Resumo: A violência sexual nas universidades brasileiras carece de indicadores que permitam análise contextual e cultural das agressões. Portanto, os objetivos deste estudo foram investigar como membras(os) de uma instituição de ensino superior avaliam a segurança, serviços e direitos relacionados à violência sexual no contexto universitário e realizar um levantamento sobre a ocorrência de diferentes tipos de agressões sexuais e suas características. Foi realizada uma pesquisa quantitativa com análise estatística descritiva e inferencial pautada em um questionário adaptado respondido por 185 estudantes e 43 docentes. Foram encontradas relações significativas entre ter vivenciado agressões sexuais, o gênero, orientação sexual e ser estudante ou docente. Mulheres, pessoas não heterossexuais e estudantes foram os grupos que relataram vivenciar mais violências em comparação com homens, heteros e docentes, respectivamente. As médias das respostas dos grupos “mulheres” e “estudantes” foram significativamente mais negativas em comparação com “homens” e “docentes” nos itens sobre sentirem-se seguras(os) no contexto da universidade, conhecer direitos e procedimentos sobre a temática na instituição e confiabilidade quanto aos procedimentos adequados após denúncias. Os efeitos relacionados às violências encontrados foram: uso de medicamentos psiquiátricos, tratamento psicológico, perda de prazos, faltas e afastamentos do ambiente acadêmico. Os resultados foram discutidos à luz do comportamentalismo radical.
Palavras-chave: Análise do Comportamento, práticas culturais, análise da cultura, assédio sexual, estupro, estudantes, docentes, agressão sexual.
Abstract: International data about sexual violence and national results regarding gender- based violence in higher education institutions reveal alarming numbers. Studies demonstrate a need for sexual violence indicators in Brazilian universities that allow a contextual and cultural analysis of the phenomenon. Considering this scenario, the study objectives were to investigate how higher education institution members evaluate security, services, and rights related to sexual violence in the university context and to conduct a survey on different types of sexual assaults and their characteristics. For this investigation, 185 students and 43 professors answered an adapted questionnaire containing Likert-scale items and multiple-choice questions. Descriptive and inferential (Student’s t-test, Pearson’s chi-squared test) statistical analyses were performed. The results point to insecurity regarding the institution’s actions on the violence and unfamiliarity with rights and procedures in sexual violence situations. Also, in the matter of sexual violence reports, there was low confidence that appropriate procedures would be taken when the institution’s authorities were notified. Women and students had statistically significant results on the negative evaluation of several itemsinvestigatedcomparedtomenand professors. Comparing the student and professor groups, we observed that more students reported sexual violence situations in all the assaults investigated. Of the students, 8,11% were forced penetration victims, 27,57% were sexually touched without their consent, 26.49% claimed they had heard inappropriate sexual comments about them, and 14,05% felt as if they were being bribed or threatened to engage in sexual behavior in the university context. As for professors, 11,62% have seen someone appear or wait for them in a threatening manner, 9,3% have been touched sexually without consent, received some inappropriate sexual comment, received unwanted contacts by remote means, and were spied on or followed in the university context. Of women students, 53,8% said they had experienced at least one of the violence investigated in the university context compared to 37,5% of male students. As for female professors, 30,78% responded that they had experienced at least one form of violence in the context of the institution compared to 11,76% of male teachers. Significant relations were found between the majority of assaults investigated and the gender and sexual orientation of the participants. Effects related to the violence experienced included psychiatric medication use, psychological treatment, missed deadlines, and university environment absenteeism. We discuss sexually violent cultural practices present at the university as a controlling agency, in particular, contributing to sexual assault invisibility and maintenance of male domination. In the light of radical behaviorism, we indicate the need for policies to confront sexual violence in higher education institutions, including the dissemination of information about institutional services and rights and encouraging support practices for violence victims in the presence of a reception structure to the notifications. Some propositions we bring are appropriate referrals of specific protocols and flowcharts, training, and human and administrative resources that guarantee effectiveness.
Keywords: Behavior Analysis, cultural practices, culture analysis, sexual harassment, rape, students, teachers, sexual assault.
Violência Sexual e Contexto Universitário: Levantamento em uma Instituição Brasileira
Sexual Violence and University Context: A Survey in a Brazilian Institution

Recepción: 15 Febrero 2024
Aprobación: 22 Abril 2024
A violência sexual nas universidades tem sido investigada na América Latina e em todo o mundo (Almeida & Zanello, 2022). No Brasil, o número de estudos sobre a temática era reduzido (e.g., Bandeira, 2017; Curcelli & Fontanella, 2019; Data Popular/Instituto Avon, 2015; Linhares & Laurenti, 2019) até a realização desta pesquisa. Em 2015, uma investigação sobre diferentes formas de violências entrevistou 1.823 universitárias(os) (Data Popular/Instituto Avon, 2015). Das mulheres que participaram, 23% afirmaram já terem sofrido violência sexual de caráter físico (e.g., beijo forçado, ser tocada sem consentimento, estupro) no contexto acadêmico e 13% dos homens admitiram ter cometido este tipo de violência. Comentários com apelos sexuais indesejados, cantadas ofensivas e abordagens agressivas foram reportadas por 56% das mulheres universitárias e 26% dos homens universitários admitiram que perpetraram essas violências. Outro estudo realizado em uma universidade pública do interior de São Paulo (Montrone et al., 2020) também investigou diferentes violências e constatou que a probabilidade de estudantes mulheres, negras e homossexuais serem vítimas é de 75% a 78%, em comparação à probabilidade de 11% a 13% dos estudantes homens, brancos e heterossexuais. A gravidade do fenômeno também é demonstrada pelo recente estupro e assassinato de uma estudante de jornalismo durante a realização de uma “calourada” na Universidade Federal do Piauí (G1, 2023).
