ARTIGO
APONTAMENTOS TEÓRICOS PARA UMA HISTÓRIA LGBTQIA+: UMA SAÍDA QUEER PARA A POLÊMICA ESSENCIALISMO/ CONSTRUCIONISMO1
THEORETICAL NOTES FOR A LGBTQIA+ HISTORY: A QUEER ALTERNATIVE FOR THE ESSENTIALIST/ CONSTRUCTIONIST CONTROVERSY
APONTAMENTOS TEÓRICOS PARA UMA HISTÓRIA LGBTQIA+: UMA SAÍDA QUEER PARA A POLÊMICA ESSENCIALISMO/ CONSTRUCIONISMO1
Revista de História (São Paulo), núm. 182, a00723, 2023
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História
Recepção: 20 Janeiro 2023
Aprovação: 03 Maio 2023
Resumo: O artigo apresenta uma proposta para uma história LGBTQIA+ que consiga escapar à polêmica entre a concepção essencialista e a construcionista da sexualidade. Para tanto, o texto recapitula pressupostos, conceitos, limites e contradições de cada corrente, detalhando os tipos de história que suscitam. A seguir, apresenta uma alternativa historiográfica queer cujo centro é a desconstrução do binário heterossexualidade/homossexualidade, denunciando como o essencialismo e o construcionismo atuam para sustentar o binarismo sexual e de gênero. Por fim, o texto se interroga sobre o valor heurístico do anacronismo inerente à abordagem proposta, problematizando como algumas categorias passadas do homoerotismo podem permanecer como uma presença não resolvida e incoerente em dado presente histórico.
Palavras-chave: LGBTQIA+, estudos queer, historiografia, homossexualidade, teoria da história.
Abstract: This paper proposes an LGBTQIA+ history that can evade the controversy between essentialists’ and constructionists’ conceptions of sexuality. To do so, the text reviews the assumptions, concepts, limits, and contradictions of each one, detailing the varying types of history that each evoke. Following, it presents a queer historiographical alternative, whose center is the deconstruction of the heterosexual/homosexual binary, denouncing how the essentialist and the constructionist views act to sustain the sexual and gender binary. Finally, the paper questions itself about the heuristic value of the anachronism inherent to the proposed approach, problematizing how some past categories of homoeroticism may remain as a non-resolved presence on a given historical present.
Keywords: LGBTQIA+, queer studies, historiography, homosexuality, theory of history.
Introdução
Com o presente artigo, quero traçar alguns apontamentos teóricos que deem sustentação ao debate sobre a formação das identidades sexuais a partir da dimensão da sua historicidade. De modo correlato, importará demonstrar como a mera admissão, ou não, dessa historicidade das identidades implica explicitar os jogos de poder subsumidos no e que (in)formam o binário heterossexual/homossexual na Modernidade.
Nas últimas décadas, a historiografia LGBTQIA+ tem discutido sobre dois modos, dois caminhos para construir essa história. Uma via essencialista, outra construcionista.3 Em resumo, já que tratarei em detalhe de cada abordagem a seguir, enquanto a segunda põe a ênfase no caráter histórico da identidade homossexual, a primeira afirma que só haveria uma identidade politicamente interessante se ela fosse fundada em uma história. Afinal, nós sempre estivemos ali – na história… Estivemos?4 Meu objetivo, por conseguinte, é apontar para uma possível saída queer para esse impasse, o que só é possível a partir de uma posição genealógica que perceba os termos da polêmica como atuantes na manutenção da dicotomia assimétrica heterossexualidade/homossexualidade.
O projeto de uma história LGBTQIA+ queer ou queerizada apresenta dificuldades inerentes ao objeto e ao tipo de olhar estranho ou transviado que tenta estabelecer.5 Uma história LGBTQIA+ teria o dever ético-político de colaborar para a construção de uma identidade positiva para segmentos historicamente perseguidos e estigmatizados? Essa identidade necessariamente precisa se pautar em uma essência universal e trans-histórica para ser válida? Ou, na contramão, uma história LGBTQIA+ deve salientar as descontinuidades históricas radicais entre as várias experiências homoeróticas ao longo do tempo, pondo a ênfase nas relações de poder que atuam na construção e diferenciação das identidades, que seriam, talvez por isso, contingentes?
Uma ou outra pretensão joga com termos necessariamente instáveis, uma vez que estão implicados no processo histórico-genealógico em questão (FOUCAULT, 1979, p. 15-37). Seria possível uma saída queer, estranha, transviada para esse beco sem saída da rivalidade entre posições essencialistas e construcionistas? Resta claro que o empreendimento de uma história LGBTQIA+ precisa ter como base o esforço teórico de deslindar o emaranhado das categorias cuja historicidade o propulsiona.
Cabe agora, portanto, aprofundar o estudo dessas duas correntes, observando seus pressupostos, seus conceitos, suas contradições e fragilidades, para que possamos continuar nossa reflexão sobre as possibilidades de uma história LGBTQIA+ queer ou queerizada.
Abordando o homoerotismo na historiografia: entre o essencialismo e o construcionismo
Cada uma das correntes ora em estudo se baseia em concepções de identidade e de história que suscitam problemas teóricos graves ao historiador, os quais se referem às possibilidades e aos limites de uma história LGBTQIA+. Para o construcionismo, o problema parece decorrer de uma certa qualidade como que evanescente das identidades sexuais. Seriam sempre restritas a um contexto histórico? Presas para sempre à sua descontinuidade inerente? Para o essencialismo, o problema vem da aparente universalidade das mesmas categorias que as coloca para fora da história. Percebe-se aqui, como notou também Caio de Souza Tedesco em sua pesquisa monográfica sobre a operação historiográfica presente no National Museum LGBT (EUA), uma tensão entre uma necessária desconstrução de conceitos e categorias de identidade e de análise, e sua concomitante essencialização em várias instâncias de construção de histórias (TEDESCO, 2018, p. 15-6). Como, então, pensar uma história das identidades LGBTQIA+?
Quinalha resumiu alguns dos desafios para essa história, listando a dificuldade do seu registro, o que se relaciona com as limitações anacrônicas das categorias sexuais contemporâneas (o problema do anacronismo será discutido na última seção deste artigo), as hesitações na construção de uma cronologia especificamente LGBTQIA+, o que o autor descreve como “o desafio de elaborar um inventário de acontecimentos significativos”, e a pluralidade de histórias e de recortes históricos possíveis (QUINALHA, 2022, p. 17-8). Elias Veras e Joana Maria Pedro criticaram também o tradicional silêncio de Clio sobre a temática, sendo esse mais um fator para a invisibilidade das homossexualidades na história do Brasil. Para o autor e a autora, esse silêncio procurava se justificar por uma suposta ausência de fontes, por um repúdio à temática e pela acusação de que essa seria uma história militante e pouco científica. Ao contrário, Veras e Pedro demonstram que a recente e vigorosa produção historiográfica na área evidencia a improcedência de tais justificativas, que seriam manifestações do pensamento heterossexual ainda inerente a uma historiografia tradicionalista em termos de gênero e sexualidade (VERAS; PEDRO, 2014, p. 90-109) (VERAS; PEDRO, 2018, p. 123-142).
