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O Amor na Internet: um Encontro Amoroso de um Adolescente
Márcia Stengel; Jacqueline Oliveira Moreira; Nadia Laguárdia Lima
Márcia Stengel; Jacqueline Oliveira Moreira; Nadia Laguárdia Lima
O Amor na Internet: um Encontro Amoroso de um Adolescente
El Amor en Internet: un Encuentro Amoroso de un Adolescente
Psicologia em Estudo, vol. 20, núm. 2, pp. 319-330, 2015
Departamento de Psicologia - Universidade Estadual de Maringá
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Resumo.: Neste artigo discutem-se as possibilidades que as redes sociais introduzem na vida amorosa de adolescentes. As novas tecnologias de comunicação influenciam a subjetividade, assim como mudam hábitos de vida e os modos de as pessoas se relacionarem, incluindo-se as relações amorosas. A adolescência é um momento decisivo na vida em que o sujeito procura estratégias para assegurar uma marca de identificação, sendo os amigos sua principal fonte para tal. A busca pelo parceiro amoroso é também fundamental, e as novas ofertas de instrumentos para tal devem impactar ações, pensamentos e imaginários. A partir do relato de caso publicado, trabalharam-se neste texto as conexões entre internet, adolescência e construção de relações amorosas. Observou-se que a iniciação afetivo-sexual pode ser facilitada pela internet, pois com ela os adolescentes podem dar maior vazão às fantasias e se sentir mais livres, destituídos das barreiras que dificultam as relações. Entretanto, também estão presentes desafios inerentes aos relacionamentos amorosos, sejam presenciais ou virtuais.

Palavras-chave: AdolescênciaAdolescência,internetinternet,relacionamento amorosorelacionamento amoroso.

Resumen.: En este artículo se discuten las posibilidades que las redes sociales introducen en las vidas amorosas de adolescentes. Las nuevas tecnologías de comunicación influyen en la subjetividad, así como cambian hábitos de vida y los modos por los cuales las personas se relacionan, incluyéndose las relaciones amorosas. La adolescencia es un momento decisivo en la vida, en el cual el sujeto busca estrategias para asegurar una marca de identificación, siendo los amigos su principal fuente para tal. La búsqueda por la pareja amorosa es también fundamental, y las nuevas ofertas de instrumentos para ello deben impactar acciones, pensamientos e imaginarios. Desde el relato de caso publicado, se trabajaron en este texto las conexiones entre internet, adolescencia y construcción de relaciones amorosas. Se observó que la iniciación afectivo-sexual puede ser facilitada por internet, pues con ella los adolescentes pueden dejar fluir las fantasías y sentirse más libres, destituidos de las barreras que dificultan las relaciones. Sin embargo, también están presentes desafíos inherentes a las relaciones amorosas, ya sean presenciales o virtuales.

Palabras clave: Adolescencia, internet, relación amorosa.

Carátula del artículo

Artigo Original

O Amor na Internet: um Encontro Amoroso de um Adolescente

El Amor en Internet: un Encuentro Amoroso de un Adolescente

Márcia Stengel
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brazil
Jacqueline Oliveira Moreira
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brazil
Nadia Laguárdia Lima
Universidade Federal de Minas Gerais, Brazil
Psicologia em Estudo, vol. 20, núm. 2, pp. 319-330, 2015
Departamento de Psicologia - Universidade Estadual de Maringá

Recepção: 22 Abril 2015

Aprovação: 07 Julho 2015

No presente artigo pretendemos realizar uma reflexão sobre as possibilidades que as redes sociais introduzem na vida amorosa de adolescentes. Ainda são poucos os artigos científicos em psicologia que trabalham o tema dos impactos das redes sociais nas relações amorosas (Civiletti e Pereira, 2002; Donnamaria e Terzis, 2009), mas no que se refere especificamente à vida amorosa dos adolescentes, são ainda mais raros. Assim, com o objetivo de contribuir para esta reflexão, apresentamos este ensaio teórico que trabalha conceitos como tecnologias de comunicação e adolescência, tentando estabelecer um diálogo entre os dois campos e, por fim, a partir do relato de caso publicado, trabalhar as conexões entre internet, adolescência e construção de relações amorosas. Não encontramos muitos relatos ou depoimentos sobre a construção de relações amorosas na adolescência por meio da navegação no ciberespaço, assim, escolhemos um relato do livro de Sampaio (2002), que apresenta as vicissitudes do relacionamento de um adolescente com uma mulher adulta.

Sobre as tecnologias de informação e comunicação, podemos afirmar que, ao longo da história, estas mudaram os hábitos de vida e os modos de as pessoas se relacionarem. Foi assim com as máquinas na Revolução Industrial, com o surgimento da televisão e, atualmente, com o computador e, por consequência, com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Castells (2000) define Tecnologias de Informação como o conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, optoeletrônica, telecomunicações/radiodifusão, computação (software e hardware), bem como a engenharia genética e seu crescente conjunto de desenvolvimentos e aplicações.

As TICs, além de causarem uma revolução em modos de vida, hábitos e costumes de toda uma geração, alteram também o processamento, a absorção e a circulação de notícias, informações e conhecimento. Nicolaci-da-Costa (2002) chama a atenção para o fato de que as novas tecnologias também podem modificar, de maneira radical, os modos de ser dos indivíduos, ou seja, a forma como pensam, organizam e percebem os mundos interno e externo, relacionam-se consigo e com outras pessoas.

