Resumo: A Análise do Comportamento Aplicada é considerada uma ciência eficaz, sólida e promissora para o tratamento de crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Dentre as possibilidades de intervenção para esse público, o ensino incidental apresenta-se como uma estratégia promissora, mas ainda são escassos os estudos sobre essa modalidade de intervenção. Diante desse cenário, o objetivo deste estudo foi avaliar a implementação de ensino incidental, por profissionais e cuidadores, para o ensino do operante verbal mando a crianças diagnosticadas com TEA. Utilizou-se um delineamento experimental de linha de base múltipla entre participantes para avaliar a relação funcional entre a implementação de programas de ensino pelos aplicadores, no mínimo de três vezes por semana, e a aquisição das habilidades pelas crianças. Ambos os agentes de intervenção, profissionais e cuidadores, foram capazes de ensinar habilidades de mando para crianças com TEA via ensino incidental. Na intervenção realizada por profissionais, foi necessária uma média de 5,2 sessões para alcançar critério de aprendizagem, e na intervenção realizada por cuidadores, foram necessárias uma média de 8,5 sessões. Em contrapartida, os cuidadores implementaram menos tentativas de ensino. Portanto, ambos os tipos de intervenção apresentam eficácia e eficiência no treino de habilidades.
Palavras-chave: Análise do Comportamento Aplicada, Ensino Incidental, Intervenção via Cuidador, Intervenção via Profissional, TEA.
Abstract: Applied Behavior Analysis is considered an effective, solid and promising science for the treatment of children diagnosed with Autism Spectrum Disorder (ASD). There are a variety of teaching strategies aimed at this audience, including incidental teaching, which presents itself as an interesting strategy. As fundamental characteristics of this strategy, we can highlight the planning of teaching contingencies considering the child’s natural environment and the requirement of the child’s motivation as a starting point to start a teaching unit. Considering the literature in the area, there are few studies that have investigated the implementation of incidental teaching by professionals, and even rarer are the studies that have investigated the implementation of this teaching procedure by caregivers. Also, there is a need to investigate the use of incidental teaching both for mands (make an order) for an item, and for other types of mands, mand for information, for example. Considering this scenario, the objective of this study was to evaluate the implementation of incidental teaching, by professionals and caregivers, for teaching the verbal operant mand (by item and by information) to children diagnosed with ASD. Nine children, ten caregivers, and two professionals participated in this study. A baseline experimental design was used to assess the functional relationship between the implementation of teaching programs by practitioners, caregivers, and professionals, with a minimum of three times a week, and the acquisition of mand skills by item and for information by children. For this, the performance of the participants was evaluated before (baseline) and during (intervention) the implementation of the independent variable of the study (application of the teaching procedure by the applicators). From the data, it is possible to verify that before the intervention all the participants did not have the target skills in their repertoire and, as the applicators were implementing the teaching procedures, the performance accuracy of the participants was increasing until reaching maximum precision. It was also possible to verify the skill acquired by the children occurring with another different applicator of who conducted the intervention (generalization), as well as verifying the skill in the participants’ repertoire even after a month of the end of the intervention (follow-up). In addition, it was possible to verify that in the intervention carried out by professionals, an average of 5,2 teaching sessions for children to reach learning criteria, and in the intervention performed by caregivers, an average of 8,5 sessions were required. On the other hand, caregivers implemented a lower average of teaching attempts for children to acquire skills. Therefore, it is possible to conclude that the intervention conducted by both types of applicators is effective and efficient, with slight differences between them.
Keywords: Applied Behavior Analysis, Incidental Teaching, Intervention via Caregiver, Intervention via Professional, ASD.
Implementação de ensino incidental via profissionais e cuidadores a crianças autistas

Received: 05 April 2023
Accepted: 09 September 2023
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é descrito pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (APA, 2014) como um transtorno do neurodesenvolvimento que possui as seguintes características diagnósticas: a) dificuldade nas interações sociais; b) comprometimento da comunicação verbal e não-verbal; c) presença de comportamentos estereotipados; e d) presença de repertório restrito de interesses e atividades. O TEA vem apresentando aumento na prevalência em todos os continentes nos últimos 20 anos (Zeidan et al., 2022). Nos Estados Unidos, a estimativa deste diagnóstico é de uma a cada 44 crianças (CDC, 2021).
A Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis - ABA) é uma ciência aplicada eficaz e sólida, que fornece subsídios, também, para a intervenção de pessoas com diagnóstico de TEA (Gitimoghaddam et al., 2022). As intervenções de cunho analítico-comportamental atuam através da investigação das variáveis ambientais que mantêm os comportamentos e busca arranjar o ambiente ao planejar consequências para eles, a fim de instalar repertórios mais funcionais para o próprio indivíduo e, consequentemente, para aqueles que estão ao seu redor (Sella & Ribeiro, 2018).
Dentre os métodos de intervenção ao TEA, podemos destacar o ensino naturalístico, que é realizado em ambiente cotidiano e sem controle rígido de variáveis ambientais, com intuito de aproveitar ou criar oportunidades de ensino a partir da motivação da criança. A literatura tem apresentado resultados eficazes no ensino de habilidades verbais e sociais com essa estrutura de treino (D’Agostino et al., 2022, Hart & Risley, 1975). Cabe ressaltar que, dentre as características que se apresentam como vantagens do ensino naturalístico, verifica-se que as oportunidades de ensino são apresentadas de acordo com o interesse e motivação da criança, reduzindo assim as chances de ocorrer comportamentos inadequados (Mohammadzaheri et al., 2014; Sundberg & Partington, 1998). Dentre os tipos de ensino naturalístico, o destacado nesse trabalho é o ensino incidental.
O ensino incidental requer do aplicador a observação de oportunidades de ensino que se apresentam no ambiente natural da criança, seguindo o seu interesse (e.g., ter acesso a um brinquedo ou ser empurrada em um balanço do parque). Tal configuração de ensino faz com que a criança entre em contato, de maneira funcional e natural, com contingências de reforço naturais, visto que a apresentação da consequência diante da resposta, é ter acesso ao próprio item de interesse (Robinson, 2018).
Hart e Risley (1968) foram pioneiros nas pesquisas sobre ensino incidental para crianças com algum tipo de dificuldade de comunicação e os resultados foram satisfatórios ao demonstrarem aquisição, generalização e manutenção de repertórios verbais (frases compostas, uso de adjetivos, pronomes, entre outros) mais espontâneos e complexos. Esses estudos inauguraram a implementação dessa modalidade de ensino realizada por profissionais e confirmaram a eficácia dessa estrutura de ensino para crianças com dificuldades na aprendizagem de linguagem.
O ensino incidental também pode vir a ser implementado cotidianamente pelos cuidadores, pois no ambiente natural da criança existem várias possibilidades de ensino de habilidades. Hsieh et al. (2011) treinaram cuidadores a implementar o ensino de habilidades de mando para crianças com TEA por meio de ensino incidental. Foram selecionados três cuidadores, os quais tinham pouco ou quase nenhuma experiência com os princípios da ABA. Os participantes obtiveram resultados efetivos por intermédio do modelo incidental no ensino de linguagem para seus filhos.
O investimento na intervenção via cuidador torna este mais capacitado para aprender e aplicar os princípios da ABA e reproduzi-los em diferentes contextos de ensino com suas crianças com diagnóstico de TEA. Dessa forma, é possível garantir a intensidade de horas de intervenção, já que os cuidadores podem usufruir de vários momentos do cotidiano, em que ocorrem oportunidades de ensino, ampliando o repertório comportamental de suas crianças. A intervenção via cuidadores ainda facilitaria a generalização e a manutenção do repertório aprendido, visto que, uma habilidade ensinada em contexto clínico poderia ser reproduzida constantemente em ambiente domiciliar (Gomes et al., 2019; Silva et al., 2019) e a aquisição de novas habilidades pelas crianças (Ferguson et al., 2022a; Ferguson et al., 2022b).
Diante do que foi mencionado e da literatura atual, constata-se a necessidade de se expandir os efeitos da implementação de ensino incidental tanto por profissionais quanto por cuidadores para outros repertórios (verbais e não verbais). Ainda, mesmo que não se faça uma comparação sistemática da aplicação do ensino incidental por profissionais e cuidadores, é importante a demonstração empírica de que cuidadores adequadamente treinados podem ensinar crianças com TEA de forma semelhante a profissionais. Por essa acepção, o objetivo deste estudo consistiu em avaliar o efeito da intervenção via profissional e via cuidador, no formato de ensino incidental, sobre o ensino do operante verbal mando a crianças diagnosticadas com TEA. Há ainda que se destacar a exploração inédita deste estudo no ensino de mandos por ação e informação.
Participaram do estudo nove crianças, 10 cuidadores e dois profissionais. Os critérios de inclusão na pesquisa para as crianças foram: (1) ter o diagnóstico de TEA; (2) ser vocal; e (3) apresentar comportamento ecoico. Foram excluídas do estudo crianças não vocais ou com comportamentos inadequados (comportamentos auto e heterolesivos) que poderiam interferir no processo de ensino durante a condução do estudo.
