Resumo: O artigo tem por objeto o periódico Brasil Ilustrado: arquivo de conhecimentos úteis, lançado no Rio de Janeiro em janeiro de 1887. Além de localizar a folha no rol das muitas publicações ilustradas que surgiram ao longo do século XIX, trata-se de precisar a sua natureza, o projeto editorial, as razões que motivaram seus idealizadores e analisar o conteúdo difundido, em termos textuais e imagéticos. Especial destaque merece Félix Ferreira, que efetivamente respondeu pela direção do periódico. No mesmo momento, os leitores tinham a oportunidade de adquirir outro mensário, A Ilustração (1884-1892), impresso em Paris e que regularmente chegava a Lisboa e ao Rio de Janeiro a partir do porto de Bordeaux. A confrontação dos dois impressos convida a refletir acerca das condições de produção de estampas na capital do Império, num momento em que se afigurava urgente obter métodos baratos, rápidos e eficientes de reprodução da informação visual, cuja demanda cresceu de maneira muito significativa ao longo do Oitocentos.
Palavras-chave: Imprensa ilustradaImprensa ilustrada,Brasil IlustradoBrasil Ilustrado,Félix FerreiraFélix Ferreira,xilografiaxilografia,A IlustraçãoA Ilustração.
Abstract: The article analyzes the periodical Brasil Ilustrado: arquivo de conhecimentos úteis, released in Rio de Janeiro in January 1887. In addition to establish its place among the many illustrated publications that emerged throughout the nineteenth century, we intend to identify its nature, its editorial project, the reasons that motivated its owners to take forward the idea and analyze its textual and iconographic content. Particular attention is given to Félix Ferreira, who was effectively responsible for the journal’s direction. At the same time, readers in Brazil had the opportunity to acquire another monthly journal, A Ilustração (1884-1892), printed in Paris and regularly arriving in Lisbon and Rio de Janeiro from the harbor of Bordeaux. The confrontation of the two periodicals invites us to reflect on the printing conditions in the capital of the Empire, at a time when it was urgent to obtain inexpensive, fast and efficient methods of reproduction of visual information, whose demand grew in a very significant way during the nineteenth century.
Keywords: Illustrated press, Brasil Ilustrado, Félix Ferreira, wood engraving, A Ilustração.
ARTIGO
O BRASIL ILUSTRADO (1877-1878) E FÉLIX FERREIRA: CONHECIMENTOS ÚTEIS EM PROL DA NAÇÃO*
BRASIL ILUSTRADO (1877-1878) AND FÉLIX FERREIRA: USEFUL KNOWLEDGE ON BEHALF OF THE NATION
Recepção: 29 Junho 2018
Aprovação: 27 Fevereiro 2019
Foi no decorrer do Oitocentos que a imprensa ilustrada ganhou fôlego, graças tanto à mecanização e industrialização do processo de impressão, que abandonou o padrão vigente nas oficinas desde os tempos de Gutemberg,1 quanto às novas demandas sociais por informação. No campo específico do icônico, a xilografia de topo,2 a litografia3 e a fotografia alteraram a escala de difusão das imagens. É possível acompanhar a multiplicação de periódicos europeus que, desde a terceira década do século, passaram a incorporar sistematicamente material imagético.
Num esforço para discernir as linhas de força que atravessavam o cada vez mais diversificado e complexo campo dos periódicos ilustrados, Jean-Pierre Bacot, tendo em vista sobretudo a experiência europeia, identificou quatro gerações de publicações desta natureza, a saber: a que tinha por ideal instruir e educar a população por meio da disseminação dos chamados conhecimentos úteis, inaugurada pela Penny Magazine (Londres, 1832), editado pela Society for the Diffusion of Useful Knowledge e logo seguido pelo francês Magasin Pitoresque (Paris, 1833); outra cujo início remonta ao lançamento do Illustrated London News (Londres, 1842) e do L’Illustration (Paris, 1843), impressos que selavam, no próprio ato de nomeação, compromisso com o conteúdo iconográfico e cujo mote era a difusão de novidades para um público seleto, disposto a pagar por impressos graficamente bem acabados mas de custo relativamente elevado, exatamente o contrário do observado em relação à primeira e à terceira geração de periódicos ilustrados, esta última tendo entre seus marcos o Penny Illustrated Paper (Londres, 1861), o Journal Illustré (Paris, 1863) e La Presse Illustrée (Paris, 1866), que foram seguidos, em 1889 e 1890, respectivamente, pelos suplementos ilustrados semanais dos jornais populares, Le Petit Journal (Paris, 1863) e Le Petit Parisien (Paris, 1876), que balizam o início da quarta leva, igualmente caracterizada pela modéstia do preço (BACOT, 2005).4
Panoramas de grande amplitude, como o traçado pelo pesquisador francês, são instrumentos cuja força heurística manifesta-se na capacidade de ordenar, caracterizar e atribuir sentidos a acontecimentos ou períodos, que se tornam inteligíveis a partir dos parâmetros estabelecidos. Contudo, é bom lembrar que a opção pela grande angular tem suas limitações, pois sacrifica os detalhes em prol do quadro mais geral. No caso específico das publicações ilustradas, vale destacar que o surgimento de uma nova geração não implicava necessariamente na extinção das antecessoras, aspecto não negligenciado pelo autor, e que a caracterização tão precisa e bem marcada de cada fase pode não se repetir em outros espaços ou em circunstâncias diversas, como alerta o exemplo brasileiro.
Em 1887 foi lançado o primeiro número do Brasil Ilustrado, que ostentava o subtítulo “arquivo de conhecimentos úteis”. Não é simples precisar a periodicidade e a duração da publicação. Seus doze primeiros números estão disponíveis nos sítios da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional (HDB-BN) e da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na Universidade de São Paulo (BBM/USP). Nos exemplares pertencentes a ambas as instituições, a primeira página do número de estreia traz cabeçalho com título, indicação da empresa proprietária-editora e do ateliê responsável pelas estampas, sem indicar, contudo, preço, dia e mês do lançamento, conforme se observa na Figura 1.
Os exemplares apresentavam paginação contínua, indício de que o material foi concebido para ser colecionado, encadernado e guardado, prática bastante difundida no período e que remete ao esforço de aproximar os periódicos, marcados pela efemeridade, da permanência característica do livro. Aliás, era esse o aspecto almejado, tanto que a portada da Figura 1 não consta nos demais números, encadernados em volume único e conservados na BN e na BBM/USP. Entretanto, é pouco provável que, ao serem lançados, os exemplares não contivessem páginas sem numeração, com informações editoriais, envolvendo o conteúdo propriamente dito. Tal hipótese confirma-se pelo fato de o segundo número, pertencente à BN, apresentar invólucro de quatro páginas composto por capa com estampa, contracapa e folhas internas que reproduziam notas de outros órgãos de imprensa relativas ao lançamento do Brasil Ilustrado, material ausente no exemplar da BBM/USP (Figuras 2 a 5). A partir da descrição da ficha catalográfica, sabe-se que o volume da BN traz o ex-líbris da Coleção Benedito Otoni (1811-1896), cuja presença não pode ser identificada no suporte digitalizado.5
Pode-se supor que os assinantes, encadernadores ou vendedores julgaram conveniente extirpar os envoltórios, quiçá por considerarem que estes interrompiam a numeração e perturbavam a aparência livresca que o conjunto assumia depois de reunido.6 É tentador imaginar que o senador Otoni, ou quem lhe vendeu o volume contendo os doze primeiros números,7 tenha se dado ao trabalho de conservar apenas a primeira ocorrência, descartando as demais que deveriam ser, em larga medida, semelhantes. De toda forma, tais hipóteses só poderiam ser confirmadas ou refutadas mediante comparação com outras coleções.