Segundo Turkle (1997, p. 37), “as pessoas recorrem explicitamente aos computadores em busca de experiências que possam alterar as suas maneiras de pensar ou afectar a sua vida social e emocional”. Esta afirmativa nos remete à ideia de que a tecnologia produzida e utilizada por uma sociedade representa uma das principais manifestações de seu comportamento. Ademais, a construção psíquica dos sujeitos de uma determinada sociedade não se está separada daquilo que acontece no nível social. Simmel (1903/1973) já havia chamado atenção para esta relação entre aspectos psíquicos e sociais em seu clássico artigo “A metrópole e a vida mental”:

... de cada ponto da superfície da experiência ... pode-se deixar cair um fio de prumo para o interior da profundeza do psiquismo, de tal modo que todas as exterioridades mais banais da vida estão, em última análise, ligadas às decisões concernentes ao significado e estilo de vida (Simmel, 1903/1973, p. 15).

A internet é um exemplo atual de como uma tecnologia utilizada por uma determinada sociedade afeta a vida social e pessoal dos sujeitos desta sociedade. Isso gera debates acirrados concernentes ao uso da internet no âmbito educacional e familiar, enfatizando-se o imenso tempo que os adolescentes passam na frente do computador e sua forma de utilização e propondo reflexões sobre os malefícios desse uso. Além disso, podemos perceber por meio de nossa prática profissional a preocupação de pais e familiares em serem descartados pelos filhos, que preferem ficar no quarto plugados em vez de participarem de momentos de convivência familiar, em volta da mesa do almoço ou mesmo assistindo a programas de televisão. Também são motivos de grande preocupação dos pais, em especial, os riscos a que seus filhos podem estar expostos na internet.

Conforme Valkenbrug, Schouten e Peter (2005), a exploração do eu, a compensação e a facilitação social são os maiores motivadores para os adolescentes usarem a internet como base de experimentação de suas identidades e, assim, vivenciarem novas formas de sociabilidade no espaço virtual. Devemos considerar aqui que em meio a esta experimentação encontra-se a busca por relacionamentos afetivos. Por isso, compreender como se estabelecem as relações amorosas dos adolescentes com o advento da internet é de fundamental importância.

O mérito da internet não se limita apenas ao fato de que funciona como espaço para busca de relacionamentos afetivos pelos adolescentes, mas também ao fato de que se trata de uma ferramenta em que se podem expressar sentimentos, medos, frustrações e expectativas. Um exemplo é o grupo formado no Facebook denominado “Amor Adolescente (AA)”. No item “Sobre o grupo”, podemos ler:

Pessoal, esse grupo foi criado para q vcs possam desabafar sobre os seus sentimentos correspondidos ou não, deixar suas perguntas sobre, para q pessoas mais experientes possam responder, e tbm deixar suas indiretas e suas declarações, todos vcs q gostarem convidem mais e mais pessoas (Amor Adolescente (AA), Facebook, 2014).

Dela Coleta, Dela Coleta e Guimarães (2008) realizaram uma pesquisa com 50 usuários brasileiros da internet com o objetivo de entender as possibilidades que a internet oferece como uma nova plataforma para relacionamentos amorosos. Os sujeitos da pesquisa acreditam que ela pode propiciar o início de um contato, mas que a continuação do vínculo depende de um encontro presencial. No entanto, 64% dos entrevistados declararam que já tiveram relacionamentos amorosos virtuais e 68% acreditam que podem ser bem-sucedidos em um relacionamento amoroso pela internet. Apesar da alta porcentagem que aposta no amor pela internet, os pesquisadores concluíram que este veículo não acarretou mudanças comportamentais no âmbito das relações amorosas, ainda que acreditem que é necessária a realização de novas pesquisas.

A pesquisa de Donnamaria e Terzis (2009) visou escutar casais cujos vínculos originaram-se de relacionamentos mediados pela internet e, mais uma vez, o encontro face a face se impõe como condição para a continuidade do relacionamento.

Seguindo a esteira dessas pesquisas, interessa-nos saber os possíveis efeitos que esta nova modalidade de busca e de vivência amorosa pode ter sobre os adolescentes, considerando-se as características específicas desta faixa etária. Antes disso, entretanto, parece-nos urgente compreender os desafios próprios da adolescência.

Adolescência e as Relações Amorosas

A adolescência é um momento decisivo na vida do sujeito humano e, por isso, corresponde a uma fase delicada em que os acontecimentos podem ter efeito de irreversibilidade. Sabemos que a busca pelo parceiro amoroso é tão decisiva na vida do sujeito quanto a sua escolha profissional. Neste sentido, as novas ofertas da sociedade pós-moderna de instrumentos de busca do amor devem, necessariamente, impactar as ações, pensamentos e imaginários. Mas quais são essas influências para os adolescentes?

Mesmo sabendo que há restrição etária para participação em redes sociais, chats e sites de relacionamento, é de conhecimento geral que os adolescentes burlam a norma construindo identidades fictícias e inventando idades. Assim, a entrada nestes sites que possibilitam a busca de relacionamento já se inicia, muitas vezes, com uma ação transgressora. Essa mentirinha é ponto passivo, mas quais são seus impactos na resposta do possível parceiro? A internet favorece o encontro do sujeito com as suas próprias fantasias no campo da vida amorosa?