Os participantes da pesquisa foram identificados com siglas alfanuméricas a fim de preservar a sua identidade, sendo as siglas/letras para o nome da categoria do participante (criança participante, profissional e cuidador) e os números para a ordem que eles se apresentam. As cinco crianças que receberam intervenção por profissional eram do sexo masculino, com idade de três a oito anos. Elas foram identificadas como P1 (3 anos), os gêmeos P2 e P3 (7 anos), P4 (6 anos) e P5 (8 anos). Os profissionais que interviram com essas crianças foram: PR1, experimentadora e estudante de pós-graduação, que realizou a intervenção para P1, P2 e P3; e PR2, estudante de graduação em Psicologia, que foi submetida a um treino via telessaúde para implementação do Ensino Incidental (ver Sena, 2022), e que realizou a intervenção para P4 e P5. No estudo citado anteriormente, os participantes aprenderam a: (a) identificar item de interesse; (b) organizar o ambiente de forma adequada; (c) aguardar a iniciativa da criança; (d) solicitar a resposta alvo; (e) aguardar 3 segundos para criança emitir a resposta alvo; (f) fornecer ajuda vocal ou reforçar resposta independente; e (g) realizar o registro da tentativa. Durante a fase de generalização, que será explicada mais detalhadamente adiante, participaram os quatro cuidadores respectivos de cada criança participante. Os cuidadores foram identificados com a letra “C”. O C1 era cuidador de P1, C2 de P2 e de P3, C3 de P4 e C4 de P5.
Os cuidadores realizaram a intervenção de quatro crianças participantes, do sexo masculino (3 participantes) e feminino (1 participante), com idade de 5 a 9 anos. As crianças foram identificadas como P6 (5 anos), P7 (7 anos), P8 (9 anos) e P9 (6 anos). C5 como cuidador de P6, C6 cuidador de P7, C7 cuidador de P8 e C8 cuidador de P9. O cuidador C5, para implementação dos procedimentos de ensino incidental, já havia passado por treino (ver Sena, 2022), e os demais cuidadores foram submetidos a um treino reduzido (instrução escrita, videomodelação instrucional, role-play e feedback) do mesmo estudo.
Durante a fase de generalização, participaram um profissional, a PR1, e dois cuidadores diferentes dos que implementaram o treino, que serão identificados como C9 e C10. Então, para o participante P6, a generalização foi conduzida pelo C9, para P7 e P8 foi conduzida pelo PR1 e para P9 realizada pelo C10. P1 e P9 não haviam passado por intervenção baseada em ABA. P2, P3, P4 e P6 haviam passado por essa intervenção por, pelo menos, seis meses. P5 e P8 por três anos.
Além do treinamento prévio para implementação de ensino incidental, os aplicadores (cuidadores e profissionais) eram submetidos a um treino para aprender a estabelecer controle instrucional por meio do procedimento de Pareamento Social (Kelly et al., 2015) com as suas respectivas crianças. A seguir, a Tabela 1 apresenta a descrição de perfil dos cuidadores participantes.
Tabela 1. Descrição do perfil dos cuidadores participantes

Para participar do estudo, os cuidadores e profissionais apresentaram precisão de aplicação (mínimo de 90%) na avaliação de integridade de implementação dos programas de ensino selecionados e no checklist Instrucional de automonitoramento por vídeo de Pareamento Social. Esse procedimento teve como objetivo garantir que os aplicadores (profissionais ou cuidadores) estabelecessem um vínculo instrucional com a sua criança. Dentre os comportamentos avaliados e modelados nessas sessões, se destacam, por exemplo: seguir o interesse da criança, parearse com itens de interesse da criança, evitar demandas de ensino e retirar itens de interesse da criança. Para participação na pesquisa, os responsáveis legais da criança assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa, com o número de parecer 4.972.780.
Ambiente e Materiais
A coleta de dados ocorreu no ambiente domiciliar de cada criança participante e, antes de cada sessão, os ambientes eram organizados pelo cuidador ou profissional. A avaliação de preferência foi realizada por operante livre (Kodak et al., 2009) por meio de entrevista semiestruturada com os cuidadores, em que os estímulos eram selecionados através do relato dos cuidadores e a partir da observação direta da interação da criança com os estímulos no dia anterior à sessão. Dentre os estímulos escolhidos estão brinquedos, comestíveis, fidget toys (brinquedos anti stress), entre outros. Além disso, o aplicador utilizou uma folha de registro e uma caneta ou lápis para que pudesse registrar as tentativas realizadas a cada sessão.
