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50 tons de cinza: direito à identidade cultural, transições interculturais e cultura jurídica brasileira

50 shades of grey: the right to cultural identity, intercultural transitions and the brazilian legal culture

Patricia PERRONE CAMPOS MELLO
Centro Universitário de Brasília-Uniceub, Brasil
Juan Jorge FAUNDES PEÑAFIEL
Universidad Autónoma de Chile, Chile

50 tons de cinza: direito à identidade cultural, transições interculturais e cultura jurídica brasileira

Utopía y Praxis Latinoamericana, vol. 26, núm. 93, pp. 141-169, 2021

Universidad del Zulia

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Recepción: 10 Noviembre 2020

Aprobación: 25 Enero 2021

Resumen: Este estudo tem o propósito de investigar se o direito à identidade cultural é reconhecido pelo direito constitucional brasileiro, e a relação – de tensão e conformação – que estabelece com a cultura jurídica do país. A Constituição brasileira de 1988 é o grande marco normativo para tal exame. Antes dela, prevaleceu um conceito colonial, eurocêntrico e hegemônico de cultura, que subalternizava negros e índios e suas manifestações culturais. A nova Constituição expressa um compromisso com a igualdade, o multiculturalismo e a inclusão. Pergunta-se: qual é o resultado do encontro das novas normas e paradigmas com as antigas hierarquias sociais e suas estruturas?

Resumo: Este estudo tem o propósito de investigar se o direito à identidade cultural é reconhecido pelo direito constitucional brasileiro, e a relação – de tensão e conformação – que estabelece com a cultura jurídica do país. A Constituição brasileira de 1988 é o grande marco normativo para tal exame. Antes dela, prevaleceu um conceito colonial, eurocêntrico e hegemônico de cultura, que subalternizava negros e índios e suas manifestações culturais. A nova Constituição expressa um compromisso com a igualdade, o multiculturalismo e a inclusão. Pergunta-se: qual é o resultado do encontro das novas normas e paradigmas com as antigas hierarquias sociais e suas estruturas?

Palavras-chave: identidade cultural, cultura jurídica transições.

Abstract: This study aims to investigate whether the right to cultural identity is recognized by the Brazilian constitutionalism, and the relationship – of tension and conformation – that it establishes with the country´s legal culture. The 1988 Brazilian Constitution is the major normative framework for such enquire. Before its enactment, a colonial, Eurocentric and hegemonic concept of culture prevailed, devaluing black and indigenous people and their cultural manifestations. However, the new constitutional text expresses a commitment to equality, multiculturalism and inclusion. Our question is: what is the result of the clash between the new norms and paradigms and the old social Brazilian hierarchies and their structures?

Keywords: cultural identity, legal culture, transition.

NTRODUÇÃO

“50 Tons de Cinza” é o título de um filme estrangeiro polêmico e muito comentado no Brasil, com o qual o presente trabalho – paradoxalmente – não tem qualquer relação. Entretanto, a expressão “50 Tons de Cinza” foi apropriada pela linguagem popular brasileira para aludir a cenários complexos, repletos de nuances e, portanto, difíceis de definir. Nesse sentido, é utilizada para caracterizar situações que não podem ser reconhecidas como perfeitamente presentes ou ausentes, configuradas ou não configuradas, mas que, ao contrário, apresentam muitos matizes e gradações.

Esse é o caso do direito à identidade cultural no Brasil. A sociedade brasileira reúne uma multiplicidade de identidades e culturas, que às vezes se acomodam, às vezes dialogam, muitas vezes estabelecem relações de dominação, resistência e conflito. No âmbito normativo não se pode afirmar que o direito à identidade cultural está plenamente consolidado. Todavia, tampouco se pode afirmar que não dispõe de normatividade. Trata-se de um direito em construção – tanto quanto a seu alcance, quanto à sua concretização –, sujeito a fluxos, refluxos, avanços e recuos. Esses avanços e recuos compõem justamente os muitos “tons de cinza”. Eles expressam, por um lado, a força normativa da Constituição brasileira de 1988; e, por outro lado, os múltiplos fatores históricos, sociais, políticos e culturais, que ora resistem, ora impulsionam a sua concretização. Nesse sentido, o presente trabalho se propõe a examinar: (i) a normatividade do direito à identidade cultural no campo jurídico brasileiro; e (ii) em que medida esse direito e a cultura jurídica brasileira se conformam, alteram e redefinem reciprocamente.

Com esse propósito, a primeira seção delimita os conceitos de cultura e de cultura jurídica. A segunda seção define o significado e o alcance do direito à identidade cultural, tal como é concebido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). A terceira seção explica a metodologia utilizada pelo trabalho para a compreensão da normatividade do direito à identidade cultural no contexto da cultura jurídica brasileira[1]. A última seção passa à aplicação da metodologia. Examinam-se: (i) o texto da Constituição de 1988 e o contexto em que foi produzido; (ii) a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[2] sobre a matéria e as forças sociais, políticas e culturais que a influenciam. E busca-se, complementarmente, uma aproximação à (iii) compreensão dos operadores do Direito sobre o tema, por meio de entrevistas.

Conclui-se no sentido de que o direito à identidade cultural não está perfeitamente consolidado na cultura jurídica brasileira e que se sujeita a avanços e recuos. Nesse embate, direito e cultura se modificam e conformam mutuamente.

1. CULTURA E CULTURA JURÍDICA

Como previsto acima, antes de enfrentar as questões propostas por este artigo, é importante esclarecer alguns conceitos-chave com que se trabalhará, entre eles o conceito de cultura e de cultura jurídica. Por cultura aludimos à forma de ver, sentir, compreender, interagir e conferir significados a coisas, eventos, pessoas e valores de uma determinada comunidade e de seus membros. Nas palavras de Salas, a cultura constitui “uma trama de sentidos e significados transmitidos por símbolos, mitos, ditos, relatos, práticas e reconstruções que expressam uma compreensão e reconstrução do sentido da totalidade da existência dos sujeitos em si” (Salas: 2003, pp. 54-55)[3]. Ao mesmo tempo, em que é dotada de núcleos de sentido, laços e congruências, que permitem a sua afirmação como uma “unidade”, não é uma “unidade fechada”, mas permeável e descentralizada[4]. Também não é um fenômeno estanque. É dinâmica e caracteriza-se por processos de interação e de mudanças permanentes. Assim, ainda que se possa lograr compreender elementos essenciais de uma cultura, não é possível apreendê-los em sua totalidade. A cultura é um fenômeno em constante movimento.

A cultura jurídica é uma dimensão da cultura de uma sociedade ou de parte dela. Compartilha as mesmas características da cultura mais ampla que integra: sua complexidade, a permanente problematização de seu próprio conceito, a dificuldade de apreensão precisa de significados e seu potencial de renovação permanente. A cultura jurídica é, ainda, “porosa” porque se articula e se comunica com os demais componentes da cultura mais ampla em que está imersa. Do mesmo modo, o Direito interage com a cultura e é, portanto, produto de processos históricos, sociais e políticos[5].

Nessa linha, de acordo com Friedman, o sistema jurídico deve ser examinado com base em três componentes. O elemento substantivo, composto pelas normas jurídicas em vigor e pela forma como são implementadas na vida real. O elemento cultural, configurado pelo conjunto de valores e de atitudes vinculados ao Direito. Por fim, o elemento estrutural, que corresponde às instituições jurídicas, à sua forma de organização e aos procedimentos desenhados para o funcionamento do sistema jurídico, tais como a estrutura dos tribunais e a divisão de poderes, entre outros. Como ficará claro ao longo deste trabalho, o elemento cultural interfere sobre a forma como o Direito é compreendido e efetivado. As instituições, de igual modo, podem favorecer ou limitar a implementação de direitos.

No que se refere ao componente cultural, que é um dos nossos objetos centrais, Friedman propõe as categorias de “cultura jurídica externa” e de “cultura jurídica interna”. A cultura jurídica externa se refere ao “conjunto de ideias, valores, opiniões, expectativas e crenças compartilhados por uma comunidade a respeito do sistema jurídico e dos seus diversos componentes” (Friedman: 1975, p. 223). Ela se compõe dos entendimentos e das atitudes que prevalecem em determinada sociedade acerca do Direito (Squella: 1988, p. 31).

A cultura jurídica interna, a seu turno, corresponde à compreensão internalizada pelos “operadores do direito” ou “atores jurídicos” sobre o sistema em que operam. Busca avaliar as ideias, métodos e narrativas compartilhadas pelos membros da sociedade que realizam atividades relacionadas ao próprio sistema jurídico, em razão de suas profissões. Ela abrange o direito positivo, as práticas relacionadas a ele, a compreensão do Direito e as formas de relação direta e preponderante com as instituições jurídicas. Engloba, ainda, os valores de tais operadores, suas crenças, preconcepções, orientações, modos de sentir e de pensar, formas de se expressar e de argumentar, práticas e hábitos de trabalho[6]. A cultura jurídica interna corresponde, portanto, à forma de atuar dos advogados, dos juízes, dos demais servidores da justiça, dos docentes e de todos os demais que tenham uma educação jurídica formal em Direito (Fuenzalida: 2000, p. 473).