O certo é que as quatro páginas preservadas contêm dados relevantes sobre o periódico, a começar pelo preço, modesto em comparação com outras publicações em circulação naquele momento.8 Projetava-se lançar doze edições por semestre, cada uma com dezesseis páginas, constituindo um conjunto anual com quase quatrocentas. A despeito de não indicar o dia e o mês do lançamento, o período de início e fim das assinaturas sugere que ocorreu em janeiro, o que é atestado pelas recensões críticas transcritas de órgãos da imprensa, a primeira delas datada de 15 de janeiro (Figuras 3 e 4). Já no texto de apresentação, declarava-se a intenção de “dar esta publicação, por enquanto, duas vezes por mês”, projeto que deveria envolver dificuldades consideráveis, como se observa no tom evasivo quando se tratava de estipular datas: “procurando ser sempre em dia certo”.9 Talvez para tranquilizar o assinante, os responsáveis asseveravam a edição de “vinte e quatro números em um ano, tempo pelo qual tomam o compromisso e o cumprirão com a seriedade que de há muito estão costumados a servir o público”.10
Entretanto, a promessa não foi mantida e os motivos foram explicitados em nota dirigida aos assinantes, datada de 30 de junho de 1887, graças à qual se sabe que os problemas começaram no lançamento do Brasil Ilustrado, inicialmente previsto para o primeiro dia de janeiro. O papel especial encomendado na Europa para a impressão do exemplar de estreia atrasou, levando os responsáveis a produzir o periódico com o que estava disponível no Rio de Janeiro. A preciosa carga aportou algum tempo depois e a edição subsequente ganhou em nitidez, como registrou A Semana: “Notavelmente melhores que as do primeiro número são as gravuras do número dois de Brasil Ilustrado. Para isso deve também ter concorrido a melhoria do papel empregado, próprio para gravuras”11 Em prol da uniformidade da coleção, a direção decidiu reimprimir o primeiro exemplar, que já fora distribuído aos assinantes (Figura 6), circunstância que, ainda uma vez, indica a intenção de compor um volume a ser conservado para futuras consultas.
A nota prossegue com a narração de outra dificuldade, que se apresentou quando da chegada ao Rio de Janeiro do segundo suprimento de papel, destinado aos exemplares programados para o segundo semestre de 1887. Assim, “embora de boa qualidade, amarelado e de bom corpo”, apresentava “muita diferença na cor e, por conseguinte, a continuarmos a impressão nele ficava o volume do Brasil Ilustrado mesclado”, circunstância alegada para a suspensão temporária da circulação.12 O Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP) possui em seu acervo os números 13 a 16, sem indício de encadernação anterior, tanto que as folhas estão soltas e, a despeito da cuidadosa restauração, algumas delas estão incompletas, comprometendo a leitura do conteúdo. Adotava-se exatamente o mesmo padrão gráfico, retomava-se a paginação e a publicação de textos que não haviam sido finalizados, ou seja, tratava-se de dar seguimento à empreitada no ponto em que fora interrompida. Para precisar o momento em que se deu o relançamento, foi necessário contar com informações provenientes da imprensa, uma vez que dados editoriais continuavam ausentes dos exemplares. Sabe-se que o título ressurgiu no início de fevereiro de 1888, com periodicidade bastante espaçada e que não ultrapassou quatro edições, o que perfaz o total de dezesseis.13 O último número preservado traz um invólucro, com capa e contracapas bastante deterioradas, mas que permitem distinguir, na primeira, o título da publicação, o editor-proprietário e o ano de 1888, além de uma estampa com paisagem do Rio de Janeiro, enquanto a quarta capa contém anúncios de livros da Editora Laemmert. Nas folhas internas, igualmente com lacunas importantes causadas pela ação do tempo, encontram-se dois índices, um relativo aos textos e outro às ilustrações, o que permite concluir que a publicação deixou de circular a partir de então, a despeito de alguns artigos da derradeira edição, de número dezesseis, trazerem a indicação “continua”.
O nome de um periódico nunca é uma escolha aleatória, antes articula-se aos objetivos perseguidos pelos idealizadores. No caso em estudo, estes também podem ser explicitados graças às quatro páginas que faziam as vezes de invólucro do segundo número e que retomavam ideais presentes no texto de apresentação. Não parece demais afirmar que a denominação Brasil Ilustrado expressava a vontade de dar conta do país, para o que se mobilizavam recursos textuais e imagéticos, aludidos nos instrumentos que ladeavam o título, conforme se observa, aliás, não apenas neste periódico, mas em vários de seus contemporâneos que faziam alusão à pena, ao porta crayon, ao lápis litográfico, ao buril e/ou à goiva enquanto suas marcas distintivas (Figura 2, canto superior direito).
O país, por sua vez, tomava a forma de uma criança com olhos muito expressivos, que tinha por entre as mãos um exemplar do Brasil Ilustrado e atrás de si uma paisagem ainda sem vestígios da ação humana. A composição, emoldurada numa espécie de medalhão, era ladeada por flores simples e delicadas, que acabavam por reforçar o tom bucólico e inocente do conjunto, representação que aludia à juventude da nação, ainda em processo de autodescoberta e formação. (Figura 2). O subtítulo, por seu turno, de imediato remetia ao ideal enciclopédico de ilustrar e educar, denotando inspirar-se nos impressos congêneres europeus, em circulação desde o início dos anos 1830. No texto programa, tal intenção era expressa nos seguintes termos:
Não é um periódico literário este, na mais restrita acepção do vocábulo, mas como bem diz o subtítulo - um modesto arquivo de conhecimentos úteis, isto é: consagrado à boa lição de tudo quanto pode instruir recreando, especialmente em relação às coisas pátrias, à história, geografia, uso, costumes, flora, fauna, paisagem e obras de arte do Brasil, como esboça este primeiro número.14
E, no mesmo diapasão, declaravam-se na capa as temáticas abordadas (“Belas Artes, História, Literatura, Ciências, Agricultura, Indústria, Tipos e Costumes”), enquanto o caráter enciclopédico do conteúdo deveria “recrear o espírito, sem fatigá-lo ou pervertê-lo”, como se lê no prospecto (ver, respectivamente, Figuras 2 e 5). Assim, se o título evocava, de acordo com a classificação proposta por Bacot, a segunda geração de periódicos, o subtítulo e parte dos intuitos remetiam para os ideais da primeira, com a particularidade de ter por objeto privilegiado não os conhecimentos úteis tomados no seu sentido mais amplo, como foi o caso das publicações europeias, mas sim a descrição e a compreensão do próprio país, em sintonia com os projetos da intelectualidade local.