Foi utilizado um delineamento de linha de base múltipla concorrente entre participantes (Baer et al.,1968). Nesse tipo de delineamento, os participantes são expostos a diferentes números de sessões de linha de base (mínimo de três para o primeiro participante, cinco para o segundo e assim por diante) e a Variável Independente (VI) é inserida ao se observar estabilidade (variação máxima de 10% para mais e para menos) na Variável Dependente (VD). Assim, a VI é inserida em diferentes momentos para cada participante, de forma a deixar claro que as mudanças no desempenho dos participantes, VD, ocorrem devido à introdução da VI.
A VI consistiu na aplicação de ensino incidental por profissionais e pelos cuidadores. A variável dependente (VD) consistiu na precisão de desempenho dos participantes nas habilidades de “Mando por item”, “Mando por ação” e “Mando por informação”.
O presente estudo foi dividido em quatro fases: (1) linha de base; (2) intervenção; (3) generalização; e (4) follow-up. Para cada criança participante do estudo, com base no seu repertório inicial, foram selecionados duas de três possibilidades de programas de ensino: “Mando por item”, “Mando por ação” e “Mando por informação.
Nesta fase, foi avaliado o desempenho inicial de cada criança nos programas para elas selecionados. Cada sessão era composta por três tentativas, implementadas em formato de ensino incidental, com duração de aproximadamente 5 minutos. Não houve nenhum tipo de consequência para as respostas emitidas pelos participantes nessa fase do estudo. Com o objetivo de manter a criança engajada e sem exposição constante a insucesso, foram realizadas demandas simples de domínio da criança (e.g., seguimento de instrução simples como “toca aqui” ou “bate palma”), de forma que a emissão destas respostas pela criança era seguida pela apresentação de um estímulo reforçador (entrega de itens preferidos).
Com relação às habilidades de mando referentes aos programas de ensino, o “Mando por item” pode ser caracterizado pelo comportamento do falante em solicitar acesso a itens de interesse (e.g.: “dá bola”, “eu quero água”). No programa “Mando por ação” o objetivo é que o indivíduo realize pedidos para que o ouvinte execute ações (e.g.: “ajuda”, “pega”, “abre”, “licença”). Por último, a habilidade de “Mando por informação” ocorre quando o falante solicita uma determinada informação ao ouvinte (e.g.: “Que horas são?” “Onde está o controle?”).
Para a avaliação da habilidade de “Mando por item”, a resposta alvo foi a vocalização do nome do item, e cada tentativa ocorreu da seguinte forma: o ambiente era previamente organizado pelo aplicador com itens de preferência da criança em locais visíveis, porém não acessíveis, como em estantes, armários, caixas transparentes, entre outros locais. Essa organização de estímulos era feita a fim de se estabelecer contexto para que operações motivadoras entrassem em vigor.
Já para a avaliação da habilidade de “Mando por ação”, a resposta alvo escolhida foi “licença”, e as tentativas eram estruturadas de duas formas: (1) O ambiente era organizado pelo aplicador com itens de preferência da criança com livre acesso. A criança escolhia um item e começava a manuseá-lo. Durante o manuseio do item, o aplicador colocava as mãos na frente do item, impedindo a continuidade do manuseio, e era aguardada a resposta da criança; e (2) O ambiente era organizado com itens de preferência à vista da criança . Ao perceber uma tentativa de acesso da criança ao item (e.g., esticar a mão ou direcionar o corpo para o item), o aplicador se posicionava na frente da criança, impedindo o acesso dela ao item, e era aguardada a resposta.
Por fim, para a avaliação da habilidade de “Mando por informação”, em que a resposta alvo definida foi “cadê?”, a tentativa era constituída pelo: ambiente organizado pelo aplicador, em que eram entregues à criança itens de preferência incompletos, por exemplo, um lápis sem papel, quebra-cabeça faltando peças etc. A partir da entrega desses itens, aguardava-se 5 segundos pela emissão da resposta avaliada.
O critério de desempenho para inclusão da habilidade específica de mando no estudo foi que os participantes obtivessem precisão igual ou inferior a 20% de respostas corretas independentes na fase de linha de base.
