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Falácias Históricas no Debate Chomsky-Skinner
Mariana Adeline Bazotte de Mello; Bruno Angelo Strapasson
Mariana Adeline Bazotte de Mello; Bruno Angelo Strapasson
Falácias Históricas no Debate Chomsky-Skinner
Historical Fallacies in the Chomsky-Skinner Debate
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 32, núm. 2, pp. 349-365, 2024
Universidad de Guadalajara
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Resumo: Muitos são os desafios na escrita da história. Eles passam por dificuldades ou limitações no acesso, condições de verificação da veracidade e pela definição de parâmetros de interpretação das fontes históricas, mas também por diversas decisões derivadas dos objetivos formulados e das estratégias narrativas adotadas. No âmbito das estratégias narrativas, recursos típicos da lógica formal e informal podem ser aplicados para avaliar a qualidade e apropriação das teses e argumentos defendidos em estudos históricos. Neste artigo, utilizamos os textos que comentam o debate entre Noam Chomsky e B. F. Skinner a respeito do comportamento verbal para ilustrar algumas possibilidades de erros lógicos na narrativa histórica e sensibilizar o leitor para o cuidado com a dimensão lógica na escrita e na leitura de textos históricos. Algumas falácias históricas foram analisadas: a falácia do presentismo; a falácia da generalização; a falácia do único fato; a falácia do reducionismo e, finalmente, a falácia da falsa periodização. O estudo demonstrou que muitos discursos históricos que se cristalizaram sobre o debate Chomsky- Skinner foram elaborados com base em raciocínios lógicos inadequados trazendo consequências negativas para a história da psicologia, em especial, para a história do Behaviorismo Radical.

Palavras-chave: Skinner, Chomsky, Verbal Behavior, resenha, falácias históricas, história do Behaviorismo Radical.

Abstract: There are many challenges in writing history. They involve difficulties related to historical sources regarding limitations in access, conditions for verifying truthfulness, and the definition of parameters for interpretation. It is also challenging to decide the narrative strategies to be adopted and implement them correctly. Within the scope of narrative strategies, typical resources from formal and informal logic can be applied to assess the quality and appropriateness of the theses and arguments presented in historical studies. In this article, we use the literature discussing the debate between Noam Chomsky and B. F. Skinner regarding verbal behavior to illustrate some possibilities of logical errors in historical narratives and to raise the reader’s awareness about the importance of logical reasoning in writing and reading historical texts. In the literature, several significant logical problems were identified in the construction of the narrative around the debate: (i) the fallacy of presentism, manifested in narratives of a Cognitive Revolution; (ii) the fallacy of generalization, mainly related to the broad and generic uses of the concepts “behaviorism” and “cognitivism”; (iii) the fallacy of the lonely fact, found in discourses that narrate the initial reactions to the publication of Verbal Behavior; (iv) the fallacy of reductionism, present in narratives that emphasize the role of the review as the “trigger” for the decline of behaviorism; and finally (v) the fallacy of false periodization, manifested in the division of the history of psychology into theoretical movements such as behaviorism and, later, cognitivism. The analysis developed in this work demonstrated that many of the historical discourses that solidified around the Chomsky-Skinner debate were built on inadequate logical reasoning, which, in turn, had harmful consequences for the history of psychology.

Keywords: Skinner, Chomsky, Verbal Behavior, review, historical fallacies, history of Behaviorism.

Carátula del artículo

Falácias Históricas no Debate Chomsky-Skinner

Historical Fallacies in the Chomsky-Skinner Debate

Mariana Adeline Bazotte de Mello
Universidade Federal do Paraná, Brasil
Bruno Angelo Strapasson
Universidade Federal do Paraná, Brasil
Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 32, núm. 2, pp. 349-365, 2024
Universidad de Guadalajara

Recepción: 15 Agosto 2023

Aprobación: 29 Abril 2024

O Verbal Behavior (1957) é considerado uma das obras mais importantes de B. F. Skinner e, em decorrência de sua notoriedade, foi objeto de muitos comentários, discussões e críticas (Bandini & de Rose, 2010). O livro foi publicado em 1957, após anos de trabalho de escrita e investigações sobre retórica clássica, gramática, linguística, semântica, psicolinguística, crítica literária e filosofia da linguagem. De acordo com Abib (1994), a obra se caracteriza por uma linguagem bastante original e alternativa a essas disciplinas na definição de termos como comportamento verbal, linguagem e significado. Em seu trabalho, Skinner propõe um novo tipo de programa investigativo do comportamento verbal e defende a superioridade dessa proposta em relação às demais.

O livro de Skinner é conhecido também como uma obra de difícil compreensão em decorrência da complexidade de sua linguagem e por requerer um entendimento aprofundado da Análise do Comportamento e do Behaviorismo Radical (Bandini & de Rose, 2010). Essa dificuldade parece ter dado origem a diversas incompreensões sobre seu conteúdo. Exemplos importantes disso são os comentários de Noam Chomsky em A Review of B. F. Skinner’s Verbal Behavior, resenha publicada em 1959 na revista Language. O trabalho de Chomsky configura-se como uma crítica endereçada inadequadamente à proposta de Skinner no Verbal Behavior. Como demonstrou MacCorquodale (1970), a teoria criticada pelo linguista foi uma mistura de diferentes behaviorismos desatualizados que incluem, por exemplo, a teoria da redução de drive, pseudo-incompatibilidades entre processos de reforçamento e genética, e outras noções que não possuem afinidade com a proposta skinneriana.