López de Medina observa que a cultura jurídica interna se compõe por três dimensões: (i) uma “teoria da linguagem”, que permite diferenciar entre o texto de um dispositivo e a norma em si, tendo por foco o texto; (ii) uma “teoria da interpretação”, que trata dos processos hermenêuticos por meio dos quais se atribui significado normativo a um texto, e que depende, em alguma medida, de valorações e decisões do intérprete em concreto; (iii) uma “teoria do Direito”, que compreende o Direito também como produto da atividade doutrinária e jurisprudencial. Esse enfoque deixa claro que o Direito é muito mais que o mero “texto normativo” (legislado), compreendendo o conjunto de normas que os intérpretes extraem do enunciado normativo, bem como a forma como os implementam (López Medina: 2015, p. 234).

Portanto, conhecer o Direito e a cultura jurídica interna pressupõe um exame não apenas do texto da norma, mas, igualmente, do contexto em que foi produzido, das compreensões compartilhadas pelos intérpretes sobre a forma de atribuir-lhe significado e, ainda, do que efetivamente fazem os tribunais, quando aplicam a norma a casos concretos. Essas considerações pautarão a metodologia que proporemos mais adiante para a investigação de como a cultura jurídica brasileira reconhece e aplica o direito à identidade cultural. Na sequência, passa-se a uma breve explicação do significado e do alcance desse direito.

2. DIREITO À IDENTIDADE CULTURAL

O direito à identidade cultural tem por base um conjunto de normas de Direito Internacional dos direitos humanos relacionadas à tutela de minorias culturais[7]. Corresponde ao direito das comunidades tradicionais e de seus membros a viverem de acordo com a sua cultura e a serem reconhecidos como diferentes nas relações com outros grupos. Abrange o direito a conservar a sua própria cultura, espiritualidade e referentes cosmogônicos, seu patrimônio cultural tangível ou intangível, sua memória histórica e sua identidade presente. Assegura, portanto, a tais comunidades o respeito a seus conhecimentos, línguas, crenças, artes, moral, religião, formas de justiça e de organização (Faundes: 2019a, pp. 56-59).

Nessa medida, o direito à identidade cultural desempenha uma dupla função: de direito-matriz e de filtro hermenêutico. Como direito-matriz, estabelece o direito de um grupo à própria cultura, como mencionado acima, e o correspondente dever de tutela por parte do Estado; e atribui alcance e conformação diferenciados a outros direitos dos seus titulares (Faundes, Ramírez: 2020). A título ilustrativo, ainda que todos os cidadãos detenham direito à propriedade e à liberdade, o direito dos povos indígenas à terra ou o direito dos afrodescendentes à liberdade de religião (como se verá mais adiante) se especificam à luz da ideia de identidade cultural. Esses direitos são informados por tal conteúdo identitário.

O direito à identidade cultural opera, ainda, como um filtro hermenêutico (Faundes, 2019b, p. 517; Mello, Faundes: 2020)[8]. Nessa segunda acepção, determina que cada direito atribuído a grupos culturais minoritários e a seus membros, assim como o comportamento desses grupos e membros, devem ser examinados e compreendidos à luz de sua visão de mundo e dos significados que a sua comunidade dá a tais comportamentos; e não apenas à luz dos significados, das representações e da cosmovisão da cultura dominante, em que de modo geral se insere o julgador. O intérprete, ao decidir sobre casos que envolvem minorias culturais, precisa deslocar-se de seu centro cognitivo e das suas próprias representações e buscar a compreensão do “outro” a partir da cultura deste último.

Nesse sentido, a Corte IDH tem sustentado, em suas decisões, que o direito à identidade cultural é um direito fundamental de natureza coletiva de povos indígenas e de comunidades tribais[9], que implica, a título ilustrativo, uma releitura hermenêutica: (i) do direito à terra, não como mero objeto do direito de propriedade (tal como o compreendemos à luz do Direito Civil), mas como elemento essencial à preservação de sua cultura e, portanto, de sua vida e subsistência[10]; (ii) do direito à proteção ao meio ambiente, dados os efeitos intangíveis que os danos ambientais podem gerar sobre seu modo de viver (Carmona: 2013, p. 83; Faundes: 2020b, pp. 369-373)[11]; (iii) do direito à participação na vida política, sem renunciar às suas próprias formas de organização tradicional[12]. Mais recentemente, a Corte afirmou, ainda, que integra o direito “a participar da vida cultural” previsto em diversos instrumentos internacionais, interpretação que lhe confere feição mais abrangente (Faundes, Carmona, Silva: 2020)[13].

A perspectiva de compreender comportamentos e de atribuir significados a normas constitucionais a partir de uma cultura diversa, que tem suporte na jurisprudência da Corte IDH, contém um potencial de transformar os desenhos constitucionais latino-americanos e de mitigar posições hegemônicas, dado o impacto que pode gerar sobre a cultura jurídica e sobre a cultura constitucional (Figueiredo: 2019, pp. 733-734, 751). O que se pretende, com este trabalho, é justamente verificar se o direito à identidade cultural, tal como explicitado acima, integra a cultura jurídica brasileira e em que medida é capaz de transformá-la.

3. ENFOQUES METODOLÓGICOS PARA O ESTUDO DA CULTURA JURÍDICA

Utilizaremos para o exame proposto três enfoques distintos. Em primeiro lugar, com base em Friedman, optamos por nos concentrar sobre a “cultura jurídica interna” brasileira e, portanto, sobre como os operadores do Direito compreendem o fenômeno. Reconhecemos, contudo, que a cultura jurídica interna está em permanente interação com o campo jurídico em geral e, portanto, com fatores históricos, sociais e políticos que interferem sobre o processo decisório dos magistrados. Nessa perspectiva, assumimos que os juízes não decidem apenas com base na aplicação silogística de enunciados normativos, mas que sofrem a influência de fatores extrajurídicos em seu processo decisório (Mello: 2015, pp. 1-379; Mello: 2018b, pp. 689-718.).

Reconhecemos, igualmente, com base em Nelken, que a cultura jurídica demanda um exame das interconexões entre Direito, sociedade e cultura, que geram uma espécie de “direito vivo”, que já não corresponde ao texto ou ao sentido que lhe dava o contexto à época em que foi produzido, mas sim aos diferentes significados que o mesmo texto adquire, ao longo de sua vigência, quando interage com novas demandas, necessidades e contextos sociais. Nessa medida, procuramos acessar “as complexidades da cultura jurídica vivida com sua mistura de elementos superpostos e potencialmente competitivos” (Nelken: 2017, pp. 339-343; Faundes, Le bonniec, 2020a).

Somamos a tais reflexões o enfoque socioantropológico que se vale do marco analítico do campo social de Bourdieu. Questionamos as relações objetivas e posições estruturais dos atores que integram o campo jurídico e verificamos como tais atores mobilizam estratégias e recursos que servem a fins diversos da mera promoção da justiça. Nesse sentido, buscamos compreender a cultura jurídica como um pressuposto central do sistema de crenças ou das regras do jogo, a illusio[14], como um pressuposto de relações de poder e do contexto histórico, na qual se movem os próprios agentes jurídicos, que vão condicionando suas formas de ser e pensar, seu habitus[15], e revelando o campo jurídico (Bourdieu: 1991). Com essa perspectiva, procuramos superar a dicotomia entre o enfoque internalista e o enfoque externalista, de modo a abordar a interrelação entre o campo social e o campo jurídico (Faundes, Le Bonniec: 2020a)[16].

A partir desses três enfoques e com base neles, optamos por desenvolver nosso estudo em três etapas. (1) Começamos pelo exame do texto da Constituição de 1988 e do contexto em que foi produzido, de modo a verificar se a redação contempla o direito à identidade cultural e quais eram as aspirações quando foi previsto. (2) Em seguida, analisamos julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a matéria, a fim de aferir como o texto está sendo implementado em sua aplicação concreta. Procuramos, ainda, compreender os contextos em que foram proferidos. (3) Por fim, examinamos entrevistas com atores-chave para a efetivação das normas constitucionais, buscando identificar como compreendem a cultura jurídica em que estão imersos e em que medida ela acolhe o direito à identidade cultural.

4. O DIREITO À IDENTIDADE CULTURAL NA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA

4.1. Constituição de 1988: texto e contexto

4.1.1. O texto

A Constituição brasileira de 1988 contém uma série de artigos que são relevantes, do ponto de vista do direito positivo, para avaliar se o ordenamento jurídico brasileiro acolhe ou não o direito à identidade cultural. Em primeiro lugar, a Carta traz uma seção sobre a Cultura, na qual estabelece que o Estado “garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais” (art. 215, caput, CF), bem como que “protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (art. 215, §1º, CF). Determina, igualmente, que integram o patrimônio cultural brasileiro “as formas de expressão” e “os modos de criar, fazer e viver” dos portadores de referência à “identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216, CF).

No que respeita especificamente aos povos indígenas, a Constituição de 1988 reconhece o direito de tais povos à sua “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”, bem como “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (art. 231, caput). Define como terras tradicionalmente ocupadas aquelas necessárias às suas atividades produtivas, bem como as “imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural” (art. 231, §1º). No que respeita a remanescentes das comunidades dos quilombos[17] (afrodescendentes), a Constituição de 1988 assegurou, igualmente, seu direito de propriedade sobre as terras que ocupam (art. 68, ADCT[18]).