Os participantes que receberam a intervenção via profissional foram expostos a três horas semanais de treino, distribuídas em três dias diferentes. Os participantes que receberam a intervenção via cuidadores, por sua vez, foram expostos ao treino de acordo com a disponibilidade dos cuidadores. Nesse caso, o treino foi realizado em diferentes momentos do dia, a depender da rotina de cada cuidador. A quantidade mínima de tentativas solicitada era de cinco por sessão, porém não houve um número máximo de tentativas a ser realizado por sessão, visando garantir que as características de cada tipo de intervenção fossem evidenciadas da forma mais fiel possível. A seguir será apresentada a Tabela 2, em que são descritas as contingências dos programas de ensino selecionados para o estudo.
Tabela 2. Descrição da estrutura de ensino de cada programa

A fim de garantir a implementação precisa da VI, foi conduzida avaliação de integridade da aplicação do procedimento diariamente para verificar a implementação dos procedimentos de ensino. O critério de precisão estabelecido para considerar a integridade suficiente foi de 90% ou mais de aplicação correta dos programas de ensino. Caso a integridade fosse menor que o critério estabelecido, era fornecido feedback atrasado para o aplicador (cuidador ou profissional).
O feedback atrasado foi fornecido pela Profissional 1 aos cuidadores e à Profissional 2. Já a Profissional 1 recebia o feedback atrasado por um pesquisador externo. O objetivo do feedback era abordar aspectos de sua aplicação que precisavam ser aprimorados, como por exemplo: arranjo ambiental e fornecimento de ajuda à criança. O feedback era fornecido presencialmente, por videoconferência, por áudios e mensagens de texto de celular após a finalização de cada sessão experimental.
Esta fase (intervenção) era finalizada com cada participante quando ele atingia o critério de desempenho estabelecido: precisão de desempenho de 90% ou mais de respostas corretas independentes, em duas sessões consecutivas de treino.
Após a criança atingir critério de precisão de desempenho na Fase 2, foi realizada uma sessão de avaliação de generalização do repertório aprendido, com novos aplicadores. As sessões consistiram em três tentativas de teste, aplicadas de forma semelhante aos aplicadores originais, para cada um dos três programas. Portanto, para as crianças que receberam a intervenção via profissional, os testes foram conduzidos por cuidadores. Em relação às crianças que receberam intervenção via cuidadores, os testes de generalização foram conduzidos pela Profissional 1 ou outros cuidadores treinados (C9 e C10).
A sessões de follow-up tiveram como objetivo verificar a manutenção da habilidade treinada no repertório dos participantes, após um mês da finalização da fase de generalização. Para cada participante, foi conduzida uma sessão de manutenção, que constou de duas tentativas. Os testes de manutenção foram implementados de forma semelhante à descrição da Fase 1 (Linha de Base).
As sessões conduzidas pelos profissionais e cuidadores foram filmadas diariamente a fim de se verificar, respectivamente, o acordo entre observadores e a integridade de aplicação da VI. Ambas as medidas foram realizadas por um segundo observador treinado para um total de 30% das sessões, para cada fase experimental. Para o acordo entre observadores, foi considerado que houve acordo quando ambos os observadores registraram o mesmo desempenho para uma mesma resposta da criança: resposta correta independente, resposta correta com ajuda ou erro. Para estabelecer um índice de concordância entre observadores foi realizado o cálculo: [concordância/concordância + discordância] x 100 para os registros das respostas de cada participante, em cada fase experimental.
Os dados de acordo entre observadores referentes ao desempenho das crianças cuja intervenção foi conduzida pelos profissionais são apresentados por programa e por participante. Para o programa “Mando por item” e “Mando por ação”, para P1, obteve-se 97% e 96%, respectivamente. Para P2 e P3 obteve-se 99% para os programas “Mando por ação” e “Mando por informação”. Para P4 e P5 foi obtido 100% para o programa “Mando por ação” e 99% para “Mando por informação”. Quanto aos dados referentes ao desempenho das crianças que passaram por intervenção via cuidador, para P6, nos programas “Mando por ação” e “Mando por informação”, obteve-se 100% de concordância entre observadores. Para P7, foi obtido 98% e 100%, respectivamente, para “Mando por ação” e “Mando por informação”; para P8, foi obtido 100% para o programa “Mando por ação”; para P9, obteve-se 97% para “Mando por ação” e 99% para “Mando por item.”
A integridade de implementação do Ensino Incidental foi avaliada pela aplicação de um checklist elaborado por Sena (2022). Este instrumento permitia avaliar habilidades como identificação de interesses da criança; organização do ambiente; solicitação de resposta alvo; registro de resposta da criança; entrega do item de interesse mediante resposta correta; e fornecimento de ajuda caso a criança não emitisse a resposta alvo. A fidedignidade da implementação do procedimento foi obtida através do seguinte cálculo: [implementações corretas/ total de implementações] x 100.