O debate entre cognitivistas e analistas do comportamento se estende desde o fim da década de 50 até os dias de hoje e sua repercussão fica evidente pelo volume de literatura que se produziu a respeito do assunto no decorrer de todo esse período. A heterogeneidade de interpretações é uma característica comum no conhecimento histórico. Tais diferenças no discurso decorrem do fato de que a História é produto da interpretação seletiva dos historiadores que têm objetivos, acesso a fontes e repertórios diferentes entre si. Os fatos nunca falam por si, são selecionados pelo historiador, que decide quais deles devem ser evidenciados e em qual ordem e contexto (Watrin & Darwich, 2012). Disso segue que um mesmo acontecimento está sujeito a ser retratado de diferentes maneiras, cada uma delas servindo a diferentes objetivos ou propósitos e desenvolvida a partir de variadas estratégias argumentativas.

Na medida em que textos históricos não são meramente descritivos, mas incluem argumentação na defesa de uma interpretação particular, é possível analisar relatos históricos a partir da adequação dos argumentos utilizados. Fischer (1970) faz um interessante exercício nessa direção em um livro no qual apresenta mais de cem formas de argumentação problemática acompanhadas de exemplos da literatura em história.

Quando analisada em detalhes, a proposta geral de Fischer (1970) é controversa. Sua taxonomia de falácias nem sempre apresenta linhas claras para diferenciar os tipos uns dos outros e alguns dos exemplos compilados no livro foram acusados de constituírem simplificações das propostas originais, modificados para exemplificar de modo mais contundente o erro lógico denunciado pelo autor (cf. Cunliffe, 1972; Martin, 1972; Weyant, 1971). Ademais, ao usar exemplos reais de relatos históricos para ilustrar as falácias tipificadas, Fischer (1970) incluiu uma variedade enorme de historiadores (antigos e modernos) dentre os acusados de raciocínio falacioso, o que certamente não foi recebido sem resistência (Goldstein, 1972; Potter, 1971). Entretanto, a despeito dessas características e do impacto que teve na comunidade de historiadores, a proposta de Fischer (1970) nos convida a uma análise cuidadosa da escrita da história que, para além das suas dimensões estéticas e dos desafios conhecidos na metodologia de pesquisa histórica, precisa também ser avaliada na sua dimensão lógica.

O debate Chomsky-Skinner, tendo sido amplamente referenciado em discursos históricos, tanto no âmbito da história da psicologia e das ciências cognitivas, como da linguística, figura como objeto interessante de análise nesse contexto. Neste artigo, tomaremos a literatura a respeito desse debate como objeto para ilustrar a importância de uma análise lógica na argumentação histórica. Baseados na proposta de Fischer (1970), avaliaremos algumas das falácias históricas presentes na literatura selecionada e exploraremos alternativas a essas falácias.

A narrativa da Revolução Cognitiva: A Falácia do Presentismo

A falácia do presentismo consiste em um anacronismo complexo pelo qual, em uma narrativa, fatos antecedentes são falsificados, modificados e interpretados a fim de fortalecer fatos posteriores (Fischer, 1970). Também denominada de falácia “nunc pro tuc”, tal equívoco é metaforicamente apresentado pelo autor como a ideia errônea de que a melhor maneira de construir conhecimento histórico consistiria na eliminação de determinados ramos “secos” da história a fim de preservar os “brotos e galhos verdes” que cresceram em meio às trevas da “floresta” obscura e incompreensível que seria o mundo contemporâneo.

Afalácia do presentismo está relacionada, amiúde, a uma concepção de progresso histórico já que o historiador selecionaria acontecimentos e informações úteis e relevantes ao fortalecimento de determinadas narrativas modernas e descartaria informações sobre eventos que não correspondem à exaltação do presente. Um clássico na discussão do presentismo na historiografia é a “Whig interpretation of history” de Butterfield (1965). Nele a história whig é apresentada como a tendência de muitos historiadores em escrever sobre os eventos do passado segundo a perspectiva dos protestantes e Whigs. Essa narrativa histórica se caracterizou pelo comportamento de engrandecer determinadas revoluções vitoriosas, princípios de progresso do passado e de produção de relatos históricos que são, na realidade, uma ratificação e enaltecimento de certos fatos do presente (Butterfield, 1965).