Assim, se uma história LGBTQIA+ pressupõe uma genealogia das categorias historicamente específicas do homoerotismo, vem ficando claro que tal só é possível a partir de uma posição de ruptura com o heterossexismo que dominou a disciplinarização da história desde o século XIX. Ou seja, uma história LGBTQIA+ demanda certa indisciplina, que vem do rompimento com o pensamento heterossexual e a cis-heteronormatividade.6 Abre-se espaço, nesse movimento, para uma história queer ou queerizada, capaz de projetar uma escrita da história de e por sujeitos dissidentes da ordem cis-heterossexual,7 em múltiplos espaços e temporalidades, provocando a historicização das próprias categorias de identidade e de subjetivação.
A teórica queer Eve K. Sedgwick trouxe uma importante contribuição para pensarmos uma história LGBTQIA+ que consiga escapar ao que ela chamou de aporia entre a posição essencialista e a construcionista. Segundo ela, há uma instabilidade fundamental no cerne da identidade homossexual moderna. Uma instabilidade ou incoerência que se relaciona com uma longa história do homoerotismo, na medida em que a definição moderna do binômio heterossexual/homossexual é estruturada pelas relações de saber-poder-subjetivação possibilitadas pela coexistência não racionalizada de diferentes modelos de relações homoeróticas na modernidade capitalista ocidental (SEDGWICK, 1990, p. 44-8). Se a categoria homossexual é definida pelas relações de poder, essas relações têm uma história, se cruzam com outros tipos de relações e organizam as várias categorias que historicamente existiram e foram usadas para normatizar essa dimensão do erotismo humano. A história dessas relações e dessas categorias é o projeto genealógico proposto por David Halperin para uma história da(s) homossexualidade(s) (HALPERIN, 2002, p. 10-2).
Nos termos deste projeto, uma historiografia queer deveria traçar uma longa história de práticas, identidades, saberes e tecnologias de produção, controle e repressão do homoerotismo. Uma longa história pontuada por descontinuidades e continuidades que precisam ser pensadas historicamente. Disjunções que se referem à transitoriedade histórica de um dispositivo a outro. E também acerca de como cada dispositivo, em sua contingência histórica, soluciona ou não, isto é, deixa mal resolvida, silenciada, implícita de forma confusa e abjeta, essa instabilidade constitutiva das categorias homoeróticas.
No caso do dispositivo moderno da sexualidade, há que se considerar, igualmente, como a disjunção das categorias passadas e presentes do homoerotismo, constituindo a instabilidade da homossexualidade moderna, é também uma tática epistêmica para a naturalização da heterossexualidade em uma sociedade marcada pela clivagem do público e do privado, em seus múltiplos significados e instâncias, até mesmo (ou seria melhor dizer, sobretudo?) nos corpos dos sujeitos assim materializados.8 De modo que a questão passa a ser como as correntes essencialista e construcionista da sexualidade, ao estudar a história do homoerotismo, lidaram com esse dilema.
Principiando pela corrente essencialista, Weeks e Sennet mostraram como os pressupostos dessa abordagem compõem a maneira hegemônica de o Ocidente se relacionar com a sexualidade desde o século XIX. Se, até então, o corpo e o seu comportamento sexual estavam sob a égide de discursos morais, religiosos/cristãos e jurídicos (em práticas discursivas e não discursivas de espiritualidade ou subjetividade, diria o último Foucault, como um trabalho do sujeito sobre si mesmo) (FOUCAULT, 2019, p. 21), nos últimos duzentos anos, esse domínio passou a ser objetivado por cientistas, médicos e reformadores sociais, propiciando a emergência de uma nova disciplina científica, a sexologia. A partir disso, ela tem sido um elemento crucial na codificação do pensamento e das atitudes perante o sexo no Ocidente.
Nas tramas da sexologia e de ciências correlatas, elaborou-se a categoria de “instinto sexual”, que expressaria as “vontades essenciais” do corpo (WEEKS, 2022 [1999], p. 35-82). Percebe-se aí a psicologização do sexo apontada por Sennet (2002 [1977], p. 6-12). Dava-se, portanto, um substrato biológico ao sexo e ao desejo – contra o que, aliás, Alípio DeSousa Filho levantou a importância de as ciências humanas não se deixarem penetrar por ingerências das ciências naturais e do senso comum essencialista, ainda que elas próprias tenham sido inventadas, no século XIX, a partir da ilusão essencialista da figura do “Homem”, para a qual, em seguida, contribuíram, como demonstrou Foucault em As Palavras e as Coisas (DESOUSA FILHO, 2017, p. 23-4) (FOUCAULT, 1967 [1966], p. 404).
Ainda segundo Weeks, as ciências sexuais, a partir do século XIX, se construíram ao redor de duas metáforas centrais, as quais ainda hoje orientam o pensamento, no senso comum e nas ciências naturais, sobre a sexualidade. A primeira é a que vê o sexo como uma erupção vulcânica que engolfa o todo do corpo e lhe dá um sentido consciente de identidade. Uma consequência dessa metáfora foi transformar em dado a crença de que a sexualidade está no centro da existência humana, compondo sua essência. A segunda metáfora é que o sexo seria o âmago de cada pessoa, além de ser uma força avassaladora, determinando sua personalidade e identidade. O autor conclui que o essencialismo é exatamente a aplicação dessas metáforas a definições, convenções, crenças, identidades e comportamentos sexuais contemporâneos, assumindo-os como resultados de uma suposta evolução natural (WEEKS, 2022 [1999], p. 53-4).