A necessidade de indicadores que tratem especificamente da violência sexual nas universidades brasileiras torna-se primordial. A subnotificação dos crimes relacionados à violência sexual indica que as pesquisas devem ir além dos números de registros de denúncia oficiais. No Brasil, apenas 8,5% dos estupros estimados são reportados às polícias e 4,2% pelos sistemas de informação da saúde (Ferreira et al., 2023). No contexto internacional, em geral, pesquisas utilizam respostas verbais a instrumentos como questionários e escalas que visam evidenciar comportamentos sexualmente violentos, avaliação sobre políticas e ações da instituição, segurança, direitos e respostas das instituições aos casos denunciados (Cantor et al., 2020; Tashkandi et al., 2023). Por exemplo, o estudo de Cantor et al. (2020), realizado em parceria com 33 instituições de ensino superior nos Estados Unidos, demonstrou que a maioria das(os) estudantes (65,6%) afirmou que era “muito” ou “extremamente” provável os funcionários da instituição levarem a sério uma denúncia de agressão sexual. Entretanto, apenas 45% das(os) estudantes que afirmaram ter vivenciado contato sexual não consensual por força física ou incapacidade de consentir concordavam com essas afirmações. Das(os) alunas entrevistadas, 13% relataram ter sofrido penetração não consensual, tentativa de penetração ou toque sexual com o uso da força ou quando estavam incapacitadas(os) de consentir. As taxas para mulheres cisgênero (20,4%) e estudantes trans, queer ou não-binários (20,3%) foram aproximadamente as mesmas e quatro vezes mais altas do que para os homens (5,1%) e para os estudantes que se recusam a declarar o seu gênero (6,6%).
A violência sexual pode ser descrita como qualquer ato sexual ou tentativa de obter ato sexual, sem o consentimento da vítima, seja este exercido com uso da força, ameaça, chantagem, suborno ou manipulação (Souza & Adesse, 2005). Feministas (Buchwald et al., 1993/2005) têm defendido que para explicar as agressões sexuais é necessário compreender a cultura da qual esses comportamentos fazem parte. Freitas e Morais (2019) definem a violência sexual “por um conjunto de contingências que são encorajadoras e/ou permissivas com práticas sexuais violentas e por um conjunto de classes de comportamentos sexualmente abusivos, dos mais sutis ao estupro, que ocorrem no contexto patriarcal” (p. 121-122). Tal compreensão orientada pela proposta filosófica comportamentalista radical e científica da Análise do Comportamento é uma explicação alternativa a perspectivas internalistas e patologizantes tradicionais (Lima et al., 2018).
Um dos desafios colocados por esse cenário é o desenvolvimento de estratégias de investigação da violência sexual no contexto universitário brasileiro que permitam a compreensão do fenômeno de uma perspectiva contextual, mais especificamente comportamentalista radical e que possibilite a criação de indicadores para políticas e ações de enfrentamento que pretendam alterar práticas culturais existentes nesses contextos. Considerando esses aspectos, os objetivos desta pesquisa foram: (i) investigar como membras(os) de uma instituição de ensino superior avaliam a segurança, serviços e direitos relacionados à violência sexual no contexto universitário e (ii) realizar um levantamento sobre a ocorrência de diferentes tipos de agressões sexuais e suas características, interpretando os resultados à luz do comportamentalismo radical.
Participaram deste estudo 228 membros de uma universidade pública do interior do Paraná, sendo 185 estudantes (160 mulheres, 24 homens e 1 não binário) e 43 docentes (26 mulheres e 17 homens). A média de idade das(os) participantes foi de 28,38 anos com desvio padrão de 11,51 (estudantes = média 23,8 anos com desvio padrão de 5,79; docentes = 48,1 anos com desvio padrão de 8,87). Em relação as(aos) estudantes, 79,46% eram brancas(os) e 57,84% heterossexuais. Quanto (as) aos docentes, 90,7% se declararam brancas(os) e 95,35% heterossexuais. A maioria das(os) participantes discentes estavam vinculadas(os) à instituição entre dois e sete anos e a maioria dos docentes estava na instituição há mais de nove anos.
A pesquisa foi realizada na modalidade online (Google Formulários) no contexto de uma universidade pública do interior do Paraná.
Foi utilizado um questionário online adaptado do original CUNY’s Sexual Violence Campus Climate Survey (Pesquisa de Clima sobre Violência Sexual no Campus da CUNY (The City University of New York, 2018). A adaptação transcultural do instrumento foi realizada em duas etapas com o objetivo de adequar as questões para o contexto cultural e institucional específico deste estudo e para os objetivos desta pesquisa. A primeira etapa realizada foi composta por tradução (dois tradutores bilíngues mestres em Análise do Comportamento) e revisões semânticas (e.g., verificar se as sentenças traduzidas estavam de acordo com o significado do que se pretendia investigar) e por quatro especialistas (duas doutoras em Sociologia, um doutor em Análise do Comportamento e outra doutora em Antropologia). Na segunda etapa foi realizado um piloto para verificação empírica.
