Artigo

THATCHERISMO E CIDADANIA: RAZÕES PARA O SURGIMENTO DO CONCEITO DE ACTIVE CITIZENSHIP, NO FINAL DOS ANOS 1980*

THATCHERISM AND CITIZENSHIP: REASONS FOR THE RISE OF THE CONCEPT OF ACTIVE CITIZENSHIP IN THE LATE 1980*

Lenon Campos Maschette **
Universidade de São Paulo, Brasil

THATCHERISMO E CIDADANIA: RAZÕES PARA O SURGIMENTO DO CONCEITO DE ACTIVE CITIZENSHIP, NO FINAL DOS ANOS 1980*

Revista de História (São Paulo), núm. 179, a09218, 2020

Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História

Recepção: 13 Agosto 2018

Aprovação: 20 Maio 2019

Resumo: O presente artigo examina o surgimento do discurso conservador de active citizenship na administração da primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, no final da década de 1980. A análise investiga as razões de curto prazo que levaram à fabricação deste discurso, o qual emergiria como resposta a um clima de crescente disputa ideológica - consequência de visões distintas sobre a relação entre indivíduo e Estado e seus respectivos papéis, atribuições e deveres - e contestação popular, que alcançariam seu auge com as reformas no Welfare State britânico, na terceira administração Thatcher. Portanto, argumenta-se que o discurso de active citizenship não seria uma consequência direta dos graves problemas sociais britânicos, mas antes uma resposta ao acirramento ideológico do final da década, que chegaria ao seu clímax pela junção de diferentes e emergentes fatores contemporâneos.

Palavras-chave: Conservadores, pensamento político, cidadania, Thatcher, história das ideias.

Abstract: This article explores the emergence of the conservative active citizenship discourse under the British Prime Minister Margaret Thatcher’s administration in the late 1980s. The analysis investigates how short-term reasons would lead to the fabrication of this discourse, which emerges in response to a climate of crescent ideological tension - a consequence of distinct views regarding the relationship between individual and the State, as well as their respective roles, duties and assignments - and popular resistance, which would reach its peak with Thatcher’s reforms in the British welfare State. Therefore, this article arguments that the speech of active citizenship is not a straightforward response to British social problems, would rather be a response to the ideological excitement of the end of the decade, which would come to its climax by the putting together different and emerging contemporary factors.

Keywords: Conservatives, political thought, citizenship, Thatcher, history of ideas.

Introdução

Em 5 de fevereiro de 1988, durante um discurso em Tamworth, o então ministro do Interior do governo de Margaret Thatcher, Douglas Hurd, declarou que os britânicos tinham que “encontrar, como os Vitorianos haviam encontrado, técnicas e instrumentos para alcançar aquelas parcelas da sociedade que sempre estarão fora do alcance dos esquemas estatutários” (esta e demais traduções do autor)1, concluindo, mais à frente, que a “chave” para solucionar os problemas britânicos seria o desenvolvimento de um “cidadão ativo”, “inspirador e participativo” em todas as esferas da vida (HURD, 1988a). Meses depois, em um artigo intitulado “Freedom will flourish where citizens accept responsibilities”, Hurd sintetizaria a ideia de cidadania ativa: “Cidadania ativa é a livre aceitação pelos indivíduos de suas obrigações voluntárias para com a comunidade”2 (HURD, 1989). Em abril de 1988, a influente revista política de esquerda New Statesman criticava, em seu editorial, a ideia de cidadania de Hurd. Segundo a publicação, Hurd teria reduzido o conceito de cidadania a uma “responsabilidade moral e individualista”, “privatizada”, que dialogava com o moralismo aristocrático e medieval da noblesse oblige. Ao término do texto, o editor invocava a esquerda a direcionar seu olhar urgentemente para o importante tema da cidadania (CITIZEN…, 1988, p. 3).

A ideia de “cidadania ativa” de Hurd seria endossada por Thatcher na conferência anual do partido no mesmo ano, sendo tema explícito dentro dele até 1990 e implícito nos anos seguintes, durante o governo conservador de John Major. Mais do que isso, a ideia de uma cidadania enquanto responsabilidade ativa do indivíduo dentro da sua comunidade tornar-se-ia cálculo político e ideológico de ambos os lados do espectro político, gerando significados distintos e dependendo de predileções ideológicas particulares (MARINETTO, 2003, p. 104 e 111). Como apontou Susan Smith (1995, p. 190), o debate sobre cidadania ativa no Reino Unido desde o final dos anos 1980 tornar-se-ia particularmente relevante, pois refletia uma batalha ideológica pelo controle sobre o significado do termo. O conceito transformar-se-ia em força unificadora, em um mundo dividido, apelando tanto a centro-esquerda quanto a centro-direita (MILLER, 2014, p. 297).

Para o historiador Keith Faulks, o discurso de “cidadania ativa” teria sido a ferramenta ideológica usada pelos conservadores para tentar mudar o apoio popular aos direitos sociais, solapando seu amplo suporte. Além disso, seria também um meio de tentar combater tanto os crescentes problemas sociais quanto um emergente comportamento antissocial (FAULKS, 1998, p. 126-129). Os problemas sociais foram colocados no centro da discussão por Derek Heater e Ade Kearns. Enquanto Kearns explorou a questão da desgastada imagem da primeira-ministra, popularmente vista como indiferente aos mais pobres, mesmo em meio a um contexto de acentuados problemas sociais e deterioração dos serviços públicos (KEARNS, 1995, p. 159), Heater argumentou que o agravamento de vários problemas sociais e a consequente pressão popular foram fundamentais para a construção de um discurso de “cidadania ativa”. Além disso, o autor corretamente observou a importante pressão exercida pelo Partido Trabalhista sobre o governo conservador em busca de uma resposta a esses problemas (HEATER, 1991, p. 141).

Esses trabalhos são vozes quase solitárias no que se refere ao estudo das causas de curta duração que resultariam no surgimento do discurso de active citizenship. Estudiosos se debruçaram sobre o conceito de cidadania em Thatcher e sua ruptura com o modelo social liberal anterior. Contudo, menos atenção foi dada aos eventos específicos no final da década de 1980 que conduziriam ao discurso de active citizenship. Se, numa perspectiva de longa duração, a ideia de cidadania de Thatcher foi corretamente compreendida como uma resposta ao modelo de cidadania desenvolvido no período pós-guerra, baseando-se, em parte, nas ideias difundidas pela nova direita, os eventos de curto prazo também desempenhariam um papel determinante na formulação e promoção de um discurso específico com uma gama de intenções particulares. Isso não significa dizer que seu uso tenha tido função puramente retórica. Pelo contrário, a active citizenship era parte constituinte da ideologia do thatcherismo. O cidadão responsável de Thatcher era visto como elemento fundamental para a superação dos problemas britânicos, assim entendidos pelos conservadores. Contudo, a discussão específica sobre o tema alcançaria proeminência única no final da década de 1980, não sendo coincidência que o termo active citizenship tenha surgido nesse período. O objetivo deste trabalho é justamente preencher essa lacuna, e tentar explorar as principais razões de curto prazo que teriam contribuído para o desenvolvimento desse discurso.

Apesar de apontarem corretamente pontos importantes, pode-se notar duas grandes ausências nesses trabalhos. Em primeiro lugar, os estudos carecem de uma análise mais profunda sobre os problemas sociais do período, sua relação com a opinião pública e as narrativas ideológicas. É fundamental entender que, para os conservadores, a provisão pública de serviços sociais pelo Estado era uma das causas das mazelas sociais e não as políticas thatcheristas, como apontava a oposição. O thatcherismo ressignificava e reinterpretava conceitos e práticas importantes. O papel da esquerda, ao intensificar o debate ideológico e trazê-lo à arena pública, também deve ser analisado melhor. Ao mesmo tempo, é necessário que a opinião pública seja investigada em duas vertentes diferentes: não apenas pela imagem pública da primeira-ministra, mas sobretudo pelo crescente apoio popular às políticas welfaristas. Se a questão da imagem pública de Thatcher foi essencial para o partido nas eleições de 1987, seu papel seria absolutamente marginal no contexto do discurso de cidadania ativa.

A segunda e talvez mais problemática ausência é a análise do radicalismo do terceiro mandato (1987-1990), seu foco em reformas sociais, sobretudo a controversa reforma do sistema de seguridade social, e seu impacto no tema da cidadania. O Social Security Reform Act daria ao governo meios para reduzir parte de suas despesas, ao passo que oferecia os instrumentos necessários para combater a chamada “cultura da dependência”, intensificando e estreitando a discussão em torno de temas como o Estado de bem-estar social britânico e a validade dos direitos sociais. A efervescência gerada por essas reformas seria o contexto apropriado para o nascimento do discurso do “cidadão ativo”, já que elas estavam diretamente relacionadas à questão dos direitos e deveres e da relação entre indivíduo e Estado. Nesse momento, o tema cidadania, mais do que nunca, ficaria em evidencia nos discursos públicos de Thatcher. É importante salientar que o artigo trata da ideia de cidadania ativa, e não necessariamente do termo active citizenship. Por isso, apesar de o termo não ser visto com frequência nos discursos de Thatcher, a ideia relacionada a ele apareceria regularmente no final da década.

