavra escrita) e aqueles que evocaram nomes da categoria (como peixe e pássaro). Da lista restante, priorizou-se nomes cuja primeira letra era diferente. Então, foram selecionados os seguintes estímulos: alce, quati, raia, corsa, cutia, tatu, onça, panda e gambá. A Tabela 2 apresenta os estímulos utilizados em cada conjunto e cada classe pretendida. Nas tentativas de ensino, o estímulo modelo era um vídeo composto pelo sinal em Libras e o nome ditado do animal e os estímulos de comparação eram os nomes impressos ou as figuras dos animais.

MTS informatizado. Essas tentativas foram apresentadas no MestreLibras. Cada tentativa iniciava com o participante sentado em frente ao computador e com a apresentação de um estímulo modelo, centralizado na metade superior do monitor do computador. Assim que o participante emitia a resposta de observação ao estímulo modelo (clicar com o mouse sobre o estímulo), o programa apresentava de um a três estímulos de comparação na metade inferior da tela. A escolha de um estímulo de comparação foi identificada pelo clique sobre o estímulo com o mouse. Em tentativas de ensino, respostas corretas eram seguidas da apresentação de um gif animado por alguns segundos e elogios do pesquisador e respostas incorretas eram seguidas da apresentação de uma tela preta. Em tentativas de teste, não havia consequências programadas para respostas corretas e incorretas. O intervalo entre tentativas foi de 2 segundos.
Avaliação de preferência. Inicialmente, os responsáveis indicaram itens que a criança gostava e sobre os quais ela falava. Foram indicados dois grandes temas: padrões rotatórios e animais, especificamente pássaros. Em seguida, junto com o participante, foram pesquisados gifs de diversos temas, tantos aqueles indicados pelos responsáveis quanto alguns indicados pelo próprio participante. Os reforçadores foram escolhidos ao início de cada dia de ensino e incluíam gifs de diversos temas, como furacões, buracos negros, pessoas e casas girando, o TazMania, galinhas etc. Além disso, ao final de cada módulo, havia um dia de brincar, no qual o pesquisador acessava jogos de interesse do participante e jogava com ele no computador.
Familiarização com as tarefas. Essa condição foi baseada na informação dos pais de que o participante já sabia usar computador e mouse. Antes de iniciar as fases de ensino e teste, foi aplicada uma tarefa de MTS de identidade, com figuras de três animais que não foram utilizadas nas outras fases do estudo, em um bloco com nove tentativas. O pesquisador deu duas instruções nas três primeiras tentativas deste bloco. Na presença do estímulo modelo, a instrução foi “Clique com o mouse”; na presença dos estímulos de comparação, a instrução foi “Escolha um e clique com o mouse”. O participante acertou todas as tentativas.
Delineamento Experimental. Foi utilizado um delineamento de linha de base múltipla entre conjuntos de estímulos, em que as relações de transitividade CD e DC para cada conjunto de três estímulos eram testadas, sem a apresentação de consequências diferenciais, antes (linha de base) e após cada fase de ensino. Além disso, as relações de simetria e de controle por cada elemento do estímulo modelo composto eram testadas após alcance de critério para o conjunto ensinado. O primeiro conjunto foi composto pelos estímulos alce, quati e raia, o segundo conjunto por corsa, cutia e tatu e o terceiro por onça, panda e gambá. A Tabela 3 apresenta a sequência experimental, demonstrando o delineamento utilizado.

Ensino e teste das relações. As sessões foram realizadas de quatro a cinco vezes na semana, de acordo com as disponibilidades da família. Os blocos de tentativas de MTS-C (blocos de ensino) informatizado seguiram o que foi proposto por Oliveira e Elias (2020), em que há a introdução gradual do número de estímulos modelos e de comparação. A Tabela 4 apresenta o exemplo da sequência e do formato dos blocos de ensino das relações AB-C para o primeiro conjunto de estímulos. Esta mesma sequência com oito blocos foi utilizada para as outras relações ensinadas. O critério de aprendizagem para a progressão na sequência dos blocos era de 100% de respostas corretas em um único bloco (por exemplo, o participante passava para o bloco 2 somente após acertar as três tentativas do bloco 1; passava para o bloco 3 somente após acertar as seis tentativas do bloco 2 e assim por diante). Os blocos de teste com MTS informatizado para cada relação derivada (relações simétricas: CA, DA; relações transitivas: CD e DC; relações que avaliaram o controle do responder por cada um dos elementos dos estímulos modelos de ensino: AC, AD, BC e BD) eram todos compostos por nove tentativas, sendo um estímulo modelo e três comparações em cada tentativa. Assim como em Yorlets et al. (2018), considera-se um desempenho mínimo de 80% de respostas corretas em todas as relações derivadas como indicativo da formação das classes de estímulos equivalentes neste estudo.