O instrumento online desenvolvido “Questionário para levantamento de violência sexual no contexto universitário” é composto de 91 questões para a versão “docente” e 92 questões para a versão “estudantes” que investigam a avaliação de segurança no contexto universitário; conhecimento sobre serviços e direitos institucionais; confiabilidade nos procedimentos e ações da universidade; intervenção de terceiros; compreensão sobre consentimento e consideração do consentimento; e a perpetração e vitimização sobre oito tipos de violência sexual. A Figura 1 apresenta um esquema das seções do instrumento e a Figura 2 demonstra a caracterização agressões sexuais investigadas e o fluxo de respostas às questões sobre as violências sexuais vivenciadas.


EsteestudofoiapreciadoeaprovadopeloComitêdeÉticaemPesquisaEnvolvendo Seres Humanos (CEP-UEL) identificada pelo CAAE 31703020.9.0000.5231 e parecer de aprovação n. 4.057.402.
O convite para participação no estudo foi realizado via e-mails distribuídos por setores da instituição como departamentos, secretarias, colegiados, centros acadêmicos, atléticas e via redes sociais (Facebook, Instagram e Whatsapp). A amostra foi, portanto, por conveniência. As(os) participantes respondiam ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (online) e iniciavam o questionário. As respostas foram recebidas entre agosto e dezembro de 2020.
Para os itens do instrumento que continham escalas Likert foram calculadas porcentagens, médias e desvio padrão das respostas aos itens. Foi realizado Teste t de Student para amostras independentes com objetivo de investigar as diferenças nas respostas aos itens das escalas Likert de estudantes e docentes e de homens e mulheres, considerando p < 0,05. A normalidade dos dados foi avaliada por meio dos testes Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk. O pressuposto de homogeneidade de variância foi avaliado por meio do Teste de Levene. Foram realizados procedimentos de Bootstrapping (1000 re-amostragens; 95% IC BCa) para obter maior confiabilidade dos resultados, corrigir desvios de normalidade da distribuição da amostra e diferenças entre os tamanhos dos grupos e para apresentar um intervalo de confiança de 95% para as diferenças entre as médias (Haukoos & Lewis, 2005).
Os dados sobre as ocorrências de violência sexual foram analisados para identificar quais respostas se referiam à violência sexual sofrida no contexto da universidade. Foram consideradas violências sexuais no contexto universitário os casos relativos às respostas das(os) participantes que: (i) estavam vinculadas(os) à instituição quando o(s) incidente(s) ocorreu(ram) e (ii) indicavam que as pessoas autoras dos atos estavam vinculadas à universidade ou (iii) identificavam locais vinculados à universidade como local das agressões. Esses resultados foram apresentados em frequência e porcentagem. Foram realizados testes Qui-quadrado de Pearson para verificar a significância da relação entre as respostas nas questões sobre violências sexuais e os seguintes grupos: estudantes e docentes, homens e mulheres, brancos e não-brancos (foram agrupados as(os) participantes que se declararam preta(o), parda(o) e amarela(o)) e heterossexuais e não heterossexuais (foram agrupados as(os) participantes que se declararam gay, lésbica, bissexual, pansexual, assexual e queer quando questionadas(os) sobre orientação sexual). Por fim, os resultados foram discutidos à luz do comportamentalismo radical.
A maioria das(os) participantes discordou das afirmações sobre sentir-se seguro(a) nas instalações da instituição (75,44%), a existência de trabalhos que garantissem segurança contra a violência sexual (56,58%) e sobre a preocupação de membros(as) da comunidade acadêmica sobre o assunto. Por exemplo, 56,57% discordaram que administradores da universidade estejam preocupados com a questão.
Para a comparação dos grupos, consideramos as médias das respostas em escala Likert, portanto, as médias mais próximas a 1 tendem ao extremo “concordo fortemente” e as mais próximas a 5 tendem ao extremo “discordo fortemente”. Em comparação com os homens, em média, as mulheres discordaram mais sobre se sentirem seguras nas diferentes instalações da universidade, sendo a diferença estatisticamente significativa (mulheres = 4,13; homens = 2,66). Além disso, mulheres discordaram mais dos itens que afirmavam que administradores (mulheres = 3,70; homens = 3,17), docentes (mulheres = 3,44; homens = 3,05) e técnicos(as) (mulheres = 3,59; homens = 3,20) estavam preocupados(as) com a violência sexual, sendo a diferença significativa. A diferença também foi considerável estatisticamente em relação aos estudantes discordarem mais que docentes dos itens sobre sentir-se segura(o) na universidade (estudantes = 3,98; docentes = 3,42), existência de bons trabalhos educativos e para garantir a segurança contra a violência sexual (estudantes = 3,69; docentes = 3,26), preocupação dos administradores (estudantes = 3,72; docentes = 3,09), docentes (estudantes = 3,46; docentes = 2,93) e técnicos(as) (estudantes = 3,62; docentes = 3,05) em relação à temática.
O quanto as(os) participantes afirmaram conhecer direitos e procedimentos da instituição a respeito de situações envolvendo violência sexual está representado na Figura 3, que contém a média de suas respostas. No caso das respostas a esses itens a escala ia de 1 (conheço com certeza) a 4 (não conheço).

Nota. 1 = conheço com certeza, 2 = conheço, 3 = conheço pouco, 4 = não conheço.