Michel Maffesoli considerou ainda mais profunda a marca impressa pelo essencialismo (que ele chama de esquema substancialista) no Ocidente. A partir da leitura do filósofo, é possível inferir que a força da abordagem essencialista vem das noções muito gerais que ela informa, como as de Ser, Deus, Estado, Instituição, Indivíduo, Identidade e Bem. A compreensão de que essas são noções unitárias dá ao essencialismo uma ampla base cultural nas sociedades ocidentais, obedecendo ao que Maffesoli chama de fantasmática do Uno, ou seja, o fundamento de monoteísmos ideológicos, morais e políticos, que negam todo tipo de pensamento plural, que dê lugar à diferença dentro do Único (MAFFESOLI, 2007, p. 22).9 O caráter fundante do essencialismo na cultura ocidental, na qual desempenha importante função normativa,10 é o que lhe garante passar como verdade natural e inconteste na contemporaneidade, sendo difundido pelas mais diversas mídias e com adesões no meio científico e acadêmico (DESOUSA FILHO, 2017, p. 51-2).11
Assim, do ponto de vista da corrente essencialista, a sexualidade humana produz, de modo inato, natural e universal, categorias de orientação sexual entre as quais se divide a humanidade, de maneira que a homossexualidade e a heterossexualidade são entendidas como duas categorias de ser no mundo de homens e mulheres, invariantes, em seu fundo de desejo, ao longo da história. Uma pesquisa histórica feita a partir do referencial essencialista, no que toca à história da homossexualidade, nas palavras de Rictor Norton, tem o “objetivo franco e direto de descobrir o passado homossexual”, entendendo a homossexualidade “como simplesmente uma categoria descritiva, cujo significado é relativamente fixo” (2010, p. 1-2).12
Os autores essencialistas partem do princípio de que existe um passado homossexual, talvez com seus heróis e mártires, que precisa apenas ser resgatado pelos historiadores. A existência de tal passado é garantida pelo entendimento da identidade homossexual como uma categoria descritiva. O trabalho histórico consistiria em recuperar, analisar e narrar como conhecimentos e práticas da homossexualidade são descobertas, reprimidas e recuperadas ao longo da história (NORTON, 2010, p. 6). Segundo David Córdoba García, a corrente essencialista parte de um marco epistemológico realista, ao que Norton acrescenta os qualificadores inatista e constitucionalista, DeSousa chama de universalismo acrítico ou de substancialismo metafísico e Mott classifica como naturalismo (MOTT, 2012, p. 66). Para García, o essencialismo assume a identidade homossexual como um dado da natureza, exterior à sua delimitação discursiva e ao contexto histórico da Modernidade Ocidental (SÁEZ, 2007, p. 67-76).
De acordo com a interpretação essencialista da dimensão sexual da experiência humana, existem essências humanas universais ou naturais, subjacentes a quaisquer expressões sexuais, a todas e quaisquer culturas, em diferentes tempos e espaços; identidades que seriam dadas pela natureza (BARBO, 2008, p. 22). Para a corrente essencialista, a homossexualidade é um dado exterior à sua delimitação discursiva; o marco apresentado por Foucault como seu começo nas sociedades industriais não seria mais do que uma nova nomeação de elementos que já existiam, mesmo antes de serem assim nomeados (GARCÍA, 2007, p. 33-4).
Do ponto de vista dos estudos queer, duas críticas podem ser feitas à corrente essencialista. Em primeiro lugar, ela toma como pressuposto a existência de uma essência trans-histórica para as identidades de gênero e sexuais e, com isso, tece uma história marcada pela linearidade e pela teleologia. Em segundo lugar, o essencialismo contribui para a fabricação de mitos de origem ou de heróis na história da homossexualidade.
A corrente construcionista não pensa em essências em matéria desexualidades ou de gêneros, preferindo investigar essas dimensões da experiência humana do ponto de vista histórico, como construções sociais e culturais. Segundo Vance, a radicalidade da teoria da construção social da sexualidade está em desconstruir a naturalidade de um dos últimos bastiões do essencialismo na cultura ocidental, o sexo. De fato, a segunda metade do século XX foi pródiga na desconstrução daquele mesmo monoteísmo ideológico, político e social anteriormente abordado, tanto na Academia (nas ciências humanas e filosofias) como na luta política e social mobilizada por setores dos novos movimentos sociais, como os feminismos e os movimentos de liberação LGBTQIA+, sendo esse o contexto cultural e intelectual mais geral para o aparecimento e a difusão da corrente construcionista e sua aplicação à história (VANCE, 1989, p. 13-4).
Cabe, de saída, passar pelas linhas gerais da procedência do construcionismo nas ciências humanas, sociais e nos estudos da sexualidade. De acordo com Weeks, embora Foucault seja uma importante referência teórica da corrente, ela tem fontes muito mais diversas e anteriores. O autor comenta três grandes veios, que desaguaram na teoria da construção social da sexualidade. Em primeiro lugar, as ciências sociais, como a antropologia social, a sociologia e trabalhos dos pesquisadores sexuais. Ainda que antropólogos como Vance e Mott apontem o conservadorismo disciplinar dessas áreas, foi por meio de algumas de suas pesquisas que, paulatinamente, foi sendo feita a crítica ao etnocentrismo que dominava as interpretações sobre o sexo em culturas não ocidentais, abrindo vias para questionamentos sobre a sua naturalidade. Sociólogos como John Gagnon e William Simon, em 1973, estiveram entre os primeiros a argumentar que a sexualidade está sujeita à modelagem sociocultural (GAGNON; SIMON, 2011 [1973]) (WEEKS, 2022 [1999], p. 56). Antes deles, Mary McIntosh publicara o texto The Homosexual Role em 1968, no qual a antropóloga já abordava a construção histórica da sexualidade na Inglaterra. Porém, segundo Vance, foi somente na década de 1970 que a abordagem construcionista ganhou fôlego (MCINTOSH, 1968) (VANCE, 1989, p. 16-7).
O segundo veio, apontado por Weeks como procedência do construcionismo, foi o legado de Sigmund Freud e sua teoria do inconsciente dinâmico.13 A psicanálise contribuiu para fragilizar certezas essencialistas, na medida em que noções como a de inconsciente e de desejos recalcados ou suprimidos desestabilizaram a natureza aparentemente sólida e constante dos gêneros, do desejo e da identidade sexuais. A psicanálise freudiana começava a apontar como as identidades sexuais e de gênero, assim como a própria orientação do desejo, poderiam ser características adquiridas e construídas pelos seres humanos em meio ao seu processo de aquisição das regras culturais, em complexos processos de desenvolvimento psicossocial. As rachaduras nas muralhas do essencialismo ao redor da sexualidade humana se faziam mais e mais protuberantes (WEEKS, 2022 [1999], p. 56-7).14
O terceiro veio, finalmente, é o que interessa mais à presente análise, uma vez que corresponde à nova história social elaborada a partir da década de 1970. Essa escola historiográfica consolidou a pesquisa de áreas até então ignoradas ou menosprezadas pelos historiadores profissionais, como a história das mulheres (e, um pouco mais tarde, das relações de gênero), do corpo, da família e da sexualidade. Os estudos históricos nessas linhas mostraram a fluidez histórica de ideias sobre feminilidade e masculinidade, exploraram as transformações da vida doméstica e do trabalho, lançando luzes sobre a construção histórica de categorias sociais como a infância, a prostituição e a homossexualidade (WEEKS, 2022 [1999], p. 57-8). A partir dessa historiografia, começaram a surgir, na segunda metade da década de 1970, os primeiros trabalhos sobre histórias gays e lésbicas, que se dedicaram a recuperar documentos e vidas que se consideravam perdidas ou invisíveis na história. Segundo Vance, essa primeira historiografia gay e lésbica se dedicou a traçar as raízes históricas da homossexualidade, documentando sua existência em vários períodos, com um propósito claramente militante, usando a história como uma outra ferramenta para as lutas políticas do movimento de liberação homossexual. Porém, com o aprofundamento das pesquisas e sua progressiva institucionalização, alguns autores, como Jonathan Katz e o próprio Jeffrey Weeks, superaram essa perspectiva, passando a questionar as próprias categorias de identidade cujas histórias pesquisavam (VANCE, 1989, p. 16-7) (KATZ, 1996 [1995], p. 13-30) (WEEKS, 1981) (WEEKS, 1999).