São relevantes, ainda, do ponto de vista hermenêutico – como se verificará ao longo do presente trabalho – os dispositivos constitucionais que declaram que todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput. CF); as disposições que rejeitam a discriminação com base na raça e na cor (arts. 3º, IV; 5º, XLI e XLI, CF); a previsão de que normas definidoras de direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, CF); a explicitação de que os direitos e garantias previstos na Constituição não excluem outros direitos previstos em tratados de que o Brasil seja parte (art. 5º, §2º), que se incorporam ao direito brasileiro[19]. A partir de tais textos normativos, pode-se concluir que o direito constitucional positivo brasileiro oferece bases normativas muito claras para o reconhecimento imediato do direito fundamental à identidade cultural e que atribui à cultura um conteúdo identitário não homogeneizante e plural.

Entretanto, não foi sempre assim.

4.1.2. O contexto

De fato, a Constituição de 1988 é a primeira Constituição brasileira que atribui à cultura tal significado. As demais Constituições que a antecederam oscilaram entre conferir pouca atenção à cultura, reduzi-la à proteção de obras, documentos e monumentos ou, ainda, tratá-la como manifestação dos saberes hegemônicos e dominantes na sociedade. Constituições brasileiras passadas já previram, expressamente, caber ao poder público “incentivar a educação eugênica”, com viés de saneamento racial[20]; asseguraram cargos a quem possuísse “distinção em algum dos ramos da produção ou da cultura nacional”, como se houvesse uma cultura única nacional[21]; determinaram, quanto aos indígenas, sua “incorporação à comunhão nacional”[22]. A palavra cultura aludiu, por muito tempo, a uma cultura específica de raiz europeia. O adjetivo “culto”, que significa, em português, “aquele que tem cultura”, que é “instruído” ou “civilizado”, era utilizado, então, para os homens letrados e formados com base nas ideias “do mundo civilizado” do colonizador[23].

O saber europeu era compreendido como o centro de um pensamento homogêneo e global. O que havia para além dele era subalterno e inferior. No que respeita especificamente ao indígena e à sua cultura, eram compreendidos como “seres transitórios” e sua cosmovisão como um “saber transitório”, a serem progressivamente incorporados à sociedade e ao saber hegemônico mais avançado[24]. Dessa perspectiva resultou o extermínio de milhões de indígenas e também a escravização de negros africanos, destinados incialmente ao trabalho forçado nos latifúndios exportadores de cana-de-açúcar[25].

Tal percepção dual de um mundo europeu civilizado em oposição a um mundo primitivo e incivilizado foi responsável por dois fenômenos que marcaram profundamente a cultura jurídica e a intelectualidade brasileiras: o bacharelismo e o beletrismo. O bacharelismo expressava o culto aos “bacharéis” formados de acordo com o saber universitário europeu, provenientes, em maior ou menor grau, de famílias ligadas por laços de parentesco (Faoro: 2012, pp. 29-32; Venâncio Filho: 2011, pp. 2-3). O beletrismo estava presente na valorização do conhecimento das “belas letras” e das ideias estrangeiras, que geralmente tais bacharéis professavam. Tais saberes eram cultivados como elementos de adorno, que elevavam o status social dos seus detentores e lhes abriam caminho para os altos cargos da administração pública (Holanda: 2012, pp. 153-168).

Do ponto de vista econômico, a produção brasileira parte, como já mencionado, do grande latifúndio exportador dependente da metrópole, com alta demanda de capital, mão de obra escrava e, portanto, baixa possibilidade de mobilidade social. Esse ponto de partida é um dos causadores da considerável concentração de renda e desigualdade que ainda marcam o país (Carvalho: 2016, pp. 50-66). Ele foi responsável, ainda, pela construção de uma elite rural e oligárquica, que se apropriou das estruturas de poder, com o apoio dos bacharéis, e conduziu o Estado com base em uma lógica conhecida como “patrimonialismo”: marcada pela utilização do cargo público para interesses privados, pela ocupação do poder público por parentes e amigos, para fins próprios, e, portanto, pela rejeição à igualdade, à impessoalidade e à inclusão no trato da coisa pública (Faoro: 2012, pp. 60-67, 819-838; Holanda: 1995, pp. 139-152).

Os bacharéis e homens letrados – ocupantes dos altos cargos da administração – prestaram-se à construção das normas que legitimavam e asseguravam tal aparelhamento do Estado (Faoro: 2012, p. 64; Venâncio Filho: 2011, p. 275). Nessa medida, tanto as instituições quanto o Direito favoreciam a afirmação e a manutenção da desigualdade, que se fazia presente nas estruturas de poder, nas políticas educacionais, econômicas e culturais, favorecendo europeus e descendentes de europeus e discriminando os demais. Essa desigualdade estrutural não é responsável apenas pela distribuição de bens e direitos. Ela é responsável também pela construção de um “imaginário” e pela consolidação de “práticas sociais cotidianas” que naturalizaram a desigualdade e que, nessa medida, contribuíram para perpetuá-la (Almeida: 2018, p. 50.). É, ainda, responsável pela compreensão que o próprio intérprete do Direito desenvolve a respeito da ideia de igualdade e do papel do Direito de assegurá-la ou não[26], já que, como já mencionado, cultura e cultura jurídica são permeáveis. Nessas condições, indígenas e negros passaram séculos em situação de subalternidade, e todas as estruturas estatais contribuíam para que assim permanecessem[27].

A promessa de transformação de tal estado de coisas chega com o fim da ditadura militar e com a transição para a democracia, operada pela Constituição de 1988. É a partir dessa Constituição que se pode falar efetivamente na construção da cidadania no Brasil. Justamente por isso ela é conhecida como a Constituição Cidadã (Carvalho: 2016, p. 13). A nova Carta, dadas as circunstâncias históricas, foi produzida em um ambiente de extrema mobilização popular, marcado pelo desejo de ruptura com o passado e de fundação de uma nova ordem: democrática, inclusiva e plural (Barroso: 2009, pp. 373-415; Souza Neto, Sarmento: 2013, pp. 155-183).

O processo de elaboração da Constituição contou com considerável mobilização popular (uma experiência que os brasileiros ainda não tinham vivenciado), com a participação e pressão de movimentos sociais e com a apresentação de 122 emendas populares, subscritas por 12.277.423 assinaturas (Lopes: 2008, p. 55). Entre tais movimentos sociais estiveram fortemente presentes o Movimento Indígena (Lopes: 2011, pp. 83-108)[28] e o Movimento Negro (Santos: 2015, pp. 132-179), postulando o reconhecimento de seus membros, bem como proteção e reparação pela profunda discriminação sofrida até ali (Lacerda, et al: 2018, pp. 30-50, pp. 50-67). Ambos os movimentos apresentaram contribuições, propostas de emendas, participaram de audiências públicas e foram contemplados de forma relevante no texto final.

No que respeita ao Movimento Indígena, podem-se citar como conquistas: (i) o reconhecimento do direito dos povos indígenas à terra e a obrigação do Estado de demarcá-las; (ii) a vinculação da exploração de recursos hídricos e minerais em terra indígena à oitiva das comunidades afetadas e à autorização do Congresso Nacional; (iii) o reconhecimento das organizações indígenas e de seus membros como parte legítima para ingressar em juízo na defesa de seus interesses; (iv) o direito a uma educação diferenciada para cada povo indígena, com um processo próprio de aprendizagem; (v) o reconhecimento da diversidade cultural existente no Brasil[29].

Já quanto ao Movimento Negro, este computa como vitórias a previsão no texto constitucional sobre: (i) a proibição de discriminação em razão da raça, (ii) a criminalização do delito de racismo como delito penal inafiançável e imprescritível e (iii) a garantia do direito à terra às comunidades remanescentes de quilombos[30]. Segundo Santos, a Constituinte é, efetivamente, o momento em que “o negro torna-se sujeito político” no Brasil (Santos: 2015, p. 179); e no qual seus pleitos passam a integrar, em alguma medida, a “agenda governamental brasileira” (Santos: 2015, pp. 23, 132-179).

Em seu conjunto, o resultado do processo constituinte foi uma Constituição compromissória e dirigente[31], que estabeleceu o Estado Democrático de Direito, assegurou um elenco amplíssimo de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e ambientais, e comprometeu-se com a promoção da igualdade e da inclusão, bem como com a impessoalidade na administração pública (Barroso: 2009, pp. 373-415; Souza Neto, Sarmento: 2013, pp. 155-183). Esse foi o espírito que marcou a elaboração da nova Constituição. Esses eram os objetivos perseguidos por seu texto. A Carta buscou, ainda, restabelecer o equilíbrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Previu uma série de garantias à magistratura, de forma a assegurar sua independência. Ampliou as competências do Supremo Tribunal Federal, corte de mais alta hierarquia em matéria constitucional, e aumentou o rol de legitimados que poderiam acessá-lo (Mello: 2018a, pp. 96-98).

A nova Constituição encontraria, contudo, ao lado de tais forças progressistas e inclusivas, instituições, imaginários e práticas sociais e jurídicas conformados à luz da antiga ordem, eurocêntrica e excludente; se depararia com um Estado patrimonialista, ocupado por interesses de uma elite que esteve por muito tempo no poder; uma administração pública acomodada a esse contexto; um Judiciário imerso nesse “imaginário”. Resta ver, portanto, o resultado do embate entre o texto progressista e igualitário e os fatores reais de poder. É o que se passa a examinar, com base na jurisprudência construída pelo Supremo Tribunal Federal sobre povos indígenas e afrodescendentes.

