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CONFLITOS CONJUGAIS EM CASAMENTOS DE LONGA DURAÇÃO: MOTIVOS E SENTIMENTOS1
Crístofer Batista da Costa; Denise Falcke; Clarisse Pereira Mosmann
Crístofer Batista da Costa; Denise Falcke; Clarisse Pereira Mosmann
CONFLITOS CONJUGAIS EM CASAMENTOS DE LONGA DURAÇÃO: MOTIVOS E SENTIMENTOS1
CONFLICTOS CONYUGALES EN MATRIMONIOS DE LARGA DURACIÓN: RAZONES Y SENTIMIENTOS
Psicologia em Estudo, vol. 20, núm. 3, pp. 411-423, 2015
Departamento de Psicologia - Universidade Estadual de Maringá
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RESUMO.: Os conflitos conjugais constituem um fenômeno complexo que têm repercussões na saúde física e mental dos cônjuges, entretanto ainda é pouco estudado no contexto nacional e, especialmente, em casamentos de longa duração. Objetivou-se identificar e comparar os motivos de conflitos conjugais, assim como compreender os sentimentos associados aos mesmos em casamentos de longa duração. Trata-se de um estudo misto, exploratório e sequencial. Na etapa quantitativa, 200 indivíduos responderam à escala de conflito conjugal e, na qualitativa, nove pessoa s participaram de um grupo focal. Os dados quantitativos foram submetidos à análise de comparação de médias, e os qualitativos à análise de conteúdo. Os resultados apontaram a concordância dos participantes de que os conflitos fazem parte da conjugalidade e podem ser construtivos ao casamento. Os motivos de discórdia encontrados foram os filhos, as experiências nas famílias de origem, as finanças, as diferentes características, as preferências de cada parceiro e o tempo para ficar juntos. Identificou -se também que os sentimentos dos cônjuges no decorrer das situações de conflito interferem em sua resolução. Estudos com casais recém-casados e em diferentes etapas do ciclo vital familiar poderiam contribuir para ampliar a compreensão do tema em questão.

Palavras-chave: CasamentoCasamento,conflito conjugalconflito conjugal,relações conjugaisrelações conjugais.

RESUMEN.: Los conflictos maritales constituyen en fenómeno complejo que tiene repercusiones en la salud física y mental de los cónyuges. Sin embargo, aún está poco estudiado en el contexto nacional y, en especial, en matrimonios de larga duración. El objetivo de este estudio fue identificar y comparar las razones de los conflictos maritales, así como comprender los sentimientos asociados a los mismos en matrimonios de larga duración. Se trata de un estudio mixto, exploratorio y en secuencia. En la etapa cuantitativa 200 individuos respondieron a la escala de conflicto conyugal y en la cualitativa, nueve personas participaran en un grupo focal. Los datos cuantitativos fueron sometidos al análisis de contenido. Los resultados enseñan el acuerdo de los participantes que los conflictos son parte de la relación de pareja y pueden ser constructivos al matrimonio. Los motivos de desacuerdo fueran los hijos, las experiencias en las familias de origen, finanzas, los distintos rasgos personales y preferencias de cada cónyuge y el tiempo para estar juntos. Se identificó también que los sentimientos de los cónyuges en el curso de las situaciones de conflicto tienen interferencia en la resolución de desacuerdos maritales. Los estudios realizados con parejas de recién casados en las diferentes etapas del ciclo de vida de la familia podrían contribuir a una mayor comprensión del tema.

Palabras-clave: Matrimonio, conflicto marital, relaciones conyugales.