Através da análise de diversas fontes primárias, o estudo conclui que o surgimento desse discurso não seria apenas uma resposta aos problemas socioeconômicos britânicos, mas sim o resultado de uma progressiva tensão ideológica, em parte influenciada por esses problemas, mas também por outros fatores urgentes, tais como o radicalismo do terceiro mandato, com suas reformas sociais, e a crescente oposição pública a tais reformas. Os problemas sociais, por si só, não poderiam explicar o surgimento de tal discurso. Antes, é necessário entender como as diferentes ideologias explicavam o agravamento das condições sociais, como a opinião pública respondia a essas diferentes interpretações e, por último, qual o impacto das reformas sociais no debate e seu papel em conduzir ou estreitar a disputa em torno de um tema tão específico quanto o da cidadania. Mesmo com os problemas sociais latentes, parece-nos que esse discurso não teria surgido caso a opinião pública, por exemplo, concordasse totalmente com as análises conservadoras ou, por outro lado, se as reformas não tivessem sido implementadas no final da década de 1980.

O modelo de cidadania do pós-guerra britânico tinha como grande novidade a expansão dos esquemas de seguridade já existentes na Grã-Bretanha para a toda a população, organizados em torno dos princípios de “universalismo, abrangência e adequação” (LOWE, 1993, p. 122). O trabalho do sociólogo inglês T.H. Marshall é ponto de partida imprescindível para o entendimento deste modelo de cidadania. Em sua obra seminal, Citizenship and social class (1950), dois argumentos centrais influenciariam profundamente qualquer discussão subsequente sobre o tópico, a saber: sua divisão de cidadania em três componentes - direitos civis, políticos e sociais - e a ideia de que o último asseguraria o acesso aos dois primeiros (HEATER, 2005, p. 18). Sua definição de cidadania composta por três elementos diferentes era inovadora, pois considerava conquistas sociais como direitos adquiridos. Marshall argumentava que os direitos civis e políticos, ao longo dos séculos XVIII e XIX, representavam a igualdade em princípio, mas não em acesso, e que a ampliação dos direitos sociais seria uma tentativa de corrigir essa injustiça (MARSHALL, 1950, p. 26). Assim, melhores condições socioeconômicas garantiriam maior acesso a direitos.

Para o historiador canadense Michael Ignatieff (1989, p. 65), direitos sociais seriam uma demanda produzida pelos cidadãos, como forma de “corrigir o equilíbrio (…) entre desigualdade real e igualdade formal”, numa época em que a tendência do mercado de gerar desigualdades tornava-se insuportável.

Por outro lado, um crescente número de pensadores vinculados a uma então nascente nova direita alegaria que, na verdade, os direitos sociais estariam solapando, e não assegurando o pleno acesso à cidadania (HEATER, 2005, p. 24-25). O sucesso do poderoso ataque desta nova direita seria, em parte, resultado de sua notável habilidade de retratar-se como o único movimento capaz de defender verdadeiramente a autêntica freedom e choice dos indivíduos, opondo-se vigorosamente a um “Estado pesado, burocrático e insensível às necessidades individuais” (WILDING, 1992, p. 201-212).

O governo Thatcher deve ser colocado neste contexto de poderosas e difusas críticas ao modelo welfarista e à ideia de direitos sociais. Suas crenças e políticas seriam amplamente influenciadas pelas concepções dessa nova direita. O conceito de “cidadania ativa” ecoaria ideias e valores transmitidos por esses pensadores. O incentivo a uma cidadania mais “responsável” e “participativa”, bem como a transferência de parte da provisão de serviços sociais para o setor privado estariam diretamente relacionados à crítica desses pensadores à ineficiência do Estado de bem-estar social e seu ataque às liberdades individuais. Indo além, estes pensadores argumentavam que o Estado, ao prover serviços sociais, estaria criando uma crescente população de dependentes. O excesso de direitos sociais estaria encorajando os beneficiários a aceitar uma condição passiva e socialmente inferiorizada de vida, reduzindo sua autoestima, disposição e iniciativa, o que restringiria sua capacidade de experimentar “o status pleno de cidadão” (HEATER, 2005, p. 26). Portanto, direitos sociais não só não garantiriam o acesso aos direitos civis e políticos, como impediriam o cidadão de alcançá-los. Para os conservadores, active citizenship significaria “um saudável retorno aos valores tradicionais”, que tinham desaparecido devido ao desenvolvimento de uma confiança passiva em um nanny State (HEATER, 1991, p. 141).

O modelo de cidadania de Thatcher seria duramente criticado por inúmeros trabalhos acadêmicos. Se por um lado Ignatieff (1989, p. 72) e Ruth Lister (1990, p. 19) apontavam seu caráter anti-igualitário, no qual cidadãos despossuídos dependeriam da benevolência de outros bem-sucedidos, Dilys Hill (1994, p. 20) questionava a capacidade do setor voluntário de absorver toda a demanda daqueles que estão em necessidade.

De fato, conceitos não possuem significados fixos, sendo construções sociais cujos significados são determinados por uso. Justamente por sua natureza contestável, ideologias concorrentes disputam para introduzir suas próprias interpretações destes significados e torná-los socialmente legítimos (FREEDEN, 2008, p. 61 e 77). No caso do termo “cidadania”, a centralidade da ideia de direitos e garantias para os defensores do Estado de bem-estar social, e obrigações e altruísmo para os conservadores (SMITH, 1995, p. 190).

Em termos metodológicos, a análise se debruça sobre quatro tipos de fontes primárias: discursos e entrevistas; autobiografias; jornais e revistas políticas e pesquisas de opinião. Os discursos são essenciais e constituem a maior parte das análises deste estudo, sendo as fontes mais frequentes em que podemos explorar ideias, projetos e opiniões dos atores políticos. Além disso, explorar estes discursos ao longo dos anos nos permite apreender padrões, mudanças, introduções e abandonos de temas e significados. Maior enfoque será dado às conferências anuais do partido, primeiro porque nos permitem observar discursos ao longo do tempo e, sobretudo, porque a primeira-ministra lhes atribuía enorme relevância e as considerava como um dos maiores eventos políticos do ano. Era onde consolidava sua posição dentro do partido e, ao mesmo tempo, tinha a oportunidade de manipular sua agenda política perante a opinião pública (CRINERS et al., 2016, p. 68). Nestes eventos anuais Thatcher tratava temas importantes que influenciariam tanto o partido quanto os eleitores. Outros discursos, como o para a Conservative Women’s Conference e o para a General Assembly of the Church of Scotland, ambas em 1988, também foram analisados, sobretudo por discutirem a relação entre indivíduo e Estado, nosso tema de pesquisa. Entrevistas que trataram do assunto, assim como discursos pré e pós-eleições também foram analisados pelos mesmos motivos.

Autobiografias desempenham papel central na análise das intenções dos indivíduos, fornecendo com maior clareza suas posições ideológicas, ideias, crenças e motivações, além de darem acesso a informações novas e privilegiadas, até então não reveladas. Thatcher e Hurd formulam, muitas vezes, respostas mais claras em suas memórias sobre questões abordadas em nossa pesquisa.

Por outro lado, se pretendemos entender as disputas ideológicas e o crescente clima de tensão entre atores antagônicos, e o modo como a oposição reagia às ideias e políticas de Thatcher, jornais e revistas políticas serão fundamentais. Havia, tanto na direita quanto na esquerda, inúmeros críticos do thatcherismo. Contudo, maior foco será dado à tradicional New Statesman, chamada à época New Statesman & Society, por ser a mais importante e influente revista de esquerda do Reino Unido e que parece muitas vezes dialogar diretamente com figuras thatcheristas.

Por último, usaremos três fontes para as informações relacionadas a pesquisas de opinião: a Gallup Poll, a British Social Attitudes Survey e a Mori Survey. Além de serem as principais e mais tradicionais instituições britânicas que desenvolvem pesquisas de opinião, elas nos oferecem um relato detalhado do pensamento popular do país em relação à política, economia e sociedade em geral durante a década de 1980. A Gallup Poll e a Mori Survey são constantemente citadas e utilizadas pelos partidos políticos britânicos na formulação de suas estratégias políticas e eleitorais, bem como por estudiosos e jornalistas em suas análises. São geralmente pesquisas encomendadas pelos principais jornais britânicos e pelo próprio governo. A British Social Attitudes Survey, apesar de mais recente, também é frequentemente citada em análises acadêmicas. Podemos encontrar dados dos três institutos em diversas obras desta pesquisa, tanto nas antigas (TAYLOR-GOOBY, 1985; YOUNG, 1989) como nas mais recentes (CAMPBELL, 2009; JACKSON; SAUNDERS, 2012).