Proveniente desses múltiplos veios, a teoria construcionista tampouco pode ser tomada como monolítica. Há tipos e graus variados de construcionismos, como analisou Vance. Em geral, os construcionistas estão de acordo, ao rejeitar definições essencialistas (porque transculturais e trans-históricas) acerca da sexualidade, abordando-a como sempre mediada por fatores culturais e históricos. As divergências entre os teóricos da construção social aparecem quando passam a considerar o que no sexo é de fato construído. Seriam os atos e as identidades sexuais? As comunidades e subculturas? Ou, mais profundamente, a direção do desejo sexual, o que se considerava o “impulso sexual” ou até a sexualidade em si mesma?
Um primeiro nível do construcionismo social seria, pois, aquele que entende haver uma diferença cultural na correlação entre atos sexuais e seus sentidos sociais nos vários recortes históricos ou culturais. Consequentemente, a relação entre atos e identidades sexuais é também histórica e culturalmente instável. Já nesse nível, a ideia de uma identidade sexual que atravessaria tempos e culturas é posta em xeque. Esse nível da abordagem construcionista tem recebido apoio disseminado entre os pesquisadores das ciências humanas desde a década de 1970. Por outro lado, levar a proposta da teoria da construção social ao nível da direção do desejo sexual é um grau mais elevado, uma vez que contesta a naturalidade biológica das identidades heterossexual e homossexual. Vance aponta que o nível mais radical do construcionismo é o que contesta a existência natural e pré-social de um impulso sexual essencial ou indiferenciado, como pulsão sexual ou luxúria. Qualquer coisa como o impulso sexual não teria raízes em uma suposta fisiologia humana, mas derivar-se-ia de processos históricos e culturais cuja investigação se impunha como mister de pesquisa (VANCE, 1989, p. 17-8).
Duas ordens de críticas são comumente levantadas contra o construcionismo social da sexualidade. Primeiro, a efemeridade que essa abordagem confere aos seus próprios objetos de pesquisa. Uma vez que não há “a sexualidade” natural, essencial e constante, corre-se o risco de não haver mais utilidade heurística no uso do conceito – assim como deixam de existir e de ser necessárias as identidades sexuais. Ou, ainda, se as identidades heterossexual e homossexual são contingentes à modernidade capitalista e burguesa a partir de meados do século XIX, para que utilizar esses conceitos em pesquisas sobre recortes outros? Haveria, pois, no limite, uma história LGBTQIA+ a ser feita (VANCE, 1989, p. 19-20)?
Há que se lembrar de que uma importante fonte para o construcionismo tem sido a narrativa que Foucault apresentou para a construção do homossexual como uma espécie sexual, típica do século XIX europeu, burguês, industrial e moderno. Assim, a homossexualidade moderna é tomada como um produto das relações de poder específicas a essas sociedades, nesse momento exato do tempo, e que provocaram uma incorporação das perversões e uma especificação nova dos indivíduos (FOUCAULT, 1994 [1976], p. 46-8). Segundo Halperin, os processos que levaram ao surgimento da sexualidade foram dois. O primeiro foi a separação do domínio sexual, na vida dos indivíduos, dos outros domínios culturais (como a religião, a moral e o direito) a que antes estava ligado, e sua consequente definição como um aspecto particular da natureza psicofísica dos indivíduos. O segundo processo foi a construção da ideia de que há uma essência interior do sexo dos indivíduos, a construção da ilusão da interioridade do sexo, que seria a raiz das identidades de todos e de todas (HALPERIN, 1990, p. 41-53).
Assim, do ponto de vista construcionista, não é apropriado projetar os conceitos e as identidades de heterossexual e homossexual a outras culturas e temporalidades. Uma alternativa é utilizar a categoria homoerotismo e seus derivados. O psicanalista Jurandir Freire Costa propôs essa categoria para evitar a normatização implícita à identidade homossexual. A noção de homoerotismo é mais flexível e descreve melhor a pluralidade das práticas e desejos de homens por homens e de mulheres por mulheres. Ademais, ela romperia com os significados médico-jurídicos pejorativos atrelados às categorias homossexualismo, homossexualidade e homossexual, associadas à doença, à anormalidade e à perversão (COSTA, 1992, p. 13-40).
Segundo Ferrari, a categoria homoerotismo dilui a homogeneidade contida na identidade homossexual, uma vez que diz mais de práticas do que de critérios identitários: “o” ou “a” praticante do homoerotismo não necessariamente possui uma identidade homossexual e, portanto, não necessariamente constrói uma subjetividade em que suas práticas estão articuladas, de modo homogeneizante, a essa identidade. A categoria homoerotismo, ademais, permite problematizar a centralidade do objeto do desejo e é mais indefinida, sendo, portanto, aberta a novas construções subjetivas, relacionadas a uma maior diversidade de práticas e de prazeres. Por isso, o homoerotismo dá mais força ao contexto sociocultural em que acontece como prática (FERRARI, 2015, p. 351-353).
Indo mais além, a categoria homoerotismo apresenta, ainda, o valor heurístico de destacar o conceito de erotismo como central aos processos de subjetivação na história. Entendo o erotismo a partir da definição cunhada por Georges Bataille, ou seja, como mais do que o simples intercurso sexual, como uma busca psicológica independente de fins reprodutivos ou, acrescentaríamos, os prazeres físicos do gozo. Na verdade, o erótico se define como um domínio em que o gozo se torna independente de pressões naturais ou biológicas. O erotismo é, segundo Bataille, uma das dimensões culturais fundantes do humano, logo, é um dos artifícios inventados para que o “homem”, produzindo-se, assim mesmo, como humano, superasse, ou acreditasse superar, o isolamento radical de seu ser, a sua descontinuidade, a sua finitude, inserindo-se em uma continuidade dada pela dimensão da cultura – do discurso, diria em linguajar foucaultiano ou pós-estruturalista (BATAILLE, 2013 [1957], p. 33-48).