A adolescência é um conceito construído historicamente na cultura ocidental que surge durante a Modernidade, ao final do século XIX, e consolida-se no século XX. Até então, não havia clareza quanto aos termos que designavam crianças, adolescentes e jovens, apontando para uma indiferenciação na percepção destes sujeitos. Ariès (1978) discute que a indiferença em relação aos fenômenos propriamente biológicos provocou uma longa duração da infância - ligada à ideia de dependência -, na medida em que não se limitava a infância pela puberdade.

O surgimento da ideia de adolescência, tal como a conhecemos hoje, tem como ponto de partida uma delimitação sem precedentes das esferas pública e privada. No final do século XVIII, a arquitetura das casas sofre uma transformação em seu espaço. Fazendo um contraponto com as casas da Idade Média, em que não havia separação clara entre os ambientes e os cômodos não tinham portas que os encerrassem ou os demarcassem com clareza, as casas passam a ter espaços bem delimitados, oferecendo a possibilidade de privatização aos seus moradores.

O espaço físico da casa de família privatiza-se, acompanhado de uma privatização dos costumes. Esta situação cria estratégias de singularização, propiciando, consequentemente, uma divisão mais clara entre mundo público e mundo privado. O primeiro torna-se cada vez mais hostil e, o segundo, o local de aconchego e proteção (Coutinho, 2009). A família, então, funciona na esfera privada, sendo o agente balizador do mundo público e do privado: o que se passava fora do âmbito familiar correspondia à vida pública e, dentro dele, correspondia à vida privada.

Também no século XIX surge o Romantismo, movimento que fazia oposição às ideias iluministas. Enquanto estas pregavam o culto à racionalidade e à ordem, aquele salientava a paixão pela natureza e pelas forças do espírito, alimentando a nostalgia e a solidão. “Fica clara a articulação do movimento romântico com a disseminação do individualismo e da concepção de indivíduo único, que cultiva a singularidade e busca sempre experiências únicas” (Coutinho, 2009, p. 45).

No século XX temos a consolidação do conceito de adolescência. Isso se deu em razão do prolongamento da escolarização, do avanço da industrialização, do crescimento das cidades e de mudanças no mercado de trabalho, que fizeram com que o período de dependência dos jovens em relação à família se estendesse. Todavia, sem negar este fato histórico que coloca a criação do conceito de adolescência vinculado a fatores sociais, parece-nos importante mencionar que a adolescência também pode ser definida como um tempo psíquico e sociocultural da puberdade, ou seja, como um momento em que se torna urgente para o adolescente trabalhar novos dados que a puberdade inaugura na história do sujeito.

Knobel (1992) salienta os lutos que o adolescente precisa elaborar nesse momento da vida. Um primeiro luto é pela perda do corpo infantil e o surgimento de um novo e por tudo aquilo que isso implica: as relações que o indivíduo mantém consigo e com os outros, principalmente com os pais, e as responsabilidades que o corpo imprime. O adolescente precisa também fazer o luto pelos pais da infância, o que significa perder o refúgio e a proteção que eles representam. Nessa perspectiva, Alberti (2002) argumenta que se desligar dos pais é um dos feitos psíquicos mais dolorosos para o adolescente, e Corso e Corso (1999) afirmam que “a operação própria da adolescência é a agonia e morte dos pais reais enquanto suporte do ideal” (p. 85). Os pais, que eram tidos como heróis por seu filho na infância, são destituídos deste lugar, desidealizados, e passam a ocupar um lugar de estranhamento frente ao filho.

Outra razão para as dificuldades enfrentadas na adolescência é o fato de nossa sociedade impor aos jovens uma moratória que se caracteriza por competições ratificadas e obrigações definidas e, do mesmo modo, por uma tolerância especial, a qual podemos denominar status de aprendizagem. É um tempo imposto aos adolescentes no qual eles não são mais reconhecidos como crianças, mas ainda não têm o reconhecimento de adultos, o que é justificado pela imaturidade dos jovens para o enfrentamento da vida.

Calligaris (2000) aponta para a contradição presente na lógica da moratória. Por um lado, a sociedade prega um ideal de autonomia para os indivíduos, que devem buscar independência para que assim possam ser reconhecidos e valorizados. Por outro lado, a moratória impõe uma continuação da dependência para sujeitos que têm o corpo e o espírito prontos para a competição. Podemos pensar a moratória como algo positivo na medida em que o sujeito, nesse momento, está isento da assunção de uma série de responsabilidades, e como algo negativo porque ela é imposta, sendo extremamente difícil e penoso ao sujeito não assumi-la, e por não haver regras claras para o seu final. Neste sentido, o autor afirma que as mudanças pubertárias constituem um problema na medida em que os adultos não reconhecem aí sinais da passagem para a idade adulta. Assim, os adolescents sentir-se-ão frustrados por estarem nessa situação e buscarão formas de reconhecimento social.

Um problema apontado por Calligaris (2000) e Coutinho (2005, 2009) é o fato de os adolescentes ocidentais terem que viver este momento de forma privatizada, singularizada, sem o apoio das instâncias sociais, como se dá em algumas sociedades com a presença de ritos de iniciação. Matheus (2002) salienta que o processo vivido na adolescência resulta do fato de “o sujeito psíquico não encontrar na cultura, dispositivos para suportar e conceber conflitos psíquicos” (p. 86). Por isso, reconhecer a ausência de rituais de passagem ou de dispositivos na ordem simbólica faz-se imprescindível para compreensão da adolescência.