Concordância entre observadores e Integridade do tratamento. Todas as tentativas em todas as fases experimentais foram apresentadas e registradas automaticamente por um programa de computador; portanto, nenhuma avaliação foi feita.
De forma geral, o participante aprendeu todas as relações ensinadas, com MTS com estímulo modelo composto por sinal e nome ditado do animal, para os três conjuntos de estímulos (ver Figura 1). Os dados dos testes das relações derivadas (ver Figura 2) indicam que o participante apresentou novas relações, mas o desempenho variou de 30 a 100% de respostas corretas, o que não permite afirmar que ele formou todas as classes de estímulos equivalentes planejadas.

Nota. Linhas pontilhadas indicam passagem do ensino de AB-C para AB-D. Cada círculo corresponde a um bloco da Tabela 3 e círculos não conectados indicam passagem de um bloco para o próximo.

Nota. As linhas pontilhadas verticais representam as fases de ensino; os dados à esquerda dessas linhas são dados de linha de base e os dados à direita são dados de pósteste e manutenção após alcance de critério nas fases de ensino.
Conforme dados da Figura 1, o participante alcançou critério de aprendizagem em 28 blocos (192 tentativas) para as relações AB-C e em 44 (291 tentativas) para as relações AB-D com os estímulos do primeiro conjunto, totalizando 72 blocos (483 tentativas). Para os estímulos do segundo conjunto, foram 38 blocos (231 tentativas) para as relações AB-C e 19 (126 tentativas) para as relações AB-D, totalizando 57 blocos (357 tentativas). Para os estímulos do terceiro conjunto, foram 10 blocos (57 tentativas) para as relações AB-C e 13 (78 tentativas) para as relações AB-D, totalizando 23 blocos (135 tentativas). Ressalta-se que o maior número de tentativas para alcance de critério foi nos blocos 5, 7 e 8 (ver Tabela 4), em que havia randomização da apresentação dos estímulos modelos ou maior número de estímulos de comparação. Por outro lado, na maioria dos blocos em que o modelo era fixo, o participante alcançou critério na primeira apresentação.
Os dados da Figura 2 indicam aumento no desempenho para as relações transitivas CD e DC para os conjuntos de estímulos 1 e 2 (de 30 a 40% de respostas corretas em linha de base para 60 a 80% nos testes), mas não para o conjunto 3 (30% de respostas corretas em todos os testes). Entretanto, os testes posteriores dessas relações para os conjuntos 1 e 2 indicam que não houve manutenção desses repertórios (últimos conjuntos de barras pretas na Figura 2). O desempenho nas outras relações derivadas AC, AD, CA, DA, BC e BD foi superior para o conjunto 1, com 100% de respostas corretas para as relações AD e BC e 90% para CA e BD.
O objetivo deste estudo foi verificar o efeito do treino com tentativas de MTS-C na emergência de relações entre estímulos pelos elementos individuais dos modelos e de relações simétricas e transitivas, utilizando um protocolo de ensino com introdução gradual das dificuldades na tarefa, como o número de estímulos modelos e de comparação em cada bloco consecutivo.