Não era a primeira vez que um periódico com tal denominação circulava na corte, pois há registro de pelo menos um O Brasil Ilustrado: publicação literária, editado entre março de 1855 e dezembro de 1856 que, a despeito de ostentar subtítulo diverso, não diferia significativamente do sucessor no que concerne à preocupação pedagógica e nacionalista.15 Em fins da década de 1880, a novidade estava na promessa de “artigos sempre ilustrados por gravuras em madeira (xilografia) sob desenhos reproduzidos ou originais”, conforme se declarava no prospecto. E aqui residia a originalidade e o desafio do projeto, tendo em vista que o país não contava com escolas ou oficinas que difundissem a técnica, como se fez questão de pontuar no texto de apresentação. Tais limitações implicavam uma proposição modesta em termos materiais, mas que ambicionava contribuir para disseminar o gosto pelo desenho e pela gravura:
não se trata de um periódico de grande formato, de aparatosas gravuras e aprimorados artigos, mais de uma pequena revista ilustrada, assunto por assunto, feita com o concurso de todos - escritores e artistas - que levados pela mesma boa vontade que anima os dignos editores, nos queiram auxiliar nesta benemérita empresa.16
O empreendimento congregava, por um lado, o estabelecimento de Pinheiro & Cia., editor-proprietário, e o ateliê artístico de Alfredo Pinheiro. De outro, os diretores Félix Ferreira (1841-1898) e José Ricardo Pires de Almeida (1843-1913), tal como explicitado no artigo programático, assinado pelo primeiro:
Convidado, e conjuntamente com o meu amigo Dr. Pires de Almeida, para dirigir de acordo com os ilustradores Pinheiro pai e filho esta publicação, aceitei o gracioso encargo menos certo da minha competência que da boa vontade com que dedicarei à modesta empresa os meus limitados conhecimentos literários e sentimentos artísticos.17
A iniciativa coube, portanto, à oficina tipográfica, litográfica e xilográfica do imigrante português Manoel Joaquim da Costa Pinheiro (1832-1903), que chegou ao Rio de Janeiro com 11 anos e logo se estabeleceu como comerciante em Santos, cidade na qual iniciou suas atividades no campo da impressão. De retorno à capital em 1850, empregou-se na oficina de Manuel José Cardoso,18 tendo se estabelecido dois anos depois por conta própria, em sociedade com José Luiz Vargas de Vasconcelos. Em 1859, adquiriu a oficina de litografia e tipografia de João Xavier de Souza Menezes, à Rua do Cano, 165, posteriormente renomeada rua Sete de Setembro.
Ilustrador autodidata e bastante respeitado, Pinheiro assinou trabalhos para várias das obras editadas por Baptiste Louis Garnier (1823-1893), em cuja tipografia se imprimiram os primeiros números da emblemática Semana Ilustrada (1860-1876). Era tido pelos contemporâneos não apenas como um dos pioneiros da xilogravura no Rio de Janeiro, mas também um de seus raros praticantes, ou seja, estava entre os poucos aptos a levar adiante publicação da natureza do Brasil Ilustrado.19 Em tom confiante, o texto programa assim se referiu à Pinheiro & Cia.: “Estabelecida há 35 anos e possuindo um dos mais completos estabelecimentos gráficos do país, nenhuma casa por certo se acha entre nós em melhores condições de empreender e levar por diante uma publicação desta ordem”.20
Na portada do número inaugural figurava o Ateliê Artístico de Alfredo Pinheiro (1858?-1901?), localizado no mesmo endereço da empresa de seu pai. Em 1874, Alfredo partiu para a França a fim de aperfeiçoar-se na xilografia de topo e, no final da década de 1870, já se encontrava estabelecido como gravador, ao lado do progenitor (FERREIRA, 1994, p. 182-183).21 Desta forma, a parte material do Brasil Ilustrado - concepção gráfica, composição, impressão e produção das estampas - estava a cargo da família Pinheiro.
No que tange ao conteúdo, a responsabilidade era creditada ao médico Pires de Almeida, que prestou serviços na campanha contra o Paraguai. Escritor versátil, publicou diversas obras científicas relativas ao seu campo de formação, estudos de cunho histórico e vários dramas e comédias, representados com sucesso na época, além de ter colaborado assiduamente em diferentes órgão de imprensa e respondido pela publicação de Brasil- Teatro: Repertório Dramático de Autores Nacionais e Estrangeiros (1902-1907) (MENEZES, 1978, p. 23). Entretanto, levando em conta sua presença nas páginas do periódico, que não ultrapassou, pelo menos com textos assinados, o segundo número, pode-se supor que a maior parte do encargo coube, de fato, a Félix Ferreira, de longe o colaborador mais constante e assíduo da publicação.22
Em 1887, Félix Ferreira já era um nome bastante conhecido nos círculos intelectuais da corte. Entretanto, não se conta com informações detalhadas a respeito de sua trajetória, uma vez que os dicionários especializados são econômicos quando se trata de precisar datas relativas às atividades nas quais ele se envolveu, às obras que escreveu, aos periódicos que lançou ou aos muitos em que colaborou,23 o que obriga a recorrer a órgãos da imprensa para esboçar um panorama, sem dúvida lacunar, de sua atuação.24 Blake assegura, sem fornecer maiores detalhes, que Ferreira empregou-se “muito jovem” na BN. É certo que se arriscou na produção literária com As deusas de balão (1867), comédia em verso em um ato, Rimas inocentes de dois poetas ingênuos (1869), em coautoria com João Ferreira Neves, além de haver escrito o romance A má estrela (1879) e diversas poesias em periódicos, a exemplo de O Pandokeu (RJ, 1866).25
Além de colaborar em muitos jornais e revistas, envolveu-se diretamente com a fatura de outros. A confiar nas informações de Miranda Azevedo, auxiliou José de Alencar (1829-1877) a editar o Dezesseis de Julho: Folha Política e Literária (RJ, 1869-1870) e teria sido o responsável pelo lançamento de Ideia: Revista Artística e Literária, da qual se conhecem três números, relativos aos meses de setembro a novembro de 1869.26 Neste mesmo ano lançou, com Joaquim Garcia Pires de Almeida (1844-1873), Leitura para Todos, mensário de mais de cem páginas, contendo produção literária e crítica de autores nacionais que circulou, pelo menos, entre julho e setembro.27
Em 1870 ou 1871 fundou a Tipografia e Litografia Imperial de Félix Ferreira & Cia., instalada na rua Sete de Setembro, 146A, responsável por imprimir a primeira edição de O Tronco do Ipê, de José de Alencar, que saiu pela Garnier em 1871, o que pode ser tomado como mais um indício de sua proximidade com o escritor, ao lado do qual esteve no periódico Dezesseis de Julho.28 Graças aos anúncios no Almanaque Laemmert, relativos aos anos de 1871 e 1872, sabe-se que editou a Biblioteca para Todos, anunciada como publicação mensal cuja sede era a mesma da tipografia, e da qual não foi possível obter exemplar ou informações mais detalhadas.