Trazendo a discussão para o debate Chomsky-Skinner, a narrativa de uma Revolução Cognitiva, contexto em que a resenha exerceu papel fundamental, é um exemplo de presentismo. Frequentemente, os materiais que tratam do debate Chomsky-Skinner apresentam a concepção de que a resenha exerceu um papel fundamental na Revolução Cognitiva, fenômeno que ocorreu entre os anos de 1950 e 1960, sendo considerada como uma das causas da substituição do modelo behaviorista de explicação do comportamento – perspectiva até então supostamente predominante no meio acadêmico – pela vertente cognitivista. Adelman (2007), por exemplo, faz menção à Revolução Cognitiva como “a maior mudança na orientação da Psicologia Americana, da perspectiva behaviorista para a cognitiva, nos anos de 1960 e 1970”1 e Amsel (1991) refere-se ao debate entre Chosmky- Skinner como um conflito entre a perspectiva skinneriana e chomskyana que, por sua vez, conduziu à revolução:

Talvez o evento mais importante tenha sido a publicação do livro “Comportamento Verbal” de Skinner (1957) e a extensa revisão deste livro feita por Chomsky (1959). O impasse entre esses dois gigantes em seus campos, um psicólogo comportamental e o outro linguista, forneceu o terreno fértil no qual a revolução cognitiva na psicologia poderia se desenvolver2 (Amsel, 1992, p. 69).

Contada predominantemente pelo viés dos cognitivistas, o relato histórico de revolução incorreria na falácia do presentismo na medida em que seleciona e interpreta fatos de modo a criar uma narrativa de desenvolvimento e progresso científico. Nessa história, behaviorismo e cognitivismo são retratados como grupos teóricos antagônicos; o behaviorismo é caracterizado como uma perspectiva teórica predominante e influente durante a década de 50 e que, nos anos 60, teria sido superada pela perspectiva cognitivista, mais adequada e eficiente ao estudo do comportamento humano. O behaviorismo é retratado como ineficaz, superficial e ultrapassado e, por ter dominado a ciência da psicologia por muito tempo, teria causado atraso ao progresso científico. A troca do paradigma behaviorista pelo paradigma cognitivista é apresentada, então, como sinônimo de progresso, um sinal do aperfeiçoamento e desenvolvimento da ciência.

Avaliações de o quanto o discurso da revolução é disseminado na literatura acadêmicapodemserencontradosnoestudode Hobbse Chiesa(2011), queavaliaram 40 textos de introdução à psicologia publicados em inglês e na dissertação de Mello (2023), que compilou mais de 80 textos acadêmicos sobre o debate Chomsky- Skinner. Em ambos os trabalhos o relato de que a passagem do behaviorismo para o cognitivismo ocorreu na forma de uma revolução é amplamente disseminado. Sua adequação, entretanto, tem muito pouco suporte em análises da literatura pertinente (Hobbs & Chiesa, 2011), e uma série de avaliações bibliométricas sustenta que essa interpretação não é correta considerando que o behaviorismo não parece ter nem dominado a literatura em psicologia em qualquer tempo nem esvanecido ao longo do tempo (e.g., Braat et al., 2020; Green et al., 2013, 2014, 2015b, 2015a).

Behaviorismo vs. Cognitivismo: A Falácia da Generalização

Generalização, neste contexto, pode ser definida como um processo pelo qual, a partir de casos individuais, infere-se uma regra geral. Segundo Fischer (1970), a generalização é uma das formas mais utilizadas e abusadas pelos historiadores. A generalização se torna uma falácia quando se sustenta em uma amostra insuficiente, isto é, em uma amostra que não é capaz de representar satisfatoriamente o objeto em questão.

A história do debate entre Chomsky e Skinner está predominantemente apoiada em uma generalização: o embate entre duas perspectivas teóricas antagônicas, o behaviorismo e o cognitivismo. “Behaviorismo” e “cognitivismo” são vistos, cada qual, como movimentos unificados e homogêneos, isto é, como movimentos que apresentam visões, práticas e objetivos congruentes. O behaviorismo atacado por Chomsky era uma mistura de diferentes formas de behaviorismo – tais como o behaviorismo de Watson, Hull e Spencer – e não o behaviorismo skinneriano (Abib, 1994; MacCorquodalle, 1971; Richelle, 1973). MacCorquodale (1969) argumenta que Chomsky não compreendeu as distinções entre o behaviorismo skinneriano e os demais behaviorismos, como o behaviorismo de Watson e Hull, o que tornaria suas críticas teoricamente inconsistentes e irrelevantes. Amsel (1992) alerta, também, para o fato de que o behaviorismo criticado pelos cognitivistas seria uma caricatura da abordagem comportamental criada pelos cognitivistas. Segundo o autor, para os cognitivistas, ignorar distinções e atacar uma distorção do behaviorismo seria uma estratégia argumentativa mais conveniente e fácil do que reconhecer distinções ao realizar críticas. Como consequência, na literatura, textos que referenciam a resenha de Chomsky acabam abordando o behaviorismo de uma forma generalizada e incorrendo no mesmo equívoco do linguista (e.g, Arrúda Júnior, 2015; Breger & McGaugh, 1965; Auyang, 2000; Barsky, 1997; Bruner, 1983).