Em geral, nos blocos em que o estímulo modelo ou de comparação eram fixos (blocos 1, 2, 3, 4 e 6 da Tabela 4), o participante alcançou critério em, no máximo, três blocos; nos blocos em que modelos e comparações eram randomizados ou eram apresentados três comparações (blocos 5, 7 e 8 da Tabela 4), o participante alcançou critério depois de repetidas apresentações (ver Figura 1). Esses dados podem indicar que o participante não estava realizando, inicialmente, as discriminações sucessivas entre os estímulos modelos de uma tentativa para a seguinte ou as discriminações simultâneas entre os estímulos de comparação em cada tentativa. Segundo Green e Saunders (1998), para alcançar os requerimentos das contingências contidas em tentativas de MTS consistentemente, o participante deve discriminar entre os estímulos modelos apresentados sucessivamente através das tentativas e entre os estímulos comparações apresentados simultaneamente nas tentativas.
Por outro lado, o número total de blocos para alcance de critério foi diminuindo ao longo dos conjuntos, o que pode indicar que esses repertórios foram adquiridos ao longo do procedimento. Saunders e Spradlin (1989) sugerem que o procedimento de MTS com tentativas que repetem o mesmo estímulo modelo em blocos inteiros e novos estímulos são adicionados gradualmente pode acelerar ou facilitar o aprendizado. Adicionalmente, Saunders e Spradlin (1993) afirmam que a aquisição de emparelhamento arbitrário se torna mais rápida como uma função do número de discriminações condicionais já aprendidas, sendo que a aquisição pode, eventualmente, ocorrer em uma única tentativa.
Em todos os testes de linha de base, o participante apresentou desempenho abaixo do nível do acaso, variando entre 30 e 40% de respostas corretas para as relações CD e DC, sendo que os desempenhos melhoraram nos testes aplicados imediatamente após a fase de ensino para os conjuntos 1 e 2. Para o conjunto 1, o desempenho do participante para as relações testadas fica acima do acaso, com 80% de respostas corretas para as relações CD e DC, 100% para as relações AD e BC e 90% para CA e BD. Esses dados sugerem que o participante formou essas classes de estímulos equivalentes para o conjunto 1.
Para o conjunto 2, apesar do desempenho para as relações CD e DC ter melhorado de 40% para 50% (CD) e 60% (DC), esse desempenho, mesmo acima do nível do acaso (considera-se nível do acaso 33% de respostas corretas, pois se o participante responder por posição ou por preferência de estímulo, ele terá três acertos em nove tentativas), fica abaixo do critério mínimo para que se considere que houve aprendizagem (pelo menos 80% de acertos). O mesmo pode ser verificado para as outras relações testadas, sendo que o participante apresentou 70% de acertos para a relação BC e 60% para as relações AC e BD. Para o conjunto 3, nota-se que o desempenho não alterou entre linha de base e teste para as relações transitivas, mas o participante apresentou 70% de acertos para a relação BA e 60% para a relação BC.
Uma hipótese para o desempenho mais baixo nos testes das relações derivadas para os conjuntos 2 e 3 em relação ao conjunto 1 refere-se ao número de exposições e quantidade de reforçadores que também foi menor para as relações dos conjuntos 2 e 3, em que o participante alcançou critério de aprendizagem em menos blocos de tentativas. No total, foram 72 blocos de ensino para o conjunto 1, 57 para o conjunto 2 e 23 para o conjunto 3. As médias das porcentagens de acertos para os testes das relações derivadas aplicados imediatamente após o ensino de cada conjunto também seguem esse padrão, sendo de 77% para o conjunto 1, 50% para o conjunto 2 e 44% para o conjunto 3.
Os dados de manutenção (últimas barras para os conjuntos 1 e 2 na Figura 2) sugerem que o desempenho não foi mantido após ensino para os novos conjuntos. Estudos futuros poderiam apresentar blocos de tentativas intercaladas entre as relações já aprendidas e as relações sendo ensinadas antes de aplicar cada nova bateria de testes.
Apesar dos desempenhos nas relações testadas estarem abaixo de critérios mínimos para que se considere que houve aprendizagem (pelo menos 80% de acertos), nota-se que o participante apresentou desempenho acima de 50% para várias dessas relações sem ensino direto. Esses dados diferem daqueles encontrados por Yorlets et al. (2018), em que a participante demonstrou formação das classes de estímulos equivalentes. Essa diferença pode ser função de duas variáveis distintas entre os estudos: (i) no presente estudo, o participante não tinha conhecimento de língua de sinais, enquanto no estudo de Yorlets et al. (2018) a participante era usuária de sinais e (ii) no presente estudo foram utilizadas dicas externas aos estímulos (introdução gradual dos estímulos modelos e de comparação), enquanto no outro estudo foram utilizadas dicas dentro dos estímulos.