Carátula del artículo

Artigo Original

CONFLITOS CONJUGAIS EM CASAMENTOS DE LONGA DURAÇÃO: MOTIVOS E SENTIMENTOS1

CONFLICTOS CONYUGALES EN MATRIMONIOS DE LARGA DURACIÓN: RAZONES Y SENTIMIENTOS

Crístofer Batista da Costa
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brazil
Denise Falcke
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brazil
Clarisse Pereira Mosmann
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brazil
Psicologia em Estudo, vol. 20, núm. 3, pp. 411-423, 2015
Departamento de Psicologia - Universidade Estadual de Maringá

Recepção: 13 Maio 2015

Aprovação: 16 Outubro 2015

Introdução

Situações de conflito sempre estiveram presentes nas relações conjugais e vêm sendo investigadas no meio científico há mais de duas décadas (Cummings & Davies, 2002). Os conflitos são parte do processo de adaptação natural entre os cônjuges e, por isso, não apontam necessariamente para a disfuncionalidade de uma relação (Bertoni & Bodenmann, 2010). Se gerenciado construtivamente, o conflito pode repercutir, inclusive, de forma positiva na conjugalidade por meio de comportamentos de validação e apoio entre os parceiros (Verhofstadt, Buysse, Ickes, De Clercq, & Peene, 2005).

A literatura conceitua conflito conjugal como um acontecimento em que os cônjuges divergem. Caracteriza-se como mais ou menos grave pela frequência e intensidade com que ocorre, pelo seu conteúdo e pelas estratégias de resolução utilizadas (Mosmann & Falcke, 2011;. Rehman et al., 2011). Os conflitos são destrutivos se evoluem para agressão física ou verbal, ameaças de abandono da relação, hostilidade, discussões em tom exaltado, posicionamento rígido e indisponibilidade para resolver o problema. Os conflitos são construtivos se possibilitam ouvir a opinião e os compromissos do parceiro sobre a situação, respeitar as diferenças e compreender que nem sempre os problemas

serão resolvidos em uma primeira tentativa (Cummings & Davies, 2002).

As pesquisas sobre os motivos de conflito e sobre as variáveis que explicariam as variações em sua intensidade e frequência apresentam resultados controversos na literatura (Mosmann & Falcke, 2011; Zordan, Wagner, & Mosmann, 2012). Alguns estudos indicam que os conflitos estão associados mais fortemente à forma como os cônjuges se comunicam do que ao conteúdo comunicado (Karahan, 2009; Silva & Vandenberghe, 2009; Torossian, Heleno & Vizzotto, 2009). Outras pesquisas apontam que a negociação frente aos conflitos será construtiva se os cônjuges forem empáticos, otimistas e valorizarem mais os aspectos positivos do parceiro e do relacionamento, e que será destrutiva se os cônjuges forem individualistas, pessimistas, tenderem à racionalização e à culpabilização (Cundiff, Smith & Frandsen, 2012; Iveniuk, Waite, Laumann, Mcclintock, & Tiedt, 2014; Pazo & Aguiar, 2012; Veldorale-Brogan, Lambert, Fincham, & DeWall, 2013). Nesse sentido, identifica-se que existem fatores individuais e interacionais que se relacionam à ocorrência dos conflitos conjugais.

Os motivos de conflito no casamento estão relacionados também a múltiplas situações, como a percepção de injustiça na divisão dos trabalhos domésticos, o investimento excessivo em questões pessoais, o quanto a relação está mais aberta ou fechada à influência de fatores ambientais e as questões de equidade e tomada de decisão unilateral (Faulkner, Davey, & Davey, 2005; Giudici, Widmer & Ghisletta, 2011). Outros estudos apontam ainda como motivos de conflito entre o casal a educação dos filhos, o tempo que os cônjuges têm para disfrutar juntos, a divisão das tarefas domésticas, o sexo, o dinheiro e as questões legais como créditos, bens e contratos (Mosmann & Falcke 2011; Stieglitz, Gurven, Kaplan, & Winking, 2012).

Algumas pesquisas encontraram associação entre os conflitos conjugais e as experiências negativas na família de origem. Estas envolvem as memórias do relacionamento dos pais (Curran, Ogolsky, Hazen, & Bosch, 2011), os conflitos conjugais dos pais (Darling, Cohan, Burns, & Thompsons, 2008) e os conflitos na família de origem das esposas (Topham, Larson, & Holman, 2005). A vivência das esposas influenciaria mais fortemente a estrutura e a dinâmica conjugal por manterem uma conexão mais significativa com sua família de origem durante o casamento, ampliando e aprofundando as repercussões que essas conexões têm sobre as próprias esposas e sobre o casamento.