Dessarte, como dimensão fundante do que se considera humano na cultura ocidental, o erotismo diz de uma experiência interior, é um aspecto da vida religiosa do homem, de sua espiritualidade, no sentido do processo cultural de produção de sua subjetividade humanizada. A produção da subjetividade erótica (ou homoerótica) acontece como a experiência de uma interioridade, que é aí mesmo escavada em cada um por meio do jogo contraditório e dialético do interdito e da transgressão. Se a repressão ao gozo absoluto e animalesco tem um papel da fundação do erótico humano, esse não acontece sem o movimento correspondente da transgressão, que, por sua vez, não é simplesmente um retorno ao estado da natureza. A relação interdito-transgressão, constitutiva do erótico, é da ordem do aufheben, do superar-mantendo; o interdito é superado, sem, contudo, ser suprimido, ele é preservado (BATAILLE, 2013 [1957], p. 53-60).
Uma tal concepção do erótico se harmoniza com o sentido principal da história da sexualidade conforme proposta por Foucault, qual seja, uma crítica radical à hipótese repressiva. A repressão, o interdito, não se desliga da transgressão, tendo como resultado não a extinção ou o banimento de sujeitos, mas a sua própria produção como possibilidades culturais (ainda que abjetas) (FOUCAULT, 1994 [1976], p. 15-6). Portanto, o conceito de erotismo e seu enxerto na categoria de homoerotismo diz da experiência do interdito (angústia) e da transgressão (gozo e culpa) que fundam certos tipos de interioridade, distintos conforme o regime de verdade ora hegemônico. Abre, por conseguinte, para uma inserção de práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo ou outras práticas sexuais interditas (notadamente o sexo anal) em dispositivos de produção de certas categorias de sujeição e de subjetividade, as quais não acontecem sem profundos sentimentos de angústia, culpa, medo, ódio e desespero, pois, conforme Bataille, “A experiência interior do homem é dada no instante em que, quebrando a crisálida, ele tem a consciência de dilacerar a si mesmo, não a resistência oposta de fora” (BATAILLE, 2013 [1957], p. 62).
Retornando à Vance, uma segunda ordem de críticas usualmente se ergue contra a teoria da construção social da sexualidade. Trata-se do problema do corpo. Para a autora, ao conseguir desacreditar as ideias essencialistas que tomavam o corpo como uma essência e um destino natural, o construcionismo pode ter, inadvertidamente, retirado o corpo, em sua materialidade, das suas pesquisas. Daí uma questão importante para os construcionistas continua sendo como incorporar o corpo-matéria às suas pesquisas, sem retornar a essencialismos (VANCE, 1989, p. 21-2). DeSousa Filho comentou que a filósofa Judith Butler também criticou o desaparecimento do corpo de certas versões do construtivismo linguístico radical (DESOUSA FILHO, 2017, p. 38-43). Butler argumenta, criticando o construtivismo radical, que ele não consegue considerar o sexo/corpo como uma superfície de atuação cultural, acabando por supô-lo como algo não construído, expondo os limites do próprio construtivismo linguístico. O sexo/corpo, diz Butler, não pode ser tomado como uma premissa artificial ou fictícia, desprezando-se sua materialidade, sob riscos de se cair em um monismo linguístico, reduzindo as propostas da teoria da construção social em um debate exasperante, nos seguintes termos: “Se tudo é discurso, o que acontece com o corpo?”; ou “Se o gênero é construído, então quem está fazendo a construção?”; ou, ainda, “Se o sujeito é construído, então quem constrói o sujeito?” (BUTLER, 2019 [1993], p. 22-3).
Butler se dedicou a tentar superar a exasperação que lhe causava esse debate entre essencialistas e construcionistas, produzindo uma forma de pensar a construção cultural e discursiva da própria materialidade dos corpos. Ou seja, encontrando um lugar propriamente material para o sexo/corpo na teoria da construção social da sexualidade. Esse lugar parte da ideia nietzschiana de que não há um sujeito anterior à construção de gênero do sexo/corpo. O sujeito de gênero emerge em meio ao processo duplo de sujeição/subjetivação, que é exatamente a matriz ou ordem de gênero em dada formação cultural ou dispositivo histórico de verdade/poder. Percebe-se que essa matriz ou ordem de gênero antecede e condiciona a humanização, é um dos vetores da condição de humano a ser aprendida culturalmente por cada alguém em seu processo de sujeição/subjetivação cultural, em um processo que é, também, um modo de normalização. Butler destaca que essa operação normativa de produção, generificada (e também racializada) de construção do humano acontece pari passu à produção do inumano, do menos humano, do que não é concebível como humano e, por isso mesmo, excluído para fora do universo cultural e tornado abjeto (operação de foraclusão).15
Essa operação diferencial de produção do humano e do inumano é crucial para o processo de materialização do sexo/corpo, porque forma o exterior constitutivo que estabelece as fronteiras corporais daquilo que cada cultura entende, em dado recorte histórico, como possível e realizável dentro dos limites do humano. Para Butler, considerar os exteriores constitutivos das identidades e dos corpos generificados e sexuados situa a análise além dos termos do debate construtivismo/essencialismo. Isso porque se admite a existência de um exterior que constrói o discurso, mas cuja exterioridade não é absoluta, é aquilo que só pode ser pensado, concebido em relação ao próprio discurso, como suas fronteiras mais tênues. Segundo Butler,
(...) o debate entre o construtivismo e o essencialismo perde de vista por completo a questão da desconstrução, pois a questão nunca foi se “tudo é construído discursivamente”; esse ponto essencial, quando feito, pertence a uma espécie de monismo discursivo e linguístico que recusa a força constitutiva da exclusão, do apagamento, da forclusão e da abjeção violentos e de seu retorno destrutivo dentro dos próprios termos de legitimidade discursiva
(BUTLER, 2019 [1993], p. 26).Assim, a construção social do sexo/corpo não deve ser entendida segundo as regras gramaticais normativas. Isto é, não pode ser explicada pela frase “o discurso constrói o sujeito”. Butler afirma que a construção deve ser mais do que uma mera inversão dos termos na frase, “o sujeito constrói o discurso”. A construção é uma sequência não temporal de atos ou momentos que estão sempre reiterando, recitando, a norma ou a ordem de gênero de dada cultura ou contexto histórico. A construção social da sexualidade é, portanto, um processo de reiteração, através do qual emergem sujeitos corpóreos, materiais e seus atos. De modo que a matéria dos corpos/sexos é também um processo de materialização (não está dada), que se estabiliza, por repetição, ao longo do tempo, para produzir efeitos de demarcação, fixidez e superficialidade, aos quais, no senso comum, chama-se de matéria, corpo, sexo como determinação final e natural (BUTLER, 2019 [1993], p. 26-8).