Outro periódico que saiu dos prelos da Tipografia Imparcial foi O Guarani: Folha Ilustrada, Literária, Artística, Noticiosa e Crítica (1871), publicada aos domingos e que circulou de janeiro a dezembro somando 37 números. O título, por seu turno, constituía-se em evidente referência ao romance homônimo de Alencar, lançado em 1857. Félix Ferreira não só contribuiu com vários textos, sempre tratando de questões literárias e artísticas, como ele próprio - ou o seu estabelecimento - figurou na condição de proprietário, editor ou redator-gerente da folha, que se distinguia por publicar, a cada número, uma litografia separada do texto, em consonância com a praxe então vigente. Nos dez últimos números preservados, foi acrescida uma segunda litografia, que ocupava a primeira página, o que pode indicar as dificuldades enfrentadas para produzir na corte um periódico efetivamente ilustrado.29
Não cabe aqui retomar em detalhes esse impresso. Basta assinalar que se distanciava dos congêneres humorísticos que dominavam a cena e cujo modelo matricial foi a Semana Ilustrada de Henrique Fleiuss (1824-1882). O Guarani assumia claro compromisso com a difusão da produção artística nacional nos mais diversos campos,30 afastando-se dos quadros rígidos de Bacot. Impresso na tipografia de Félix Ferreira, os exemplares sempre continham anúncios sobre os serviços oferecidos pela empresa, cuja duração é difícil de precisar, cabendo notar que, no Almanaque Laemmert, não foram encontradas menções diretas à Tipografia Imparcial posteriores ao ano de 1872, o que não pode ser tomado, contudo, como prova cabal do encerramento de suas atividades.31
Antes do lançamento do Brasil Ilustrado, Ferreira envolveu-se com vários outros projetos editoriais. Um deles era o Imprensa Industrial: Revista de Literatura, Artes e Indústria (1876-1877), quinzenário do qual se conhecem dois alentados volumes relativos ao período de agosto de 1876 a dezembro do ano seguinte e no qual Ferreira figurou como editor, ao lado do proprietário, José Lino de Almeida (1836-1888). Tratava-se de levar adiante estudos sobre a indústria e as conquistas da ciência, assunto candente num momento em que os avanços registrados no cenário internacional contrastavam com as nossas limitações nesse campo. A publicação também tratava de belas artes, estatística, viação pública, agricultura, economia, instrução, higiene, movimento literário do país e, “para desenfado de seus leitores”, trazia alguns “romances com escrupulosa escolha, variedades, transcrições da imprensa estrangeira, etc.”, como se afirmava na apresentação do número inaugural.32
Pouco depois, ainda com Lino de Almeida, mais uma vez ele se postou ao lado de José de Alencar e participou do lançamento de O Protesto: Jornal de Três (1877), que circulou entre janeiro e março, impresso na Tipografia Imprensa Industrial.33 Até onde se pode apurar, o seu envolvimento no campo político, que não parece ter sido muito significativo, deu-se em torno do Partido Conservador, tanto que colaborou em O Rio de Janeiro, Órgão Conservador (1885-1887).34
Pelo menos desde 1879, Ferreira encontrava-se instalado na Rua de São José, 110, tendo figurado até 1883 no Almanaque Laemmert apenas na condição de editor e mercador de livros novos e usados - e não mais como dono da Tipografia Imperial. O mais provável é que se tratasse de uma nova empresa, agora voltada para edição, compra e venda de impressos. Note-se que Ferreira continuava a utilizar a denominação Biblioteca para Todos, fosse como editora de livros, cujos lançamentos eram anunciados nos jornais do tempo,35 ou para se referir, de modo genérico, à “publicação de romances, contos, poesias, história e ciência popular, em volumes de 250 a 300 páginas. Quatro volumes por trimestre”, como o fez em anúncio da empresa.36
Fato é que em 1881 Ferreira foi responsável pelo lançamento de um novo projeto, Ciência para o povo (1881), com 26 exemplares publicados, sempre impressos na Lombaerts & Cia,37 o que indica que ele já não atuava no mercado como impressor. Ciência não era propriamente um periódico, formato que Ferreira considerava inadequado para divulgar as grandes obras da ciência, pois “por mais organizada que seja uma revista, as suas coleções são sempre incomodas de manusear quando se tem de estudar um assunto disseminado por vários números”,38 daí a opção de publicar os trabalhos em fascículos semanais que, posteriormente, deveriam ser reunidos em volume.
Cada edição de Ciência para o povo trazia mais de um título, ao que se somava a promessa de incorporar gravuras, sempre que o assunto demandasse. O diagnóstico era claro: “o que nos falta pois são livros instrutivos, ilustrados, e postos ao alcance dos menos favorecidos da fortuna”, o que justificava o intento de lançar um produto que vulgarizasse trabalhos importantes para a compreensão da técnica e da ciência, ação que lhe parecia urgente diante do “atraso em que vegeta a instrução popular entre nós”.39 A tarefa, contudo, não se revelou fácil. Em nota publicada no 18º número, lia-se:
Contávamos dar frequentemente gravuras e não temos podido por falta de quem as faça, não só com a precisa presteza mas também, se não com a maior perfeição ao menos com certa execução. As estampas que demos (…) fez-nos de uma vez para sempre dar de mão à litografia: pois além de caras, ficaram desintercaladas e, o que é pior ainda, um tanto confusas (…). Temos a chegar da Europa uma coleção de clichês para um curso completo de história natural, compreendendo botânica, zoologia, mineralogia e zoologia, que daremos traduzidos ou resumidos das obras mais bem aceitas sobre essas ciências e que esteja mais de acordo com o nosso programa, isto é, mais ao alcance das classes populares. Com o papel especial que também mandamos vir, contamos dentro em pouco tornar essa tão barata e tão perfeita quanto é possível fazer-se entre nós.40
A despeito dos dissabores, é patente que, a partir da década de 1870, quiçá graças à experiência obtida com a tipografia e o comércio de impressos, multiplicaram-se as publicações assinadas por Ferreira, que se aventurava em temas bastante variados. Por vezes, seus trabalhos somavam algumas dezenas de páginas e não eram mais que adaptações de obras estrangeiras, compilações ou recolha em volume de séries já difundidas em órgãos de imprensa. Sem pretensão de fornecer uma lista exaustiva, deve-se mencionar os vários guias41 e compêndios didáticos que organizou,42 os textos sobre práticas e instituições educacionais,43 o envolvimento com a bibliofilia e a Biblioteca Fluminense (1847),44 e os estudos de cunho histórico.45
Entretanto, o “incansável Ferreira”, “o conhecido e operoso publicista”, como era frequentemente evocado pelos colegas da imprensa, dedicou-se com particular empenho à defesa dos ideais professados em prol da educação artística e industrial pela Sociedade Promotora das Belas Artes (1856), responsável pela fundação do Liceu de Artes e Ofício, cujas atividades iniciaram-se dois anos depois. Idealizador dessas instituições, o arquiteto Joaquim Francisco Bethencourt da Silva (1831-1911) foi biografado por Ferreira46 que, no diapasão das denúncias sobre a indigência de nossa indústria e precariedade da educação, engajou-se na defesa da Sociedade e do Liceu, participou ativamente da direção e das atividades das mesmas47 e combateu em prol da educação feminina,48 introduzida no Liceu a 20 de outubro de 1881, fato comemorado com pompa e circunstância.49 Em 1885, publicou Belas Artes: estudos e apreciações, considerado “o primeiro livro dedicado à história da arte publicado no Brasil” (CHIARELLI, 2012, p. 9).50 No ano seguinte foi nomeado redator dos debates da Câmara dos Deputados, cargo que ainda exercia quando faleceu.51
Fica evidente que, ao assumir o Brasil Ilustrado, Félix Ferreira era um intelectual que atuava em várias frentes e que se mostrava particularmente preocupado não apenas com a educação formal, mas também com a difusão de saberes científicos, técnicos e artísticos para um amplo público. Para cumprir essa tarefa, tributária do ideal iluminista, a imprensa ilustrada era tida como poderoso aliado, de modo que Ferreira se envolveu em vários projetos editoriais dessa natureza, sem nunca ter se associado às folhas humorísticas, que tanto sucesso fizeram no Brasil da segunda metade do Oitocentos. De fato, a publicação de Pinheiro vinha ao encontro de seus ideais e abria-lhe a oportunidade de, mais uma vez, tentar colocá-los em prática, tendo agora a proteção de importante empresa.