Contudo, um ponto precisa ser considerado sobre as pesquisas de opinião pública. Como aponta o professor de política social Peter Taylor-Gooby, um dos maiores problemas em relação às pesquisas de atitude é que, como opinião e comportamento podem ser diferentes, outras variáveis ​​podem influenciar as respostas dos entrevistados, como fatores circunstanciais, o esforço governamental e/ou das próprias agências de pesquisa. Segue-se que tais dados são, na maioria das vezes, voláteis e situacionais, resultados de uma série de fatores momentâneos e individuais. No entanto, como conclui Taylor-Gooby (1985, p. 22-23), estas pesquisas é são fonte de um tipo de explicação estrutural muito difícil de ser encontrado em qualquer outro método sendo, portanto, instrumento essencial para as análises de opinião.

Antes de entrarmos na análise em si, devemos brevemente entender o contexto britânico do pós-guerra, bem como alguns dos principais argumentos da nova direita e sua influência sobre o thatcherismo.

O consenso britânico do pós-guerra

As profundas mudanças sociais, econômicas e políticas experimentadas no final do século XIX e início do XX levariam ao questionamento de paradigmas antes inquestionáveis. Apesar de haver maior prosperidade, a pobreza ainda era persistentemente endêmica, e tais preocupações tornar-se-iam cada vez mais difundidas com a contínua ampliação do direito ao voto durante século XIX (BACKHOUSE; NISHIZAWA, 2010, p. 1). Questões relacionadas à melhoria das condições de vida tornar-se-iam “politizadas como nunca antes”3, e um clima de revigorado esforço por mudança passou a influenciar a agenda política da época (THANE, 1991, p. 246).

Apesar de alguns progressos no campo social antes do advento da Segunda Guerra Mundial, seria a administração trabalhista do pós-guerra de Clement Attlee (1945-1951) a responsável por criar um sistema mais sofisticado e amplo de bem-estar social, baseado no Plano Beveridge de 1942. No texto Social insurance and allied services (1942 apud ECCLESHALL, 1986, p. 49), o famoso liberal William Beveridge defendia a necessidade de estabelecer um “sistema abrangente e obrigatório de segurança social”4, baseado em subsídio infantil, educação gratuita, saúde pública e manutenção do emprego. Essas ideias tornar-se-iam a base de todo planejamento social e formulação de políticas públicas no período do pós-guerra. O Estado (e isso seria amplamente aceito) deveria ser usado como meio para implementar conquistas sociais (O’SULLIVAN, 1989, p. 167), sendo o responsável por ampliar a igualdade.

Impostos progressivos financiavam as políticas redistributivas. O compromisso da classe média com essas políticas democráticas foi alcançado através da implementação de direitos universais (JUDT, 2010, p. 52), os quais também foram uma resposta ao crescente poder de uma classe trabalhadora cada vez mais exigente (BACKHOUSE; NISHIZAWA, 2010, p. 23). Por outro lado, através de políticas keynesianas - estímulo fiscal e gastos governamentais - o governo britânico buscava encorajar a geração de demanda, tentando assegurar assim o cumprimento de sua promessa de pleno emprego (ECCLHESHAL, 1986, p. 47). Com a expansão da propriedade pública, o Estado passava a gerenciar o mercado, ao menos parcialmente, para fins sociais (KAVANAGH, 1990, p. 4), já que o mercado era visto como inapto para estabelecer objetivos coletivos (JUDT, 2010, p. 59).

O pleno emprego e o aumento real dos rendimentos da classe trabalhadora estabilizariam as fundações para um crescimento equilibrado do consumo na sociedade britânica ao longo dos anos 1950 e início dos 1960 (OSGERBY, 1998, p. 30-31). No entanto, apesar desta afluência econômica,5 a aprovação desse modelo nunca seria absoluta. A desaceleração econômica e o aumento da inflação durante os anos 1970 estenderiam o descontentamento e forneceriam ampla oportunidade para questionamentos em ambos os espectros políticos. Enquanto para uma parcela da esquerda a era do consenso pouco havia alterado a composição social britânica, para a direita o modelo havia se tornado excessivamente caro e cada vez mais ameaçador das liberdades individuais (HELD, 1998, p. 235). A satisfação política se deteriorava rapidamente. O trabalho implacável de think-tanks e institutos liberais, além do suporte emergente da mídia, seriam decisivos para influenciar a opinião pública (HARVEY, 2007, p. 57).

Em 1976, durante a Conferência do Partido, um então resignado James Callaghan, primeiro-ministro trabalhista à época, declarou: “Nós costumávamos pensar que podíamos nos livrar da recessão e ampliar o emprego reduzindo os impostos e aumentando os gastos públicos. Eu digo a vocês, com toda a sinceridade, que essa opção não existe mais”.6 Os tempos mudavam.

Ascensão da nova direita e crítica ao modelo de welfare State

A nova direita, longe de ser constituída por um conjunto homogêneo de pensamento, englobava diferentes perspectivas e visões, tendo na rejeição do consenso social liberal do pós-guerra, na recusa do estatismo assistencialista e na crença de que os mercados poderiam garantir melhor o acesso à riqueza e a liberdade, os valores comuns compartilhados que permitiram alianças pontuais entre essas diferentes vertentes de pensamento (FAULKS, 1998, p. 53). A novidade dessa nova direita baseava-se não em suas ideias individuais, mas na forma como o movimento reunia antigos argumentos e transformava-os, de forma radical e eleitoralmente potente, num conjunto de ideias que construía uma imagem alternativa de self-help Society (ECCLESHALL, 1990, p. 203).

A tentativa da new right de restabelecer o mercado como o meio mais eficaz de exploração e distribuição de recursos baseava-se na premissa de que o conhecimento, sendo fragmentado e disperso, não poderia ser centralizado, e de que as pessoas seriam mais flexíveis do que uma autoridade central para responder ao dinâmico e mutável mundo econômico (ECCLESHALL, 1990, p. 74). Segundo o influente economista Friedrich Hayek, o mercado, sem a interferência do Estado, criaria uma “ordem espontânea” na qual os indivíduos, atuando por interesse próprio, produziriam bens coletivos. O autor argumenta que os indivíduos possuem conhecimentos e necessidades diferentes e, ao interagirem com o mercado por meio de ações interdependentes, compartilhariam e distribuiriam esses conhecimentos. Somente atores interagindo entre si, de forma voluntária, teriam as informações necessárias para responder efetivamente a eventos indeterminados (HAYEK, 1998a, p. 51). Qualquer intervenção centralizada sobre essas atividades afetaria fatalmente sua eficiência.

Além disso, essa interferência limitaria as liberdades individuais, na medida em que reduziria drasticamente a capacidade de as pessoas determinarem seus objetivos, impondo padrões universais e restringindo o poder de decisão delas. A democracia liberal seria incompatível com uma autoridade “que especifica como cada pessoa utiliza-se dos meios à sua disposição”7 (HELD, 1998, p. 256-260), e qualquer tentativa de criar igualdade através de trocas compulsórias conduziria a regimes totalitários (FAULKS, 1998, p. 62). Ademais, no sistema de acumulação e recompensa, os indivíduos poderiam investir seu capital acumulado em inovação e criação de tecnologias. Com o tempo, essas tecnologias tornar-se-iam disponíveis para todos os indivíduos da sociedade (KING, 1987, p. 38), que assim também se beneficiariam do sistema. Portanto, desigualdade não seria apenas um fato natural, mas também algo desejável, primeiro porque qualquer tentativa de eliminá-la restringiria as liberdades individuais, segundo porque possuía papel central no processo de inovação e progresso tecnológicos.

Nessa perspectiva, o principal papel do Estado deveria ser criar e preservar as regras para garantir o adequado funcionamento do livre mercado, em outras palavras, sua estrutura legal e jurídica. Como Hayek (1998a, p. 47) declarou, “governos tornam-se indispensáveis para assegurar que estas regras sejam obedecidas”.8

O conceito de liberdade também seria central nos escritos destes pensadores. Liberdade seria compreendida como a ausência de coerção intencional. Esta ideia restritiva, negativa - segundo a qual liberdade seria ausência de algo, mais do que a capacidade para fazer algo - era claramente oposta ao modelo estabelecido no pós-guerra. Para a nova direita, liberdade era apenas ausência de restrições, e não abrangia “possibilidades para ações positivas e deliberadas”9 (HAYEK, 1998a, p. 30) - já que nenhuma ação positiva seria necessária para tornar alguém livre. É claramente um conceito relacional de liberdade, que tira seu significado apenas da relação entre os indivíduos, vinculada à ideia de intenção e premeditação dos eventos, desconsiderando forças impessoais que não seriam motivadas por nenhuma intenção. Duas importantes consequências seguem deste raciocínio. A primeira é que, de acordo com Hayek, “o mecanismo de mercado deveria, em muitos casos, ser considerado muito injusto se ele fosse resultado de alocação deliberada para pessoas específicas. Mas esse não é o caso”10 (HAYEK, 1998b, p. 64). Portanto, uma das bases ideológicas das políticas do welfare State, a saber, a ideia de que o Estado deveria intervir na economia a fim de corrigir as injustiças resultantes das ações geradas no mercado, era vigorosamente contestada a partir dos conceitos de impessoalidade e não intencionalidade. Sendo o mercado um mecanismo impessoal e não intencional de trocas voluntárias, não poderia ser considerado injusto. Em segundo lugar, este argumento também desafiava a ideia de liberdade como capacidade de fazer algo. Haveria uma “diferença categórica” entre liberdade e capacidade (PLANT, 1990, p. 8). Ao limitar o conceito de liberdade, associando-o à ausência de coerção intencional e não à capacidade de satisfazer necessidades, esses pensadores rompiam a relação entre condição social e liberdade e o argumento de que os mais necessitados precisariam de direitos sociais para acessar as mesmas liberdades e oportunidades das classes mais abastadas (JACKSON, 2012, p. 52; PLANT, 1990, p. 9). Para estes pensadores, ambos seriam igualmente livres para buscar seus objetivos, independentemente de suas condições sociais, desde que o Estado de direito os protegesse contra qualquer coerção pessoal.