“Behaviorismo” e “cognitivismo” designam grupos teóricos bastante heterogêneos. Não há um único behaviorismo, há diversos tipos de behaviorismo (Strapasson, 2020a). Segundo Strapasson (2020b), há considerável dificuldade em identificar o que é behaviorismo e quais são seus traços definidores. As características que definem o behaviorismo, segundo o autor, foram controversas desde seu princípio. Por exemplo, o manifesto de Watson, convencionalmente considerado como o início do behaviorismo, atraiu muitos estudiosos que passaram a se intitular behavioristas. Todavia, ao mesmo tempo, outros autores passaram a se denominar behavioristas sem se identificarem com as proposições watsonianas. Esse tipo de conflito produziu uma multiplicidade de behaviorismos identificados, em geral, pelo acréscimo de um qualificador ao rótulo, tais como o “behaviorismo psicológico” de Calkins, o “behaviorismo intencional” ou cognitivo de Tolman, o “interbehaviorismo” de Kantor e, o mais popular dentre eles, o “behaviorismo radical” de Skinner. Da mesma forma, é difícil propor uma definição única de “cognitivismo”. Assim como no behaviorismo, o cognitivismo apresenta também divisões e incompatibilidades internas. Richelle (1992), por exemplo, considera que seria apropriado distinguir ao menos quatro tipos de cognitivismo: cognitivismo metodológico, epistemológico, ético e institucional. Deste modo, é possível observar que os dois termos são construções fundamentadas em uma generalização, isto é, um processo de aglutinação de características semelhantes que acaba, em muitos momentos, desconsiderando uma diversidade de interesses, posições e práticas teóricas distintas (e.g. Auyang, 2000; Moerk, 1992).

Generalizar não é necessariamente uma prática negativa e prejudicial. Pode ser, inclusive, útil para a comunicação, para a organização e para identificação de conceitos. Entretanto, como discutem Watrin e Darwich (2012), a historiografia que propaga o embate entre essas duas perspectivas teóricas acabou distorcendo tanto o behaviorismo quanto o cognitivismo. Esse tipo de movimento pode acontecer por ambos os lados do debate. Todavia, quando se fala do debate entre Chomsky e Skinner, autores como Amsel (1992) e Watrin e Darwich (2012) reconhecem que esse tipo de construção teve como objetivo promover o movimento cognitivista por meio de uma caracterização equivocada, superficial e malsucedida do behaviorismo radical trazendo consequências para o desenvolvimento da ciência comportamental.

As Reações Iniciais à Publicação do Verbal Behavior: A Falácia do Único Fato

Generalizações falaciosas podem se expressar de mais de uma forma. Fischer (1970) denomina uma dessas formas como a falácia do fato único, que diz respeito à generalização equivocada a partir de um único evento. No decorrer da história, são inúmeros os exemplos de casos de generalização a partir de um único evento e que trazem problemas para a construção do conhecimento histórico. Um caso de falácia do único fato pode ser ilustrado, dentro do campo da arqueologia, pelo achado de um esqueleto em La Chapelle-aux-Saint. A partir dessa única evidência, estudiosos concluíram, em um primeiro momento, que os homens neandertais apresentavam uma configuração corporal específica – uma coluna arqueada – e, em consequência, possuiriam sérias dificuldades na forma de locomoção. Todavia, um reexame da mesma evidência demonstrou posteriormente que o indivíduo em questão representava, na realidade, uma ocorrência excepcional e séria de artrite e que o homem neandertal padrão possuiria, contrariamente, uma coluna ereta.

No debate Chomsky-Skinner, é possível identificar na literatura que autores parecem incorrer nesse equívoco ao fazer referência exclusivamente à crítica de Chomsky ao discutir a recepção do Verbal Behavior (1959) de Skinner pela comunidade acadêmica daquele momento. De modo geral, os textos que citam essa resenha sugerem que ela é a mais relevante. Amsel (1992) menciona exclusivamente a resenha de Chomsky: “Talvez o evento mais importante tenha sido a publicação do livro “Comportamento Verbal” de Skinner (1957) e a extensa revisão deste livro feita por Chomsky (1959). Leahey (2018) descreve a resenha como um dos documentos mais relevantes da história da psicologia: “A revisão de Chomsky (1959) sobre o “Comportamento Verbal” (Skinner, 1957) é talvez o artigo mais influente na história da psicologia desde o manifesto de Watson para o behaviorismo”3 (p. 375).

O fato de mencionarem especialmente a resenha chomskyana e enfatizarem a sua importância produziu a impressão equivocada, e que se consolidou no decorrer da história do debate, de que o posicionamento negativo de Noam Chomsky refletiria a forma pela qual a comunidade acadêmica recebeu o livro de Skinner no momento de sua publicação (Knapp, 1992). Em outras palavras, a partir de um único evento – a publicação da resenha e sua repercussão – uma generalização é produzida, a de que o Verbal Behavior (1957) de Skinner foi recebido de forma crítica pelos estudiosos daquele período.

Knapp (1992) demonstra, contudo, que o contexto de recepção da obra de Skinner é mais heterogêneo do que frequentemente é retratado. O autor apresenta diversas outras resenhas ao Verbal Behavior publicadas entre as décadas de 1950 e 1960 (Ammons, 1958; Broadbent, 1959; Dulaney, 1959; Farrell, 1960; Gray, 1958; Jenkins, 1959; Krasner, 1958; Mahl, 1958; Morris, 1958; Neimark, 1960; Osgood, 1958; Peel, 1960; Solley, 1958; Tikhomirov (1959); Zehrer, 1959), muitas delas apresentando uma visão consideravelmente mais otimista que a de Chomsky, o que colocaria em dúvida a concepção histórica predominante de que a resenha representaria a recepção da comunidade acadêmica da obra de Skinner naquela ocasião.