Sua trajetória e as causas pelas quais se bateu permitem compreender o profundo engajamento em prol do Liceu de Artes e Ofícios, instituição que, segundo acreditava, precisava ser devidamente equipada a fim de formar a tão necessária mão-de-obra apta para enfrentar os desafios da produção em larga escala, num país em que o regime escravista conspurcava e desqualificava as atividades manuais. Na perspectiva de Ferreira e de outros intelectuais do tempo, sem trabalhadores especializados, versados no desenho e nas belas-artes, elementos essenciais num mundo dominado pela indústria, não teríamos como ingressar na nova era, diagnóstico que colocava em risco a nossa tão almejada recepção entre os povos considerados civilizados.52
A análise do conteúdo do Brasil Ilustrado indica clara predominância de certas temáticas, seja nos artigos avulsos ou em seções que, como é comum nos periódicos, tiveram duração variável. Assim, parece mais útil e revelador concentrar a atenção nos assuntos privilegiados, independente do espaço no qual figuraram. De saída, cumpre esclarecer que a publicação da forma como foi preservada53 não continha anúncios, aspecto que, se confirmado, indica que a receita seria exclusivamente dependente dos assinantes. A despeito de se declarar um “arquivo de conhecimentos úteis”, não seria inapropriado se o subtítulo ainda contivesse o complemento sobre o Brasil, pois o país é o tema que atravessa a quase totalidade dos conteúdos, o que garante a particularidade desse impresso frente a congêneres europeus que exibiam o mesmo subtítulo.
A promessa de ser uma publicação ilustrada foi, em larga medida, cumprida. Graças ao uso da xilografia, havia interação entre a parte textual e a imagética, com produção local das principais estampas. Cabe notar a presença frequente de Bento Barbosa Júnior (1866-?) e Artur Lucas (?-1929), ambos alunos da Escola Nacional de Belas Artes, que contribuíam com desenhos, e de Alfredo Pinheiro, que respondia pelas xilogravuras. Situação bem diversa, portanto, da imperante em outras folhas fundadas ou que contaram com a participação de Ferreira, a exemplo de Ciência para todos, na qual as esperanças estavam depositadas em coleções de clichês encomendadas na Europa.
No Brasil Ilustrado era evidente a preocupação com a composição da página, organizada em duas colunas e cuja monotonia era quebrada de acordo com as necessidades de inserção das estampas que, por vezes, esgueiravam-se e rompiam as fronteiras dos blocos de textos, fossem artigos, seções ou produção literária (Figura 7).
Para além desse material, merece destaque o recurso, nas páginas e no interior de um mesmo texto, a diferentes famílias de tipos, variações nos tamanhos das letras e no espaçamento, negritos, subtítulos e capitulares bastante trabalhadas. Delicados filetes, florões e ornatos tipográficos de diferentes dimensões, contendo motivos geométricos, alusão à natureza, flora e/ou fauna delimitavam visualmente os conteúdos e preenchiam pequenos espaços, compondo um conjunto harmônico e prazeroso do ponto de vista estético. O cuidado estendia-se às principais seções, que possuíam vinhetas próprias (Figuras 8 e 9).
Em 1887, os periódicos ilustrados não eram propriamente novidade na Corte. Excetuando-se os jocosos, de outra natureza, pode-se citar vários títulos produzidos no Rio de Janeiro: Ilustração Brasileira (1854-1855), o já mencionado O Brasil Ilustrado, publicação literária; Ilustração Brasileira: jornal enciclopédico (1861); Ilustração do Brasil (1876-1880); Ilustração Popular (1876-1877) e Ilustração Brasileira: jornal de artes, ciências e letras (1876-1878), todos anteriores à empreitada da Pinheiro & Cia. e, a exemplo da experiência deste, de breve duração. A enumeração é suficiente para atestar as dificuldades da produção de estampas entre nós e ajuda a compreender a predominância da litografia, frequentemente encartada - e não articulada - à parte tipográfica.54
Ferreira acreditava na potencialidade educativa e formativa da imprensa ilustrada, tanto que se batia pela introdução de aulas de gravura no Liceu. Vários periódicos que saudaram o lançamento do Brasil Ilustrado destacaram justamente a presença da xilografia, como se vê nas figuras 3 e 4. Aliás, esse foi o tom predominante: a nova publicação foi caracterizada como capaz de “plantar definitivamente entre nós a arte xilográfica, de tanta utilidade prática”,55 ou de “animar novos artistas a empreenderem a ilustração de jornais e livros por este sistema,” que era tido como “quase que entre nós desconhecido”,56 sem esquecer os que apostavam nesse “novo e belo gênero de gravura, tão descurado até então”57
Ferreira, atento à recepção da folha, não escondeu seu dissabor pelo fato de dois dos mais importantes jornais da época, a Gazeta de Notícias (1875-1942) e a Gazeta da Tarde (1878-1897) não terem dado o destaque que, na sua perspectiva, a parte artística do Brasil Ilustrado era merecedora e que se constituía no cerne dos esforços que empreendia com Manuel e Alfredo Pinheiro. Ele não relutou em cobrar diretamente os editores, respectivamente José Ferreira de Souza Araújo (1848-1900) e José do Patrocínio (1854-1904):
A Gazeta de Notícias limitou-se a sumariar o prospecto, o que muito é para admirar quando o seu principal redator é reconhecidamente um grande amador de belas-artes. A Gazeta da Tarde nem tanto fez, apesar de ser atualmente o seu chefe de redação um dos novos e mais esperançados vereadores do município neutro. Dirão talvez que é por demais modesto o cometimento para merecer a atenção dos dois ilustres jornalistas; mas, observo de antemão, que não se medem tais empresas senão pelo meio em que nascem. Na França ou nos Estados Unidos o Brasil Ilustrado nada representaria - entre nós, porém, assim não acontece, pois como bem notou o distinto redator do Jornal do Comércio, as suas gravuras “representam um progresso imenso, num país em que xilografia era quase inteiramente desconhecida”. Ora, como não ignoram os dignos redatores das Gazetas de Notícia e da Tarde, a xilografia é um poderoso agente de instrução popular, é a democracia na arte, a que põe ao alcance de todas as classes a cópia das mais belas obras-primas; e consequentemente a sua introdução e desenvolvimento tem direito a algumas palavras ao menos de animação por parte daqueles a quem incumbe a missão de amparar tudo quanto se destina ao bem público.58
Pode-se compreender sua indignação na medida em que estampas e textos complementavam-se no Brasil Ilustrado. Havia a preocupação de compor um quadro sobre a história, o território, a natureza e os habitantes do país, incorporando informação de cunho visual, o que se constituía, em 1887, no único empreendimento desse gênero impresso no Rio de Janeiro.