A nova direita não só formulava novas ideias como era bastante hábil em promovê-las. Se por um lado a crise econômica dos anos 1970 deslegitimava as políticas públicas perseguidas pelos governos pós-guerra, abrindo espaço para a introdução e propagação de novas ideias (JACKSON, 2012, p. 52), por outro, a crise de confiança pela qual passava o Partido Conservador fomentava um raro ambiente de efervescência intelectual dentro deste, influenciado pela proliferação de “right-wings think-thanks”, grupos de estudos liberais e livros que discutiam a natureza e essência do conservadorismo (SAUNDERS, 2012, p. 26). Estes think-tanks teriam papel fundamental na popularização das ideias da nova direita, sobretudo no que se refere à defesa do livre mercado. Esses institutos, cuja emergência explodiria durante o período do pós-guerra, formavam uma complexa rede internacional de pesquisas sobre o liberalismo econômico, tornando-se responsáveis por popularizar os trabalhos de importantes intelectuais neoliberais, “traduzindo” suas ideias e tornando-as “digeríveis” não apenas ao grande público, mas sobretudo aos formadores de opinião, como jornalistas, políticos, businessmen e intelectuais (SAUNDERS, 2012, p. 45-46). Apesar de não serem alinhados a nenhum partido político, seus membros muitas vezes tinham estreita relação com o Partido Conservador britânico (SAUNDERS, 2012, p. 47). A própria Margaret Thatcher seria cofundadora, junto com Sir Keith Joseph - membro do partido que exerceria enorme influência ideológica sobre ela -, do Centre for Policy Studies, um think-tank estabelecido para desafiar o consenso keynesiano e promover ideias economicamente liberais. Se Thatcher não demonstrava nenhuma evidência de ser uma ideóloga neoliberal no que diz respeito à defesa do livre mercado, após 1970 ela aproveitaria a abertura do espaço político britânico e abraçaria a identidade de líder de uma cruzada a favor desse pensamento (SAUNDERS, 2012, p. 59).

As críticas ao welfare State também vinham da esquerda. Enquanto marxistas questionavam a capacidade do sistema de redistribuir renda e minimizar a pobreza, os libertários de esquerda apontavam que o poder discricionário dos burocratas era incompatível com o direito do cidadão, e que os primeiros avançavam seus próprios interesses em detrimento do segundo. No geral, rejeitava-se a ideia de que o Estado de bem-estar social poderia garantir progresso contínuo a todos os cidadãos (ROSE, 2004, p. 141). Isto não significa afirmar, junto com a nova direita, que a crise dos anos 1970 era resultado apenas do modelo político adotado no pós-guerra. Para alguns analistas, a crise do welfare State teria sido resultado não apenas de seus problemas internos, mas também de questões exógenas a ele, sobretudo relacionadas a inovações tecnológicas no campo da comunicação e da transformação no mercado internacional de capital, com o abandono de Bretton Woods e a introdução de taxas de câmbio flutuantes, que reduziam a capacidade dos governos de planejar e executar políticas econômicas domésticas (JUDT, 2005, p. 361). Para o historiador Tony Judt, o modelo welfarista pagava, em parte, pelo seu próprio sucesso, já que suas políticas sociais haviam diminuído os índices de natalidade e aumentado a expectativa de vida, gerando questões demográficas insustentáveis para um modelo que se baseava em um esquema de seguridade organizado pelo alto nível de substituição entre gerações, com altas taxas de nascimento (JUDT, 2005, p. 536).

Seja como for, a crise dos anos 1970 abria espaço para novas ideias e propostas, e o thatcherismo triunfava em mostrar-se como a única alternativa viável para remediá-la.

Thatcherismo, sociedade, opinião pública e a esquerda no final dos anos 1980

O contexto britânico, a partir de meados da década de 1980, era bem diferente daquele defrontado por Thatcher em sua primeira vitória eleitoral. A inflação estava sob controle e o Produto Interno Bruto (PIB) havia retomado sua tendência de crescimento. Por outro lado, o alto desemprego havia sido um problema duradouro desde seu primeiro mandato. Mais do que isso, a partir da metade da década, testemunhou-se um imenso aumento no número de protestos, taxas de criminalidade e comportamento antissocial. Apesar dos esforços do governo para reduzir os gastos públicos, as despesas com serviços sociais cresciam e, ainda assim, o governo enfrentava uma opinião pública cada vez mais insatisfeita com suas políticas sociais. Um plano de reforma profunda do sistema de seguridade social começou a ser formulado em 1985, passando a vigorar em 1988. A partir das eleições de 1987, uma proposta mais radical, fundamentada em uma abordagem mais moralista e centrada nas questões sociais, seria desenvolvida pelos conservadores. O final da década seria marcado pela virada do enfoque econômico para o social. Heater (1991) ressaltou que, se os problemas sociais não tivessem sido tão evidentemente preocupantes, é improvável que a expressão active citizenship tivesse sido alguma vez pronunciada. Ele estava correto, mas apenas em parte. Se os problemas sociais britânicos fomentavam a batalha ideológica entre governo e oposição, direita e esquerda, a reforma social de Thatcher no final da década de 1980 seria responsável por levar essa batalha ao ápice e direcionar as atenções a um tema específico, criando toda a atmosfera na qual o discurso da “cidadania ativa” emergiria.

Nova direita e sociedade

Os problemas sociais cresciam na Grã-Bretanha de Thatcher. É verdade que a percepção desses problemas tanto quanto suas causas variavam profundamente, de acordo com o campo político em que a análise estava enraizada. Contudo, independentemente da posição ideológica, dados, discursos políticos, mídia e opinião pública mostravam crescente preocupação com o tema.

Durante a década, manifestações e protestos aumentariam tanto em “frequência quanto em escala”11 (TURNER, 2010, p. ix). Em 1985 e 1986, uma nova onda de protestos, mais intensos e violentos, varreria várias cidades do interior do país (TURNER, 2010, p. 150). Além desse crescente comportamento “antissocial”, o período também seria caracterizado pelo forte aumento nos índices de criminalidade (LEA, 1993, p. 315; STEWART, 2013, p. 315), e a partir de 1985 o tema law and order se tornaria central nos discursos anuais de Thatcher na Conferência do Partido (MARGARET THATCHER FOUNDATION - MTF, 2002).

Por outro lado, o desemprego, apesar da tendência de queda desde 1986, ainda era acentuadamente alto no primeiro trimestre de 1987. O desemprego de longa duração se tornara um problema endêmico, ao passo que também impactava nas despesas públicas. O número de pessoas atendidas pelo Benefício Suplementar, um provento básico para aqueles em situação de pobreza, cresceria dois terços entre 1978 e 1987, enquanto seu valor real diminuía 8% se comparado ao aumento médio dos salários (PIACHAUD, 1987, p. 22-23). Ao mesmo tempo, em 1982, o valor real do auxílio-desemprego voltava aos níveis de 1951, se comparados aos salários (ROBERTSON, 1986, p. 290). Essa conjectura levaria a esquerda a lançar, no final dos anos 1980, um poderoso ataque contra as políticas thatcheristas, baseado na denúncia de que o governo empobrecia os mais vulneráveis e ampliava a desigualdade.