Além disso, os sentimentos e as expectativas que os cônjuges têm sobre o seu casamento também interferem no desfecho dos conflitos conjugais (Miller & Rempel, 2004; Sanford, 2006). Segundo os autores, os sentimentos e as expectativas podem mudar ao longo do tempo e são explicados mais fortemente pela interpretação que os cônjuges fazem dos motivos do que pela razão do conflito propriamente.

Nessa direção, uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, em 2006, com 77 casais (Sanford, 2006) avaliou a variação na comunicação intrapessoal durante o conflito em casais com menos de três anos de união. Os resultados apontaram que expectativas positivas sobre o desfecho do conflito determinam a resolução construtiva por meio de estratégias como cooperação, e as expectativas negativas determinam os comportamentos de autoproteção, defesa e ataque, tornando-se uma profecia autorrealizadora, ou seja, que confirma a expectativa inicial do cônjuge sobre o conflito conjugal.

Em direção contrária, Sullivan, Pasch, Johnson e Bradbury (2010) consideram que as expectativas em relação à resolução dos conflitos não interferem na conjugalidade até o primeiro ano do casamento. De acordo com os autores, os cônjuges não demonstram expectativas negativas nas situações de conflito quando recém-casados, pois estão na fase de encantamento, das novidades e dos planos para o futuro. Entretanto mágoas e situações não resolvidas nesse período podem emergir em outro momento e se tornar fundamentais à resolução dos conflitos no casamento.

As avaliações e os comportamentos durante os conflitos conjugais foram investigados também em uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, em 2009, com 300 casais em duas fases do ciclo vital: casais de meia idade, tempo de união médio de 18,4 anos, e casais mais velhos, tempo de união médio de 36,4 anos (Smith et al., 2009). Os resultados indicaram que casais mais velhos apresentam mais positividade, menos ansiedade e negatividade e são menos submissos durante o conflito. Encaram os conflitos com mais facilidade do que os casais de meia idade, relatam mais compreensão e percebem o cônjuge como menos hostil.

Conflitos frequentes, intensos e via estratégias destrutivas podem culminar em separação, são preditores de irritabilidade e crítica destrutiva, repercutem negativamente na qualidade de vida dos cônjuges e estão associados à busca por serviços de saúde Zordan et al., 2012). Ademais, o sofrimento psíquico decorrente de dinâmicas conjugais conflituosas culmina em um contexto que, longitudinalmente reverbera de forma deletéria na saúde mental dos cônjuges e dos seus filhos (Goeke-Morey, Cummings, & Papp, 2007).

As pesquisas encontradas apontam os motivos dos conflitos conjugais e outras variáveis associadas à sua ocorrência, entretanto a forma como esses fatores se expressam na interação conjugal ainda necessita ser explorada. Além disso, a escassez de pesquisas sobre os conflitos conjugais no contexto nacional (Bolze, Schmidt, Crepaldi, & Vieira, 2013) e as repercussões que elevados níveis de conflito provocam aos membros da família justificam estudos com esse enfoque. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa foi identificar e comparar os motivos de conflitos conjugais, assim como compreender os sentimentos associados aos mesmos em casamentos de longa duração.

Conflitos frequentes, intensos e via estratégias destrutivas podem culminar em separação, são preditores de irritabilidade e crítica destrutiva, repercutem negativamente na qualidade de vida dos cônjuges e estão associados à busca por serviços de saúde Zordan et al., 2012). Ademais, o sofrimento psíquico decorrente de dinâmicas conjugais conflituosas culmina em um contexto que, longitudinalmente reverbera de forma deletéria na saúde mental dos cônjuges e dos seus filhos (Goeke-Morey, Cummings, & Papp, 2007).