A maioria dos números abria-se com a apresentação de um personagem ilustre, devidamente acompanhada de retrato, conteúdo que, por vezes, figurava em outros espaços da publicação. Pertenciam ao campo político (D. João VI, D. Pedro II, Evaristo da Veiga, Antônio Ferreira Viana), literário (Castro Alves, Fagundes Varela, José de Alencar, José Maria Velho da Silva), musical (Domingos Caldas Barbosa), historiográfico (Alexandre José de Melo Morais, Visconde de Porto Seguro), jurídico (José Marcelino Pereira de Vasconcelos), científico (Domingos Freire), ou da imprensa (Hipólito da Costa), quase todos já falecidos no momento da homenagem.
Destacavam-se os serviços prestados ao país, a competência específica de cada um na sua área de atuação, a retidão de caráter, o comportamento exemplar e, para os menos afortunados, o estoico enfrentamento das dificuldades, configurando um rol de exemplos com valor pedagógico, espécie de reserva moral da nação,59 num registro que faz lembrar livro de Silvio Romero, A história do Brasil ensinada pela biografia de seus heróis (1890), publicado na mesma década.60
A preocupação com a história também se expressava no tratamento de acontecimentos então recentes, como a Guerra do Paraguai, relembrada a partir de diferentes aspectos pelo combatente e capitão de infantaria Francisco Félix de Araújo, o que deu oportunidade aos editores de reproduzir cenas de batalhas navais e bustos do Conde D’Eu e do Duque de Caxias. Já as bem mais longínquas primeiras expedições às costas brasileiras foram tema de uma série de artigos não assinados que ficou inacabada. Esmiuçavam-se os mínimos detalhes da empreitada, que adquiria tangibilidade graças ao conjunto diversificado de estampas que incluía personagens (D. João II, Cabral, Vespúcio, Martim Afonso); reproduções cartográficas do mundo conhecido antes e depois da chegada dos europeus à América - costa da África, América do Sul e Brasil; desenhos de caravelas; vistas dos cabos de São Roque e de Santo Agostinho, além de representação da chegada dos descobridores. Tratava-se de narrativa edificante acerca dos exploradores portugueses, num trabalho de recuperação do passado que, a um só tempo, dotava de sentido e coerência a trajetória histórica percorrida e nos tornava herdeiros de um passado glorioso, ao mesmo tempo em que se reafirmava o indissolúvel traço de união com Portugal.61
Em realidade, do ponto de vista quantitativo, a história não predominou na publicação enquanto relato coerente e cronológico, como no caso da narrativa sobre as primeiras expedições, mas foi retomada ao longo de seções e artigos, fosse a partir de figuras ilustres, que se somavam àquelas que abriam a revista, ou da menção à fundação de vilas, evocação de antigas edificações, fatos curiosos, costumes de antanho, datas e feitos memoráveis ou práticas como a pesca da baleia e sua importância econômica, compondo um rol de informações apresentadas de forma atraente, que entretinha mas também informava o leitor a respeito do passado nacional.
As dimensões do território, aspecto digno de orgulho, foram tematizadas tanto a partir dos bandeirantes, com a narração da épica jornada que realizaram até Cuiabá no século XVIII, acompanhada de mapa e de estampa sobre as tribos encontradas, quanto em pequenas notas, que preenchiam os espaços restantes das páginas com informações curiosas, fosse a respeito da descoberta do Rio Madeira, da fundação de São Gonçalo, das distâncias entre os nossos portos ou da densidade demográfica de Mato Grosso.
A centralidade da questão também pode ser percebida no esforço de dar conta de diferentes rincões, o que era feito mediante a publicação de relatos de viagem e descrições, não raro recheadas de digressões históricas, sobre a flora, a fauna e os primeiros habitantes. Contemplavam-se tanto locais próximos ao Rio de Janeiro - Nova Friburgo, Vassouras, Valença ou Lorena (SP) - quanto cidades e áreas bem mais recônditas - Belém do Pará, Bonfim (GO), o percurso de Pombo a Ouro Preto, a região dos vales dos rios Ivaí (PR) e Doce (ES e MG), os picos de Itabira (ES) e de Itacolomi (MG), e as ruínas de igreja em Pomba (MG). As estampas selecionadas possibilitavam ao leitor entrar em contato com grande diversidade de cenários e contribuíam para induzir percepções grandiosas a respeito do território, materializado visualmente. Território que necessitava ser esquadrinhado, ter suas riquezas e potencialidades identificadas com o objetivo de obter uma cartografia do país a mais completa possível. Não apenas os caminhos, os rios e as matas, mas também a fauna foi objeto de atenção, com uma seção específica, dedicada a descrever os animais que integravam o nosso patrimônio e que foram apresentados em seu habitat natural: tamanduá, jacaré, preguiça, tatu, anta e macaco, os três últimos sob a responsabilidade do versátil Félix Ferreira.
A questão indígena não poderia deixar de figurar nesse arquivo de conhecimentos úteis sobre o país e houve esmero em intercalar instrumentos, vestimentas e fisionomias. Dos seis artigos consagrados ao estudo de diferentes grupos, quatro eram transcrições do que já se publicara na Revista da Exposição Antropológica Brasileira (1882), cuja impressão esteve a cargo da tipografia de Pinheiro, cabendo a Nicolau Huascar de Vergara (18??/1882 ou 1886) responder pelos desenhos e à dupla Alfredo Pinheiro e Vilas Boas pelas gravuras, o que atesta o reaproveitamento de matrizes.62
Se, nos casos citados, tratava-se de textos e imagens idênticos, no artigo de Félix Ferreira consagrado à ubá, um tipo de embarcação indígena, apenas a estampa foi reutilizada. Ele não perdeu a chance de lamentar o quão pouco se conhecia da vida indígena “do ponto de vista industrial”, ou seja, sobre os instrumentos de trabalho, passatempos e armas de guerra, lacuna atribuída ao parco avanço da gravura em Portugal dos séculos XVI a XVIII, situação que tampouco teria se alterado com a fotografia, em função dos descuidos da nossa etnografia.63 Há que se registrar, ainda, o relato de José Veríssimo sobre a lenda amazônica da Iara e as considerações, não assinadas, sobre o chefe tamoio Cunhambebe, ancoradas no relato de André Thévet (1502-1590) e Hans Staden (1525-1576).