4.2. Julgados do Supremo Tribunal Federal: a Constituição em movimento

Quatro casos permitem construir um panorama sobre como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem aplicando o direito à identidade cultural, tal como previsto na Constituição de 1988. São eles: (i) Caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que debateu o direitos dos povos indígenas à terra; (ii) Caso Quilombolas, que examinou o direito de comunidades afrodescendentes remanescentes de quilombos à terra; (iii) Caso Religiões de Matriz Africana, que discutiu a liberdade de culto dos afrodescendentes no que respeita ao sacrifício de animais; e (iv) Caso Proteção dos Povos Indígenas em face da COVID-19, que trata do direito à saúde dos povos indígenas em meio à pandemia. O primeiro deles foi julgado no ano de 2009. O último ainda está em curso e teve decisões cautelares proferidas no ano de 2020. Trata-se, todos eles, de ações consideradas paradigmáticas pelos operadores jurídicos brasileiros. O conjunto desses julgados permite uma visão dinâmica sobre o avanço do STF no tratamento dado ao direito à identidade cultural.

4.2.1. Os julgados

(i) Caso Raposa Serra do Sol[32]. No Caso Raposa Serra do Sol, um Senador da República postulou, por meio de ação popular, que se anulasse a demarcação da Terra Indígena de mesmo nome. O autor invocou, entre outros fundamentos: (i) o argumento de que os povos indígenas em questão não estavam na posse da área quando da entrada em vigor da Constituição 1988, o que era exigido pelo art. 231 da CF; bem como que (ii) as dimensões da área demarcada eram excessivas e extrapolavam em muito aquela que ocupavam. Tratava-se do primeiro caso em que o STF apreciaria a demarcação de terras indígenas na vigência da Constituição de 1988, e naturalmente chegaram ao Tribunal todo tipo de ponderações. Entre elas: (i) chamava-se atenção para o fato de que a área ocupava um enorme espaço no Estado, comprometendo seu desenvolvimento econômico; (ii) observava-se que a reserva impedia a construção de estradas e de linhas de transmissão de energia essenciais à sua conexão ao resto do país; e (iii) alertava-se que a área estava localizada em terreno com relevante riqueza mineral e de biodiversidade, cobiçadas por outros povos estrangeiros.

O Supremo Tribunal Federal decidiu pela validade da demarcação. O voto do Ministro incumbido de relatar o caso, assinalou, inicialmente, que a proteção conferida pela Constituição às terras indígenas se relacionava com a necessidade de preservar a “identidade étnica” e “cultural” de uma minoria historicamente tratada em condição de desvantagem. Esclareceu, quanto ao argumento de que a comunidade indígena não se encontrava na posse da área quando da vigência da Constituição, que esse aspecto não afastava o seu direito à terra, desde que demonstrado – como ocorria no caso – que a comunidade havia sido desapossada pelo uso da força e impedida de retornar, a despeito de buscá-lo e de permanecer espiritualmente conectada à terra.

Por fim, no que se refere à abrangência da área a ser objeto de demarcação, defendeu que ela não devia alcançar apenas o local de moradia dos indígenas, mas todos os espaços “imprescindíveis ao seu bem estar” e à sua “reprodução física e cultural”, à luz da sua cultura e do significado de tais sítios para a comunidade indígena. A decisão reconheceu, portanto, em razoável medida, o direito à identidade cultural dos povos indígenas, buscando interpretá-los à luz de sua própria cultura.

Entretanto, a maioria decidiu , ainda, acolher as ressalvas propostas pelo voto do Ministro que liderou a divergência. Entre tais ressalvas estavam o reconhecimento de que o usufruto perpétuo das áreas em favor dos indígenas: (i) não se sobrepõe aos interesses da política de defesa nacional, não impedindo a instalação de bases e postos militares; (ii) não impede a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas ou o resguardo de riquezas de cunho estratégico; (iii) e que tais ações, dada sua relevância, poderiam ocorrer sem consulta às comunidades indígenas ou à Fundação Nacional do Índio - FUNAI, a despeito da exigência de consulta contida na Convenção nº 169 da OIT, ratificada e internalizada pelo Brasil. A não aplicação da consulta em tais hipóteses significava não permitir aos indígenas a possibilidade de expressão do seu ponto de vista sobre os impactos que determinadas atividades teriam sobre as suas próprias vidas, território e cultura.

Portanto, a decisão final manteve a demarcação da terra indígena, mas incorporou ressalvas relevantes. Reconheceu o direito à identidade cultural no que respeita à definição do direito à terra e à sua abrangência, mas o limitou quando em conflito com outros interesses, tais como a alegada preservação da soberania, a realização de obras de infraestrura e a exploração de minerais. Restringiu, ainda, o direito de participação indígena no processo decisório sobre tais casos, ao estabelecer que a consulta não lhes seria aplicável, rejeitando, neste ponto, a aplicação do art. 5º, § 2º, da Constituição e desconsiderando a Convenção nº 169 da OIT.

(ii) Caso Quilombolas[33]. O debate sobre o direito à identidade cultural das comunidades quilombolas – compostas por descendentes de antigos escravos fugidos que mantiveram um modo de vida tradicional – foi travado pelo Supremo Tribunal Federal, pela primeira vez, em uma ação direta de inconstitucionalidade proposta por um partido político de oposição ao governo (Partido da Frente Liberal – PFL). A ação voltava-se contra o Decreto nº 4.887/2003, do Presidente da República, que havia estabelecido o procedimento para demarcação das terras ocupadas por tais comunidades. O decreto dava cumprimento ao art. 68 do ADCT, que assegurava aos remanescentes das comunidades dos quilombos a propriedade das áreas por eles ocupadas e determinava ao Estado que lhes emitisse os títulos respectivos[34].

O partido requerente postulava o reconhecimento da inconstitucionalidade do decreto, entre outros fundamentos, por entender que: (i) previa que o critério para o reconhecimento como comunidade quilombola era o da autoatribuição, o que, segundo seu entendimento, abria caminho a todo tipo de fraudes; (ii) conferia ao direito à terra um alcance que abrangia não apenas as áreas de antigos quilombos, mas igualmente as necessárias à sua “reprodução física, social, econômica e cultural, conforme indicação da própria comunidade”, previsão que se aplicaria exclusivamente aos povos indígenas, segundo a letra da Constituição; (iii) determinava a titularidade coletiva do direito de propriedade da terra, quando a Constituição de 1988 nada dispunha nesse sentido.

O Ministro relator do caso entendeu que a norma impugnada era efetivamente inconstitucional no que respeita: (i) ao critério de autoatribuição, (ii) à amplitude das terras protegidas e (iii) à outorga de título coletivo às comunidades. Sustentou que tais elementos não estavam previstos expressa ou implicitamente no texto da Constituição de 1988. Observou, ainda, que o decreto questionado tinha um grave potencial de desestabilização social e de aumento da violência no campo, na medida em que gerava expectativas, ilegítimas, a seu ver, com relação à posse e propriedade de áreas que pertenciam a terceiros. O julgamento do caso foi suspenso em 2012, por um pedido de vista da ministra que votaria em seguida.

A votação do caso só foi retomada em 2015, quando o relator original sequer integrava mais o Tribunal. E o julgamento só se concluiu em 2018. Nessa ocasião, a maioria divergiu do relator e reconheceu a constitucionalidade do decreto. Afirmou que o critério da autoatribuição era legítimo, na medida em que a Convenção nº 169 da OIT, incorporada ao ordenamento interno brasileiro, havia consagrado a “consciência da própria identidade” como elemento central para determinar a proteção aos grupos tradicionais[35]. Observou que a autoatribuição não constituía o único critério levado em conta para identificação das comunidades quilombolas, dada a necessidade de comprovação histórica e antropológica do elemento objetivo da ocupação tradicional e da ligação da comunidade com um antigo quilombo.

Confirmou a constitucionalidade da inclusão na propriedade dos quilombolas dos espaços necessários à sua “reprodução física, social, econômica e cultural”. Reconheceu, igualmente, a validade da previsão de que os próprios interessados indicassem a extensão da área. Esclareceu que tais disposições prestigiavam a identidade cultural de tais comunidades, nos termos da Convenção nº 169 da OIT, e que a decisão final sobre o alcance da área “indicada” dependia de comprovação histórica e antropológica, como já mencionado.

Por fim, quanto à outorga de título coletivo, em lugar de títulos individuais, o STF observou que a providência estava em linha com o aspecto coletivo do reconhecimento dos quilombolas como comunidade tradicional, devendo tal título ser compreendido, analogamente ao que se afirmou quanto aos povos indígenas, no Caso Raposa Serra do Sol (Pet 3.388), como um instituto heterodoxo de direito constitucional (formatado pelo significado imaterial da terra para os povos tradicionais), e não como um instituto ortodoxo de Direito Civil (formulado à luz da compreensão do “homem branco”). Essa segunda decisão, cujo julgamento se concluiu 9 anos depois do Caso Raposa Serra do Sol, reconheceu de forma mais ampla o direito à identidade cultural e aplicou, sem resistência, a Convenção nº 169 da OIT.