Do ponto de vista do projeto de uma história queer ou queerizada das subjetividades LGBTQIA+, importa ainda destacar como o processo de construção da materialidade do sexo/corpo tem uma inescapável dimensão temporal.16 Há uma temporalidade da materialização. Ela diz da temporalidade do ato performativo, como o momento repetível que abre para o processo citacional e que, consequentemente, dá sua possibilidade de subversão. A performatividade citacional que caracteriza a materialização exige, ademais, a foraclusão (a exclusão para o lugar do abjeto) do passado, instaurando cada momento ou ato performativo como pretensamente sempre-presente, dado e natural. Esse é o efeito de sedimentação temporal da materialização. Novamente, vem à tona a figura do exterior constitutivo da materialidade normativa do sexo/corpo. Segundo Butler, um dos limites do construcionismo foi não considerar essa instância da construção, isto é, os limites, as supressões e as exclusões que a constituem. Portanto, trata-se de se perguntar sobre os corpos cuja construção fracassa diante de um ideal (norma ou ordem) regulatório de gênero, que é o processo de materialização do sexo/corpo (BUTLER, 2019 [1993], p. 28-41).
Após esse percurso por pressupostos, conceitos, limites e contradições das correntes essencialista e construcionista, chega-se à conclusão um tanto quanto exasperante, como já adiantara Butler; e como, veremos, também considerou Sedgwick, à de que estamos em um circuito sem saída. Ambas as propostas têm vantagens políticas, éticas e históricas. Como, então, escolher? A leitura de Butler nos deixou, contudo, desconfiados de aceitar os termos implícitos na escolha. Será então possível propor uma alternativa queer às duas abordagens? É essa proposta que investigaremos no próximo tópico.
Nem essencialismo, nem construcionismo: uma proposta queer para a história da sexualidade
Eve K. Sedgwick abordou o debate entre as correntes essencialista e construcionista e o impasse que dele resultou como uma aporia característica do modo de funcionamento do binário heterossexualidade/homossexualidade no dispositivo da sexualidade moderna sua espinha dorsal. Por conseguinte, a autora associa a explicação essencialista e a construcionista da homossexualidade a duas tendências mais amplas que, desde o século XIX, organizam, conflituosamente, o binômio. São elas, respectivamente, a definição dessa diferença ou em um teor separatista, isto é, na tradução de Plínio Dentizien, minoritrizante (a diferença vista como uma minoria social), ou em um teor integrativo/universalizante.
A corrente essencialista, ao explicar a homossexualidade como uma essência transcendente dos indivíduos na história, concorre para reforçar o argumento de que os homossexuais constituem uma minoria social à parte da maioria heterossexual; esse tem sido também o discurso prioritário para a defesa dos direitos civis das pessoas homossexuais. A corrente construcionista, ao ressaltar os elementos históricos na construção da identidade homossexual moderna, posiciona-se no campo de uma explicação do binômio heterossexualidade/homossexualidade pela universalidade dos atos homoeróticos, para além das identidades definidas a priori: ou seja, os atos e as relações homoeróticos sempre existiram, mas não conformaram, sempre, uma identidade homossexual. O construcionismo logrou mostrar a variedade histórica de identidades ligadas ao homoerotismo, posicionando a diferença radical entre, por exemplo, as experiências homoeróticas na Antiguidade e na contemporaneidade.
Sedgwick também revela a importância do cruzamento da análise sexual com a de gênero, uma vez que esse marcador também tem sido constitutivo da definição do binômio heterossexualidade/homossexualidade, novamente, em um movimento duplo. Um dos tropos de gênero que tem caracterizado a explicação do binômio é o da inversão, liminaridade ou transitividade do gênero, cuja ênfase está em uma suposta heterossexualidade essencial do desejo, mesmo das pessoas homossexuais. O segundo tropos é o do separatismo de gênero, segundo o qual a prática mais natural do desejo é se manifestar prioritariamente dentro das fronteiras de cada gênero (SEDGWICK, 1990, p. 84-7) (SEDGWICK, 2007 [1990], p. 48-9). Desse modo, do ponto de vista de estudos queer, a contextualização das correntes essencialista e construcionista revela como ambas são elementos discursivos posicionados diferentemente no lento trabalho de elaboração do discurso das identidades homossexual e heterossexual desde o século XIX. Isso significa dizer que nem uma nem outra contém a explicação definitiva para a história da homossexualidade ou do que existiu antes dessa categoria.
Dessarte, Sedgwick buscou escapar do dilema insolúvel da polêmicaessencialismo/construcionismo, demonstrando como o impasse entre as correntes era somente mais um dos jogos de verdade colocados pelo binômio heterossexualidade/homossexualidade. Ou seja, encarar a genealogia das categorias por qualquer desses pontos de vista resultava em preservar os termos mais gerais do dispositivo. Vemos aqui também uma ressonância do alerta de Butler sobre a importância de desconfiarmos dos termos de uma escolha aparentemente inescapável. A mais das vezes, são esses próprios termos que articulam o caráter artificialmente inescapável da pretensa escolha.
A crítica queer de Sedgwick a respeito do debate entre essencialistas econstrucionistas tem, adicionalmente, um outro aspecto, correlato ao primeiro. Se ambas as correntes funcionam dentro da lógica binária do dispositivo da sexualidade, os argumentos construcionistas, especificamente, podem ter o efeito, inadvertido, de reificar a categoria moderna de homossexualidade – e, consequentemente, também a da heterossexualidade. Ao postular uma diferença radical entre experiências homoeróticas pretéritas ou não modernas e as homossexuais, os autores construcionistas tomam a homossexualidade contemporânea como uma categoria coerentemente definida, cuja característica principal seria ter superado, de uma vez por todas, as categorias homoeróticas anteriores de identificação.17 Ao contrário, Sedgwick sugere que as categorias do binômio moderno heterossexualidade e homossexualidade não são estruturadas por modelos suplantados ou substituídos de identidades homoeróticas pré-modernas, não modernas ou modernas, sendo que o posterior apagaria todos os vestígios dos anteriores. A homossexualidade, como categoria sexo-política típica do dispositivo da sexualidade moderna, seria constituída pelo conjunto de relações autorizado por uma coexistência não racionalizada, não explicitada, de diferentes modelos de identidades homoeróticas durante um certo intervalo de tempo em que eles coexistam.18
Consequentemente, Sedgwick apontou a obsolescência do debate entre essencialistas e construcionistas, ao propor uma abordagem que não enfatizasse a descontinuidade radical entre categorias homoeróticas modernas e não modernas (uma forma de des-narratividade).19 Ao contrário, o foco dos estudos sobre o homoerotismo deveria ser o espaço performativo de contradição que é o binômio heterossexualidade/homossexualidade (SEDGWICK, 1990, p. 40-8). Para o historiador, contudo, o apelo de Sedgwick é problemático, uma vez que ele tende a apagar, não enfatizar ou menosprezar a dimensão diacrônica das categorias discursivas elaboradas para identificar, sujeitar, subjetivar o campo do homoerotismo. Há uma historicidade nas formas como o homoerotismo foi sucessivamente experimentado ao longo do tempo, nas diferentes formações históricas, sendo uma tarefa do historiador reconstruí-las, de acordo com os termos de seu problema de pesquisa, em suas narrativas acerca do passado.