Um relatório publicado por um grupo de pesquisadores da Universidade de Bristol concluía que a renda dos 20% mais pobres havia caído (valores já ajustados) de £ 3.442 para £ 3.282 entre 1979 e 1989, enquanto a renda dos 20% mais ricos havia aumentado de £ 20. 138 para £ 28.124 no mesmo período (TOWSEND, 1991, p. 11). Além disso, concluía-se que o empobrecimento das classes mais baixas não estava relacionado apenas à perda de renda, mas também seria resultado de outras mudanças, como o corte de “refeições escolares grátis e subsidiadas, aumentos seletivos de aluguéis e taxas associadas e refinanciamentos de empréstimos do Social Fund (…)”12 (TOWSEND, 1991, p. 39). De acordo com o professor Alan Walker (1987a, p. 131), entre 1979 e 1985 o valor real da renda das famílias mais pobres com crianças caiu entre 15,7% e 27,2%. Ademais, o declínio industrial britânico tinha uma dimensão marcadamente regional, com o Sul do País de Gales, Escócia e o Norte da Inglaterra sendo desproporcionalmente afetados pela desindustrialização e por consequentes altas taxas de desemprego. A percepção de que o país estava mais dividido popularizava-se no final da década de 1980, e a oposição teria papel fundamental ao estimular este clima com dados, estudos, panfletos, pesquisas e propagandas. Vários relatórios oficiais e independentes, de uma ampla variedade de autoridades, concluiriam que a sociedade britânica estava “mais nitidamente” dividida do que antes da administração conservadora (WALKER, 1987b, p. 5). O tema da nação dividida seria central no repertório dos partidos de oposição durante a eleição de 1987. A Aliança (social-democratas e liberais) tornava esse assunto o título de seu manifesto, Britain United: the time has come (THE SDP/LIBERAL ALLIANCE…, 1987), enquanto o Manifesto Trabalhista indagava, provocativamente, se os britânicos queriam um “Reino Unido ou um Reino dividido?” (LABOUR PARTY, 1987). Para a oposição, o aumento dos problemas sociais seria resultado direto das políticas conservadoras e de como elas haviam excluído uma grande parcela da população do seu sistema, dando-lhes um profundo senso de impotência (FAULKS, 1998, p. 125). A análise socioeconômica destes pensadores destacava que a desigualdade e a pobreza, geradas pelas administrações conservadoras, seriam as grandes criadoras dos problemas sociais do país.

Apesar das críticas ao governo conservador, os pensadores da nova direita tinham uma visão bem diferente sobre estes mesmos problemas sociais. Para eles, primeiramente, era preciso reconhecer a importância do nível de pobreza absoluta - e não dos indicadores sobre desigualdade (PLANT, 1990, p. 12-13). Ainda mais importantes, os problemas sociais eram considerados sob a ótica cultural e moral, e não socioeconômica. Isso marcava uma diferença absoluta entre as análises da esquerda e as da nova direita. Thatcher (1995, p. 547) era enfática em apontar essa diferença: “Continuamos voltando à ideia de que a pobreza é a causa, e não o resultado de vários tipos de comportamentos irresponsáveis ou desviantes”13, concluía a primeira-ministra em sua autobiografia. Em outro momento, precisamente no discurso de 11 de outubro de 1985, Thatcher explicaria que, apesar do altíssimo nível de desemprego na Grande Depressão dos anos 1930 e da quase inexistente rede de benefícios e provisão de serviços públicos, os índices criminais costumavam ser muito inferiores aos dos anos 1980 (MTF, 2002). Portanto, não fazia sentido algum relacionar problemas sociais a fenômenos econômicos (THATCHER, 1993, p. 628). Para o thatcherismo, o problema central era o Estado - ele “fazia demasiado” (THATCHER, 1993, p. 626) - e, em particular, suas políticas “socialistas”. Se por um lado as políticas sociais geravam dependência, impedindo o indivíduo de gozar plena cidadania, por outro lado, a vinculação de direitos a “people’s wants, needs, and aspirations” tornava a demanda por eles ilimitada (HOOVER; PLANT, 1989, p. 26) e, assim, impossível de garantir. Sendo direitos imperfeitos, geravam obrigações imperfeitas e, portanto, difíceis de realizar e assegurar. Se por um lado o Estado gerava indivíduos dependentes, por outro formava cidadãos irresponsáveis e sem obrigações. É fundamental entender que, ao contrário da tradicional divisão entre explicações estruturais e culturais, esse tipo de explicação utilizada por thatcherites, mesmo sendo cultural, não excluía a estrutura, mas lhe atribuía papel importante. Como notou Florence Sutcliffe-Braithwaite (2012), o thatcherismo assumia que a estrutura legal e econômica teria um efeito formativo e de longa duração na esfera cultural. Para Thatcher, “Estrutura socialista, particularmente taxação punitivista e Sistema de benefícios que induzem dependência enfraqueceram valores vitorianos como parcimônia e trabalho”14(apud SUTCLIFFE-BRAITHWAITE, 2012, p. 512).

Para os conservadores, ao contrário do que imaginavam Marshall ou Titmuss, o modelo welfarista não gerava cidadãos melhores, mais altruístas e preocupados com o bem-estar comum, mas, pelo contrário, incentivava a dependência, o ressentimento, a irresponsabilidade e a passividade. Para a nova direita, o grande problema da escola de pensadores do welfareState, como apontou o cientista político Norman Barry (1990, p. 43), era que eles raramente consideravam a possibilidade de que a “existência de um amplo Estado de bem-estar fosse, ao menos em parte, um fator causal na perpetuação dos problemas sociais e na incapacidade de gerar bons cidadãos”.15

Não só as políticas do welfare, mas também a cultura dos anos 1960 eram percebidas como responsáveis pelos problemas contemporâneos britânicos. Entre os ministros conservadores havia a crença generalizada de que a suposta ascensão de uma permissive society durante a década teria resultado no colapso da sociedade britânica. Eles acreditavam que os cidadãos haviam perdido as virtudes necessárias para a preservação de uma sociedade rica e estável (LETWIN, 1992).

Um dos mais influentes críticos do welfare State e da cultura dos anos 1960, o cientista político norte-americano Charles Murray, apontava para a existência de uma emergente underclass, caracterizada pelo seu comportamento, e não por sua condição social. Para ele, a reforma intelectual dos anos 1960 tinha criado o mito de que todos os pobres seriam igualmente vítimas de seu ambiente social, formando uma classe idêntica de pessoas exploradas. Partindo de uma perspectiva diferente, ele argumentava que os pobres não seriam um grupo homogêneo, mas sim composto de pessoas com diferentes comportamentos (MURRAY, 1996, p. 25). Segundo o intelectual, o aumento das taxas de criminalidade remontava à década de 1950 e seria resultado direto “da decadência dos valores morais, dos perversos incentivos das políticas de welfare e do tratamento suave dado aos criminosos”16 (MURRAY, 1996, p. 43-44), em nada, portanto, relacionados às políticas de Thatcher.

É necessário compreender que o thatcherismo, longe de ser uma doutrina econômica, representou uma tentativa de transformação total e rejuvenescimento moral da sociedade britânica, que rejeitava tanto os parâmetros morais relacionados às liberdades dos anos 1960 quanto a cultura de dependência fomentada pelo modelo do welfare State (CRINES et al., 2016, p. 4). Por isso a necessidade de travar uma “batalha ideológica contra o socialismo”, combater a sua “imoralidade” (THATCHER apud SAUNDERS, 2012, p. 27 e 32) e “renovar os espíritos” da nação (THATCHER apud GRIMLEY, 2012, p. 88). Se a economia sofria, era porque o indivíduo britânico havia perdido sua fibra. “A economia deu errado por que algo mais, espiritual e filosoficamente, deu errado.”17, escreveria ela em suas memórias (THATCHER, 1995, p. 305-306). Disso vem a importância do “cidadão ativo”, um indivíduo dinâmico, autossuficiente, responsável por suas ações e portador de virtude cívica, apoiado na percebida necessidade por valores compartilhados e mútua obrigação desenvolvidos na comunidade local (FAULKS, 1998, p. 128). Para a primeira-ministra, “quando você cumpre seu papel enquanto contribuinte, você ainda não o cumpriu integralmente enquanto cidadão”18 (THATCHER apud HEATER, 1991, p. 141). Seria no mercado, e sobretudo na sociedade civil, nas associações e organizações voluntárias, que este cidadão seria formado e “remoralizado”. “Não apenas o Estado não pode remoralizar o indivíduo, na verdade ele pode desmoraliza-lo”19, disse ela em discurso no dia 30 de maio de 1978, em St. Lawrence Jewry (MTF, 2002). Daí a necessidade de transformar a opinião pública, de um lado, e de reformar o sistema de seguridade social, do outro.

Contudo, até que ponto as ideias da nova direita se popularizariam? De acordo com uma pesquisa de 1985, 49% dos britânicos atribuíam a pobreza às circunstâncias, e não à falha individual. Segundo o jornal The Economist (apud WILLENZ, 1986, p. 93), esses números representavam apenas 30% em 1977. A opinião pública mostrava crescente resistência a algumas ideias da nova direita. Mesmo conservadores tradicionais, como o ex-primeiro-ministro Edward Heath, mostravam sinais de profunda preocupação com uma Grã-Bretanha cada vez mais dividida em consequência das políticas públicas de Thatcher (Daily Telegraph, 25 March 1985, p. 18, apud MARTIN, The Growing, p. 139). Os ataques da oposição ao problema da desigualdade estavam tornando-se tão desconfortáveis e desconcertantes que, de acordo com o jornalista Robin Oakley (apud STEWART, 2005, p. 322), os conservadores anteciparam as eleições de 1987 para evitar o debate de Ascot e assim tirar a oportunidade trabalhista de aproveitar o evento para acusar o governo de comprometimento com a progressiva desigualdade. No final da década de 1980, o governo se encontrava cada vez mais pressionado por uma ruidosa oposição, em um momento não apenas de crescentes distúrbios sociais, mas também de radicalização de sua agenda política. Não eram somente os problemas sociais que preocupavam o governo, mas sobretudo a popularização da ideia de que estes problemas eram fruto das políticas radicais conservadoras bem como a percepção de que a nova administração tinha relação direta com o agravamento destas condições.