Por essa falta de suporte na ordem simbólica e pelo processo de desligamento dos pais, o adolescente lança mão de algumas estratégias como forma de assegurar uma marca de identificação. A principal estratégia é a união ao grupo de pares, que serão as grandes fontes de identificação deste momento. Os amigos tornam-se a principal referência para a construção de uma identidade adulta e de novos ideais. Atualmente, os grupos adolescentes se organizam em torno de um laço fraterno socializante para buscar expressar certo ideário, estando, em geral, envolvidos com atividades culturais e cotidianas (Coutinho, 2005). O compartilhamento dessas atividades revela uma tentativa de elaboração conjunta dos impasses relativos ao laço social. É também uma forma de reconhecimento social a partir de novos traços identificatórios, pois, ao deixar a infância, o sujeito se sente inseguro com relação à sua identidade e o seu lugar social (Kehl, 2000). A internet tem oferecido aos adolescentes possibilidades de participação em grupos - via redes sociais ou blogs, por exemplo - que lhes asseguram laços sociais e compartilhamento do processo que estão vivenciando.

Para a psicanálise, o despertar da sexualidade, na adolescência, é o despertar para o novo, para o desconhecido, ainda que o jovem tenha informações sobre o corpo e sobre o ato sexual. Assim, é no grupo de pares que o adolescente busca construir um saber possível sobre a sexualidade, que é sempre parcial e insuficiente, com o qual ele busca se defender desse real do sexo que escapa ao sentido.

Freud destaca que na puberdade há o redespertar do complexo de Édipo, renovando-se os conflitos edipianos e as fantasias incestuosas. O desejo sexual reativa uma interdição, mas, espera-se que no desfecho possível desta revivência edípica possa acontecer o declínio do Édipo, com a assunção de uma posição sexuada e a eleição de um novo objeto de amor.

Diante da irrupção do real do sexo na puberdade, o jovem é despertado por fantasias, desejos e sensações desconhecidas. O corpo sofre transformações abruptas e incontroláveis, que remetem o jovem a uma sensação de desconhecimento e estranhamento com relação à própria imagem corporal. Há uma exigência de se situar na partilha dos sexos, como homem ou mulher. Além disso, a desidealização dos pais leva a uma perda das antigas referências de identificação. A adolescência pode ser então definida como um momento da vida em que o sujeito se vê confrontado com as exigências de se posicionar na partilha dos sexos, de escolher um novo objeto de amor que não os pais e de se lançar num universo social mais amplo (Freud, 1905/1974).

Neste sentido, é na adolescência que o indivíduo vive suas primeiras experiências afetivo-sexuais, que participam da organização da vida dos adolescentes e da sua construção subjetiva.

Podemos destacar três tipos de relações afetivas presentes no cotidiano dos adolescentes: o “ficar”, o namoro e o casamento. Os dois últimos são tipos de relacionamentos presentes ao longo da história e que passaram por diversas mudanças. O “ficar”, por sua vez, é uma nova forma de relacionamento que surge no início da década de 1980. Estas três formas estão presentes no cotidiano dos adolescentes como prática atual ou como possibilidade e desejo no futuro.

O “ficar” - muitas vezes nomeado também como “pegar” - pode ser definido como um relacionamento marcado pela falta de compromisso, pela efemeridade e a busca por prazer como seu objetivo principal (Chaves, 1994). Ele funciona como uma maneira de experimentar e viver as práticas afetivo-sexuais, conhecer vários parceiros, o próprio corpo, o corpo do parceiro e os limites possíveis para cada relação. O “ficar” permite, ainda, que o indivíduo adie o compromisso e faça melhores escolhas afetivas.

Em nossa cultura, tradicionalmente, o namoro é visto como uma relação afetiva constante, duradoura, compromissada, em que o afeto está presente. É um relacionamento sério, cujo objetivo final é o casamento. Atualmente, há uma quebra do vínculo entre o namoro e o casamento, ou seja, é possível - e até desejável, em algumas circunstâncias - namorar sem a intenção de casar-se. Entretanto, um aspecto do namoro tradicional continua presente: o compromisso. “Hoje o compromisso não remete o casal necessariamente ao casamento, porém ele pressupõe - ao menos em tese - um vínculo estável, monogâmico e fiel” (Chaves, 1994, p. 25).

Com esta quebra do vínculo entre o namoro e o casamento, não é esperado que, de modo geral, o último faça parte do universo adolescente, a não ser como exceção, a exemplo de casos de gravidez. Todavia, o casamento aparece no horizonte dos adolescentes como perspectiva de futuro, assim como a constituição de família (Stengel & Tozo, 2010).

Desse modo, considerando-se as peculiaridades da adolescência e das formas de relações afetivo-sexuais contemporâneas, podemos nos perguntar: como a internet tem sido utilizada pelos adolescentes com o intuito de estabelecer relações afetivas? Qual o impacto dessa tecnologia nas modalidades de relações? Que tipo de mudanças a internet pode estar provocando na vivência afetiva de adolescentes? Para que se discutam essas questões, cabe entendermos o que vem a ser o ciberespaço.