A maioria das(os) participantes, em especial as(os) estudantes, desconhece seus direitos e procedimentos em caso de envolvimento em situações de violência sexual, sendo a diferença estatisticamente significativa para todos os itens. Destacamos que 76,76% das(os) discentes e 46,51% das(os) docentes afirmaram não conhecer os procedimentos formais de denúncia. Além disso, em média, as mulheres afirmaram mais frequentemente não conhecer aonde ir na universidade para buscar ajuda (mulheres = 3,49; homens 3,17) e seus direitos (mulheres = 3,59; homens = 3,29) caso vivenciassem uma situação de violência sexual.
A probabilidade de ações institucionais a serem tomadas em caso de relatos de violência sexual às autoridades da universidade foi considerada pelas(os) participantes de acordo com os resultados apresentados na Figura 4. Nas respostas a esses itens a escala ia de 1 (muito provável) a 4 (nem um pouco provável).

Nota. 1 = muito provável, 2 = provável, 3 = pouco provável e 4 = nem um pouco provável.
As(os) estudantes consideraram menos provável, em comparação com as(os) docentes, que suas denúncias fossem levadas a sério, que uma investigação justa seria efetuada, que receberiam apoio necessário durante a investigação e que medidas apropriadas seriam tomadas contra as pessoas acusadas, sendo a diferença estatisticamente significativa. Em relação ao gênero, houve diferença significativa no item sobre medidas contra as pessoas acusadas, sendo que, em média, as mulheres consideraram menos provável (3,05) que essa atitude fosse tomada em comparação com os homens (2,63). Apesar disso, a maioria das(os) participantes considerou provável ou muito provável intervir em situações de violência sexual, prestar apoio buscando ajuda e oferecendo informações para autoridades do campus. Os grupos “docentes” e “homens”, em média, consideraram mais provável fornecer informações as autoridades (1,37), em comparação com os grupos “estudantes” e “mulheres” (1,72), sendo p < 0,05.
O consentimento em diferentes situações sexuais foi investigado a partir de itens nos quais as(os) participantes avaliavam a probabilidade de pedir alguma forma de consentimento para atividades sexuais ou interromper atividades sexuais em situações nas quais a outra pessoa não quisesse continuar ou estivesse incapacitada de consentir. A maioria das(os) participantes considerou muito provável considerar ou pedir consentimento em todas as situações investigadas. A escala ia de 1 (muito provavelmente) a 4 (nem um pouco provável). A análise estatística apontou que, em média, as(os) estudantes consideraram mais provável (1,24) pedir alguma forma de consentimento para iniciar outro tipo de atividade sexual mesmo que já estivessem engajados em um tipo de atividade sexual em comparação com as(os) docentes (1,53). Docentes, em média, consideraram mais provável interromper uma atividade sexual se a outra pessoa estivesse afastando-a(o), mas não dizendo nada verbalmente (docentes = 1,02; estudantes = 1,11), sendo a diferença significativa. Em relação às diferenças significativas entre gêneros, as mulheres consideraram mais provável (1,24) pedir o consentimento para iniciar outro tipo de atividade sexual mesmo que já estivessem em um tipo de atividade sexual em comparação com os homens (1,56) e pedir alguma forma de consentimento em relacionamentos duradouros (mulheres = 1,25; homens 1,54).
A maioria das(os) alunas(os) que vivenciou toque sexual sem consentimento no contexto da universidade afirmou ter contado a alguém sobre o ocorrido (72,55%). Entretanto, em apenas três dos 37 casos que foram relatados para alguém, as violências foram reportadas às autoridades da instituição, sendo a Ouvidoria (canal oficial de denúncia) citada em apenas duas respostas. O toque sexual sem consentimento foi principalmente relatado para amigas(os). Em relação as(os) alunas(os) que não contaram para ninguém sobre o ocorrido, os principais motivos apontados foram “eu fiquei preocupada(o) que não fosse sério o bastante para contar” e “eu fiquei envergonhada(o)”.
Sobre os casos de penetração forçada, das 53 mulheres estudantes que já foram violentadas dessa forma, 14 indicaram que essa violência aconteceu no contexto da universidade. No total, foram 15 casos de penetração forçada vivenciadas por estudantes, portanto, além das alunas um homem discente relatou ter sofrido essa violência no contexto da instituição. Outros estudantes foram os principais perpetradores (citados em 14 respostas). “Docente” e “outra pessoa afiliada a programas da universidade (exemplos: intercâmbio, supervisor(a) de campo de estágio etc.)” foram citados nas respostas, uma vez cada. Todos os agressores foram identificados como homens. Os locais nos quais essas violências ocorreram foram principalmente fora das dependências da universidade ou de eventos relacionados a ela (citado em oito respostas) que poderiam se referir, por exemplo, a casa de alguém. Eventos, festas ou programas fora do campus, mas relacionados à universidade, foram citados em cinco respostas; outra dependência da universidade, para além do campus, foi apontada em uma resposta.