As pesquisas encontradas apontam os motivos dos conflitos conjugais e outras variáveis associadas à sua ocorrência, entretanto a forma como esses fatores se expressam na interação conjugal ainda necessita ser explorada. Além disso, a escassez de pesquisas sobre os conflitos conjugais no contexto nacional (Bolze, Schmidt, Crepaldi, & Vieira, 2013) e as repercussões que elevados níveis de conflito provocam aos membros da família justificam estudos com esse enfoque. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa foi identificar e comparar os motivos de conflitos conjugais, assim como compreender os sentimentos associados aos mesmos em casamentos de longa duração.

Método

Delineamento: trata-se de um estudo misto, exploratório e sequencial. Na primeira etapa do estudo, foi realizada uma pesquisa quantitativa por meio da qual se buscou identificar e comparar os principais motivos dos conflitos conjugais e, na segunda etapa, qualitativa, foram explorados, de forma detalhada e compreensiva, os motivos de conflito e os sentimentos associados aos mesmos (Creswell, 2007).

Método - Etapa I

Amostra: a etapa quantitativa do estudo contou com 200 participantes (100 homens e 100 mulheres), residentes no estado do Rio Grande do Sul. Os participantes faziam parte de um projeto maior do Núcleo de Estudos de Casal e Família - NECAF e foram selecionados, incialmente, pelo critério de conveniência, indicação de pessoas conhecidas. Houve casos em que os próprios participantes indicaram outras pessoas, procedimento denominado “bola de neve”. Os critérios de seleção foram ser heterossexual, estar casado ou vivendo em união estável e ter filhos. A idade média dos participantes foi de 41,81 anos (DP = 7,82), sendo 22 anos a idade mínima e 66 anos a idade máxima, e o tempo médio de união foi de 18,26 anos (DP = 6,68).

Instrumento: Escala de Conflito Conjugal (Buehler & Gerard, 2002, adaptada por Mosmann, Wagner, & Sarriera, 2008). São apresentados nove itens, separadamente, em duas subescalas. A primeira, denominada “conflitos/desentendimentos”, possui seis itens, avaliados em uma escala Likert de seis pontos, que se referem à frequência com que os respondentes experimentaram desentendimentos com seus parceiros no último ano. A outra subescala, denominada “conflito/agressão”, possui três itens pontuados em uma escala Likert de cinco pontos, referentes à intensidade dos conflitos (α = 0,78).

Coleta e Análise dos dados: as pessoas indicadas foram contatadas pela equipe de pesquisa por telefone e convidadas para participar do estudo. Diante do aceite, agendou-se dia e hora em que um membro da equipe foi à casa dos participantes e realizou a aplicação dos questionários. Os dados quantitativos foram analisados por meio do Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20. Foram feitas análises descritivas de médias sobre os principais motivos dos conflitos conjugais e inferenciais de comparação entre os motivos e a intensidade dos conflitos, o sexo e o tempo de casamento (ANOVA e Teste T de Student).

Método - Etapa II

Participantes: todos os participantes da etapa quantitativa que se dispuseram a participar da segunda etapa do estudo foram contatados e, desses, nove constituíram a etapa qualitativa. Os participantes foram cinco mulheres e quatro homens, heterossexuais, vivendo em união estável (porém não casados entre si no grupo focal), com filhos e residentes no estado do Rio Grande do Sul. A idade mínima dos participantes foi de 40 anos e a máxima de 57 anos; o tempo de união variou de 20 a 32 anos; quanto à escolaridade, quatro participantes tinham ensino médio ou técnico e cinco tinham ensino superior; todos exerciam atividade remunerada, trabalhando de 6 a 14 horas/dia; a remuneração pelo trabalho variou de 2 a 4 salários mínimos (n=4), de 6 a 10 (n=2) e de 10 a 15 salários (n=3); o número de filhos foi de 1 a 4, sendo que a idade da prole variou de 2 a 31 anos de idade. De acordo com alguns pesquisadores (Smith et al., 2009; Sullivan et al., 2010), o tempo de relacionamento é uma variável a ser considerada na avaliação dos conflitos conjugais. Nesse sentido, as relações definidas como de longa duração, neste estudo, foram aquelas com tempo superior a 15 anos. Esse parâmetro foi definido com base na média dos casamentos oficializados no Brasil, segundo dados do IBGE (2013).