Compreendendo o Ciberespaço

O termo ciberespaço foi criado pelo escritor William Gibson e passou a ser usado para se referir ao espaço abstrato construído pelas redes de computadores. Seu surgimento é resultado de uma transformação social e cultural, que, por sua vez, é modificada e condicionada por ele. O ciberespaço diz respeito não só à estrutura material dessa comunicação digital, mas também a informações e pessoas que transitam nesse espaço. Ele envolve uma cibercultura, uma realidade virtual, uma comunidade virtual, um texto virtual, experiências virtuais, ou seja, uma nova e instigante dimensão: a virtual (Lima, 2003). O neologismo cibercultura, por sua vez, é utilizado “para especificar o conjunto de técnicas materiais e intelectuais, de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (Lévy, 2000, p. 17).

A imersão na imagem apresenta efeitos subjetivos, interferindo nos modos de pensar, nos valores e nas atitudes do homem. As novas tecnologias de produção, captação, transmissão, reprodução, processamento e armazenagem da imagem se tornaram tão presentes quanto imprescindíveis: desde o telescópio, o microscópio, a radiografia, até a televisão, o vídeo e o microcomputador, todas essas máquinas de visão podem funcionar como extensões do homem, possibilitando-lhe alcançar um novo universo, em outras dimensões, com novos espaços e novos tempos. A internet introduz inúmeros avanços nessa área, a ponto de tornar os limites virtual/real cada vez mais tênues. O ciberespaço inclui negociações sobre significados e debates entre os participantes.

A interatividade na internet é considerada a principal razão de seu sucesso. “O termo ‘interatividade’ em geral ressalta a participação ativa do beneficiário de uma transação de informação.” (Lévy, 2000, p. 79). Assim, a mídia interativa permite o diálogo, a reciprocidade, a comunicação efetiva, permitindo que o usuário interaja com uma matriz de informações, um modelo capaz de gerar inúmeros percursos diferentes. Ela proporciona a reciprocidade, e em tempo real. Nesse sentido, está se falando em “interatividade que remete ao virtual” (Lévy, 2000, p. 80).

As experiências sensoriais no computador permitiram a imersão na imagem, inaugurando uma nova modalidade de interação com a máquina. A realidade virtual, que “especifica um tipo particular de simulação interativa, na qual o explorador tem a sensação física de estar imerso na situação definida por um banco de dados” (Lévy, 2000, p. 70), permite um avanço na ilusão em relação à imagem do cinema ou da televisão. O desenvolvimento dos mundos virtuais oferece uma imersão funcional em representações tridimensionais com a ajuda de capacetes individuais de visualização estereoscópicos, em que o corpo é interligado ao mundo virtual. A imagem virtual transforma-se em um lugar explorável, habitável. Ela torna real tudo o que produz, submetendo a visão às interfaces tecnológicas. A realidade virtual promove uma redefinição das noções de imagem, de objeto e de espaço perceptivo.

A conceituação de realidade virtual comporta um sentido estrito e um sentido mais amplo. Se no sentido estrito a realidade virtual implica o uso de equipamentos tais como os capacetes para visão estereoscópica e as datagloves (sensores automáticos de movimentos do corpo), as duas características distintivas do mundo virtual, em sentido mais amplo, são a imersão e a navegação por proximidade. Ou seja, a noção de um mundo virtual não implica necessariamente o uso desses equipamentos. Um mundo virtual, no sentido amplo, é um universo de possíveis, calculáveis a partir de um modelo digital. Ao interagirem com o mundo virtual, os usuários o exploram e o atualizam simultaneamente. Os hipertextos, hiperdocumentos, simulações e, em geral, todos os objetos lógicos, tais como os programas, os bancos de dados e seus conteúdos, fazem parte dessa virtualidade informática no sentido amplo. “Computadores e redes de computadores são a infra-estrutura física desse novo universo virtual” (Lévy, 2000, p. 75).

A internet não oferece apenas imagens. Ela oferece palavras, possibilitando a leitura e a escrita de textos. Mas essa leitura e escrita na tela apresenta características próprias, virtuais. O hipertexto é um texto em formato digital, não linear, fragmentado, caracterizado pelas várias janelas, pelo acúmulo de informações e pela possibilidade de o usuário seguir caminhos diversos, indeterminados, misturando funções de leitura e escrita. Ou seja, ele é reconfigurável e fluido.

O hipertexto é, portanto, um texto virtual, assim como são virtuais todas as experiências no ciberespaço. Podemos dizer, então, que a internet apresenta características próprias, sendo o ciberespaço um espaço virtual, específico dessa nova estrutura em rede (Lima, 2003).

O termo virtual geralmente é associado à imaterialidade ou irrealidade. A esse respeito, Lévy (2000) faz uma importante consideração. Segundo o autor, quando se fala em virtual em relação ao digital, é importante marcar o fato de que os processamentos em questão são sempre operações físicas elementares sobre os representantes físicos dos 0 e 1. Digitalizar uma informação consiste em traduzi-la em números. Quase todas as informações podem ser traduzidas dessa forma, mesmo uma imagem ou um som. E todos os números podem ser expressos em linguagem binária, sob forma de 0 e 1. Portanto, todas as informações podem ser representadas por esse sistema. Existem dispositivos técnicos bastante diversos que podem gravar e transmitir números codificados em linguagem binária.