Nota-se, contudo, no voto do relator original (proferido apenas 3 anos após o Caso Raposa Serra do Sol) a resistência em aceitar a concepção da propriedade quilombola com um viés cultural e identitário, bem como a preocupação com os interesses de proprietários rurais que eventualmente pudessem ser atingidos pelo reconhecimento do direito das comunidades a tais terras. Vale observar, ainda, que talvez o tempo levado para julgar a causa tenha favorecido um entendimento mais progressista.

(iii) Caso Religiões de Matriz Africana[36]. O terceiro caso a ser examinado corresponde a um recurso extraordinário, interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, perante o Supremo Tribunal Federal, em que se pedia a declaração da (in)constitucionalidade de uma lei que autorizava o sacrifício de animais em rituais religiosos de religiões de matriz africana. Tal como posto pelas partes, o caso envolvia (entre outros debates) o conflito entre: (i) o direito à proteção dos animais contra o tratamento cruel (art. 225, § 1º, VII, da CF[37]) e (ii) o direito à liberdade de religião e de culto de grupos minoritários afrodescendentes (art. 5º, VI, CF). A decisão poderia causar grave impacto sobre as religiões de matriz africana, dado que elas têm no sacrifício animal elemento essencial de seus rituais e da sua identidade como grupo[38].

O contexto vivenciado pelo Brasil no que respeita às religiões de matriz africana merece ser explicitado para que se compreenda o alcance da questão. Tais religiões são fortemente minoritárias[39]. O candomblé e a umbanda, que são as mais representativas delas, perfazem o percentual de 0,3% de adeptos da população brasileira apenas. Trata-se de religiões associadas a comunidades afrodescendentes, fortemente estigmatizadas e alvo de grave violência. A título ilustrativo, há registros de expulsão de centros religiosos e de seus praticantes das comunidades em que se encontravam instalados, de incêndios criminosos e depredação de centros, de apedrejamento e todo tipo de violência física contra fieis, além de discriminação e difamação de seus líderes religiosos e praticantes[40]. A postura do Estado brasileiro, com relação a tais atos de violência, é de “leniência”, segundo palavras do Ministério Público Federal[41].

Ao apreciar o caso, o Supremo Tribunal Federal entendeu que ele tratava não apenas do direito à liberdade de religião, mas igualmente do direito de tal grupo minoritário à cultura. Em virtude disso, buscou compreender a prática religiosa e cultural que envolvia o sacrifício animal. Segundo se esclareceu, o animal é sacrificado, nos cultos das religiões de matriz africana, para ser consumido pelos praticantes. A sua utilização no ritual tem o propósito de energizá-lo. Há todo um cuidado em sua preparação, que inclui não sujeitá-lo a sofrimento, porque é considerado sagrado, e seu sofrimento poderia atrair energias negativas. Não raro, inclusive, os praticantes da religião optam por criar tais animais para assegurar-se de seus bons tratos porque qualquer prática que os agrida pode “macular a sua energia vital”.

O Tribunal observou, ainda, que as práticas religiosas que estavam sendo impugnadas constituíam “patrimônio cultural imaterial”, na forma da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco (artigo 2.2.c); que correspondiam aos “modos de ser, fazer e viver de diversas comunidades religiosas e se confundem com a própria expressão da sua identidade” (art. 215, § 1º, da CF); e que a cultura afro-brasileira deveria ser objeto de proteção mais intensa pelo Tribunal do que aquela habitualmente dispensada, por ser alvo de grave estigmatização e de racismo estrutural[42].

Esse último caso, julgado em 2019, expressa um amplo reconhecimento da identidade cultural das comunidades afrodescendentes praticantes de religiões de matriz africana. Chama a atenção, contudo, que o recurso extraordinário que combatia o ritual religioso tenha sido interposto pelo Ministério Público estadual, instituição à qual a Constituição Federal conferiu o poder de ação para proteção do patrimônio público e social (art. 129, III, CF) e para a defesa dos direitos e interesses de grupos minoritários, como as populações indígenas (arts. 129, V, e 232, CF). No caso, a instituição atuava contra um direito fundamental de uma minoria religiosa.

O cenário do julgamento também merece comentário. No dia em que os 11 juízes que compõem o Supremo Tribunal Federal se reuniram para decidir a causa, na sala do pleno do Tribunal, o recinto, geralmente povoado por advogados brancos, vestidos de ternos escuros e sóbrios, foi ocupado por dezenas de Mães de Santo negras, líderes religiosas das religiões de matriz africana. As Mães de Santo foram ao Tribunal com suas vestes tradicionais brancas, seus turbantes e colares e mudaram a paisagem e o cenário. Tinha-se de fato a sensação de que se tratava de “outro lugar”. O momento mais impactante do julgamento foi proporcionado pela sustentação oral do advogado negro que ocupou a tribuna para defender a liberdade de culto dos afrodescendentes; e que fez ver aos 11 ministros brancos que compunham o Tribunal, em julgamento televisionado e ao vivo, que a mera existência desse debate perante o STF constituía uma manifestação de racismo estrutural. Veja-se um pequeno trecho da sua sustentação:

[...]. Me permitam destacar três ou quatro aspectos que, a meu juízo, estão envolvidos nessa matéria. E eu começo dizendo que prestei atenção nas sustentações. Não só nas narrativas que foram feitas nesse microfone, como também nos sapatos dos narradores. E, por acaso, os sapatos dos narradores são todos sapatos de couro. Há aqui um fenômeno que talvez a psicologia chamasse ‘esquizofrenia’, em que você admite, em que você faz um discurso acalorado, entusiasmado, em favor dos animais, calçando sapatos de couro. Possivelmente alguém terá dito, e é possível que alguém terá acreditado, que bife dá em árvore. Alguém vai na árvore, colhe o bife e come. E eu começo com essa ironia para tentar aqui ilustrar o fato de que nós estamos tratando aqui de uma hipocrisia e estamos tratando aqui do que esta Corte já chamou de ‘racismo religioso’. O Brasil tem o maior rebanho bovino do planeta. Nem a Índia, que não consome carne animal por preceito religioso, tem o rebanho bovino que o Brasil tem. A Índia tem o segundo maior rebanho bovino do planeta. Nós temos o maior rebanho bovino do planeta. Segundo o Ministério da Agricultura, a cada segundo, a indústria do agrobusiness abate 180 frangos, um porco e um boi. Portanto, nesse período que estou importunando Vossas Excelências com a minha sustentação, dá uma ideia da carnificina que terá ocorrido nesses poucos minutos que estou ocupando essa tribuna com muita honra. Portanto, é impressionante que há estatísticas no Brasil que comprovam que nas periferias das cidades jovens negros são chacinados como animais, mas não há comoção na sociedade brasileira. Não vejo instituição jurídica ingressar com medida judicial pra evitar a chacina de jovens negros, mortos como cães na periferia, mas a galinha da macumba... Parece que a vida da galinha da macumba vale mais do que a vida de milhares de jovens negros. E é assim que coisa de preto é tratada no Brasil. A vida de preto não tem relevância nenhuma. A vida de preto não causa comoção social. A vida de preto não move instituições jurídicas. Mas a galinha da religião de preto... Ah! Mas essa vida tem que ser radicalmente protegida! [43].

Em breves linhas, o advogado observou que havia incômodo com o sacrifício de animais praticado nos rituais religiosos das comunidades afrodescendentes. Entretanto, o mesmo incômodo não era provocado pelo uso disseminado de sapatos e bolsas de couro animal ou pelo fato de que o Brasil tinha o maior rebanho bovino do planeta destinado ao consumo humano. Nenhuma comoção era gerada tampouco pelos homicídios em massa promovidos contra jovens negros nas periferias das cidades brasileiras. No entanto, a vida da galinha usada nos rituais religiosos dos negros, essa sim despertava preocupação da sociedade brasileira, a ponto de se levar o debate ao Supremo Tribunal Federal. O que estava em jogo no caso, portanto, não era a proteção à vida ou à dignidade dos animais. Era sim o ataque à religião dos negros, expressão de sua identidade cultural.

(iv) Caso Proteção dos Povos Indígenas em face da COVID-19[44]. O quarto e último caso que merece destaque neste trabalho tem por objeto a proteção à saúde dos povos indígenas em face da pandemia de COVID-19. A matéria é objeto de uma ação direta, proposta perante o Supremo Tribunal Federal, pela Articulação Nacional dos Povos Indígenas – APIB e por 6 partidos políticos de oposição ao governo. A ação narra essencialmente que os povos indígenas têm grande vulnerabilidade a doenças infectocontagiosas, dado que seu sistema imunológico não está adaptado às enfermidades da sociedade dominante, bem como porque têm um modo de vida essencialmente comunitário, em que o compartilhamento de objetos e habitações favorece o contágio. Entretanto, segundo afirmado, o governo federal estaria se omitindo gravemente na adoção de medidas que pudessem aumentar a sua proteção e assegurar-lhes assistência de saúde adequada durante a pandemia.