Nesta pesquisa não foram identificados casos de penetração forçada no contexto universitário contra docentes. Entretanto, pudemos detalhar as ocorrências de toque sexual sem consentimento dessas(es) participantes. O toque sexual sem consentimento foi relatado por 17 docentes, sendo quatro dessas ocorrências no contexto universitário. Três docentes mulheres afirmaram terem sido tocadas sexualmente sem consentimento por homens no próprio campus da instituição – uma também apontou eventos, festas ou programas fora do campus, mas relacionados à universidade como local da violência. As mulheres docentes apontaram docentes homens como principais autores (foram citados em três respostas, enquanto estudante homem foi citado em uma). Duas mulheres docentes afirmaram ter contado sobre o ocorrido, e apenas uma reportou à Segurança do campus. No caso do docente homem, uma estudante mulher foi apontada como autora da violência em “eventos, festas ou programas fora do campus, mas relacionados à universidade” e a ocorrência não foi relatada.
Sobre os(as) autores(as) das outras violências sexuais investigadas, em todas as agressões, os homens também foram apontados como principais perpetradores. Os homens foram citados como agressores em 100% das respostas das(os) docentes, com exceção do toque sexual sem consentimento (homens como perpetradores corresponderam a 75% das respostas) e de aparecer ou esperar de forma ameaçadora (homens perpetradores foram apontados em 57,14% das respostas). Para as(os) estudantes, a citação de homens como autores das violências variou entre 94,23% (comentários sexuais inapropriados) e 100% (penetração forçada).
A Tabela 1 apresenta a frequência e porcentagem das violências relatadas por estudantes e docentes no contexto geral e no contexto universitário. Especialmente sobre a penetração forçada, as pessoas foram questionadas se a violência aconteceu mais de uma vez.

Destacamos que 30,27% das(os) estudantes já foram vítimas de estupro com penetração, sendo 9,19% vitimadas mais de uma vez na vida e 8,11% as que afirmaram ter vivenciado essa violência no contexto da universidade. A violência mais relatada pelas(os) alunas(os) no contexto da instituição foi ser tocada(o) sexualmente sem seu consentimento (27,57%) seguida de comentários sexuais inapropriados sobre elas(es) (26,49%). Quanto as(aos) docentes, a agressão sexual mais relatada no contexto universitário foi alguém aparecer ou esperá-las(os) de forma ameaçadora (11,62%). Observamos que mais estudantes relataram ter vivenciado violências sexuais em todas as agressões investigadas, em comparação com docentes. Foram encontradas relações significativas entre essas variáveis nos testes de Qui-quadrado. A única exceção foi em relação à distribuição gravações.
As análises estatísticas inferenciais em relação a cada agressão sexual e o gênero indicaram associações estatisticamente significativas (Qui-quadrado, p < 0,05) para quase todas as violências com exceção da distribuição de gravações, considerando o contexto geral. Não foi possível especificar se as diferenças encontradas na vitimização de homens e mulheres no contexto universitário eram estatisticamente significativas, em razão da subdivisão em “mulheres docentes”, “homens docentes” e “homens estudantes” resultar em um número de participantes inferior ao necessário para as análises.
Em relação às porcentagens, 53,8% das mulheres estudantes afirmaram ter vivenciado pelo menos uma das violências investigadas no contexto universitário em comparação com 37,5% dos homens estudantes. O toque sexual sem consentimento (mulheres = 28,75%; homens = 16,67%) e comentários sexuais inapropriados (mulheres = 28,13%; homens = 16,67%) foram os mais relatados em cada categoria de estudantes em relação ao gênero. Quanto às mulheres docentes, 30,78% responderam ter sofrido ao menos uma das violências sexuais no contexto da instituição em comparação com 11,76% dos homens docentes. As únicas violências relatadas por docentes homens no contexto da universidade foram alguém aparecer ou esperar de forma ameaçadora (11,76%) e o toque sexual sem consentimento (5,88%). Contatos remotos indesejados e comentários sexuais inapropriados foram as agressões mais relatadas (ambas com 15,38%) por docentes mulheres no contexto acadêmico.
Destacamos a proporção de 70% (n = 112) das mulheres estudantes que já foram tocadas sexualmente sem o seu consentimento e as 30,05% (n= 55) mulheres estudantes e docentes que sofreram penetração forçada, sendo 15 delas mais de uma vez. Detalhamos esses casos a seguir considerando que as(os) participantes podiam assinalar mais de uma opção caso o incidente envolvesse mais de uma pessoa ou mais de um incidente.
Dos casos de toque sexual sem consentimento relatados pelas alunas, 41,07% (n =46) aconteceram no contexto universitário. Outros(as) estudantes da mesma instituição foram os principais perpetradores(as) dessa violência (citados em 43 respostas). Docentes foram citados como autores em três respostas, técnicos- administrativos em duas, treinador esportivo, zelador e estudante de outra universidade foram citados em uma resposta cada, e duas mulheres afirmaram não conhecer o vínculo do(a) agressor(a) com a universidade. Para as alunas, o toque sexual sem consentimento aconteceu majoritariamente (citado em 35 respostas) em eventos, festas ou programas fora do campus, mas relacionados à universidade (festas universitárias, intercâmbio, estágios etc.). O campus da universidade e/ ou outras dependências como teatro e museu foram citados em nove respostas. Em nove respostas a violência não aconteceu em locais ou eventos relacionados à instituição.
Além das alunas, quatro discentes homens e uma pessoa não binária vivenciaram toque sexual sem consentimento no contexto universitário, sendo que nas cinco respostas os(as) agressores(as) indicados(as) também eram estudantes da mesma instituição. O campus foi citado em quatro das respostas como local da violência, e os eventos, festas ou programas fora do campus, mas relacionados à universidade, foram citados em três respostas.