Assim, os dígitos circulam nos fios eletrônicos, polarizam fitas magnéticas, se traduzem nas fibras óticas, nos discos óticos e se encarnam em estruturas de moléculas biológicas. Segundo Lévy (2000), as informações codificadas digitalmente são transmitidas e copiadas indefinidamente sem perda de informação, diferentemente das gravações que ocorrem de forma analógica, que se degradam a cada nova cópia. Enquanto a informação analógica é representada por uma sequência contínua de valores, a informação digital usa apenas dois valores, nitidamente diferenciados, o que torna a reconstituição da informação danificada mais simples, em função dos diversos processos de controle da integridade das mensagens. Se há uma quantidade crescente de informações sendo digitalizadas, a principal razão é que a digitalização permite um tratamento de informações mais eficaz que qualquer outra via atualmente existente.

Esta discussão se faz importante não para entender a estrutura física do computador ou seu funcionamento técnico ou operacional, mas para que se possa pensar o que significa esse virtual do ciberespaço. A codificação da imagem seria imaterial no sentido próprio? “Mais fluida, mais volátil, a gravação digital ocupa uma posição muito particular na sucessão das imagens, anterior a sua manifestação visível [itálicos nossos], não irreal nem imaterial, mas virtual.” (Lévy, 2000, p. 54). Essa nova dimensão põe em questão a tradicional distinção entre original e cópia.

A rigor, os termos virtual e real não se opõem. O virtual, do latim virtus (virtude), é o que está em potência no real, o que tem em si todas as condições essenciais para a sua realização (Cadoz, 1994). A palavra virtual se refere ao que existe em potencial, suscetível de se realizar (Ferreira, 1986). Na filosofia, o termo virtude está relacionado à capacidade ou potência em geral (Abbagnano, 1982). Nesse sentido, pode-se compreender a descrição de Lévy da gravação digital ocupando uma posição anterior à sua manifestação visível. E não seria essa antecipação a essência mesma da imagem?

De acordo com o processo de identificação à imagem especular descrito por Lacan (1949/1998), a criança, fascinada com a imagem unificada refletida no espelho, sentindo-se ainda fragmentada, se antecipa numa identificação com aquela imagem, que, portanto, lhe devolve a unidade. Assim, o virtual se aproxima do conceito de imagem em psicanálise. O virtual não seria exatamente aquilo que se opõe ao real, mas aquilo que de alguma forma está presente no real (no sentido de realidade) em potência, anterior à sua manifestação visível. Sua presença em potência introduz uma nova forma de presença, que tem efeitos sobre a subjetividade. De acordo com a psicanálise, o imaginário não se opõe à realidade, que na verdade é uma construção imaginária (Lima, 2003).

O antropólogo Le Breton (2003) trabalha com a hipótese de que o ciberespaço é o lugar do desaparecimento do corpo. Nesse espaço imaterial, indivíduos espacialmente distanciados entram em contato. No entanto, o corpo fica pendente no espaço virtual, provisoriamente esquecido enquanto matéria. O ciberespaço é um território de imagens e signos onde coexistem em virtualidade inúmeros corpos em potencial. Mas não há um encontro entre corpos, e sim uma interação entre imagens, criando personagens, situações e ações a partir de palavras. Nesse contexto, o corpo físico é desnecessário, e até indesejável, funcionando como um obstáculo à sua virtualização. Pode-se, virtualmente, vestir qualquer máscara, tornar-se qualquer personagem, ter qualquer forma, cor, toque e cheiro imaginável.

Não obstante, podemos questionar essa separação entre os mundos real e virtual. De acordo com a psicanálise, o sujeito não tem acesso direto à realidade objetiva, pois ela é sempre atravessada pela realidade subjetiva. As fantasias funcionam como uma tela que se interpõe entre o sujeito e a realidade externa ou objetiva (Nobre & Moreira, 2013). O sujeito interpreta a realidade dos fatos de acordo com a sua subjetividade. Mas, para além da dimensão da fantasia, as interações virtuais podem despertar o desejo, provocar angústia, causar diferentes sensações e emoções, tendo efeitos reais sobre o corpo e interferindo na vida real. A complexidade das relações entre o virtual e o real nos leva a refletir sobre a natureza dos relacionamentos que se constituem na realidade virtual, suas motivações, especificidades e efeitos sobre os sujeitos. Com o objetivo de visualizar a complexidade que o espaço virtual coloca para as relações amorosas, discutiremos um caso verídico apresentado por Sampaio (2002).