Com base em tais argumentos, os autores pediram, entre outras providências: (i) a instalação de barreiras sanitárias para a proteção de terras habitadas por povos indígenas isolados e de recente contato, de modo a evitar o ingresso de terceiros em tais áreas[45]; (ii) a extensão do serviço de saúde indígena aos povos indígenas que habitam terras cuja demarcação ainda não foi homologada, dado que a União não estaria prestando o serviço em tais áreas; (iii) a formulação de um Plano Geral de Combate à COVID-19 para Povos Indígenas, com a participação dos povos indígenas e seus representantes, uma vez que o plano já elaborado pela União seria genérico, insuficiente e não consideraria necessidades específicas de cada área ou comunidade; (iv) a retirada de invasores, que se instalaram ilegalmente nas terras para a prática de ilícitos como desmatamento e mineração ilegal, dado que entravam em contato com as comunidades e podiam infectá-las.

O reconhecimento da legitimidade da APIB para a propositura da ação sujeitava-se a alguns problemas. Em primeiro lugar, a jurisprudência do STF reconhecia legitimidade ativa, em tais casos, às entidades de classe de âmbito nacional, mas considerava como entidades de classe (“grêmios”)[46] aquelas representativas de categorias profissionais ou econômicas. Associações destinadas à defesa de direitos fundamentais, como a APIB, não se incluíam em tal categoria porque não representavam os interesses de pessoas que detinham a mesma profissão ou que desenvolviam a mesma atividade econômica. Além disso, a APIB não estava constituída juridicamente. Era uma entidade representativa e existente “de fato”, mas não tinha atos formais constitutivos produzidos à luz do direito vigente. Possivelmente por essa razão, a entidade adotou a estratégia de ajuizar a ação com partidos políticos. Os partidos têm legitimidade para tais ações e, portanto, se a atuação da associação fosse rejeitada, a ação poderia prosseguir com os demais.

Assim, a primeira discussão que se colocava ao Tribunal era se a APIB poderia figurar entre os requerentes. Ao apreciar a questão, o relator do caso observou que a jurisprudência sobre o alcance de “entidades de classe de âmbito nacional” restringia o exercício de uma das funções essenciais de uma suprema corte com competência constitucional: a tutela de direitos fundamentais. Isso porque impedia que grupos minoritários que tivessem seus direitos vulnerados acessassem o STF diretamente, por meio de entidades representativas. Tais grupos ficavam dependendo de terem suas demandas acolhidas por partidos políticos ou por outros legitimados para levá-las ao Tribunal[47]. Essa jurisprudência estava, portanto, em desacordo com a missão institucional do STF e devia ser superada. Com base nesses fundamentos, o Tribunal estendeu o conceito de entidade de classe de âmbito nacional às entidades protetoras de direitos fundamentais de grupos vulneráveis ou minoritários. Com isso, ampliou substancialmente as possibilidades de discussão imediata de violações a tais direitos[48].

No que se refere à legitimidade da APIB, o Tribunal observou, ainda, que não era relevante a sua constituição formal como associação, nos termos do Direito Civil. Assinalou que o que importava para o reconhecimento de sua legitimidade era a demonstração da sua efetiva representatividade. Esclareceu que a Constituição de 1988 assegurou o respeito à organização social, às crenças e às tradições dos povos indígenas (art. 231, CF), e que tal respeito implicava reconhecer as suas próprias formas de constituir a sua representação. Por essas razões, a APIB podia ser considerada entidade de classe voltada à proteção de tais povos.

A decisão expressa, em síntese, a disposição do Tribunal para ampliar a sua atuação em tais matérias, bem como para conferir voz, perante a instituição, a grupos que, em sua maioria, têm baixa representação no espaço político; e que, portanto, têm no Judiciário uma via essencial, se não a única, para proteger seus direitos. Quando esses grupos falam por si mesmos, aportam perspectivas e visões de mundo desconhecidas dos grupos dominantes e do próprio Judiciário. Nessa medida, a atuação direta de tais grupos, sem intermediários, tem um importante potencial de sensibilização do Tribunal para suas realidades e dificuldades.

Com relação aos povos indígenas isolados e de recente contato, o Tribunal assinalou que o isolamento integra o direito de tais povos à autodeterminação e à preservação da própria cultura, cabendo ao Estado assegurá-lo. Nesse ponto, aludiu, novamente à Convenção nº 169 da OIT para demonstrar que o tratado respalda tal entendimento[49]. Observou também que, em uma situação de pandemia, esse direito é reforçado pela circunstância de que o isolamento é a medida mais protetiva para a garantia dos seus direitos à saúde e à vida. Com base em tais fundamentos, determinou a instalação de barreiras sanitárias.

Quanto aos povos indígenas situados em terras ainda não homologadas[50], o Tribunal observou que a condição de indígena é identitária e se baseia no autorreconhecimento e na consciência de tal identidade, nos termos da Convenção nº 169 da OIT[51]. Tal condição não depende da demarcação ou homologação de suas terras. Portanto, se uma comunidade se reconhece como indígena, a União[52] não pode recusar-lhe o atendimento especializado de saúde que é devido a tal grupo. Assim, determinou a extensão do serviço especial de saúde indígena aos povos autodeclarados como tal e situados em terras não homologadas.

Determinou, igualmente, a elaboração do Plano Geral de Combate à Covid-19 para Povos Indígenas com a participação dos seus representantes. Reconheceu que não é possível elaborar um plano adequado sem considerar as situações concretas, a geografia, os saberes e as tradições de tais povos; e que eles têm direito, nos termos da Convenção nº 169 da OIT, a participar do planejamento e administração dos serviços de saúde que lhes são destinados[53]. O Tribunal rejeitou, contudo, a retirada de invasores durante a pandemia, dado o risco de contágio e de conflito armado, que poderia agravar uma situação já crítica[54].

Também essa decisão, portanto, reconhece o direito à identidade cultural dos povos indígenas como fundamento para: (i) afirmar a legitimidade ativa de entidade não constituída à luz do Código Civil para propor ação direta em nome dos indígenas, (ii) assegurar o direito dos povos isolados e de recente contato ao isolamento, (iii) garantir atendimento especial de saúde a povos indígenas que habitam terras ainda não homologadas, bem como (iv) reconhecer o direito de tais povos a participar da elaboração do plano de combate à pandemia.

Por outro lado, a omissão da União em atender a pleitos essenciais à preservação da saúde de tais povos, sua resistência em reconhecê-los como indígenas com base no critério da autodeclaração e da consciência identitária, a mora na demarcação das suas terras, a recusa a permitir-lhes participar da elaboração de plano em que estava em jogo a própria sobrevivência de suas comunidades, todos direitos previstos na Constituição ou em tratado internalizado pelo país, expressam a resistência estrutural do Estado brasileiro a efetivar, em concreto, os direitos previstos na Constituição.

Passa-se a um breve esclarecimento sobre o contexto em que os julgados acima foram proferidos.

4.2.2. O contexto

Uma das grandes guinadas pela qual passou o constitucionalismo brasileiro, em 1988, foi o efetivo reconhecimento de normatividade à Constituição. Até 1988, as Constituições, no Brasil, tinham o valor de mera proclamação retórica (Barroso: 2009, pp. 373-415; Souza Neto e Sarmento: 2013, pp. 155-183). Não havia uma compreensão de que seu cumprimento poderia ser amplamente exigido judicialmente. Entretanto, no final da década de 80, ganha adesão entre os constitucionalistas mais progressistas a tese que ficou conhecida como “doutrina da efetividade”. A doutrina da efetividade pregava justamente que norma constitucional é norma, e que cabe ao Judiciário efetivá-la em caso de descumprimento. Na década de 90, passa-se a reconhecer normatividade também aos princípios constitucionais. Por fim, consolida-se a ideia de que o Judiciário tem o poder de reinterpretar – e, portanto, de reconstruir o Direito infraconstitucional – à luz da Constituição e dos valores que ela pressupõe (Barroso: 2009, pp. 306-350, e 2001, p. 24; Souza Neto, Sarmento: 2013, pp. 391-464; Mello: 2020a, pp. 9-11). Nesse contexto, o STF passa a um protagonismo crescente, em especial no que respeita à implementação de direitos fundamentais[55].

Os casos narrados foram decididos nesse último período, em que já se verifica um considerável ativismo no Tribunal. Eles demonstram que o Supremo Tribunal Federal pós-Constituição de 1988 se tornou um espaço de luta entre posições favoráveis e desfavoráveis à manutenção de certas hierarquias sociais[56]. Essa “luta” expressa justamente a distância entre o Direito como “norma positivada” e o Direito como “experiência vivida”[57]. O conjunto de tais casos parece apontar para uma tendência progressiva à concretização do direito à identidade cultural em âmbito judicial. Ainda assim, a cultura não igualitária estruturalmente presente na sociedade brasileira está inequivocamente expressa neles. E se é certo que em âmbito judicial se tem logrado efetivar tal direito, ainda que com alguns limites, não é menos certo que a judicialização tem sido uma condição imprescindível a tal efetivação. Esse aspecto por si só evidencia a resistência institucional à normatividade do direito. Veja-se.