Como observou Halperin, a incoerência definidora da categoria contemporânea de homossexualidade é em si mesma um fenômeno histórico. Ou seja, é consequência dos modos pelos quais a categoria incorporou, sem os homogeneizar, modelos e categorias mais antigas para as relações homoeróticas e as dissidências sexuais e de gênero. Há aí um conflito, há tensões não resolvidas, não explicitadas e não racionalizadas que subsistem à absorção pela categoria mais recente ou mais hegemônica. Trata-se de um longo processo histórico de sobreposição e acreção (HALPERIN, 2002, p. 12). Por esse ponto de vista, torna-se crucial, para desvelar o novelo das relações implícitas entre as categorias homoeróticas em um dado contexto histórico, levar em curso um projeto histórico-genealógico em que as descontinuidades entre as categorias sejam enfatizadas. É nessas condições que entendo a proposta de uma história LGBTQIA+ queer ou queerizada como um estudo vocacionado para explicitar a estranheza radical das categorias atuais da heterossexualidade e da homossexualidade, a partir do movimento histórico-genealógico de construir cada experiência do homoerotismo em sua descontinuidade histórica radical. Ao fim e ao cabo, trata-se de uma tarefa de estranhar-nos como homossexuais no presente, desdobrando-nos em nossos passados homoeróticos que ainda nos assombram (KLEINBERG, 2017, p. 18-59),20 a fim de poder estranhar categorias outras de homoerotismo em outros contextos históricos.21
A apreciação dessa descontinuidade, nos termos de uma genealogia, precisa começar, por conseguinte, com um estranhamento das categorias centrais de sodomia, homossexualidade e homoerotismo. Se Sedgwick está certa ao afirmar que figuras discursivas como o sodomita do Antigo Regime e o invertido oitocentista estão, de alguma maneira não racionalizada, implícita, subsumidas na categoria contemporânea do homossexual, a resposta de Halperin pode trazer algum alento aos historiadores, na medida em que se mantém o problema histórico da descrição e da análise das diferenças entre formações e identidades homoeróticas nos termos ou não da homossexualidade moderna, ocidental e colonizadora (SEDWGICK, 1990, p. 47-8) (HALPERIN, 2002, p. 12-3).
Uma crítica similar à que ora proponho foi feita pelos antropólogos Sérgio Carrara e Júlio Simões acerca da literatura antropológica sobre a homossexualidade brasileira produzida entre as décadas de 1970 e 1980 por cientistas estrangeiros. Criticando, principalmente, os estudos de Peter Fry (britânico de nascimento) e Richard Parker (estadunidense), os autores mostraram como suas interpretações, apesar das diferenças entre elas, terminam por negar à cultura brasileira seu lugar no mundo e na história ocidentais, reificando uma dinâmica de centro-periferia em que o Brasil só tem lugar como receptor passivo de influências e importações estrangeiras e produtor de exotismos a serem analisados cientificamente por pesquisadores dos países centrais. Para desmontar esse arranjo, no que diz respeito à história do homoerotismo, Carrara e Simões mostraram que o modelo hierárquico do homoerotismo, proposto inicialmente por Fry e, mais tarde, aprofundado e matizado por Parker, não constitui um traço singular ou não ocidental do homoerotismo na sociedade brasileira.22 Tal modo de hierarquizar as relações eróticas e de gênero tem uma longa história no Ocidente. Assim, não é possível esboçar uma história LGBTQIA+ linear na sucessão de suas categorias, linearidade que acaba reificando uma hierarquia política (sexual, de gênero e epistêmica) Norte-Sul, Ocidente-Oriente, Modernidade/Pré-modernidade/não modernidade (CARRARA; SIMÕES, 2007, p. 65-99).
Resta agora, e à guisa de conclusão, refletir sobre o lugar do anacronismo em uma proposta historiográfica nos moldes aqui sugeridos.
Sentidos do anacronismo na história do homoerotismo ou queerizando a história LGBTQIA+
Décadas atrás, Marc Bloch, em sua Apologia da história, alertava para o cuidado que todo historiador deve ter para não contaminar o passado com o presente. O que não significava tomar as instâncias temporais como estanques, desconectadas; antes sim estar atento aos modos como certos passados podem ainda durar, continuar, permanecer em certos presentes (BLOCH, 2001 [1949], p. 60-8). Estava posto o problema do anacronismo, como um desafio com que todo historiador deve lidar em suas pesquisas. Não só um desafio, mas, como pôs Nícole Loraux, um pesadelo, um pecado capital, uma acusação infamante, aquilo que liquida o próprio sentido de uma história disciplinada e profissional (LORAUX, 1992, p. 57). No caso dos historiadores de áreas como as relações de gênero e da sexualidade, as acusações (na verdade, até mesmo interpelações públicas em eventos científicos, bancas acadêmicas ou aulas de seminários de dissertação ou tese) são ainda mais constantes e reincidentes, uma vez que o uso de conceitos de outras ciências humanas e sociais, especialmente o de gênero, parece conjurar o exato perigo apontado por Bloch e Loraux.
No entanto, a proposta de uma análise queer da história LGBTQIA+ como a adiantada aqui tem ressonâncias com o tipo de história defendido por Bloch. Segundo ele, o historiador deve buscar apreender o que é vivo, restituindo-o por meio de um esforço de imaginação a partir dos documentos, de maneira a unir o estudo dos mortos ao dos vivos (BLOCH, 2001 [1949], p. 60-8).
Ao propor uma história das homossexualidades que tome como ponto de partida as similaridades e as incongruências, as permanências e as rupturas, entre os modos de experimentar o homoerotismo no(s) passado(s) e no(s) presente(s), seguindo as considerações de Sedgwick e Halperin, trilhamos um caminho similar ao do historiador francês, pontuando a impropriedade de se pensar os diversos estilos do homoerotismo como temporalmente estanques. Não se deve imaginar que, com o surgimento da categoria homossexualidade, o homoerotismo deixou imediatamente de ser categorizado também a partir da noção de sodomia. O que importa salientar é o sentido de descontinuidade temporal entre as várias experiências e categorias de identidade homoeróticas. Nesse contexto, concordo com Loraux sobre a validade de um uso estratégico e calculado do anacronismo, no sentido de encontrar o “outro tempo” no interior do tempo que é o presente estudado pelo historiador, detectando a “acronia” que permeia as categorias do homoerotismo (LORAUX, 1992, p. 57-71).
Para tanto, é útil retornar àquela passagem de A vontade de saber que tanto desentendimento tem gerado no campo de uma possível história LGBTQIA+ desde sua publicação em 1976.