O Caso Beatriz e Áquila82i: Uma Possibilidade Para Um Adolescente

Sampaio (2002) narra o encontro no espaço virtual entre Beatriz (nick1 - da protagonista), pernambucana, e Áquila82i, paulista. A primeira teclada aconteceu às 21 h do dia 8 de dezembro de 1997 e a conversa durou 1h20min, quando conversaram sobre “o surgimento do horóscopo na Mesopotâmia, questões metafísicas, números complexos, Hitler, Edir Macedo, a estagnação da ciência” (Sampaio, 2002, p. 38) e, no final, sobre o tema da paixão. Áquila duvida que possa vir a se apaixonar um dia e defende, fervorosamente, que “o amor é o pior sentimento da espécie humana” (p. 38), e Beatriz denuncia a contradição, porque sua defesa contra a paixão é apaixonada. A partir desta primeira conversa, os dois passaram a se encontrar todos os dias às 21 h e conversavam “sem saber exatamente com quem” (p. 38), porque ele dizia detestar perguntas triviais, concernentes a questões objetivas da vida de cada um. Interessante mencionar que Beatriz costumava se conectar a meia noite e Áquila às 18 horas, mas os dois modificaram a rotina para abrir um espaço de diálogo, que durava cerca de 3 h. Ele lhe contou que era virgem, “extremamente feio e nunca tinha amado alguém para poder fazer amor” (Sampaio, 2002, p. 39). Beatriz tinha 31 anos, viveu um casamento desastroso com um ex-marido com ciúme doentio e no momento estava namorando. Todavia, no dia 21 de dezembro, Áquila surpreendeu-a revelando sua paixão por ela. Na noite seguinte, eles conversaram por 5 h e Áquila contou que iria prestar vestibular para física. Beatriz cogitou a possibilidade de ele ter 20 e poucos ou 30 anos. Mesmo sem saber a idade de Áquila, ela decidiu terminar o namoro depois do Natal. No dia 5 de janeiro, ele lhe fez o pedido de namoro. Beatriz o convidou para passar a Semana Santa em Recife, mas a mãe do rapaz não permitiu e, assim, Beatriz se locomoveu para a casa da família dele em São Paulo, ficando por lá 12 dias. Em setembro, ele foi para Recife e ficaram noivos. Após passarem mais de um mês juntos na casa de Beatriz, em fevereiro de 1999 aconteceu um acidente com o preservativo e ela engravidou. O bebê, que recebeu o nome de Beatriz, nasceu em outubro de 2000 e, em novembro, ela se mudou para São Carlos, onde Áquila estudava e trabalhava.

Este caso mostra com clareza como a vida social e pessoal dos sujeitos pode ser afetada pela internet. Um relacionamento que começara no espaço virtual, sem intenção inicial de que houvesse algum tipo de envolvimento mais compromissado, ganhou o espaço real, presencial.

Como Beatriz disse a Áquila, “a internet para mim é só um facilitador de comunicação, nunca me envolvi com ninguém” (Sampaio, 2002, p. 40). Essa facilidade promovida pela internet permite a aproximação de pessoas distantes, tanto no que tange ao espaço quanto à idade, como podemos observar neste caso. Sem a internet seria muito mais difícil, ou praticamente impossível, para um adolescente relacionar-se com uma pessoa bem mais velha e de outra cidade. Depois de estabelecida a relação entre Beatriz e Áquila, no entanto, a distância mostrou-se um dificultador do relacionamento, pois o adolescente não tinha condições financeiras para pagar as viagens para Recife. Além disso, havia o impedimento por parte de sua mãe, que precisava permitir que ele viajasse.

A permissão para a viagem leva à questão da moratória discutida anteriormente. Apesar de Beatriz ter pagado uma passagem para Áquila ir a Recife, a mãe dele não autorizou o passeio, assinalando-se o obstáculo para o exercício pleno da autonomia na adolescência e o controle exercido pelos pais. Ao jovem é dado o usufruto da liberdade pela moratória, sendo ele inclusive desresponsabilizado de seus atos, mas esta liberdade é cerceada pelos pais e pela sociedade, sendo- lhe impostos limites e condições que estão, muitas vezes, para além de suas possibilidades de negociação.

Todavia, a adolescência envolve certa transgressão na medida em que o sujeito testa limites impostos, busca novas experiências e rompe com algumas regras estabelecidas. Essa capacidade transgressora do adolescente pode ser potencializada pela internet, que se configura como um espaço propício para tal, já que a liberdade proporcionada pela fragilidade das regras e dos limites no espaço virtual pode levar o adolescente a sentir-se, nesse contexto, livre das amarras e do controle parental, conduzindo-o a relacionamentos com desconhecidos e ao desejo de experimentar novidades. Neste sentido, o adolescente pode constituir vínculos que fogem aos padrões tradicionais estabelecidos socialmente, como no caso de parceiros com grandes diferenças etárias, especialmente entre mulheres e rapazes mais jovens que elas, a exemplo do caso relatado.

Outro aspecto que a internet facilita é a invenção de uma nova identidade, dando vazão a fantasias. Áquila, em alguma medida, cria a identidade de um homem mais velho, intelectual, que discute sobre literatura, música e física. Essa identidade fez com que Beatriz dissesse: “Eu o achava intelectual e sério demais para perder tempo comigo, brincalhona e emotiva” (Sampaio, 2002, p. 39). Parece haver aí uma inversão entre os papéis de cada um na vida presencial: ele, adulto; ela, adolescente. Podemos pensar que este personagem, ou nova identidade, criado por Áquila, atende ao tipo ideal de um adolescente, ao tipo desejado por ele: um adulto. Como sugerido por Calligaris (2002), o maior desejo do adolescente é ser reconhecido como adulto pelos adultos e, para tanto, ele usa de vários artifícios e expedientes para alcançar esse lugar almejado. Ao colocar Áquila num plano superior a ela, Beatriz o reconhece como adulto e relaciona-se com ele a partir deste lugar, o que também lhe possibilita uma saída da moratória, ainda que não plenamente.

Isso aponta para o fato de a internet poder alterar, de maneira radical, os modos de ser dos indivíduos, ou seja, a forma como pensam, organizam e percebem os mundos interno e externo, relacionam-se consigo e com outras pessoas. Com a anulação das distâncias de toda ordem na internet, as representações sociais também sofrem transformações. Os papéis tradicionais de homem, mulher e relacionamento amoroso podem ser desconstruídos. Os limites mais tênues do espaço virtual abalam os limites tradicionalmente estabelecidos na vida social, descortinando espaços que presencialmente talvez nunca fossem abertos. É assim que Beatriz e Áquila se encontram e se relacionam.