No primeiro julgado examinado, Caso Raposa Serra do Sol, o reconhecimento do direito dos povos indígenas à terra é limitado, com base em argumentos de segurança nacional, de interesses relacionados ao desenvolvimento nacional e à expansão de atividades econômicas estratégicas. Nega-se o direito à consulta em um conjunto amplo de situações que envolvem o uso das suas próprias terras[58]. Além disso, casos posteriores, em divergência com o que se afirmou no Caso Raposa Serra do Sol, afirmaram, quanto às comunidades indígenas expulsas de suas áreas antes da promulgação da Constituição de 1988, que seu direito a retomá-las se condicionava a: (i) haverem proposto ação possessória na ocasião ou (ii) terem entrado e permanecido em conflito com os novos ocupantes. Caso contrário, não fariam jus à terra porque o vínculo espiritual com ela estaria supostamente rompido. Trata-se de decisões que desconsideram que: ações possessórias não integram o universo existencial de povos indígenas; que a exigência de conflito concreto contra posseiros armados colocaria sua vida em risco; que há tribos de tradição pacífica, que não respondem de modo conflitivo; e que uma das formas de os indígenas se manterem conectados com a terra é estabelecer uma relação de trabalho com os novos possuidores, sem que isso signifique renúncia à terra, mas sim persistência em permanecer nela[59].

O Caso Quilombolas expressa semelhante resistência para a concretização do direito à terra das comunidades remanescentes de quilombos. A posição defendida pelos autores da ação e pelo relator rejeitava o reconhecimento da perspectiva cultural das comunidades tradicionais e opunha a seus direitos os interesses de proprietários rurais que poderiam ser atingidos pelas demarcações de áreas. Vale esclarecer, quanto ao ponto, que sucessivas leis aprovadas pelo Estado brasileiro (em governos de todos os espectros ideológicos) promoveram, desde sempre, a regularização de propriedades rurais que foram originalmente resultado de atos ilícitos de invasão de terras públicas e de desmatamento ilegal[60]. A mesma “disposição regularizadora” não esteve presente, contudo, na expedita demarcação de terras tradicionais, essas sim reconhecidas e tuteladas pela Constituição. O direito real tem seus destinatários preferenciais: os mesmos desde o Brasil Colônia.

O Caso Religiões de Matriz Africana expõe o estigma sofrido por grupos religiosos de matriz africana e flagra uma instituição voltada à defesa de grupos vulneráveis atuando contra as práticas religiosas que constituem elemento essencial da identidade cultural desses grupos. Ele mostra como as estruturas estatais podem reproduzir e reforçar um imaginário racista e desigual, que – vale assinalar – não se limita ao direito à liberdade de religião. Há, no que respeita aos pretos e pardos, que representam a maioria numérica da população brasileira[61], um racismo estrutural persistente, que se expressa, mesmo após a Constituição de 1988, em índices inferiores aos da população branca em quase todas as searas da vida, entre as quais: alfabetização[62], homicídio[63], feminicídio[64], encarceramento[65], presença nas instâncias políticas[66], acesso ao trabalho[67] e a melhores condições materiais[68].

No que se refere ao Caso Proteção dos Povos Indígenas em face da COVID-19, a ação retrata um sistema estatal de tutela dos direitos dos indígenas bastante precarizado, desprovido de estruturas, pessoal, orçamento ou recursos materiais adequados a fazer face às suas demandas, quer no que respeita à demarcação e proteção de seus territórios, quer no que se refere à sua segurança alimentar ou à proteção da sua saúde e da sua vida. Essa situação é produto de escolhas históricas do Estado brasileiro que não podem ser atribuídas apenas ao governo atual. Pelas muitas razões já apresentadas, a implementação dos direitos desses povos nunca foi uma prioridade. E sem uma institucionalidade adequada para efetivá-los constituem uma mera abstração. Não bastasse isso, o atual Presidente da República tem se manifestado publicamente contra a demarcação de terras indígenas e em favor da adoção de políticas culturais integracionistas, resgatando uma abordagem pré-Constituição de 1988, que parecia sepultada[69].

Esses são os contextos, avanços e recuos que ora influenciam ora são influenciados pela concretização de direitos culturais e identitários no Brasil.

4.3. Percepção dos atores jurídicos: entrevistas[70]

Uma vez expostos o direito constitucional positivo, a jurisprudência e os contextos em que a concretização do direito à identidade cultural no Brasil tem ocorrido, resta conhecer as concepções dos atores jurídicos brasileiros sobre: (i) o que é cultura jurídica e (ii) como tal cultura acolhe o direito à identidade cultural e interage com ele. Com esse objetivo, procurou-se entrevistar, por meio de questionários anonimizados, um conjunto de operadores que atuam em posições distintas no acompanhamento das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal[71]. Essas entrevistas são uma amostra voltada a complementar ou a corroborar aspectos da cultura jurídica brasileira já abordados acima. Elas não excluem a possível existência de outras visões sobre o tema, mas permitem confirmar que as visões já narradas estão efetivamente presentes. Passa-se, na sequência, à reprodução de alguns trechos das entrevistas e a uma breve análise sobre elas.

4.3.1. Sobre o que os atores jurídicos entendem por cultura jurídica

Quanto ao significado de cultura jurídica, um ministro do Supremo Tribunal Federal respondeu:

[...] a cultura jurídica é definida de forma diversa a partir dos papéis e espaços que os operadores [do Direito] ocupam. Pode ser definida com base em um significado mais geral da linguagem ou de forma especial no que respeita à linguagem jurídica, a partir do lugar de onde o observador vê [...]; não creio que haja um conceito deontológico de cultura jurídica que se autoexplique [...]. [Por isso] não é possível ter uma única percepção de todos os atores, pois dependendo de quais atores jurídicos estejamos falando, o lugar de fala também demarca a racionalidade na qual se coloca o ator jurídico[72].

Na mesma linha, o segundo ministro do mesmo Tribunal afirma:

[o operador jurídico] não prescinde de uma cosmovisão sobre essa narrativa constitucional; em outras palavras [...] não há texto sem contexto [...]. Então, um texto constitucional comprometido com os direitos fundamentais [...] que deseja o reconhecimento jurídico da pluralidade dos modos de ser e estar – é um texto que cumpre também um papel de emancipação, proativo, em que as possibilidades evidentemente são abertas, sobretudo em um Estado democrático de Direito[73].

Nesses trechos, os ministros reconhecem, portanto, que a posição social de um ator jurídico e sua cosmovisão interferem sobre a sua compreensão do Direito. O conceito de “lugar de fala” – mencionado no primeiro trecho – alude justamente à necessidade de escutar a perspectiva de grupos minoritários sobre suas vivências para conhecer suas experiências de vida e, assim, estar apto a decidir a seu respeito (Ribeiro: 2019). O segundo trecho observa, ainda, que a cosmovisão do juiz e suas escolhas hermenêuticas podem (ou não) conferir à sua atuação um papel emancipador[74].

De forma convergente com as visões acima, um assessor de ministro afirmou que cultura jurídica é “como as coisas acontecem verdadeiramente”[75], bem como que “as preferências ideológicas, políticas ou subjetivas dos magistrados – e dos tribunais sobretudo – são muito mais poderosas” e interferem substancialmente sobre o significado atribuído à Constituição. Segundo a perspectiva desse ator, haveria duas culturas jurídicas. A primeira seria a cultura jurídica sob uma perspectiva mais formal, relacionada ao saber e ao imaginário dos profissionais do direito. A segunda seria o direito na prática: como as coisas verdadeiramente acontecem na vida real[76]. Outros atores jurídicos descreveram cultura jurídica como a “compreensão que temos das nossas tradições jurídicas e da nossa formação, dos objetivos da nossa legislação, da nossa formação em Direito, da nossa Constituição”[77]; bem como “o conjunto de manifestações que consideramos Direito”[78], “como interpretamos, qual é a força dos precedentes no nosso ordenamento jurídico, até onde pode chegar o juiz”[79].

Sobre as mudanças textuais e dogmáticas pelas quais passou a cultura jurídica no Brasil, os ministros entrevistados assinalam que:

[...] quando se pensou o Código Civil brasileiro o conceito de cultura jurídica foi agasalhado pela noção de cultura jurídica europeia [...]. [Por outro lado] o que se previu na Constituição de 1988 foi um retrato mais fiel de uma compreensão aberta, plural e principiológica de cultura jurídica, inserindo-se na Constituição essa da realidade brasileira que não é linear, monofásica nem excludente[80].

Nas últimas décadas do século XX, houve um fenômeno que foi uma certa transição da Constituição para o centro do sistema jurídico. [...]. Um direito que era predominantemente legislado, de base privatista e com um papel limitado para juízes e tribunais, se transforma em um direito constitucionalizado, em que a interpretação se flexibiliza, se libera das categorias do formalismo jurídico e vive um momento de evidência do poder judicial[81].

Os ministros reconhecem, portanto, que a Constituição de 1988 foi responsável por uma mudança normativa e dogmática que favoreceu o pluralismo, uma maior abertura hermenêutica e um maior protagonismo do Judiciário.

4.3.2. Sobre se o direito à identidade cultural foi acolhido pela cultura jurídica brasileira

Sobre o acolhimento do direito à identidade cultural pela cultura jurídica brasileira, os ministros afirmam que:

“Nós temos uma identidade europeia (sobretudo portuguesa), uma identidade africana (que hoje representa cerca de metade da população) e temos influência indígena (que eram as populações nativas aqui da América Latina).

[...]. Agora, até hoje nós enfrentamos as sequelas das questões sociais geradas pela escravidão e pela liberação dos escravos no final do século XIX. [Ela] produziu uma discriminação, uma segregação histórica das populações negras no Brasil, que vem sendo enfrentada unicamente nos últimos anos, nas últimas décadas.