Resenha como “Estopim” do Declínio do Behaviorismo: A Falácia do Reducionismo

De acordo com Fischer (1970), a falácia do reducionismo refere-se ao processo de redução da complexidade à simplicidade ou redução da diversidade pela uniformidade no processo de construção de relações causais em relatos históricos. Na medida em que historiadores selecionam fatos, suas interpretações causais são inevitavelmente, em alguma medida, reducionistas. O problema surge quando a proposição de uma interpretação causal é configurada de tal forma que resulta em distorções do problema que se busca estudar. É comum que esse tipo de falácia se expresse quando o historiador confunde causa necessária com causa suficiente, isto é, a confusão de um componente causal segundo o qual seu efeito não aconteceria com um componente causal que, junto a outros, seria necessário à ocorrência de determinado evento.

No contexto do debate entre Chomsky e Skinner, a resenha é colocada muitas vezes como o evento causador do “declínio” do behaviorismo. Tal como exemplificado em Smith (1999):

Embora algumas variedades sofisticadas do behaviorismo tenham resistido por um tempo, a revisão de Chomsky ao livro de Skinner, talvez a mais devastadora já escrita, não apenas soou como o fim do behaviorismo, mas também lançou as bases para a linguística e a ciência cognitiva atuais de forma mais geral4 (p. 134).

Ainda segundo Smith (1999): “A revisão de Chomsky sobre o ‘Comportamento Verbal’ de Skinner demoliu a psicologia behaviorista”5 (p. 146).

Esse tipo de raciocínio encontra-se presente principalmente no discurso de cientistas cognitivistas (e.g., Abutalebi & Clahsen, 2016; Auyang, 2000; Lana, 2004; Smith, 1999). Segundo Palmer (2006), os cognitivistas viam a resenha como uma “dinamite” (p. 253) que teria “destruído” (p. 253) os obstáculos que os behavioristas teriam colocado no trajeto do progresso científico. De acordo com o autor, a sequência de trabalhos que seguiu à resenha sustentou a tese cognitivista de que a resenha foi responsável por “desbloquear” o caminho da ciência. Nesse sentido, o fato de preceder um momento de desenvolvimento da perspectiva teórica cognitivista teria colocado a resenha inevitavelmente como a causa única desse crescimento.

A falácia do reducionismo mostra-se problemática pois negligencia outros aspectos importantes à análise dos eventos históricos. Enfatizar o papel da resenha como evento causador do suposto declínio behaviorista pode fazer com que eventos importantes que também estavam acontecendo naquele momento sejam ignorados: o simpósio do Instituto de Tecnologia de Massachusetts; uma abertura da Psicologia a influências de outras áreas e fatores internos à comunidade analítico- comportamental, tal como o interesse em pesquisas voltadas para esquemas de reforçamento e, também, a publicação do Schedules of Reinforcement, que aconteceu no mesmo ano que a publicação do Verbal Behavior. Esses eventos, segundo dela Casa et al. (1993), poderiam ter influenciado, por exemplo, uma recepção otimista da resenha de Chomsky, bem como o pouco interesse inicial em estudos sobre comportamento verbal pelos próprios behavioristas. Dessa forma, asserções que incorrem na falácia do reducionismo restringiriam um acontecimento histórico complexo – que envolve uma série de variáveis que acompanham a publicação do Verbal Behavior (1957) e a resenha de Chomsky (1959) – a uma relação simplista de causa e efeito.

ADivisão da História em Movimentos Teóricos: AFalácia da Falsa Periodização

A falácia da falsa periodização é apresentada por Fischer (1970) como a atribuição de limites inadequados a um problema histórico. Uma forma comum de periodização que poderia se mostrar falsa e inadequada refere-se à divisão temporal rígida da história em séculos, cada século contendo padrões e características específicas e únicas. Esse tipo de falácia de periodização, denominada pelo autor como “hectohistory”, pode ser ilustrada com vocabulários históricos comuns tais como “a Arte do século XVII” e “a Filosofia do século XVIII”. Outro exemplo de periodização falsa seria a conduta de muitos estudiosos do cristianismo em tornar as coisas sempre divisíveis pelo número três ou, ainda, em dividir o passado em seis idades em função dos seis dias da criação. Da mesma maneira, é possível citar estudiosos medievais que dividiam, por sua vez, fatos em sete períodos em harmonia com os setes planetas. Uma forma diferente de falsa periodização seria, ainda, quando um pesquisador toma um esquema de divisão válido para solucionar um problema “X” e o transfere para resolver um problema “Y”, tornando-o inválido e disfuncional. Por exemplo, a periodização em livros didáticos por presidentes é perfeitamente apropriada para a história da presidência, mas não se revela adequada para o desenvolvimento da história da sociedade. Isso demonstra, ainda, que nem toda periodização seria falaciosa ou inapropriada. O método utilizado pelo pesquisador precisa levar em consideração os objetivos e o problema histórico que procura resolver. Além disso, merece destaque que os critérios de divisão não são necessariamente temporais (como, por exemplo, a divisão por séculos), sendo possível citar, além do exemplo da periodização da história por presidentes, a divisão da história da Filosofia em escolas de pensamento filosófico ou a história da Literatura em escolas literárias.