Em relação ao gênero dos(as) perpetradores(as) do toque sexual sem consentimento contra as(os) estudantes, os homens foram citados em 98,03% das respostas enquanto as mulheres foram citadas 11,76%. Das seis respostas que indicaram mulheres como autoras da violência, quatro foram indicadas por vítimas homens e duas por mulheres.
A maioria das(os) alunas(os) que vivenciou toque sexual sem consentimento no contexto da universidade afirmou ter contado a alguém sobre o ocorrido (72,55%). Entretanto, em apenas três dos 37 casos que foram relatados para alguém, as violências foram reportadas às autoridades da instituição, sendo a Ouvidoria (canal oficial de denúncia) citada em apenas duas respostas. O toque sexual sem consentimento foi principalmente relatado para amigas(os). Em relação as(os) alunas(os) que não contaram para ninguém sobre o ocorrido, os principais motivos apontados foram “eu fiquei preocupada(o) que não fosse sério o bastante para contar” e “eu fiquei envergonhada(o)”.
Sobre os casos de penetração forçada, das 53 mulheres estudantes que já foram violentadas dessa forma, 14 indicaram que essa violência aconteceu no contexto da universidade. No total, foram 15 casos de penetração forçada vivenciadas por estudantes, portanto, além das alunas um homem discente relatou ter sofrido essa violência no contexto da instituição. Outros estudantes foram os principais perpetradores (citados em 14 respostas). “Docente” e “outra pessoa afiliada a programas da universidade (exemplos: intercâmbio, supervisor(a) de campo de estágio etc.)” foram citados nas respostas, uma vez cada. Todos os agressores foram identificados como homens. Os locais nos quais essas violências ocorreram foram principalmente fora das dependências da universidade ou de eventos relacionados a ela (citado em oito respostas) que poderiam se referir, por exemplo, a casa de alguém. Eventos, festas ou programas fora do campus, mas relacionados à universidade, foram citados em cinco respostas; outra dependência da universidade, para além do campus, foi apontada em uma resposta.
Nesta pesquisa não foram identificados casos de penetração forçada no contexto universitário contra docentes. Entretanto, pudemos detalhar as ocorrências de toque sexual sem consentimento dessas(es) participantes. O toque sexual sem consentimento foi relatado por 17 docentes, sendo quatro dessas ocorrências no contexto universitário. Três docentes mulheres afirmaram terem sido tocadas sexualmente sem consentimento por homens no próprio campus da instituição – uma também apontou eventos, festas ou programas fora do campus, mas relacionados à universidade como local da violência. As mulheres docentes apontaram docentes homens como principais autores (foram citados em três respostas, enquanto estudante homem foi citado em uma). Duas mulheres docentes afirmaram ter contado sobre o ocorrido, e apenas uma reportou à Segurança do campus. No caso do docente homem, uma estudante mulher foi apontada como autora da violência em “eventos, festas ou programas fora do campus, mas relacionados à universidade” e a ocorrência não foi relatada.
Sobre os(as) autores(as) das outras violências sexuais investigadas, em todas as agressões, os homens também foram apontados como principais perpetradores. Os homens foram citados como agressores em 100% das respostas das(os) docentes, com exceção do toque sexual sem consentimento (homens como perpetradores corresponderam a 75% das respostas) e de aparecer ou esperar de forma ameaçadora (homens perpetradores foram apontados em 57,14% das respostas). Para as(os) estudantes, a citação de homens como autores das violências variou entre 94,23% (comentários sexuais inapropriados) e 100% (penetração forçada).
Foram encontradas relações significativas nos testes Qui-quadrado para quase todas as agressões e a orientação sexual, com exceção de “espionar ou seguir”, considerando o contexto geral. Das pessoas declaradas heterossexuais, 39,86% relataram ter vivenciado comentários sexuais inapropriados em comparação com 62,5% das pessoas que se declararam como lésbicas (L), gays (G), bissexuais (B), queer (Q), pansexual (P), assexual (A) ou “em questão, ainda estou descobrindo” (+). Dos(as) LGBQPA+, 45% relataram terem sido subornados ou ameaçados para engajamento em atividades sexuais em comparação com 20,27% de participantes heterossexuais. No caso da distribuição de imagens ou gravações, 8,75% de LGBQPA+ relataram ter vivenciado essa situação e 2,7% de héteros também. Sobre o recebimento de contatos remotos indesejados, a percentagem também foi mais alta para não heteros (58,75%) em relação aos héteros (31,76%). Das(os) participantes LGBQPA+, 48,75% assinalaram que alguém já apareceu ou as(os) esperou de maneira ameaçadora em comparação com 37,16% das(os) participantes heterossexuais. A porcentagem relacionada ao toque sexual sem consentimento chama atenção, pois 78,75% das pessoas não hétero afirmaram ter vivenciado essa violência em comparação com 52,7% das pessoas hétero. Em relação à penetração forçada, 26,25% de LGBQPA+ foram vítimas uma vez e 13,75% mais de uma vez. Dos héteros, 13,51% vivenciaram uma vez a penetração forçada e 4,73% mais de uma vez.
Não foi possível analisar e inferir de as diferenças foram significativas em relação ao contexto universitário e a orientação sexual. Não foram encontradas relações significativas entre os tipos de violências sexuais e a cor/etnia das(os) participantes.