A integridade média de aplicação de PR1 com P1 foi 97, 5% (97% para o Programa 1 e 98% para o Programa 2), com P2 foi 99% (99% e 99%) e com P3 foi 98, 5% (99% e 98%). PR2 obteve 97% com P4 (99% e 95%) e com P5 (98% e 96%). C5 obteve média de 98, 5% (99% e 98%) com P6, C6 obteve 91, 5% (91% e 92%) com P7, C7 obteve 96% com P8 e C8 obteve 92, 5% (95% e 90%) com P9.
Os dados foram analisados com base no percentual de respostas independentes (respostas corretas sem fornecimento de prompt pelo aplicador) emitidas pelas crianças em cada fase experimental do procedimento. O cálculo do percentual de respostas independentes foi feito através da divisão do total de respostas corretas independentes pelo total de tentativas realizadas na sessão de treino ou teste.
A partir dos dados obtidos para os participantes, também foi realizada uma análise comparativa entre as médias dos desempenhos obtidos pelos participantes de cada uma das intervenções (via profissional e via cuidador).
Nas Figuras 1 e 2 serão demonstrados dados referentes ao desempenho das crianças (círculo cinza preenchido) e dos aplicadores profissionais (triângulo sem preenchimento) e cuidadores (quadrado sem preenchimento ou “X”). O desempenho dos aplicadores se refere à integridade da VI (a forma como este dado foi obtido pode ser visto no subitem “Acordo entre observadores e integridade do procedimento”). As crianças que receberam intervenção via profissional foram divididas em: as que receberam intervenção pelo PR1 (P1, P2 e P3 - Figura 1- porção superior) e as que receberam intervenção pelo PR2 (P4 e P5 - Figura 1- porção inferior). O P1 teve “Mando por item” como Programa 1 e “Mando por ação” como Programa 2. De P2-P5 “Mando por ação” foi o Programa 1 e “Mando por informação” foi o Programa 2.
Figura 1. Percentual de precisão de desempenho das crianças e dos aplicadores (profissionais e cuidadores) ao longo das fases do estudo

Para exemplificar como os dados de desempenho das crianças foram obtidos e quantas sessões/tentativas de ensino foram necessárias para atingirem o critério de precisão, aleatoriamente foram selecionados um participante (P3), cuja intervenção foi conduzida por profissional, e outro (P7), cuja intervenção foi conduzida por cuidador. No Programa 1 (Mando por ação), para P3, foram necessárias cinco sessões para o participante atingir o critério de precisão. Na primeira sessão, P3 obteve 9% de precisão, respondeu de forma independente em três de 34 oportunidades. Na segunda sessão, P3 obteve 55% (31 respostas independentes em 56 oportunidades). Na terceira sessão, obteve 81% (47 em 58). Na quarta sessão, obteve 92% (49 em 53). Na quinta sessão, obteve 97% (30 em 31). Considerando que o profissional passava uma hora com a criança em cada sessão, foram necessárias cinco horas de intervenção para P3 aprender o “Mando por ação”.
Para o participante P7, intervenção via cuidador, no Programa 1 (Mando por ação), foram necessárias nove sessões para atingir o critério de precisão. Na primeira sessão, o participante apresentou resposta independente em uma de 10 oportunidades. Na segunda sessão, P7 obteve 20 % (1 resposta independente em 5 oportunidades). Na terceira, 33% (1 em 3). Na quarta, 50% (1 em 2). Na quinta,
67% (2 em 3). Na sexta, 50% (2 em 4). Na sétima, 80% (4 em 5). Na oitava, 100% (5 em 5). Na nona, 100% (5 em 5). Não foi possível estipular o tempo gasto pelo cuidador para implementar as tentativas de ensino e, portanto, para a criança aprender a habilidade alvo. Do cuidador era solicitado apenas que registrasse, na medida do possível, o desempenho da criança nas tentativas de ensino.
As crianças que receberam intervenção via profissional necessitaram de uma média de 5,2 sessões para a aquisição do desempenho nas fases de intervenção para os programas de “Mando por ação” (P1= 4; P2= 5; P3= 5; P4= 5 e P5= 4) e “Mando por informação” (P2= 5; P3= 5; P4= 5 e P5= 5). P1, além do programa “Mando por ação”, também passou pelo treino do programa “Mando por item”, em que precisou de nove sessões para atingir o critério de precisão.