Trabalhos que abordam o debate Chomsky-Skinner parecem incorrer na falácia da periodização ao dividirem a história em dois momentos. O primeiro deles corresponde ao período em que a Psicologia seria orientada pela abordagem teórica behaviorista e, em seguida – após a publicação da Resenha em 1959 e o desencadeamento da Revolução Cognitiva – pela abordagem cognitivista, como é possível observar, por exemplo, no trecho, já mencionado, de Aldelman (2007): “a maior mudança na orientação da Psicologia Americana, da perspectiva behaviorista para a cognitiva, nos anos de 1960 e 1970” (p. 29). O critério de periodização são os movimentos teóricos – ou, também denominados, os paradigmas científicos – e o marco temporal divisório seria a Revolução Cognitiva, sendo a resenha de 1959 uma delimitação temporal mais precisa dessa divisão, representando a fronteira entre o behaviorismo e cognitivismo na linha do tempo da história da psicologia. Abutalebi e Clahsen (2017) colocam a resenha como esse marco divisório: “Após a revisão marcante de Chomsky (1959), no entanto, a perspectiva de Skinner ficou em pedaços e não foi mais seguida por muitos”6 (p. 01).

Como discutido, estudos apresentam fortes evidências de que o behaviorismo não teria sido hegemônico, bem como não teria sido substituído posteriormente pela perspectiva cognitiva (Hobbs & Chiesa, 2011). Dessa forma, seria um equívoco dividir a história em dois períodos. A criação de um mito de uma fase antiga e ultrapassada da psicologia dominada pelo behaviorismo – que seria simplista e insuficiente –, que foi seguida de uma fase revolucionária e contemporânea com o surgimento dapsicologia cognitiva – moderna e ampla, incorporando a complexidade humana – é uma distorção frágil, mas bastante disseminada e que serve a propósitos claros de desqualificação de perspectivas alternativas ao cognitivismo contemporâneo.

Possíveis Alternativas e Soluções às Falácias

A ocorrência de falácias históricas não se dá necessariamente por má fé, na maioria das vezes trata-se apenas de erros na elaboração de uma narrativa e que passam desapercebidos pelo historiador, em geral porque são coerentes com hipóteses prévias ou com interpretações que valorizam a posição atual do pesquisador. Ainda assim, constituem erros e devem ser evitados. Cabe notar que, ainda que entendamos que nenhum discurso histórico é uma representação simples da realidade – afinal o historiador tem objetivos específicos e que parte de um lugar geográfico e temporal que condiciona sua própria interpretação – não deriva daí que todo discurso histórico implica ocorrência de falácias históricas. Exemplos de boas práticas dentro do debate Chomsky-Skinner podem ser apresentadas como exemplos que superam, evitam, ou ao menos minimizam os problemas levantados na seção anterior.

A falácia do único caso – que se refere ao equívoco na realização de conclusões e construção de narrativas a partir de um único evento, levando a narrativas distorcidas por ignorar outros fatos que poderiam conduzir a conclusões distintas – se manifesta na literatura pela maneira como a resenha de Chomsky é colocada como evidência única da forma com que a comunidade acadêmica recebeu o Verbal Behavior (1957) de Skinner. O estudo de Knapp (1992) é um bom exemplo de abordagem alternativa à recepção do Verbal Behavior. Nele, o autor examina o ambiente de recepção do livro de Skinner a partir do levantamento e descrição de mais quinze resenhas contemporâneas às críticas de Chomsky. O trabalho de Knapp (1992) revelou um contexto de recepção heterogêneo: os trabalhos apresentavam, sim, críticas, tal como se espera de uma resenha, mas muitos valorizavam diferentes aspectos positivos da proposta de Skinner e alguns até arriscaram sugerir contribuições à proposta behaviorista.

Outro trabalho que se afasta de alguns equívocos lógicos encontrados na literatura foi conduzido por De la Casa et al. (1993). Nele, os autores questionam a utilização de conceitos como “revolução”, “crise” e “novo paradigma” para descrever mudanças na psicologia a partir da resenha de Chomsky e destacam fatores importantes à compreensão do contexto histórico da repercussão da resenha, da publicação do Verbal Behavior (1957) e do desenvolvimento do behaviorismo e cognitivismo.