Opinião pública

“Todo mundo concorda que a imagem pública dos conservadores é um desastre nacional”20, declarava em 1984 o jornalista Auberon Waugh (apud TURNER, 2010, p. 322). Importantes membros da Igreja da Inglaterra acusavam explicitamente o governo de estar mais preocupado com a economia do que com as pessoas (TURNER, 2010, p. 310), e muitos comentaristas de política social responsabilizavam o governo por não se sentir culpado pela situação dos mais pobres (WALKER, 1987b, p. 2). Em maio de 1987, um mês antes das eleições gerais, 59% dos entrevistados acreditavam que a então primeira ministra e candidata do partido desprezava as pessoas comuns, enquanto 54% sustentavam que ela era distante dessa parte da população (IPSOS MORI, 1987).

A preocupação conservadora com a imagem de Thatcher atingiria seu pico entre 1986 e 1987, época das eleições gerais. Sem dúvida, esta preocupação se refletiria em seu discurso anual na Conferência do Partido, em 10 de outubro de 1986 (MTF, 2002), onde dedicaria bastante tempo ao tema conservative care e lançaria o slogan Power to the people para reforçar a ideia de que os conservadores cuidavam das pessoas comuns, ao contrário do que dizia a oposição. Thatcher não foi a única a ver a oposição como a principal responsável por sua impopularidade. Esta foi uma percepção recorrente dentro do partido. Tebbit (1989, p. 308) culpava a oposição por fazer uma campanha implacável contra Thatcher para vilanizar sua imagem. A tensão crescia.

Durante a campanha eleitoral de 1987, a imagem da primeira-ministra tornar-se-ia central na estratégia do partido. Contudo, a preocupação conservadora com a imagem de “indiferente” da primeira-ministra declinaria após as eleições, e o tema quase desapareceria dos discursos de Thatcher nos anos seguintes. A análise desses discursos aponta que o tema teria apenas influência marginal na produção do discurso conservador de active citizenship, posto que as falas de Thatcher nas conferências anuais do partido pós-1986 pouco ou nada referem-se aos termos uncaring ou conservative care.

Uma segunda e mais importante tendência verificada na opinião pública, a partir da segunda metade dos anos 1980, e que iria influenciar profundamente o surgimento do discurso de active citizenship, seria o crescente apoio popular ao Estado de bem-estar social e à política de gastos públicos. Havia uma forte crença popular de que os conservadores estavam focados em reduzir as despesas do Estado. Por outro lado, o governo acusava a oposição de aproveitar a retórica conservadora de responsabilidade fiscal para convencer os britânicos de que eles realmente estavam reduzindo gastos em áreas sociais (TEBBIT, 1989, p. 312). A tradicional pesquisa de opinião realizada pela Gallup Poll descobriu que, em 1979, 44% dos entrevistados concordavam com a afirmação de que “Serviços públicos como saúde, educação e bem-estar deveriam ser extendidos mesmo que isto signifique aumentos de impostos”21, índice que subiria para 66% em 1986 e para 73% em 1989 (KING, 2001, p. 238-239). Resultados semelhantes foram verificados pela British Social AttitudesSurvey (NATCEN SOCIAL RESEARCH, 2015). O suporte ao welfare crescia, mesmo com a melhora dos indicadores econômicos. Este resultado parece ser mais um reflexo das políticas de Thatcher e da percepção que se tinha sobre suas consequências, do que dos problemas sociais em si. Os direitos sociais haviam sido assimilados na cultura política britânica devido à sua persistência, durante décadas, como um dos pilares centrais daquela sociedade, gerando padrões específicos de consumo e produção. Thatcher já estava ciente disto quando declarou, na Conferência Anual de 10 de outubro de 1975, que “a crise econômica era uma crise de espírito da nação”22 (apud TURNER, 2010, p. xiii). Ela batalhava para transformar a opinião pública e seu apoio ao modelo “welfarista”. No entanto, apesar de seus esforços, a maioria dos britânicos mantinha-se firme na ideia de que o Estado deveria ser o provedor natural da seguridade social (CLAYTON; THOMPSON, 1988, p. 575).

A partir de meados dos anos 1980, a crença de que o governo estaria reduzindo o investimento em serviços sociais era profundamente popular (CLAYTON; THOMPSON, 1988, p. 575), estendendo-se inclusive a círculos internos do partido (TEBBIT, 1989, p. 312). Tal foi a preocupação com o tema que a ministra da Saúde à época, Edwina Currie, foi “enviada” para visitar o então diretor da BBC, Bill Cotton, a fim de criticar a série de televisão Casualty. A série retratava a ala da emergência de um hospital, em uma cidade fictícia, onde muitos problemas eram resultado do subfinanciamento público. Currie foi à BBC explicar que o National Health System (NHS), o sistema público de saúde britânico, não estava enfrentando nenhum tipo de corte de financiamento e acusava a série de mostrar uma imagem enganosa do problema (TURNER, 2010, p. 148-149). Já em 11 de outubro de 1985, Thatcher acusava a oposição de promover uma “campanha incansável” contra sua administração do NHS (MTF, 2002) e, alguns anos depois, ela admitiria que “naquele momento [1987] estávamos sob uma grande quantidade de pressão política com relação ao Sistema de Saúde (…) visto por muitos como o touchstone de nosso comprometimento com o welfare23 (THATCHER, 1993, p. 571). No mesmo período, Nigel Lawson, ministro da Fazenda de Thatcher, reclamava que “as pressões para se investir uma quantidade de dinheiro consideravelmente maior no Sistema de Saúde eram quase impossíveis de resistir”24 (LAWSON, 1992, p. 614).

A questão do welfare State era central. Em primeiro lugar, era necessário reduzir os gastos públicos para diminuir a tributação.25 O orçamento de 1988 reduziria drasticamente os impostos, poucos meses antes de o Social Security Reform Act ser aplicado. Em segundo, para os conservadores era imprescindível combater a cultura da dependência criada pelo Estado de bem-estar social. Esse tornava-se um tema cada vez mais caro à nova direita. Mudar a opinião pública e sua defesa à provisão estatal de assistência social tornava-se uma questão ainda mais crítica no final da década, à medida que os problemas sociais se aprofundavam, que o governo era responsabilizado por eles e que as reformas sociais eram implementadas. Esses fatores teriam papel central ao estimular a batalha ideológica entre Thatcher e seus opositores. A campanha eleitoral de 1987 acentuaria esse clima, tornando a situação ainda mais polarizada ao trazer o debate direto ao eleitor britânico. Se Thatcher almejava que suas políticas dessem frutos, era necessário mudar o “espírito” britânico. Não era apenas uma questão política, como tinha sido o problema de sua imagem durante as eleições de 1987. Se o cidadão britânico não mudasse sua mentalidade, a “revolução” de Thatcher estaria em risco. “Economia é o método; o objetivo é mudar os corações e as almas”26, declarava ela em uma entrevista para o jornal Sunday Times em 1981 (apud STEWART, 2005, p. 470). No final dos anos 1980, ela talvez tenha percebido que a economia, enquanto instrumento, não seria suficiente para mudar os “corações” e as “almas” dos britânicos.

Terceiro mandato e o Social Security Reform Act

Em 1986, em sua pesquisa para os conservadores, a agência Saatchi & Saatchi também descobriria que os britânicos compartilhavam a percepção de que os conservadores haviam perdido seu senso de direção. Sua administração era vista como backward looking (YOUNG, 1989, p. 509-510). A preocupação de apresentar uma nova plataforma e a formulação de uma nova agenda política tornaram-se o leitmotiv da campanha de 1987. Como observou o jornalista Hugo Young (1989, p. 521), “a liderança estava determinada que o terceiro mandato deveria ser diferente. Um momentum radical e coerente deveria ser remontado”.27 Para Thatcher, o governo estava desgastado após oito anos no poder e precisava provar às pessoas que não estava “ficando sem ideias.” Assim, germinava a necessidade de criar uma série de “específicas, novas e bem trabalhadas reformas” (THATCHER, 1993, p. 572). O manifesto de 19 de maio de 1987 seria, portanto, planejado para estabelecer uma agenda radical para o próximo Parlamento (MTF, 2002).

Isso não significa dizer que as pressões políticas moldaram o conteúdo da agenda conservadora. Antes, tal contexto apenas daria a Thatcher a oportunidade de implementar reformas alinhadas com suas ideias. Como a New Statesman declarou em 1988, se em 1981 os conservadores “‘thatcherizaram’ a economia”, o objetivo da atual administração era “refazer 1981” nos campos da governança local, educação e bem-estar social (A BLUDGEON…, 1988, p. 3).