A noção de que era preciso compor um repertório amplo sobre o país, tendo em vista inclusive as gerações futuras, ganhou corpo na seção Tipos e costumes, presente em nove dos doze exemplares analisados e que trouxe, em três oportunidades, a assinatura de Félix Ferreira. O objetivo era tratar de personagens curiosos da cena urbana, alguns em vias de desaparecer na “voragem dos tempos”, sem que tivessem sido descritos “fielmente para lição do futuro”,64 caso do pedinte para as almas, do profeta, do tocador de realejo, do negro e da negra mina, do barbeiro ambulante, dos vendedores de jornais ou das práticas ainda em uso em famílias provincianas, que envolviam mil preparativos para assistir à missa, hábitos não mais vigentes na corte. Ao lado dessas figuras, meras sombras que remetiam a um momento já visto como pretérito pelos articulistas, postava-se um tipo novo, o moderno viajante, que se deslocava entre os continentes graças aos modernos vapores, experiência que lhe permitia contrapor à realidade local as maravilhas da Europa. Havia também as novas figuras da Rua do Ouvidor, caso do dândi, identificado como pertencente não à escola francesa mas à italiana, ou da senhora em seu quarto que, após cuidadosa preparação, surge elegante e quase irreconhecível pronta para ir saborear um sorvete. A seção, aparentemente um rol de curiosidades que incluía a representação dos sujeitos descritos, remetia para diferentes usos e costumes, num investimento que procurava evidenciar as transformações em curso na sociedade brasileira e contribuir para compor um quadro a respeito delas.65
O esforço inventariante também incluía a capital do Império. No Brasil Ilustrado há um conjunto de artigos e respectivas estampas dedicados aos edifícios, sempre com a preocupação de esclarecer sua trajetória, processo de construção, estilo e o estado em que se encontravam. O tenente Tobias Becker encarregou-se das construções militares e, por vezes, incumbia-se de fornecer os desenhos ao gravador: o Forte do Leme; a Praia de Copacabana com suas ruínas de antigas fortificações; a fortaleza de Villegaignon e a Escola Militar. Os leitores também podiam deleitar-se com vistas da Praia do Icaraí ou com estampas da Ilha de Paquetá, cujos encantos eram exaltados.
Dentre as instituições públicas, foram contempladas a Secretaria da Agricultura, com apreciação de Guilherme Candido Bellegarde (1836-1890), enquanto Félix Ferreira encarregou-se do Gabinete Português de Leitura, cujo estilo manuelino considerou inapropriado, por ser incapaz de “expressar as ideias do tempo” e traduzir “o que somos e o que pensamos no final do século XIX”;66 do Paço Municipal, sobre o qual deu detalhes acerca da decoração externa e interna e fez apreciações, nem sempre elogiosas, sobre as esculturas e pinturas; e do prédio da Caixa Econômica e Monte de Seguro, projeto de Bethencourt da Silva, este sim bastante festejado. O mesmo Ferreira comentou a vista da cidade do Rio de Janeiro a partir da Ilha de Boa Viagem, deteve-se na rua Primeiro de Março, com a Capela Imperial e a Igreja Nossa Senhora do Monte do Carmo, e destacou as peculiaridades da Quinta da Boa Vista, que mereceu um conjunto de estampas. A nota sobre o Parque da Aclamação, que destacou a “soberba flora brasileira”,67 representada na estampa, não trouxe assinatura. Ainda que familiares para moradores da capital, esses espaços, fossem naturais ou trabalhados pela ação humana, ganhavam novos sentidos, porque inseridos em teias de referências mais amplas e apreciados criticamente. Já os leitores que não conheciam a capital do Império tinham a chance de vislumbrar aspectos do seu espaço urbano.
As edificações ensejavam considerações sobre os estilos arquitetônicos, tema que, ao lado do desenho, da pintura e da escultura, também foi frequente na seção Belas Artes, presente nos cinco primeiros números. A despeito do seu desaparecimento, tais assuntos continuaram a ocupar as páginas do Brasil Ilustrado, com clara predominância de colaborações assinadas por Félix Ferreira, que não se furtou a comentar as pinturas de João Zeferino da Costa (1840-1915) na Igreja da Candelária, o modelo do túmulo de José Bonifácio e o esboço para a estátua de José de Alencar, ambas do escultor Rodolfo Bernardelli (1852-1931), cuja obra Cristo e a mulher adultera foi reproduzida no periódico, acompanhada de observações de Antonio Ferreira Viana (1834-1904), homem de imprensa e importante político que se deteve menos na obra em si do que no simbolismo bíblico que ela evocava.
Já Ferreira, ao comentar a marinha do francês Émile Rouède (1848-1908), expressamente desenhada para o número inaugural da publicação e xilogravada por Alfredo Pinheiro, aproveitou a oportunidade para afirmar o valor do desenho e da estampa enquanto vestígios, ou seja, para além de seu valores artísticos, constituem-se em patrimônios tangíveis para a construção da trajetória da nação. Assim, depois de elogiar a vocação do artista e a fidelidade do gravador, demorou-se nas lições a serem extraídas da composição. A presença de dois tripulantes negros foi registrada como uma sobrevivência de outrora, quando era comum haver escravos “empregados na nossa navegação costeira, e que com a extinção do elemento servil vão desaparecendo”. E prosseguia:
Em geral o negro é avesso às lides do mar, e só forçado pelo cativeiro, a elas se entregava; por isso, à proporção que se via libertando acolhe-se à terra que é o seu elemento único, daí o despovoamento dos pretos que ora se nota na pequena navegação. O desenho do Sr. Rouède fica aqui pois arquivado como um apontamento para a história dos nossos usos e costumes; e poderá servir para no futuro dar ideia do sistema de transporte da pequena lavoura por via marítima, que ainda atualmente empregamos, mas que tende a desaparecer em breve.68
Rouède contribuiu com outra marinha no 5º número, agora comentada pelo enigmático L, que se limitou a descrevê-la brevemente. Se Ferreira insistiu no caráter documental, L deteve-se no processo de produção da estampa, assegurando ser Alfredo Pinheiro “o único xilógrafo de mérito que atualmente possui o país”, elogio que expressava a penúria da nossa situação nesse campo. E, de maneira professoral, inocentava os xilógrafos quanto aos “defeitos do desenho e à má impressão das gravuras”, alertando para o fato de nos faltarem “desenhadores especiais deste gênero.” Como resultado, “apesar de todos os esforços por nós empregados para darmos excelentes gravuras, ainda não conseguimos dá-las tão nítidas e perfeitas como as gravuras francesas e alemãs”,69 comentário que deixava antever a complexa cadeia de produção e de intermediários envolvidos na impressão de imagens, num momento em que ainda não era possível a reprodução direta do registro fotográfico.
A publicação de uma estampa de dimensões reduzidas, intitulada Efeito de Luar, desenhada e gravada por Alfredo Pinheiro, comprovava, segundo Ferreira, a “perícia e suma aptidão” do artista para a ilustração de livros, “justamente a mais difícil e da qual mais sentimos verdadeira necessidade”,70 em sintonia com os ideais que professava e defendia.
No que concerne aos avanços da ciência, tema tão caro a Ferreira, não há registro significativo nas páginas do Brasil Ilustrado, exceção feita a duas ocorrências da seção Ciência no Lar, assinadas por Pires de Almeida nos dois primeiros números. Por meio de diálogo entabulado com uma jovem, o autor ensinava-lhe noções básicas de botânica.
Bem diverso foi o espaço reservado à literatura e às seções que traziam curiosidades e anedotas, que visavam “recrear o espírito sem fatigá-lo nem pervertê-lo”, conforme se declarava no prospecto (Figura 5). A produção ficcional, ausente apenas em três números, esteve a cargo de Luís Gonzaga Duque Estrada (1863-1911), que assinou seis colaborações, uma delas com o pseudônimo de Silvino Júnior,71 de Félix Ferreira e de Pires de Almeida, cada um deles com duas colaborações, além de um conto de Manoel Carneiro. Aqui também se observa o cuidado de ilustrar o texto com estampas especialmente produzidas e alusivas ao seu conteúdo.