Instrumento: Utilizou-se o Grupo Focal, o qual se caracteriza por ser, geralmente, homogêneo e constituído por um número pequeno de pessoas que conversarão sobre temas específicos sugeridos pelo moderador, por meio de questões disparadoras. Nos grupos focais, acontece a influência mútua entre os participantes por meio da interação, propiciando a emersão de questões individuais e coletivas enriquecedoras do material de análise (Minayo, Souza, Constantine, & Santos, 2008).

Coleta e Análise dos dados: na segunda etapa do estudo, realizada aproximadamente um ano depois da parte quantitativa, um dos moderadores telefonou para todos os respondentes que marcaram, no final do questionário, a opção “tenho interesse em participar de outras pesquisas no NECAF” e disponibilizaram um telefone de contato, somando um total de 38 pessoas. Dessas, 17 responderam que não poderiam ou não gostariam de participar, 21 confirmaram participação e 9 comparecem no dia agendado para a realização do grupo focal. Durante a ligação telefônica, os participantes foram convidados para um encontro em que se debateriam temas relacionados ao cotidiano da vida conjugal, como os principais motivos dos conflitos conjugais. Dois moderadores, psicólogos e terapeutas de casal e família, conduziram o grupo focal que aconteceu em espaço reservado na instituição de ensino à qual o projeto maior está vinculado. O encontro iniciou-se às 19h30min e terminou às 22horas, tendo a seguinte estrutura: (a) Acolhimento - recepção dos participantes pelos moderadores; (b) Abertura - apresentação dos moderadores, assinatura do TCLE, informações gerais sobre os objetivos do encontro e sobre como ele ocorreria; (c) Aquecimento - os participantes se apresentaram e foram convidados a falar sobre características dos casamentos; (d) Discussões Temáticas - os moderadores utilizaram questões disparadoras, tais como: O que se espera de um casamento? Quais os motivos de conflito entre os casais? Como se sentem durante as situações de conflito? Além disso, estiveram atentos para que todos participassem do debate e expusessem seus pontos de vista; (e) Encerramento.

Os dados qualitativos, ou seja, o diálogo entre os participantes, foram transcritos integralmente e examinados por ambos os moderadores, através do método de análise de conteúdo em que se aplicam procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos e são feitas inferências válidas no texto analisado (Bauer, 2008). As etapas da análise de conteúdo foram as seguintes: a) leitura repetida do material transcrito com o objetivo de conhecer integralmente o texto; b) identificação das unidades de sentido; c) categorização temática das unidades de sentido e agrupamento das categorias em eixos temáticos definidos a posteriori; d) identificação de intenções particulares, considerando o conteúdo manifesto, a interpretação e as inferências com base na experiência do pesquisador e à luz da teoria sistêmica. Nas sessões de resultados e discussão, os dados quantitativos e qualitativos foram discutidos separadamente e entre si.

Questões éticas: o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição de Ensino sob protocolo número 11/016 (etapa quantitativa) e sob protocolo número 495.313 (etapa qualitativa). O termo de consentimento livre e esclarecido foi lido e assinado pelos participantes nas duas etapas do estudo e destacava, sobretudo, os cuidados éticos na utilização dos dados e a garantia do anonimato dos participantes. Além disso, foram seguidas todas as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, conforme orientações das Resoluções 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (2012) e 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia (2000).