Na perspectiva dos autores, vocabulários que remetem a uma revolução ou troca radical de paradigma produzem confusões e geram distorções sobre os fatos históricos. A partir de uma análise das citações ao Verbal Behavior, De la Casa et al. (1993) identificaram que, apesar do baixo número de menções ao livro de Skinner nas duas primeiras décadas de sua publicação, a proposta de Skinner seguiu gerando pesquisas, principalmente a partir da década de 80 (ver também McPherson et al., 1984, e Dymond et al., 2006). Um cenário plural também é apresentado para explicar o crescimento da perspectiva cognitivista e do ambiente de recepção e repercussão da resenha de Chomsky. Havia, segundo os autores, um ambiente intelectual que favorecia uma recepção entusiasmada da resenha que se revelava, por exemplo, pela realização de um evento de forte impacto no meio acadêmico, o Simpósio sobre Teoria da Informação organizado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)7, no qual Chomsky apresentou uma palestra sobre linguagem. Além disso, o interesse crescente em contribuições de campos externos à psicologia, tais como informática, linguística, física, dentre outros, produziu uma abertura às ideias do linguista no campo da psicologia. Por outro lado, De la Casa et al. (1993) evidenciam aspectos internos à Análise do Comportamento que afetaram o desenvolvimento de pesquisas voltadas ao estudo do comportamento verbal nas primeiras décadas de publicação do Verbal Behavior (1957), tais como o caráter teórico do livro e a publicação do Schedules of Reinforcement em 1957, cuja proposta despertava maior interesse da comunidade behaviorista dado seu caráter experimental.

Assim, baseados em dados históricos e bibliométricos, De la Casa et al. (1993) sugerem que o interesse pela proposta de Skinner se desenvolveu de forma gradualmente mais expressiva no decorrer das décadas de 1950 a 1990. Tal processo afasta a interpretação de uma falácia da periodização, pois uma divisão temporal simplista característica desse tipo de equívoco – que coloca o paradigma behaviorista como predominante em determinado momento histórico e que, a partir da publicação da resenha e da revolução cognitiva, teria sido substituído pela perspectiva cognitivista – não tem sustentação nos dados disponíveis.

Além disso, ao evidenciar os diferentes fatores que estavam presentes no momento da publicação da resenha (tais como o simpósio do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e, também, a abertura a influências de outras áreas) e aspectos internos à própria comunidade analítico-comportamental (como o interesse em pesquisas sobre esquemas de reforçamento e a publicação, no mesmo ano do Verbal Behavior, do Schedules of Reinforcement) que poderiam ter influenciado uma recepção mais positiva da resenha, bem como ter afetado negativamente a produção de pesquisas sobre comportamento verbal nas primeiras décadas após a publicação do livro de Skinner, de la Casa et al. (1993) revelam que o estabelecimento de uma relação causal simples entre publicação da resenha e suposto declínio do behaviorismo não se confirma tão facilmente. Em outras palavras, um cenário heterogêneo, em que diferentes circunstâncias estão presentes, torna problemática a realização de afirmações reducionistas como a de que a resenha de Chomsky tenha sido o evento causador do “declínio” do behaviorismo ou insucesso do Verbal Behavior (1957). Os autores afastam-se, assim, de uma falácia reducionista.

Com relação à generalização dos conceitos de cognitivismo e behaviorismo, muitos autores mencionam esse equívoco na literatura em análise (Abib, 1994; Amsel, 1992MacCorquodale, 1969; Mandler, 2002; Watrin & Darwich, 2012). MacCorquodale, por exemplo, (1969) demonstra que Chomsky não compreende as distinções entre o behaviorismo skinneriano e os demais behaviorismos, como o behaviorismo de Watson e Hull. Mandler (2002) também evidencia que Chomsky não é capaz de identificar as distinções entre o behaviorismo estímulo-resposta presente em Hull e Spencer do funcionalismo de Skinner. Abib (1994) também cita MacCorquodale rememorando que o autor esclarece que o julgamento de Chomsky é repleto de equívocos interpretativos no que diz respeito a diferenciação dos tipos de behaviorismo. Mas são Watrin e Darwich (2012) que abordam de uma maneira mais específica a questão da generalização como uma falácia. Segundo os autores, a generalização do conceito de behaviorismo está marcadamente presente na narrativa de revolução cognitiva. Nessa narrativa, diferentes grupos e posicionamentos são colocados sob o mesmo rótulo de “behaviorismo” de modo que se negligencia a complexidade do movimento behaviorista. Nesse contexto, as críticas de Chomsky que se popularizam são direcionadas a uma versão do behaviorismo que não reflete, em sua maior parte, a proposta apresentada por Skinner. O trabalho de Watrin e Darwich (2012) não é especificamente uma alternativa aos trabalhos que recaem em uma generalização. Todavia, é relevante na medida em que lança questionamentos e levanta as consequências desse tipo de raciocínio falacioso para a análise do comportamento.

Por fim, em contraposição a um relato histórico de revolução científica, que recairia na falácia do presentismo, é possível citar o trabalho de Mandler (2002), que faz referência à temática de uma forma mais multifacetada. Mandler (2002) considera o termo revolução inadequado para a compreensão do que aconteceu naquele momento histórico, elencando diferentes fatores para sustentar sua visão. Segundo o autor, não teria acontecido nenhum evento cataclísmico, pelo contrário, mudanças teriam acontecido lentamente em diferentes campos no decorrer de dez a quinze anos. Além disso, não haveria nenhum estopim ou líder, tal como o relato que coloca Chomsky como porta-voz e a resenha como responsável pelo suposto declínio do behaviorismo parece sugerir, o ambiente intelectual era muito mais rico e heterogêneo. O behaviorismo seria, sim, predominante nos Estados Unidos, mas outras perspectivas eram também influentes, como o estruturalismo, cognitivismo e psicologias funcionalistas em países como a Alemanha, França e, até mesmo, Canadá. Além disso, o behaviorismo não teria sido violentamente substituído em decorrência do desenvolvimento da teoria cognitivista.