Para 30,81% das(os) estudantese 2,33% das(os) docentes, ousodemedicamentos ou tratamentos médicos e/ou psicológicos foi um efeito apontado em decorrência das violências vivenciadas, sendo estatisticamente relacionado à orientação sexual e ao tipo de vínculo com a universidade (estudante ou docente). Das(os) discentes, 14,59% afirmaram que as situações as(os) impediu(ram) de estudar. Não ir às aulas ou faltar ao trabalho por vários dias foi apontado por 17,3% das(os) estudantes e 2,33% das(os) docentes. Esses dois efeitos apresentaram relação significativa com a variável gênero. Ainda, 9,19% das(os) estudantes e 2,33% das(os) docentes afirmaram perder algum prazo de atividades acadêmicas ou laborais e 1,62% discentes tiveram que deixar a universidade por um ou mais semestres/períodos.
Nossa proposta investigativa pretendeu visibilizar casos de violência sexual com base em um levantamento das agressões sexuais na universidade, o detalhamento dessas situações e a investigação do contexto no qual essas agressões acontecem. Nossos resultados, em articulação com a fundamentação teórica utilizada, aliados a resultados de outros estudos sobre o tema, nos permitem tecer considerações sobre os possíveis efeitos da violência sexual como práticas culturais que fortalecem a dominação masculina em ambientes acadêmicos.
Com a ampliação do acesso às universidades desde a década de 1970 (Almeida & Zanello, 2022) e a entrada significativa de mulheres e pessoas LGBTIA+ (sigla usada pelas autoras) nas universidades nos últimos tempos, a hegemonia masculina é colocada em questão e os comportamentos mudam nessas relações (Bandeira, 2017). A violência pode atuar como prática controladora em contextos de ameaças a hegemonias. Podemos entender práticas sexualmente violentas como retroalimentadas por seus efeitos, fomentando a própria manutenção do status quo da agência controladora. Exemplificando, as violências sexuais mais relatadas (comentários sexuais indesejados, toques sexuais sem consentimento e perseguição) foram aquelas perpetradas em locais públicos (campus, festas, salas de aula, etc.), em um contexto onde predomina a inação e omissão institucional. Vivenciar situações de violência sexual promove comportamentos de fuga/esquiva em relação a estímulos aversivos condicionados, incluindo a evitação de situações e locais relacionados à academia (Linhares & Laurenti, 2019).
A universidade como uma agência controladora educacional articula-se com outrasagênciasepráticasculturais. Porexemplo, ascaracterísticassociodemográficas da amostra são correspondentes às características da comunidade universitária da instituição investigada: maioria branca e maior porcentagem de negras(os) entre estudantes em comparação com docentes. As agências econômicas estão envolvidas nessa distribuição e seguem reproduzindo poder e privilégios econômicos a grupos dominantes. Ao vitimizar mais mulheres e pessoas não heterossexuais, a violência sexual atua como prática controladora que dificulta a permanência e ascensão acadêmica de membras(os) desses grupos.
O ambiente social produzido pelas agências controladoras é contexto para práticas culturais (Fontana & Laurenti, 2020). Além da composição de membros(as) da comunidade acadêmica ser pautada pelo desequilíbrio de poder das relações raciais e de gênero e orientação sexual em diferentes funções e cargos na instituição, percebemos, em relação à violência sexual, um ambiente social no qual há avaliação de insegurança, desconhecimento de serviços e direitos, impunidade e ausência de suporte para vítimas. As práticas violentas sexualmente evidenciadas, compostas por comportamentos violentos sexualmente e outras práticas envolvidas na baixa frequência de denúncias, acontecem no ambiente social supracitado comum a outras instituições de ensino superior (ver Pinchevsky & Hayes, 2023).
Ao ficar em silêncio e/ou deixar de fazer denúncias formais, as vítimas evitam as punições que podem ser despendidas pelos(as) perpetradores(as), pela comunidade ou autoridades. As possíveis punições que podem ser empregadas para as vítimas de violência sexual no contexto universitário têm ainda particularidades que envolvem a remoção de reforçadores importantes para a vida acadêmica (Linhares & Laurenti, 2019). As punições despendidas para o comportamento de evidenciar a violência sexual incluem ainda: culpabilização das vítimas, assédio de segunda ordem para apoiadoras(es) de vítimas e a revitimização nos sistemas de justiça e serviços de atendimento (Freitas & Morais, 2019).
A violência sexual, entendida como agressão e como práticas de punição aos comportamentos de evidenciar agressões, faz parte do histórico de contingências aversivas que produzem repertórios comportamentais de esquiva e emoções como medo, vergonha e culpa. Ao considerar as análises propostas por Bourdieu sobre dominação masculina, Fontana e Laurenti (2020) afirmam que contingências de reforçamento social que instalam padrões comportamentais estabelecem paralelamente padrões emocionais distintos em homens e mulheres. Para os homens, raiva e agressividade seriam estabelecidos com os padrões de comportamentos viris; para as mulheres, a exposição a diferentes formas de violência envolve emoções como “vergonha, humilhação, ansiedade, timidez, culpa, além de manifestações mais visíveis como erubescer, gaguejar e sentimentos de medo ou raiva” (p. 506). A perpetração de violência sexual no contexto universitário e a ineficácia institucional em prevenir e apurar esses casos contribuem para o desenvolvimento desses repertórios.