Resultados e discussão

Na etapa 1 (quantitativa), foram realizadas análises descritivas de médias quanto à frequência dos motivos dos conflitos conjugais. Identificou-se que a maior média, indicando o motivo de conflito mais referido pelos participantes, foi o tempo para ficar juntos (X=3,07; DP= 1,95), seguido pela variável sexo (X=2,62; DP= 1,53) e pelos filhos (X=2,44; DP= 1,60). Os motivos menos frequentes foram tarefas domésticas (X=2,17; DP= 1,40), dinheiro (X=2,07; DP= 1,28) e questões legais (X=1,63; DP= 1,25).

Por meio de ANOVA, foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre a variável de comparação (tempo para ficar juntos) e os demais motivos referidos pelos participantes: sexo (F(29,861)=19,959; p<0,001), filhos (F(18,467)=8,821; p<0,001), tarefas domésticas (F(12,260)=7,458;p<0,001), questões legais (F(8,971)=6,727; p<0,001) e dinheiro (F(6,862)=4,601; p<0,001). Entre os demais motivos de conflito, não houve diferenças significativas.

Nas análises de comparação entre homens e mulheres, por meio do teste T de Student, entre todas as variáveis de conflito (tipo e intensidade), houve diferença significativa somente quanto à intensidade na variável “discute calmamente ou grita” (t=2,136 gl=198 p=0,03), tendo as mulheres maiores médias (m=2,27) que os homens (m=2,00). Na comparação entre o tempo de união e todas as variáveis de conflito (tipo e intensidade), houve diferença significativa novamente quanto à intensidade na variável “Acabas batendo ou atirando coisas no outro?” (t=2,999 gl=197 p=0,03), tendo os indivíduos com menor tempo de união (até 15 anos) maiores médias (m=1,20) do que aqueles casados por tempo superior a 15 anos (m=1,05).

Os motivos de conflito denominados tempo para ficar juntos, sexo e filhos apresentaram maior média, enquanto tarefas domésticas, dinheiro e questões legais tiveram médias menores. Esse resultado pode indicar que os participantes deste estudo têm discutido sobre o tempo que reservam para ficarem juntos como cônjuges e também sobre a sua vida sexual, variáveis que podem estar inter-relacionadas, considerando que, se o tempo é escasso, a vida sexual do casal também é afetada. Além disso, o fato de os filhos terem sido apontados como motivo de conflito também pode indicar que os parceiros discordam sobre como estão dividindo os cuidados parentais, o que acaba interferindo em outras áreas da vida familiar, como a conjugalidade (Mosmann & Falcke, 2011; Stieglitz et al., 2012).

As variáveis tarefas domésticas, dinheiro e questões legais apresentaram as menores médias enquanto motivos de conflito. Esse resultado pode sugerir que, neste estudo, os participantes têm menos conflito envolvendo a administração da casa e as questões financeiras (dinheiro, cartão de crédito, bens, contratos), porém mais conflitos envolvendo a relação conjugal, especialmente no que se refere à ausência de tempo para ficar junto ou ao desacordo com relação a ele. Essa variável, que apresentou diferença estatística significativa com relação às demais, aponta para a importância de o casal preservar momentos a dois, apesar das demandas que surgem durante as diferentes fases do ciclo de vida familiar (Mosmann & Falcke, 2011).

A comparação entre o sexo, os motivos de conflito e a intensidade das discussões apontou diferenças apenas quanto à intensidade, sendo que as mulheres apresentaram maiores médias que os homens quanto a discutir calmamente ou gritar com o parceiro. Esse resultado pode indicar que, neste estudo, as participantes do sexo feminino se expressam de forma mais explícita frente aos conflitos, podendo até atingir níveis de discussão mais intensos durante os episódios de discórdia. Esse dado corrobora outros estudos (Topham et al., 2005) de que as mulheres tendem a estar mais atentas e envolvidas com o casamento, o que as torna mais suscetíveis a perceber, relatar e buscar resolver os conflitos.