Apesar desses dados não permitirem afirmar que o participante formou todas as classes de estímulos equivalentes planejadas, há indício de que os elementos individuais dos estímulos modelos compostos passaram a exercer algum controle sobre o responder. Por exemplo, para o conjunto 1, o participante apresentou 70, 100, 100 e 90% de respostas corretas, respectivamente, para as relações AC, AD, BC e BD. Para o conjunto 2, essas porcentagens foram, respectivamente, 60, 50, 70 e 60%.
Esses dados não permitem, no entanto, discutir a questão da hiper seletividade, pois os erros podem ser função da falta de controle dos dois estímulos usados como modelos (sinais e palavras ditadas) ou controle de apenas um deles. Apesar dessa análise ser um contraponto a pesquisa de Yorlets et al. (2018), uma explicação é fornecida por Ploog (2010, p. 1334), em que “a hiper seletividade pode ser fruto de tendências ao invés de um déficit”. Pode-se interpretar essas tendências de acordo com a história de reforçamento do indivíduo, em que responder a um único aspecto de um estímulo composto foi suficiente para produzir reforçadores. Essa possibilidade é levantada por Yorlets et al. (2018) e os dados encontrados no presente estudo fortalecem essa hipótese ao mostrar diferenças nesse aspecto entre crianças distintas, com histórias distintas de reforçamento.
Por fim, segundo o relato verbal dos pais, foram percebidas melhorias em comportamentos relacionados ao estudo, como permanência em tarefas, aumento da resistência à frustração durante erros, assim como engajamento em tarefas e sensibilidade a consequências verbais como “Muito bem”.
O presente trabalho também vai ao encontro da reflexão feita por Yorlets et al. (2018) quanto a limitação que existe como decorrência de o presente trabalho ter sido realizado com apenas um participante. Não é possível generalizar os resultados obtidos, sendo necessárias futuras aplicações de procedimentos semelhantes para a comparação entre diversos participantes, em busca de padrões e dados estatísticos a respeito da relação da população alvo com o aprendizado de relações de equivalência de estímulos compostos. Outra limitação é que apenas as relações de transitividade foram testadas em linha de base, o que dificulta a afirmação que as relações de que as outras relações emergiram, apesar de o participante não ser usuário de Libras e não saber nomear os animais no início da pesquisa.
Estudos futuros poderiam replicar o procedimento com mais participantes, usuários e não usuários de Libras para verificar se esse repertório interfere na aquisição e emergência das relações. Além disso, o critério de aprendizagem poderia ser aumentado de 100% em um único bloco para 100% em pelo menos dois blocos consecutivos quando as três relações são apresentadas de forma randomizada para aumentar o número de exposições a essas tentativas. Variações na estrutura de treino também poderiam ser testadas; por exemplo, neste estudo foi utilizada a estrutura de um para muitos (AB-C e AB-D); estudos futuros poderiam utilizar a estrutura linear (AB-C e BC-D) ou de muitos para um (AB-D e AC-D).
Por fim, este estudo contribui para as discussões na área de Equivalência de Estímulos, principalmente sobre economia de ensino e utilização de estímulos compostos por múltiplos elementos e, ainda, sobre como investigar a hiper seletividade em indivíduos com TEA. Segundo Stromer et al. (1992), a Equivalência de Estímulos pode produzir economia na tarefa de ensinar de acordo com três os aspectos: (1) é possível que sejam identificadas quais relações já estão presentes e quais estão ausentes no repertório do indivíduo; (2) ao ensinar duas relações de discriminação condicional, outras relações irão emergir, sem ensino direto; e (3) as classes já formadas podem ser expandidas e, para os casos de expansão, não é necessário associar o novo estímulo a todos os outros estímulos daquela classe, mas a somente um de seus membros. Se forem ensinadas relações com estímulos modelos compostos por, por exemplo, dois componentes, e outras relações emergirem sem ensino direto, duas relações são ensinadas em uma única etapa, reduzindo as fases de ensino.