Suas políticas focariam nas “instituições e profissionais responsáveis por oferecer os serviços de bem-estar, entre outros, ao público consumidor”28 (YOUNG, 1989, p. 521). Se a abordagem radical da terceira administração foi impulsionada por conjecturas políticas específicas a partir de 1986, e o conteúdo destas propostas delineadas por questões tanto pragmáticas quanto ideológicas, a escolha do tema - o social - seria resultado não apenas dos crescentes problemas sociais e da pressão exercida pela população e oposição, mas também pela questão de timing. “Somente uma nação economicamente bem-sucedida pode prover os recursos necessários para garantir altos padrões de serviços públicos e sociais”29, declarava Thatcher, em 1987 (MTF, 2002). Anos depois, em sua autobiografia, ela reafirmaria que a mudança de foco no terceiro mandato só foi possível devido ao controle da inflação e ao crescimento econômico (THATCHER, 1995, p. 538). Como já apontado, a partir de 1985 seus discursos anuais passariam a centrar-se cada vez mais nas questões sociais, e o tempo dedicado ao assunto atingiria seu auge nos discursos de 1987 e 1988. Por outro lado, o tema economia, crucial na primeira metade da década de 1980, foi perdendo paulatinamente seu espaço, quase desaparecendo dos seus discursos no final da década. Em 1989, quando a inflação voltou a subir atingindo quase 10%, e o PIB caiu 4% (THE THATCHER…, 2013), a economia se tornou novamente o objeto central de seus discursos anuais, enquanto as questões sociais voltariam a gozar espaço marginal (MTF, 2002).

Durante seu terceiro mandato, reformas radicais e profundas seriam levadas a cabo em áreas essenciais como educação, saúde e bem-estar social. Todas essas reformas viriam em conjunto com um arrojado e controverso orçamento. De muitas maneiras, reformas e orçamento complementavam-se. As reformas em tais áreas, especialmente no “dispendioso” setor de previdência social, ofereciam ao Tesouro a oportunidade de cortar impostos, ao reduzir despesas. Sob vaias e gritos de “vergonha”, advindos de furiosos deputados trabalhistas, a sessão que introduziu o Orçamento para a Câmara precisou ser suspensa. O editorial da New Statesman classificou-a como “uma das mais sórdidas e regressivas ações governamentais desde a Segunda Guerra Mundial”30 (A CALL…, 1988, p. 9), enquanto Young (apud LAWSON, 1992, p. 823) declarava que a proposta simbolizava “o desaparecimento do último vestígio do consenso do pós-guerra, da equidade e da justiça social”31. Cortes nas áreas sociais e redução de impostos estavam intimamente relacionados.

O início de 1988 foi intenso. Em abril, um mês após o polêmico orçamento, entrou em vigor o Social Security Act. Essa peça legislativa começou a ser esboçada em 1985 e, devido à forte oposição na Câmara, teve de ser revista, e sua implementação adiada de 1987 para 1988. Mesmo antes de ser promulgada, tornou-se extremamente controversa, fomentando uma sensação massiva de “hostilidade (…) espalhada por todo o espectro [político] (…). Você não precisa ser um socialista para ver [o Social Security Act] como uma peça particularmente sinistra de legislação”32, concluía o historiador e colunista político Ben Pimlott (1988, p. 9). Além do corte em gastos públicos, a reforma visava desencorajar o estado de dependência em que se acreditava estar os beneficiários de tais políticas. De acordo com Thatcher, a administração percebeu, no final dos anos 1980, que o sistema precisaria enfrentar uma reforma ainda maior do que a originalmente planejada, que deveria ser direcionada para um “novo ethos” baseado em um combate direto ao “estado de dependência” (THATCHER, 1993, p. 629). Para levar adiante a tarefa, em 1987 Thatcher substituiu Norman Fowler por John Moore como secretário de Estado para os Serviços Sociais, um “radical, ansioso para reformar o sistema ossificado que ele tinha herdado”33 (THATCHER, 1993, p. 589), alguém determinado a ser mais alinhado às ideias de Thatcher do que o antecessor (LAWSON, 1992, p. 720). Para estimular “autoconfiança e independência” e fazer do trabalho algo mais “atrativo”, a lei estabelecia benefícios menores, além de introduzir novos means-testing na tentativa de restringir a elegibilidade (ROBERTSON, 1986, p. 289). Como já apontado anteriormente, se o Estado não podia “remoralizar” as pessoas, ele com certeza podia “desmoralizá-las”, sendo necessário, portanto, “remover” ou pelo menos “diminuir as tentações” (THATCHER, 1995, p. 560) que ele oferecia e que destruíam a boa cidadania. A esquerda prontamente acusava o governo de desencorajar requerentes (PIMLOTT, 1988, p. 9); ao tornar mais difícil o acesso aos benefícios, os conservadores estariam mantendo fora do sistema as pessoas em necessidade.

Por outro lado, a reforma também seria reflexo, ao menos em parte, de uma terceira administração economicamente mais austera. O Tesouro havia estipulado que a reforma não deveria resultar em nenhum aumento de despesa do orçamento público (BENNETT, 1987, p. 124). A New Statesman foi incisiva ao relacionar o orçamento de 1988 com a reforma da seguridade social: “Em um ano em que o ministro da Fazenda entregou aos contribuintes mais ricos 2 bilhões de libras, o plano é recuperar meio bilhão dos pobres”.34 Para a revista, o foco de Thatcher nos “legados centrais do Estado social democrático”35 (SELECTIVE…, 1987, p. 3) fortalecia a ideia de que o governo estava transferindo riqueza dos mais pobres para os mais ricos, estimulando seus ataques como nunca antes. O discurso da “autoconfiança” estava sendo denunciado como instrumento retórico para legitimar o corte dos gastos públicos e o cumprimento de uma reduzida meta orçamentária (LISTER, 1990, p. 1).

Instituições de caridade, entidades e agências representativas de serviços sociais protestavam por todo o país (FROM THEM THAT HAVENT’T, 1988, p. 3), e apenas duas entre sessenta organizações representativas estavam em total acordo com os termos da reforma social (BENNETT, 1987, p. 121). Como notado por Pimlott (1988, p. 9), “Há muito tempo uma lei não reunia tamanha opinião organizada e responsável tão firmemente contra ela”.36

As atividades do Child Poverty Action Group foram especialmente influentes. De acordo com Lawson (1992, p. 595 e 720), seu lobby pressionaria tanto Fowler quanto Moore em seus respectivos esboços sobre a reforma da seguridade social, fazendo ambos recuarem em pontos específicos relacionados a Children’s allowance. A campanha influenciaria inclusive parlamentares conservadores a comparecerem à plataforma da entidade, em uma coletiva de imprensa organizada por eles em 1988 (SHUT UP…, 1988, p. 22). De fato, muitos conservadores tiveram reação fortemente contrária às reformas sociais de Thatcher. O popular jornal britânico The Independent realizou uma pesquisa com cem deputados conservadores e descobriu que dois em cada três deles mostravam preocupação com a promulgação da reforma (apud POOR…, 1988, p. 3). Sir Ian Gilmour acusava o governo de “afrontar o senso comum” (LAWSON, 1992, p. 306), enquanto Francis Pym (1986 apud BENNET, 1987, p. 230) denunciava o governo por reformar o sistema sem avaliar as necessidades dos beneficiários. Na mesma direção, o Conservative Women’s National Advisory Council se oporia frontalmente às propostas de Thatcher para eliminar a indexação baseada na inflação dos benefícios às crianças (HOOVER, 1987, p. 260), e Braden Rhys Williams fracassaria ao tentar implementar um projeto de lei que permitiria o aumento do auxílio em linha com a inflação (SHUT UP…, 1988, p. 22).

No início de 1988, a tensão ideológica alcançava seu clímax. As reformas sociais introduzidas por Thatcher, especialmente o Social Security Act, além de intensificarem a luta ideológica, conduziriam essa disputa à importante arena de discussões em torno do tema “cidadania.” A reforma seria responsável por direcionar o debate sobre a relação entre Estado e indivíduo, bem como sobre importantes conceitos relacionados à ideia de cidadania, tais como “direito”, “dever”, “benefícios”, “obrigações”, “garantias”, entre outros. O uso do termo active citizenship virtualmente desapareceria a partir do início da década de 1990 (HEATER, 1991, p. 140), quando a discussão das reformas havia esfriado. A luta ideológica em torno do papel do Estado, intensificada e moldada pela introdução do Social Security Act, seria o gatilho para o surgimento do discurso de “cidadania ativa”.

Conclusão

O presente artigo aplicou-se na compreensão das razões de curto prazo que teriam provocado o surgimento do discurso conservador sobre active citizenship, no final dos anos 1980. Os distúrbios sociais de meados da década, as reformas sociais da terceira administração Thatcher e uma tradicional e enraizada percepção sobre o papel do Estado e o conceito de cidadania estimulariam uma crescente disputa ideológica entre conservadores e oposição sobre qual seria a mais adequada relação entre Estado e indivíduos. Tal duelo ideológico atingiria seu clímax em 1987 e 1988, quando o programa conservador de reformas do sistema de seguridade social, o Social Security Reform Act, começou a ser amplamente discutido e, com ele, as fundações do Estado de bem-estar social e seu modelo de cidadania.