O tempo de união, até 15 anos e acima de 15 anos, comparado aos motivos e à intensidade dos conflitos, demonstrou diferença significativa apenas quanto à intensidade. Os participantes com menor tempo de união apresentaram médias maiores para a variável “acaba batendo ou atirando coisas no outro” do que os participantes casados há mais tempo (acima de 15 anos). Esse resultado pode indicar que pessoas em casamentos de longa duração demonstram maior autocontrole diante dos conflitos. Pode-se pensar em duas hipóteses: com o passar do tempo, os cônjuges passam a controlar mais suas emoções e a expor seus posicionamentos de forma mais assertiva, menos direta, especialmente durante as situações de conflito que exigem maior controle emocional, ou a estabilidade dos casamentos de longa duração está associada a menores níveis de agressividade, enquanto estratégia de resolução de conflitos (Miller & Rempel, 2004; Sanford, 2006; Smith et al., 2009).

Na etapa II (qualitativa), em que foram empregados procedimentos de análise de conteúdo, emergiram três eixos temáticos: 1º. eixo: percepções sobre a presença de conflitos na conjugalidade; 2º. eixo: motivos dos conflitos conjugais, divididos em cinco categorias: (a) filhos, (b) experiências na família de origem, (c) finanças, (d) diferentes características e preferências, (e) tempo para ficar juntos; 3º. eixo: sentimentos que emergem durante os conflitos. As categorias são exemplificadas apenas com as falas consideradas como mais representativas do conteúdo exposto e, para preservar a identidade dos envolvidos na pesquisa, seus nomes foram substituídos por códigos, quais sejam: homens como H-1, H-2, H-3 e H-4 e mulheres como M-1, M-2, M-3, M-4 e M-5.

1º. Eixo - Percepções sobre a presença de conflitos na conjugalidade

De acordo com os participantes do grupo, determinadas divergências são esperadas em um relacionamento conjugal. Referem que todos os casais, mais cedo ou mais tarde, enfrentam conflitos muito semelhantes, pois são situações consideradas comuns no cotidiano do casamento. “E os casais têm os momentos difíceis, de discussões, de crises e isso acontece” (H-1).

Não adianta, sempre tem as brigas, é normal. Porque tu tá junto ali, não vai existir 100%, então as diferenças vão existir sempre, depende do que tu estipula que o outro, na tua vida conjugal, que tu vai aceitar e o que tu não vai (H-4).

Compreende-se, por meio das falas, que os conflitos são inevitáveis e, portanto, ter clareza de que o relacionamento passará por momentos de crise e de que o outro nem sempre corresponderá às suas expectativas permitirá transformar o que se espera e perceber os problemas de outra forma. Esses resultados corroboram o que apontam alguns pesquisadores (Bertoni & Bodenmann, 2010; Verhofstadt et al., 2005) de que os conflitos, além de esperados, indicam um processo de amadurecimento conjugal no qual os parceiros tentam negociar as diferenças e ajustá-las de modo a tornar a conjugalidade satisfatória para ambos.

Além de reconhecer que todos os casais têm conflitos, é preciso encará-los com maturidade e não se sentir desestimulado, afinal, conforme Cummings e Davies (2002), grande parte dos conflitos compõe fases transitórias pelas quais os cônjuges possivelmente passarão. Ademais, as divergências e a rotina dentro do casamento podem servir como propósito para que os parceiros invistam na conjugalidade, unam-se para resolver os conflitos e para tornar a vida a dois mais prazerosa. “... sempre é bom ter um conflito diferente, porque se não o casamento cai na monotonia, áh a gente já se conhece, tá tudo bem” (H-1). “Tem dias que tu não tá legal, porque tu vai somando. Hoje eu já não tô legal, já tô meio azeda, então vou relevar, porque aconteceu isso, aconteceu aquilo, então tu tem que parar e pensar” (M-1).

2º. Eixo - Motivos dos conflitos conjugais

São apresentados, neste eixo temático, cinco categorias sobre os motivos dos conflitos conjugais mencionados pelos participantes nas discussões do grupo focal, quais sejam: (a) filhos, (b) experiências na família de origem, (c) finanças, (d) diferentes características e preferências, (e) tempo para ficar juntos.