A atração exercida pelos relacionamentos virtuais deve-se também à facilidade com que podem ser conectados e desconectados. Na adolescência, quando a aproximação inicial com o outro é mais desconcertante e ameaçadora, o ambiente virtual funciona como uma tela protetora que mantém o outro a distância, mas, ao mesmo tempo, possibilita aproximações e favorece o relacionamento devido a esta proteção. Podemos pensar que, neste sentido, a internet pode auxiliar os adolescentes nas relações afetivo-sexuais, sem que eles tenham que, muitas vezes, se posicionar frente a elas, mas apenas conhecê-las, experimentá-las, testá-las para futuramente vivê-las efetivamente.

Considerações Finais

Os adolescentes, no despertar da sexualidade, buscam seus parceiros amorosos. Uma particularidade da contemporaneidade é que essa procura se dá também no ciberespaço. A maior facilidade de conhecer pessoas nesse espaço é um dos motivos que explicam o seu fascínio (Lima, 2014). De acordo com Bauman (2004), a facilidade do engajamento e do rompimento nas relações virtuais seduz as pessoas e as coligações tendem a ser flutuantes, frágeis e flexíveis.

Contudo, a internet tanto possibilita o acesso ao outro como o interdita, pois, na ausência do encontro corpo a corpo, o adolescente adia esse encontro. As fantasias sexuais ocupam um lugar fundamental na adolescência (Freud, 1905). Assim, ao adiar o encontro com o parceiro, o desejo sexual pode ser realizado por meio de suas fantasias. O ciberespaço potencializa o mundo das fantasias, oferecendo uma multiplicidade de opções para a satisfação dos mais variados apetites sexuais, podendo até levar ao desinteresse do sujeito pelo mundo exterior.

O espaço virtual é o espaço por excelência dos paradoxos, configurando-se como um lugar tanto de encontro quanto de desencontro, que permite ao adolescente ter muitos relacionamentos sem sair de casa e sem encontrar pessoalmente com nenhum deles. “É possível aproximar-se de um desconhecido do outro lado do mundo compartilhando com ele as mais íntimas confidências, sem o contato pessoal e sem a garantia de que as informações trocadas sejam verdadeiras” (Lima, 2014, p. 234).

A ausência de corpos nos encontros na internet marca a prevalência do imaginário nas relações virtuais, favorecendo a expansão narcísica, com todas as suas consequências, como o aumento da rivalidade e da agressividade. O anonimato na internet pode promover a desresponsabilização do sujeito, que se sente livre para dizer qualquer coisa, sem ter que se a ver com as consequências de seu agir e de suas palavras na web. Os sujeitos podem se refugiar no espaço virtual como uma forma de se evadir da castração, evitando os desconfortos e os desajustes que a presença do corpo impõem nas relações sociais.

Se algumas pessoas utilizam a internet para evitar o encontro presencial, outras, entretanto, parecem usar este espaço para viver em constante experimentação, aproximando-se de múltiplos parceiros que conhece na rede e gozando da liberdade para viver as mais diferentes experiências, numa multiplicidade que parece nunca se esgotar (Lima, 2014).

Na medida em que a internet alcança todas as dimensões da vida humana, a inter-relação entre o virtual e o real torna-se cada vez mais intensa. A internet é tanto um produto da cultura quanto produz efeitos nessa cultura, modificando-a. A virtualidade alcança todos os domínios da vida humana, interferindo nas subjetividades e nos laços sociais.

A internet tem sido vista como mais um mecanismo utilizado para conhecer novas pessoas e buscar relacionamentos, trazendo possibilidades que antes, se não eram impossíveis, eram bem mais difíceis. O caso ilustrado neste artigo é um exemplo, na medida em que as chances de uma relação entre pessoas distantes geograficamente e que ainda apresentavam uma diferença etária significativa eram muito pequenas. Assim, não podemos negar os novos horizontes de afeto que a internet oferece, mas não devemos esquecer que esta abertura pode introduzir problemas, sobretudo, para um sujeito que se encontra em um estado de desenvolvimento.

Com um número ainda reduzido de estudos e pesquisas sobre as relações amorosas e a internet, faz-se necessário buscarmos conhecer melhor esta realidade que está aí colocada, não só para os adolescentes, mas para toda a sociedade. É com o avanço deste conhecimento que muitos dos receios e dúvidas serão esclarecidos.

Material suplementar
Apoio e financiamento:

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

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Notas
Notas
1 Diminutivo de nickname. É o apelido, ou melhor, o pseudônimo adotado para conversar nos chats e para cadastrar-se nos sites de encontro, usando-o nos e-mails.” (Sampaio, 2002, p. 25).
Notas
2 “Short for nickname, the pseudonym adopted by chat users and for subscription on dating sites, to be used on emails.” (Sampaio, 2002, p. 25).
Autor notes
Márcia Stengel: psicóloga; doutora em Ciências Sociais, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro; pós-doutora em Educação, pela Universidade Federal de Minas Gerais; professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil.
Jacqueline Oliveira Moreira: doutora em Psicologia Clínica, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil.
Nadia Laguárdia Lima: doutora em Educação, pela Universidade Federal de Minas Gerais; professora adjunta do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

E-mail: marciastengel@gmail.com

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