Com relação ao desempenho dessas crianças na fase de generalização, houve variação de acordo com o programa. Para os programas “Mando por ação” e “Mando por informação”, o desempenho variou de 67% a 100%. Para o programa “Mando por item”, o desempenho foi de 100%. Na fase de follow-up, o desempenho das crianças para os dois programas de ensino foi, no geral, de 100%. Os únicos participantes que não apresentaram tal desempenho foram P4 e P5, para o programa “Mando por informação”.
As crianças que receberam intervenção via cuidador necessitaram de uma média de 8,5 sessões para a aquisição do desempenho nas fases de intervenção para os programas “Mando por ação” (P6= 3; P7= 9; P8= 5 e P9= 14), “Mando por informação” (P6= 8; P7= 12) e “Mando por item” (P9= 9). Quanto ao desempenho dessas crianças na fase de generalização, no programa “Mando por ação”, o desempenho dos participantes variou de 0% a 100%. Para o programa “Mando por informação”, tanto P6 quanto P7 apresentaram desempenho máximo; e para o programa “Mando por item”, P9 apresentou desempenho de 33%. Na fase de follow-up, no programa “Mando por ação” e “Mando por informação”, o desempenho variou de 67% a 100%, para P6, P7 e P8. Para o programa “Mando por item”, P9 não conseguiu realizar o follow-up dentro do prazo de coleta de dados.
Figura 2. Percentual de precisão de desempenho das crianças e dos aplicadores (cuidadores e profissionais) ao longo das fases do estudo

Nota. Para P6 e P9, o marcador “X”, na fase de Generalização, significa que um segundo cuidador aplicou o procedimento com a criança.
A fim de viabilizar uma comparação da eficiência de aplicação de tentativas de ensino, PR1 aplicou uma média de 33 tentativas por sessão para o programa “Mando por item”, 36 tentativas para o programa “Mando por ação” e 32 tentativas para o programa “Mando por informação”. PR2 aplicou uma média de 63 tentativas por sessão para o programa “Mando por ação” e 28 tentativas para o programa “Mando por informação”. Os cuidadores realizaram, em média, cinco tentativas por sessão para o programa “Mando por ação” e quatro tentativas para os programas “Mando por informação” e “Mando por item”.
O presente estudo teve como objetivo avaliar o efeito da implementação de ensino incidental via profissional e via cuidador sobre o desempenho de crianças com TEA, para os programas “Mando por item”, “Mando por ação” e “Mando por informação”. Verificou-se que todos os participantes obtiveram aumento no desempenho nas habilidades treinadas. Esse dado corrobora com a literatura, a qual ratifica que crianças com diagnóstico de TEA são capazes de adquirir habilidades de Mando por meio do procedimento de ensino incidental (Carnett et al., 2020; McCammon et al., 2022; Neely et al., 2016). Além disso, o presente trabalho reforça os achados de Hsieh et al. (2011), que destaca que cuidadores de crianças com TEA são capazes de implementar o ensino incidental para aumento de repertório do operante verbal Mando.
Com relação à aplicação dos programas pelos profissionais, é possível inferir que PR1 proporcionou uma intervenção mais eficiente do que PR2, visto que PR1 implementou menos tentativas de ensino, esta aplicou uma média de 33 tentativas, comparado a 45 da outra profissional para as mesmas habilidades. PR1, como já foi citado anteriormente, já tinha uma experiência prévia de conhecimento teóricoprático em Análise do Comportamento Aplicada ao TEA, o que pode ter contribuído com a intervenção mais eficiente.
Em relação aos resultados da intervenção via cuidadores, podemos afirmar que cuidadores quando treinados a implementar tentativas de ensino e com a avaliação constante da integridade, podem ensinar novos repertórios comportamentais para seus filhos (Borba et al., 2015; Ferguson et al., 2022a; Ferguson et al., 2022b; Silva et al., 2019). Esse dado incentiva que mais pesquisas sejam desenvolvidas utilizando esse público, com o intuito de aperfeiçoar procedimentos e tecnologias comportamentais que possam ser implementadas por cuidadores, em formato de ensino incidental, com a supervisão de profissionais Analistas do Comportamento.
Quanto à fase de generalização, foi observado que a maioria das crianças alcançou desempenho de 100%, o que corrobora com os dados de Neely et al. (2016), que afirma que com uma programação correta do ambiente durante o treino, crianças com TEA podem apresentar generalização de uma habilidade treinada. P2, por outro lado, apresentou porcentagem de 67% de generalização nos dois programas, P3 e P4 para um programa, e P9 não apresentou generalização. Estes dados podem estar relacionados ao que Cooper et al. (2019) recomendam enquanto estratégia de generalização, que se deve programar estímulos antecedentes semelhantes (local, arranjo ambiental, instrução correta etc.) para o treino e para a generalização. Nesse quesito, é possível que a mudança de aplicador possa ter gerado uma condição de ensino diferente entre as fases de intervenção e generalização. Além disso, esse dado pode ter relação à exposição a poucas sessões de treinamento, e daí a dificuldade de generalização (Peterson, 2004). Outra hipótese, que pode estar relacionada com o desempenho de P9, refere-se à questão do vínculo do cuidador com a criança, pois esse apenas esporadicamente entrava em contato com ela.