O artigo sustenta que o discurso não deve ser visto como simples resposta aos problemas sociais de meados da década de 1980. Antes, deve ser compreendido como originando-se dentro de uma disputa ideológica crescente, que alcançaria seu clímax no final da década de 1980, com a introdução das reformas sociais do terceiro governo Thatcher. Apenas a junção de fatores emergentes e variados, a partir da metade da década, podem explicar o contexto específico de seu aparecimento. Como amplamente analisado, a tensão ideológica progrediria paulatinamente após 1985. Os problemas sociais seriam, sem dúvida, um dos grandes fatores que pressionariam essa tensão. Mas, ao menos em parte, tais problemas sociais só se tornariam importantes aos conservadores pela leitura que a oposição fazia e pela popularização dela. O aumento das críticas advindas de grupos da sociedade civil e as pesquisas de opinião evidenciam que durante a década a maior parte dos britânicos passaria a rejeitar o modelo social de Thatcher. Conforme os anos passavam, crescia o número de pessoas que contestavam as críticas de Thatcher ao modelo de Estado de bem-estar social e viam no fortalecimento desse modelo (e não em sua redução) a saída para os males sociais do país. Portanto, o governo se via não apenas pressionado pelos problemas sociais, mas também pela rejeição da opinião pública à sua narrativa para tais acontecimentos. Mais do que isso, popularizava-se a ideia de que o próprio governo e suas políticas eram os geradores desses problemas.

Por outro lado, somam-se ao contexto algumas questões específicas da última administração de Thatcher. É importante notar que tais questões corriam paralelas aos problemas citados. As grandes reformas sociais de seu último mandato seriam consequências de fatores que não se relacionavam aos problemas sociais ou ao apoio popular ao welfare State. Antes, como já analisado, decorreriam de elementos como a pressão eleitoral por uma agenda política radical, timing, oportunidade política e, sobretudo, questões ideológicas. As radicais reformas sociais introduzidas pela terceira administração Thatcher foram precedidas por críticas severas e amplamente difundidas. Essas reformas teriam papel decisivo na disputa ideológica da época, sendo responsáveis por elevá-la ao seu clímax nos anos de 1987 e 1988. Mais do que isso, as reformas colocariam o modelo do welfare State no centro do debate público e político britânico, conduzindo e restringindo a discussão à cidadania e à relação entre Estado e indivíduo. Não é surpreendente que o termo active citizenship aparecesse, pela primeira vez, no discurso de Hurd em fevereiro de 1988, dois meses antes da promulgação do Social Security Act. Além disso, a radicalização thatcherista do final da década viria acompanhada de um forte discurso moralista, resultado não apenas da necessidade de justificar suas reformas e mudar crenças populares, mas também de suas convicções políticas, fortemente embasadas em uma moral individual. Para Thatcher, mostrava-se cada vez mais clara a necessidade de fazer os britânicos internalizarem novos valores (THATCHER, 1993, p. 539). Crewe e Searin (1988, p. 375) definiram o thatcherismo como uma cruzada pedagógica para ganhar apoio público e, em junho de 1988, constatavam que ele estava falhando. Aqui é onde se encontram os diferentes fatores citados. Problemas sociais, opinião pública e reformas sociais alimentariam as discussões ideológicas e o debate público de finais dos anos 1980. Esse seria o complexo contexto social, político e ideológico em que o discurso de “cidadania ativa” floresceria.

Se o termo “cidadania ativa” desapareceria paulatinamente nos anos subsequentes a 1988, a ideia em si se mostraria influente ao longo dos anos que se seguiriam e o debate em torno do tema atravessaria o final do século XX e chegaria até os dias atuais. O reconhecimento geral do fracasso do modelo de cidadania do pós-guerra, no final da década de 1980 e início da de 1990 moveria não apenas a direita, mas também levaria a esquerda a tentar reformular o conceito (HEATER, 1991, p. 142). A centro-esquerda reintroduziria a questão da responsabilidade e das obrigações no conceito de cidadania, e o New Labour, liderado por Tony Blair, ecoaria os ministros conservadores no que se refere à ideia de deveres como moralmente anteriores a direitos (LISTER, 1998, p. 312-313). No campo acadêmico, a ideia de um cidadão ativo dentro da comunidade também começaria a ganhar maior destaque, junto com a crítica a um modelo vertical de direitos sociais (LISTER, 1998, p. 321). Ainda que aceitasse Marshall, a esquerda reconhecia a necessidade de combater a passividade produzida pelo modelo do pós-guerra. Por outro lado, se o sucessor de Thatcher, o primeiro-ministro conservador John Major, fortaleceria a relação entre indivíduo e consumidor, transformando cidadania e governança em favor das forças de mercado (HAQUE, 1999, p. 228), as sucessivas derrotas conservadoras no final dos anos 1990 e início dos 2000 fomentariam certa mudança de postura do partido e, durante a liderança de David Cameron, ele tentaria se mover em direção ao centro da política britânica, promovendo a ideia de uma sociedade mais inclusiva e um conservadorismo mais compassivo (DOREY, 2007, p. 137) que viria a moldar sua ideia de Big Society.

Ao comparar dois momentos distintos em que se debatiam as questões sociais, 1987-1989 e 1994-1995, Thatcher concluía que “tais debates agora [1995], estão tendo lugar em território tradicional conservador de law and order, welfare dependence e família” (THATCHER, 1993, p. 538). Aos poucos, o thatcherismo parece ter conquistado, ao menos em parte, a opinião pública e tomado espaço na arena de debate britânica.

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Notas

* Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia.
1 ‘to find, as the Victorians had found, techniques and instruments which reach the parts of our society which will always be beyond the scope of statutory schemes […] I believe that the inspiring and the enlisting of the active citizen in all walks of life is the key’.
2 “Active citizenship is the free acceptance by individuals of voluntary obligations to the commu nity”.
3 ‘politicised as never before’.
4 ‘comprehensive and mandatory system of social security’
5 Para algumas críticas sobre a questão da “afluência”, ver Osgerby (1998, p. 31).
6 ‘We used to think that you could spend your way out of recession and increase employment by cutting taxes and boosting government spending. I tell you all candour that that option no longer exists’.
7 ‘which specifies how people should use the means at their disposal’.
8 ‘government becomes indispensable in order to assure that those rules are obeyed.’
9 ‘possibilities for positive and deliberate action’.
10 ‘the market mechanism would in many instances have to be regarded as very unjust if it were the result of a deliberate allocation to particular people. But this is not the case.’
11 ‘frequency and scale’.
12 ‘free and subsidized school meals, selective increases in rents and associated charges and repayment of loans from the Social Fund […].’
13 ‘we kept on returning to the idea that poverty was the cause rather than a result of various kinds of irresponsible or deviant behaviour.’
14 ‘Socialist structures, particularly the punitive taxation and dependency-inducing benefit systems, had undermined ‘Victorian virtues’ like thrift and hard work’.
15 ‘the existence of widespread public welfare arrangements may be, at least in part, a causal factor in the perpetuation of social problems and in the failure to generate good citizenship.’
16 ‘of the decay of moral standards, the perverse incentives of welfare policy and the coddling of criminals.’
17 ‘The economy had gone wrong because something else had gone wrong spiritually and philosophically’.
18 ‘when you have finished as a taxpayer, you have not finished as a citizen’.
19 ‘Not only could the state not remoralise people, it could actually demoralise them’.
20 ‘Everybody agrees that the Tories public image is a national disaster.’
21 Government services such as health, education and welfare should be extended, even if it means some increases in taxes
22 ‘the economic crisis was a crisis of the spirit of the nation.’
23 ‘were by now [1987] under a good deal of political pressure on the Health Service […] seen by many as a touchstone for our commitment to the welfare state.’
24 `pressures to spend considerably more money on the Health Service were almost impossible to resist.’
25 Não cabe a este trabalho analisar a questão da tributação e dos incentivos, na teoria do supplt side economics.
26 Economics are the method, the object is to change the heart and the soul.
27 the leader was determined that the third term should be different. A coherent radical momentum would be reassembled.
28 ‘institutions and professionals that brought welfare and other services to the consuming public’.
29 ‘Only an economically successful nation can provide the resources for high standards of public and social services’.
30 ‘one of the nastiest and most regressive pieces of government action since the second world war`
31 ‘the final disappearance of the last vestige of the post-war consensus, fairness and social justice.’
32 ‘hostility (…) [which was] widespread across the [political] spectrum (…) You don’t need to be a socialist to see [the Act] as a particular sinister bit of legislation.
33 ‘radical, anxious to reform the ossified system he had inherited’.
34 ‘In a year which the Chancellor has given out to the better-off taxpayers a cool 2 billion pounds, the plan is to claw back half a billion from the poor.’
35 ‘the core legacies of the social democratic state’.
36 ‘Not for a long time has a law united organised and responsible opinion so firmly against it.’

Autor notes

Editores responsáveis pela publicação:

Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

** Mestre em História das Ideias pela Birkbeck College, University of London. Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo. Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Contato Rua Afrânio Peixoto, 28 09230-780 - Santo André - São Paulo - Brasil maschette@hotmail.com

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