Todos os números da folha encerravam-se com material de cunho leve, ainda que de natureza diversa. Os quatro primeiros trouxeram a seção Diversões de Salão, que apresentavam desafios - como tirar o colete sem tirar o paletó, tarefa a ser completada em oito passos, devidamente ilustrados, ou como equilibrar uma moeda na borda de um copo. A partir da sexta edição, a seção foi sucedida por Mosaico, daí em diante ausente em apenas uma oportunidade. Tratou-se de substituir os desafios por frases ou notas curtas que, a despeito do tom ligeiro, tinham por objetivo fornecer ao leitor um repertório de dados e fatos curiosos sobre assuntos os mais variados, fosse a respeito do tamanho do coração, da velocidade da luz ou sobre acontecimentos e personagens do passado que, no correr dos números, tornaram-se dominantes. A brincadeira propriamente dita assumiu a forma de histórias em quadrinhos, como se observa no quinto número, que estampou o que então se denominava de história sem texto, gênero difundido pelo caricaturista russo, naturalizado francês, Caran d’Ache, pseudônimo de Emmanuel Poiré (1858-1909). Em outras oportunidades, contava-se com textos e imagens.
Ao folhear as páginas do Brasil Ilustrado evidencia-se a preocupação em documentar, projeto no qual a informação visual, registrada pelo desenhista e executada pelo xilógrafo, desempenhavam papel essencial. O que se tinha em vista era a composição de um rol de referências, ancorado na realidade concreta ou em construções simbólicas, que ajudasse a delinear um certo perfil para a jovem nação, a ser compartilhado coletivamente.
Em 1887, também circulava no Brasil A Ilustração (Paris, 1884-1892), impressa em Paris e enviada quinzenalmente, a partir do porto de Bordeaux, para Lisboa e para o Rio de Janeiro. Tratava-se de publicação bem mais sofisticada, em termos de dimensões (40 cm × 29 cm), qualidade do papel e especialmente no que concernia às estampas, sofisticadas em termos de produção e impressão, o que não implicou, entretanto, em diferenças significativas no valor da assinatura.72 Esse periódico pertencia ao grupo que Bacot denominou de segunda geração de impressos ilustrados, tanto que a publicação luso-brasileira era produzida na mesma tipografia que imprimia Le Monde Illustré (Paris, 1857-1940), concorrente direto da L’Illustration. É muito improvável que Félix Ferreira não tivesse conhecimento dessa publicação, frequentemente mencionada nos periódicos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Seu diretor era Mariano Pina (1860-1899), jornalista português enviado para Paris como correspondente do jornal Gazeta de Notícias e cujas crônicas foram estampadas regularmente no matutino entre 1882 e o início de 1886. Pertencer aos colaboradores fixos desse jornal, então um dos mais importantes do Império, constituía numa porta de entrada para o mundo letrado, fosse do Rio de Janeiro ou de Lisboa.
Contrapor as duas publicações, que disputavam os mesmos leitores, é instrutivo, sobretudo porque evidencia as escolhas possíveis para quem assumia o desafio de produzir uma folha ilustrada entre nós naquele momento. No Brasil Ilustrado, o que se destacava era o empenho em desvendar o país a partir da construção de uma iconografia voltada para o ato de produzir referências empíricas sobre passado e presente, com vistas a atestar e assegurar uma dada continuidade cultural.73 Não por acaso, esse “arquivo de conhecimentos úteis” deveria ser reunido em sólido volume, com centenas de páginas, nas quais a estampa cumpria a função de instruir e fornecer matéria-prima para a história e o futuro da nação.
A Ilustração, por sua vez, era fruto tanto das novas possibilidades abertas pela navegação a vapor, que em muito diminuiu o tempo de travessia do Atlântico, como das dimensões da indústria gráfica francesa, que utilizava sua plena capacidade produtiva graças às demandas de um mercado internacionalizado.74 As estampas do periódico eram, em sua grande maioria, as mesmas publicadas pelo Le Monde Illustré, que vendia as matrizes por preços muito modestos, uma estratégia para obter algum lucro com um produto que já não tinha serventia. O resultado é que os leitores portugueses e brasileiros podiam adquirir, em seus países e na língua materna, um representante típico da segunda geração europeia de periódicos ilustrados. Tal circunstância está longe de ser irrelevante, uma vez que convida a refletir sobre processos de formação de gostos e sensibilidades, padrões estéticos e difusão de condutas, hábitos e valores em âmbito transatlântico.75 Se o material imagético era da melhor qualidade técnica, a contrapartida estava na presença muito modesta de temas propriamente brasileiros e portugueses, em vista do pouco interesse que esses países despertavam no público francês. Assim, a opção por belas imagens implicava sacrificar o local, enquanto a referência à realidade luso-brasileira teria necessariamente que se ancorar em estampas produzidas e impressas com grau bem menor de esmero.
É claro que os leitores não eram obrigados a escolher entre um dos projetos, uma vez que tinham à disposição as duas publicações. A opção ficou a cargo dos responsáveis pelo Brasil Ilustrado que, se ambicionavam contribuir para que a produção local atingisse o apuro técnico dos periódicos que chegavam nos navios vindos da Europa, não abriam mão de tentar dar conta da nação, em suas múltiplas temporalidades, desafio que lhes parecia premente, ainda que estivessem constrangidos a fazê-lo com resultados materiais e gráficos bastante modestos. Outra diferença entre Brasil Ilustrado e A Ilustração residia na pouca atenção que o primeiro dispensava ao conteúdo novidadeiro, que já dominava as ilustrações europeias em circulação no mesmo momento, a exemplo do Le Monde Illustré, L’Illustration e da própria A Ilustração, uma vez que estas já haviam deixado para traz a noção de conhecimentos úteis, compondo, de fato, a nova vaga de periódicos ilustrados.
Tendo em vista, ainda uma vez, a classificação de Bacot, o Brasil Ilustrado ocuparia um lugar intermediário, uma vez não poderia ser identificado nem com a primeira geração, evocada em seu subtítulo, nem com a segunda, representada pelo adjetivo escolhido para nomeá-lo. Afinal, os conhecimentos úteis eram tomados em acepção restrita, pois se referiam ao Brasil, desígnio que também se estendia às estampas, produzidas segundo as possibilidades locais. O resultado era uma publicação sem compromissos com as novidades e destituída do apuro típico das ilustrações europeias e de sua réplica para consumo local. Essas características alertam para a especificidade da imprensa ilustrada brasileira e, no caso específico em apreço, o quanto o projeto do Brasil Ilustrado foi devedor do engajamento pessoal de Félix Ferreira, que se fez porta-voz das preocupações compartilhadas pela elite letrada das décadas finais do Império. O exemplo também contribui para relativizar quadros e tipologias com vocação generalizante que, a despeito de sua utilidade, não podem ser replicados de forma mecânica. Se a circulação de diferentes gêneros de impressos acelerou-se no Oitocentos, em função das novas possibilidades técnicas, que encurtavam as distâncias e conectavam o planeta, a apropriação sempre foi criativa, num registro que desautoriza a noção de recepção e cópia passivas.
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