Considerações Finais

A publicação da resenha de Chomsky ao Verbal Behavior (1957) de Skinner produziu, além de um intenso debate teórico, uma heterogeneidade de narrativas históricas que se consolidaram no decorrer do tempo. Mostra-se notável, a partir da análise conduzida neste trabalho, que muitos dos discursos históricos que se disseminaram a respeito do debate Chomsky-Skinner foram construídos com base em raciocínios lógicos inadequados8 que, por sua vez, produziram consequências particularmente prejudiciais à imagem e história do Behaviorismo Radical.

Práticas históricas que recaem na falácia do presentismo promoveram, por exemplo, uma caracterização do behaviorismo como uma perspectiva teórica ultrapassada e obsoleta, retratando sua substituição como um movimento de progresso científico no campo da psicologia. Uma periodização equivocada parece ter gerado um efeito semelhante, sugerindo o behaviorismo como uma teoria superada e abandonada pela comunidade científica. A generalização inadequada produziu uma distorção dos conceitos de cognitivismo e behaviorismo, unificando e tornando homogêneos grupos teóricos que possuem divisões e incompatibilidades internas importantes. A caracterização da resenha de Chomsky como evento antecedente e desencadeador de um movimento revolucionário reduziu, por seu turno, um acontecimento histórico complexo e multifacetado a uma relação de causa e efeito simplista, obscurecendo variáveis importantes para a compreensão de certos fenômenos históricos, tal como o número reduzido de pesquisas voltadas ao estudo do comportamento verbal nas décadas iniciais à publicação do livro de Skinner e o posterior crescimento dessas pesquisas, como foi observado a partir da década de 80.

A distorção de caracterizações históricas certamente não é exclusividade dos cognitivistas. Ele ocorre em todos os campos em que a história é usada para legitimar alguma perspectiva em relação ao passado. Os próprios analistas do comportamento, que são prejudicados com as falácias históricas aqui descritas, também cometem falácias similares ao tentar apresentar sua perspectiva como revolucionária em relação a formas anteriores de behaviorismo (Strapasson, 2009). Uma das razões para a disseminação de falácias histórica é o fato de que boa parte das narrativas históricas não são redigidas por historiadores profissionais. É verdade que historiadores não estão livres de cometerem erros lógicos na argumentação histórica (o próprio livro de Fischer [1970] foi dedicado a criticar historiadores profissionais), além disso há mais problemas na escrita da história do que problemas lógicos de argumentação (e.g., problemas com acesso a fontes, problemas com a veracidade das fontes ou com vieses nas interpretações das fontes, dentre muitos outros), mas o exercício proposto nesse texto não tem qualquer pretensão de identificar todos os problemas da escrita da história. Nos limitamos aqui a uma análise do discurso sobre o debate Chomsky- Skinner que nos permita ilustrar a dimensão da argumentação histórica que precisa ser ponderada por qualquer leitor de discursos históricos que pretenda exercer a crítica exigida e valorizada na academia.

Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
1 No original: “the major shift in the orientation of American psychology from behavioral to cognitive in the 1960s and 1970s” (Adelman, 2007, p. 29).
2 No original: “Perhaps the major instigating event in all of this was the publication of Skinner’s (1957) Verbal Behavior and the extensive review of this book by Chomsky (1959). The standoff between these two giants in their fields, one a behavioral psychologist, the other a linguist, provided the fertile field in which the cognitive revolution in psychology could grow” (Amsel, 1992, p. 69).
3 No original: “Chomsky’s (1959) review of Verbal Behavior (Skinner, 1957), perhaps the most influential paper in the history of psychology since Watson’s manifesto for behaviorism.” (Leahey, 2018, p. 375).
4 No original: “Although some sophisticated varieties of behaviorism resisted for a while, Chomsky’s review of Skinner’s book, perhaps the most devastating review ever written, not only sounded the death-knell for behaviorism, but also laid the foundation for current linguistics and cognitive science more generally” (Smith, 1999, p. 134).
5 No original: “Chomsky’s review of Skinner’s Verbal Behavior demolished behaviorist psychology” (Smith, 1999, p. 146).
6 No original: “After Chomsky’s (1959) landmark review, however, Skinner’s account was left in pieces and was not further pursued by many” (Abutalebi & Clahsen, 2017, p. 01).
7 Para uma apreciação do papel desse simpósio para a ciência cognitiva ver Miller (2003). Entretanto, é preciso notar que esse texto reproduz os problemas do discurso da revolução.
8 Pode-se argumentar que, em muitos dos casos aqui descritos, diferentes compreensões foram possíveis apenas quando novas fontes de informação foram trazidas para o debate. Esse seria o caso, por exemplo, da continuidade da influência do behaviorismo demonstrada por estudos bibliométricos como o de Braat et al. (2020), que contrapõem a narrativa da revolução. Entretanto, a adequação conceitual do conceito de revolução para o campo da psicologia e o fato de que não havia fontes primárias que sustentassem uma interpretação de revolução justificam interpretar tais afirmações como problemas na lógica da argumentação histórica.
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