O desenvolvimento de repertórios comportamentais de esquiva pode retroalimentar práticas sexualmente violentas. Isso porque os comportamentos violentos sexualmente não são punidos e continuam sendo mantidos por outros reforçadores. Linhares e Laurenti (2019) discutem como ficar em silêncio pode ter função reforçadora para comportamentos abusivos de professores por adquirirem significado de aquiescência da vítima. É importante ressaltar que na análise realizada pelas autoras aquiescer não significa conivência das vítimas e sim função discriminativa para a continuidade dos comportamentos de assédio dos agressores. A possibilidade de manutenção dos comportamentos sexualmente violentos seria explicada pela submissão da vítima como reforçador condicionado na história pessoal de repertórios masculinos.
Em uma cultura patriarcal, homens aprendem a ser reconhecidos como homens por comportamentos de virilidade sexual e laboral (Zanello & Richwin, 2022). Diversos comportamentos femininos são descritos pela comunidade verbal patriarcal como sinais para avanços sexuais. A discussão realizada pelas referidas autoras pode ser interpretada, em termos comportamentais, pelo controle de estímulos. Nesse contexto, esses comportamentos adquirem função de estímulo discriminativo para comportamentos de avanços sexuais masculinos, por exemplo: mulheres desacompanhadas em locais públicos se tornam estímulos discriminativos para aproximação, importunação sexual, toques e convites sexuais, enquanto mulheres acompanhadas de um homem não evocariam os mesmos comportamentos. Compreendemos que as autoras descrevem relações sociais patriarcais entre homens e mulheres nas quais os comportamentos masculinos agressivos têm como consequências reforçadoras tanto a submissão e vantagens sexuais quanto a aprovação do grupo. Além disso, a não obtenção desses reforçadores torna-se contexto para comportamentos ainda mais agressivos, como os que aparecem em processos de extinção (Azrin et al., 1966).
Por fim, os comportamentos sexualmente violentos produzem efeitos que mantêm as próprias práticas culturais patriarcais de gênero. Exemplificando, Nicolodi e Hunziker (2021) descrevem como práticas controladoras desiguais mantêm o desequilíbrio vigente. Em contingências opressivas, como as envolvidas na violência sexual, as consequências selecionam comportamentos específicos que são mais vantajosos para os(as) controladores(as) mantendo o repertório de controlados(as) sem acesso a reforçadores equivalentes aos dos membros do grupo com maior controle. A dominação masculina na academia pode ser demonstrada tanto pelo predomínio de pensamento androcêntrico quanto pelas posições de poder ocupadas majoritariamente por homens (Harding, 2007). Também podemos pensar que ideias propagadas podem se caracterizar como violentas ou a violência pode ser utilizada para propagar pensamentos hegemônicos. Por exemplo, comportamentos abusivos na forma de “brincadeiras” e “piadas” (Linhares & Laurenti, 2019) podem reafirmar regras sobre mulheres como objetos sexuais e com menor capacidade intelectual.
Saffioti (2004) explica como o uso da violência é empregada para a manutenção da ordem patriarcal de gênero. A violência não precisa ser exercida pela categoria social que será beneficiada, mas por todas as pessoas que possam perpetuar essa ordem. Por exemplo, mulheres em posições de maior poder nas universidades podem perpetrar práticas de revitimização em casos de violência sexual. Outro exemplo seria: mulheres que perpetram violência sexual contra homens ou outras mulheres reproduzindo comportamentos heteronormativos nas relações entre pares. Para os comportamentos individuais de pessoas que agem em prejuízo da sua própria categoria social são despendidos reforçadores positivos ou negativos. A complexa relação entre esses comportamentos, as práticas culturais e seus efeitos mais amplos, retroalimenta o poder e privilégio de categorias dominantes.
Algumas limitações deste estudo referem-se ao cuidado quanto à generalização de resultados em razão da amostragem por conveniência em uma única universidade que possibilitaram apenas análises relacionais em algumas questões. Por exemplo, os resultados das análises entre violências sexuais vivenciadas e a cor/etnia podem ter sido influenciados pelo baixo número de participantes pretas(os) e amarelas(os) que corresponde à realidade da população da universidade investigada. Como o número de participantes era pequeno, para as análises estatísticas foram agrupadas(os) amarelas(os), pretas(os) e pardas(os) como não brancos. Esse agrupamento pode trazer vieses quando consideramos as diferentes experiências dessas categorias na realidade do interior paranaense. Outra consideração importante é que não foi possível apurar se todos os casos relatados por docentes se referiam a violências vivenciadas no período que já atuavam na instituição como docentes ou relativos a outros momentos como estudantes, visto elas(es) podem ter feito graduação e pós-graduação na universidade investigada e terem respondido as questões sob controle do antigo vínculo.
Considerando a discussão realizada, os resultados pertinentes e as limitações do estudo, salientamos que novas pesquisas aprimorem os indicadores sobre violência sexual no contexto universitário fortalecendo a prescrição de políticas de enfrentamento à violência sexual nas universidades. Parece imprescindível que as políticas fomentem a disseminação de informações sobre serviços e direitos na instituição, incentivo às práticas de apoio a vítimas de violência na presença de uma estrutura de acolhimento e encaminhamentos adequados: protocolos e fluxograma específicos, capacitações, recursos humanos e administrativos que garantam a efetividade dessas políticas.



Nota. 1 = conheço com certeza, 2 = conheço, 3 = conheço pouco, 4 = não conheço.

Nota. 1 = muito provável, 2 = provável, 3 = pouco provável e 4 = nem um pouco provável.