Em relação à fase de follow-up, os participantes P4 e P5 não alcançaram desempenho máximo. Eles foram expostos a essa fase somente dois meses após a fase de generalização. Esse tempo sem estimulação pode ter gerado extinção da resposta ensinada, pois os participantes não foram expostos a contingências de treino e ao esquema de reforçamento intermitente durante esse período. Na intervenção realizada por cuidadores, o participante que obteve aquisição mais rápida para o programa de “Mando por ação” foi P6, e isto pode ter relação com o fato de que a cuidadora já tinha história prévia de exposição a treinos e implementação de programas de ensino baseados em ABA e passou pelo treino da pesquisa de Sena (2022). Já P9 teve o treino mais longo nesse programa, e isso pode ter relação com o fato de a criança não ter tido uma história de treino baseado em Análise do Comportamento Aplicada.
É possível verificar que a integridade de aplicação do procedimento, no geral, manteve-se acima de 90%, para os dois tipos de aplicadores, durante todas as fases do estudo. Quando a integridade do procedimento ficava abaixo de 90%, feedback era fornecido ao aplicador. Ocorreram feedbacks, por exemplo, para aplicadores que estavam demorando para fornecer ajuda para a criança e isso estava aumentando a probabilidade de ocorrência de comportamentos inadequados. A sessão de feedback era curta, começando por apontar pontos positivos na aplicação do procedimento e, sem seguida, pontuava-se a(s) falha(s).
A relação entre alta integridade de aplicação do procedimento e aquisição de desempenho pela criança corrobora com os dados observados no estudo de Silva et al. (2019), que realizaram a avaliação constante da integridade do procedimento de ensino e observaram aumento no desempenho dos participantes da pesquisa. Considerando que os aplicadores apresentaram alta integridade de aplicação durante todo o estudo, a diferença no desempenho dos aplicadores na linha de base em relação à fase de intervenção, que justifica a mudança no desempenho das crianças, é que na linha de base era dada a oportunidade para a ocorrência da resposta de Mando por parte da criança, caso a resposta não ocorresse,, o aplicador apenas registrava a não ocorrência da resposta. Por outro lado, na fase de intervenção, além da oportunidade para a ocorrência da resposta, prompt foi fornecido pelo aplicador para que a resposta ocorresse. Tal prompt foi esvanecido nas tentativas seguintes visando a ocorrência de respostas independentes.
Ao destacar os dados das duas intervenções, é possível concluir que os profissionais ensinaram as habilidades em menos sessões, porém realizaram mais tentativas. Já os cuidadores realizaram a intervenção em mais sessões, contudo com menos tentativas nas sessões. Diante disso, podemos inferir que cuidadores, mesmo tendo mais tempo disponível para implementar tentativas de ensino, têm uma média de tentativas menor que os profissionais, que têm uma disponibilidade de tempo mais reduzida com a criança. No entanto, esse número de tentativas menor pode ser tão eficiente no ensino quanto a maior quantidade de tentativas implementada pelos profissionais. Portanto, embora os dados deste estudo não sejam conclusivos, é possível levantarmos a possibilidade de que a familiaridade com o aplicador pode influenciar a aquisição de habilidades alvo.
Quanto às limitações deste estudo, cabe destacar o período de pandemia de COVID-19 e todas as limitações que este contexto trouxe, como a necessidade de pausar a coleta em alguns momentos em vista ao lockdown, ou delongar ainda mais o processo de coleta devido às oscilações de casos e aumentos sazonais de outros vírus. No presente trabalho, tal limitação ocasionou a não conclusão do segundo programa de P9, faltando a fase de follow-up.
Para estudos subsequentes, sugere-se que a partir de um delineamento de grupo, composto por uma amostra maior de participantes possa-se obter uma comparação mais precisa da eficiência da intervenção conduzida por profissional e por cuidador na implementação de ensino incidental. Para isso, será importante participantes com repertórios comportamentais semelhantes, programas de ensino padronizados para todos os participantes e um treino prévio padronizado para os aplicadores dos programas.