Quanto às populações indígenas, foram dizimadas no Brasil, como no resto da América Latina. Existem, ainda, residualmente, talvez 500.000 índios, em uma população de mais de 200 milhões de habitantes. Nos últimos anos, se desenvolveu uma percepção (ao menos nos círculos mais progressistas) de que há uma dívida histórica com as populações indígenas[82].

[...] No Brasil contemporâneo, a cultura jurídica acaba sendo ressignificada com diferentes modos de ser e estar. Daí a importância que tem, no Brasil, assim como em outros povos da América, a questão indígena, a questão quilombola e um conjunto de jeitos de ser e estar que são distintos daquela importação europeia que, de algum modo, propiciou a colonização tanto territorial como cultural[83].

No que se refere às interações entre o direito à identidade cultural e a cultura jurídica brasileira, um dos ministros entrevistados esclarece que:

[...] nesses últimos 30 anos, os atores jurídicos no Brasil – de forma geral – e o discurso jurídico respectivo, abriu um espaço muito grande para a compreensão da diversidade cultural que forma a pluralidade dos povos dentro da nação e, portanto, de uma nação inclusiva daquilo que se pode denominar como povos do bosque, assim por dizer. Uma dimensão que traz, para a atuação e o discurso jurídicos, o reconhecimento de que cada um pode ser o que é sem que o outro deixe de ser o que é. Esse respeito pela diversidade[...].

Dessa forma, nós saímos, nesses 30 anos [de vigência da Constituição de 1988] de uma invisibilidade a uma visibilidade identitária que está reconhecida na Constituição brasileira, especialmente como reconhecimento das espacialidades territoriais dos indígenas de modo geral. O desafio que existe hoje é, em realidade, manter essa conquista identitária e, se possível, dar alguns passos mais para as diversas respostas que os povos têm dentro de um mesmo território, sobre problemas e questões que integram a sua forma de ser e estar.

[A Constituição de 1988] não é um ponto de chegada, é apenas uma estação desse caminho, que, além de colocar como desafio a contenção do retrocesso, precisa olhar para frente para que haja – além da identidade – o reconhecimento de autodeterminação [dos povos indígenas], que é um passo que ainda não foi dado no Brasil e que requer o discurso dos agentes e dos atores jurídicos[84].

Nota-se, portanto, que os ministros reconhecem a existência de um direito à identidade cultural na cultura jurídica brasileira e que avaliam que esse direito e cultura jurídica se ressignificam mutuamente, abrindo caminho para novas compreensões, a partir de novas formas de viver e de entender o mundo. Sem prejuízo da relevância de tais reconhecimentos, um assessor assinala, quanto à deficiência da formação dos advogados na matéria:

[...] muito pouca gente conhece a questão indígena. Eu, por exemplo, me graduei em Direito, fiz mestrado e doutorado em Direito. Não li – nem na graduação, nem no mestrado, nem no doutorado – um único texto sobre o direito aplicado aos indígenas [...] nem sabia que existia a categoria quilombola [...]; nós comemoramos o Dia do Índio: na escola colocávamos cocar, pintávamos o rosto e cantávamos canções [...] esse é todo o contato que muitos brasileiros têm com o índio[85].

Os trechos acima permitem confirmar três pontos essenciais. A Constituição de 1988 representa a passagem progressiva de uma cultura jurídica formalista para uma cultura centrada na Constituição, em valores, princípios constitucionais e direitos fundamentais. Ela é responsável por uma progressiva abertura, no âmbito normativo, ao multiculturalismo e, nesse sentido, reconhece o direito à identidade cultural dos povos indígenas e de outros grupos. Os avanços na concretização desses direitos não são lineares. Esbarram em hierarquias sociais e dependem da visão de mundo do magistrado. Além disso, elementos essenciais, como a formação dos advogados, ainda não incorporaram essa perspectiva plural. Nessa medida, algumas práticas subsistentes dificultam tais avanços.

CONCLUSÃO

O direito constitucional e a cultura jurídica brasileira passaram por profundas transformações nos últimos 30 anos. Durante os anos autoritários que antecederam a Constituição de 1988, o direito constitucional valeu muito pouco e as Constituições tinham uma força quase retórica. A cultura jurídica brasileira baseou-se, em sua origem, na formação de bacharéis e de uma elite letrada conforme as universidades, institutos e ideias de Portugal. A tais bacharéis reservaram-se os altos cargos da administração pública e a função de construir as instituições que legitimavam o exercício do poder. Tratava-se de uma cultura formalista, que valorizava o “falar difícil”, o conhecimento de doutrinas estrangeiras e que atribuía ao juiz o papel de aplicar a lei ao caso concreto.

Do ponto de vista social, a colonização portuguesa implicou a afirmação da superioridade racial e cultural do europeu sobre os povos indígenas e os negros. Esses grupos eram compreendidos como primitivos e incivilizados. Tal imaginário de grupos de pessoas superiores e inferiores permitiu que os indígenas fossem exterminados e que os negros fossem submetidos às condições mais hostis de vida e trabalho. Favoreceu, ainda, o estabelecimento de uma cultura jurídica desigualitária e excludente. Nesse contexto, a única identidade que tinha valor era a europeia. Do ponto de vista econômico, o poder se concentrou originalmente sobre grandes latifúndios exportadores de matéria-prima. Os senhores rurais dominaram a política e as estruturas estatais, ocupando-as com seus bacharéis, com parentes e amigos e apropriando-se do Estado como se fosse uma instituição voltada à promoção de seus interesses privados.

A Constituição brasileira de 1988 é o grande marco normativo que abre caminho para a mudança de tal estado de coisas. Elaborada com ampla participação popular, em um momento de euforia cívica pela superação de décadas de ditadura, a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 foi tomada por grupos de todos os matizes, inclusive pelo Movimento Indígena e pelo Movimento Negro, que participaram fortemente da sua elaboração. Disso resultou uma constituição compromissória e dirigente, que assegurou aos povos indígenas e afro-americanos o direito à identidade cultural (à preservação de seus modos de ser fazer e viver), vedou qualquer forma de discriminação racial e criminalizou o racismo, entre outras muitas conquistas. A Constituição afirmou, ainda, o direito de todos à igualdade e à inclusão. Determinou que o Poder Público deveria pautar a sua conduta pelo princípio da impessoalidade e pelo interesse público. Restabeleceu o equilíbrio entre os Poderes e reforçou as garantias à independência do Poder Judiciário.

A partir de finais da década de 80 e sobretudo na década de 90, também a dogmática jurídica passa por uma profunda alteração. Afirmam-se a doutrina da efetividade das normas constitucionais (e, portanto, a possibilidade de exigir o cumprimento de tais normas em juízo). Passa-se a reconhecer normatividade aos princípios e promove-se um processo de releitura de todo o direito infraconstitucional à luz de tais princípios e dos valores que eles pressupõem. A Constituição passa ao centro do ordenamento jurídico e o grande protagonista da sua implementação é o Poder Judiciário, ao qual se reconhece o papel não apenas de aplicar, mas igualmente de construir o direito, à luz da Carta. Esse é o contexto em que se dá, progressivamente, a implementação do direito à identidade cultural.

Obviamente, a nova Constituição e seus valores multiculturais e progressistas encontraram um imaginário, instituições e operadores jurídicos conformados à luz da antiga ordem. A desigualdade, os privilégios e o racismo foram consolidados ao longo de séculos. Estavam naturalizados. Sequer eram percebidos assim. Não surpreende, portanto, que a normatividade do direito à identidade cultural tenha encontrado resistência na realidade concreta e nos fatores reais de poder. Reconhecer direitos a indígenas significa frustrar o avanço sobre suas terras e recursos. Afirmar os direitos dos negros significa ter de dividir com eles espaços de poder. Em ambos os casos, o reconhecimento de tais grupos implica, ainda, a superação de um racismo estrutural profundamente enraizado na cultura brasileira. De fato, os casos examinados demonstram que a judicialização de tais direitos tem sido imprescindível para a sua consolidação; se há judicialização é porque há, da parte dos titulares do direito, pressão para que sejam implementados; mas há, da parte de outros grupos, resistência a cumpri-los.

Nessa medida, o Supremo Tribunal Federal transformou-se em um espaço conflitivo, em que distintos grupos disputam a transformação ou a permanência de estruturas sociais, culturais, políticas e econômicas. Nessa missão, poderia se retrair e preservar o antigo estado de coisas ou avançar e produzir transformação. Empoderado pela Constituição e pela nova dogmática, parece ter optado, até aqui, pelo segundo caminho, e tem progressivamente concretizado o direito à identidade cultural, bem como os demais direitos de grupos minoritários, ainda que com oscilações. Portanto, se é certo que a cultura brasileira resistiu e resiste à normatividade de tal direito; não é menos certo que sua implementação tem avançado e que, ao avançar, modifica a própria cultura sobre a qual incide. Esse processo não é linear. É conflitivo, sujeita-se a avanços e recuos. Expressa, em sua trajetória, nuances, sutilezas, violências e resiliências que compõem os “50 tons de cinza” a que alude o título deste trabalho. Os avanços já obtidos, contudo, nos fazem crer ou ao menos aspirar a que esse caminho nos conduza efetivamente a um país construído para todos – a uma nação pluriétnica e verdadeiramente multicultural.

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