Esta nova caça às sexualidades periféricas acarreta uma incorporação nas perversões e uma especificação nova dos indivíduos. A sodomia - a dos antigos direitos civil ou canônico - era um tipo de atos proibidos; o seu autor não passava de seu sujeito jurídico. O homossexual do século XIX tornou-se um personagem, um passado, uma história e uma infância, um caráter, uma forma de vida; e uma morfologia também, com uma anatomia indiscreta e talvez uma fisiologia misteriosa. Nada do que ele é totalmente escapa à sua sexualidade. Em todo ele, ela está presente: subjacente a todos os seus comportamentos, porque é o seu princípio insidioso e indefinidamente ativo; inscrita sem pudor no seu rosto e no seu corpo, porque é um segredo que sempre se denuncia. Ela é-lhe consubstancial, menos como um pecado de hábito, do que como uma natureza singular. Não se deve esquecer que a categoria psicológica, psiquiátrica, médica, da homossexualidade se constituiu desde o momento em que a caracterizaram – o famoso artigo de Westphal, em 1870, sobre as “sensações sexuais contrárias” pode valer como data de nascimento –, menos por um tipo de relações sexuais do que por uma certa qualidade da sensibilidade sexual, uma certa maneira de inverter em si mesmo o masculino e o feminino. A homossexualidade apareceu como uma das figuras da sexualidade quando foi abatida à prática da sodomia, passando a uma espécie de androginia interior, um hermafroditismo da alma. O sodomita era um relapso, o homossexual é agora uma espécie
(FOUCAULT, 1994 [1976], p. 46-7).Diferentemente do homossexual moderno, que diria de uma espécie sexual produzida por um mecanismo de saber-poder de incorporação nas perversões e de especificação nova dos indivíduos, o sodomita teria sido articulado, discursivamente, como um sujeito jurídico, como alguém culpado por um tipo de atos proibidos. Entre o sodomita antigo e o homossexual moderno, haveria a imensa descontinuidade de dois dispositivos distintos para a regulação do domínio homoerótico. Não se trata de conceber a homossexualidade moderna como a única identidade homoerótica possível na história, resumindo categorias anteriores a um conjunto de atos.23 Antes, trata-se de perceber como a construção discursiva de uma categoria, tal qual a sodomia, como “atos proibidos” ou “pecado de hábito”, ou o sodomita, como “sujeito jurídico” ou “relapso”, atendia aos interesses locais e estratégicos de determinado regime das relações de saber-poder-subjetivação. Isso teve como resultado, consequentemente, a interpelação (sujeição e subjetivação) dos sodomitas como certa categoria de sujeito, identificáveis, sobretudo, pela infâmia decorrente de sua transgressão. Conforme destacou o historiador Mark Jordan, nessa passagem, Foucault operava um contraste entre uma operação de saber-poder-subjetivação para a personificação da imputação de uma culpabilidade jurídica (da sodomia) e uma outra, diferente, operação (que punha em funcionamento outros saberes, outros poderes e outros sujeitos) para a construção científica de um novo e integral ser/subjetividade, que ia além da culpa jurídica (JORDAN, 2015, p. 105).
Nesse sentido, a tarefa histórica-genealógica de uma história LGBTQIA+, indo para lá do debate entre construcionista e essencialistas, precisa dar conta dos tipos específicos de saber e de relações de poder que conformam cada modo de experiência homoerótica e/ou de gênero, com vistas a articular sua própria descontinuidade histórica. A diferença está, pois, entre as modalidades de verdade e de poder em ação em cada formação histórica (JORDAN, 2015, p. 106). Trata-se, portanto, antes de uma história dos diversos dispositivos que se cruzam e se sobrepõem ao longo do tempo, mais do que de uma história de diferentes identidades. A dinâmica histórica dos dispositivos, uma investigação acerca das pontes que atravessam os abismos da descontinuidade epistêmica, retoma as advertências levantadas por Sedgwick e por Halperin, sobre as maneiras complexas de relacionamento entre as várias e sucessivas categorias de subjetividade do homoerotismo em um dado presente histórico, consistindo a tarefa histórica-genealógica na elucidação dessas mesmas relações. Encontra-se aí o problema do anacronismo.
Segundo Rancière, o anacronismo é um dos conceitos centrais da epistemologia histórica moderna, isto é, daquilo que dá ao saber histórico um estatuto de cientificidade. Para tanto, é necessário que o tempo histórico tenha a forma de um puro presente, de uma pura sincronia. O que significa que, em dado tempo histórico, todos os atores sejam sujeitos copresentes neste tempo. Trata-se da ideia de que toda pessoa é filha de sua época, invalidando a noção do senso comum de que algumas estariam à frente de seu tempo. Para que a história seja ciência, é necessário, o que se garante por determinadas operações retóricas-poéticas imbricadas na cientificidade histórica, que seja impossível que qualquer um rompa com seu tempo histórico (RANCIÈRE, 2011 [1996], p. 21-3). Tal ruptura configura o anacronismo.24
Essa definição de anacronismo coaduna-se, aparentemente, com a proposta foucaultiana da descontinuidade radical dos modos de experiência do homoerotismo em cada dispositivo. Todavia, a descontinuidade a que Foucault se referia era aquela entre dispositivos, regimes de verdade ou modos de experiência de subjetivação. Nessa descontinuidade, é possível o imbricamento ou a confusão das categorias entre si. Por esse ponto de vista, um apego radical ao anacronismo acaba se revelando anti-histórico, porque oculta as condições de historicidade. Historicidade passa a ser a produção da diferença a partir do mesmo, aquele momento em que há uma disjunção entre os homens e seu tempo. Uma disjunção que é possível, na medida que se entende que, em um tempo, há vários. Em um presente, há vários tempos passados e futuros, um espaço de experiências diversas e expectativas plurais no horizonte (RANCIÈRE, 2011 [1996], p. 46-7). Ou, em outros termos, sodomitas persistem em meio a homossexuais, isto é, o dispositivo jurídico-religioso do Antigo Regime tem sobrevivências no dispositivo moderno científico-psiquiátrico no seio do qual brota o homossexual.
É nesse sentido que se trata de queerizar, ou estranhar, transviar, a história LGBTQIA+. Não aceitando o anacronismo que a constitui, mas virando-o do avesso e problematizando suas próprias condições de produção na historiografia.25 Essa é uma operação capaz de revelar o pensamento cis-heterossexual que sustenta, sub-repticiamente, uma história ainda incapaz de analisar-se interseccionalmente.26 Em tais condições, essa operação de queerização ou estranhamento da história LGBTQIA+ a partir de seus problemas temporais e de gênero constitutivos reencontra aquilo que Michel de Certeau identificou como a função social da história, isto é, a forja de identidades, por meio da reparação das dilacerações e violências que caracterizam a relação entre o passado e o presente (DE CERTEAU, 2020 [1987], p. 51). A essa função da história, podemos hoje dar uma nova torção queer a partir de visões não essencialistas do tempo histórico, do anacronismo e das identidades de gênero e sexuais ao longo do tempo.
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Notas
Autor notes
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