De acordo com os participantes, questões referentes à educação e ao comportamento dos filhos podem provocar conflitos entre o casal: “... tem os filhos também né, a criação dos filhos. Às vezes não entram em acordo certo um com o outro pra educar o filho, né” (M-2). “Hoje o meu casamento, um dos maiores conflitos também na minha realidade, na nossa realidade e família, um dos maiores também está em função dos filhos” (H-1).

Além disso, a saída dos filhos da casa dos pais mais tardiamente também foi citada como motivo de conflito. Os participantes referiram que os filhos crescem, começam a namorar e, muitas vezes, levam uma vida de casal dentro da casa dos pais. Dessa forma, a conjugalidade dos pais sofre a interferência dos problemas com os filhos adultos, pois os pais permanecem exercendo a função parental e discordam, por exemplo, sobre consentir que um outro subsistema conjugal se instale dentro da própria casa.

Porque eu tenho o meu filho de 28 anos que mora comigo. Às vezes, gera conflito. Até porque ele tem namorada e tudo, né, a namorada vem pra cá, a família dela, daí ela fica mais na minha casa do que na família, e daí tem todo, daí eles querem o espaço deles, mas eles são bem espaçosos daí tem que ficar, o meu marido ele já não fala, mas ele deu a entender (M-5).

Os conflitos com o tempo não são mais teus. O nosso conflito hoje é por causa do nosso filho, que a gente começa ter que resolver aquilo ali, daqui um pouco ela pensa de um jeito e eu penso do outro (H-3).

Esses resultados podem estar associados às etapas do ciclo vital familiar, conforme apontam Carter e McGoldrick (1995). Os participantes do estudo, tanto da parte quantitativa como da parte qualitativa, estão distribuídos em três etapas: (1) famílias com filhos pequenos, (2) famílias com filhos adolescentes e (3) lançando os filhos e seguindo em frente. Na escala de conflito (etapa quantitativa), os filhos foram apontados pelos respondentes como o terceiro motivo de discórdia mais frequente no casamento. Esse resultado, em termos de média, corrobora os achados qualitativos que apontam os filhos como motivo de conflito no casal quando são crianças e adolescentes e quando se tornam adultos e permanecem na casa dos pais.

Com relação às etapas do ciclo vital, em famílias com filhos pequenos e famílias com filhos adolescentes, o casal parental pode discordar sobre a educação dos filhos e sobre o manejo adequado frente às características e aos comportamentos típicos da fase. Os desacordos no exercício da função parental podem ser percebidos pelos filhos, gerando ainda mais dificuldades para os pais e aumentando o problema. As dificuldades no exercício da função parental desses participantes podem ter provocado reflexos no seu casamento, levando-os a apontar os filhos como motivo de conflito, conforme apontam Mosmann e Falcke (2011).

Em relação à permanência dos filhos adultos na casa dos pais, pode-se tratar de uma característica da sociedade atual, na qual os filhos estão saindo de casa mais tarde e os pais tendem a se responsabilizar por eles durante mais tempo em termos de subsistência e cuidado, conforme sugerem Ponciano e Féres-Carneiro (2014). Seja, então, para poder dedicar-se à formação profissional, por questões econômicas e até mesmo devido à dificuldade de separação entre pais e filhos, essa tendência é referida como motivo de conflito. Conjectura-se que as famílias são cada vez menores e os pais investem mais nos filhos, deixando de lado, muitas vezes, interesses pessoais e conjugais e, consequentemente, a prole tem dificuldades de sair da segurança financeira e emocional do lar para iniciar um novo ciclo de vida independente.

A segunda categoria trata das experiências na família de origem. Tais vivências, segundo a fala dos participantes, repetiram-se na nova família, revelando que os cônjuges levaram para os seus casamentos características de um modelo familiar: “... muita coisa a gente procura não copiar, né, ou não praticar e, às vezes, é um ato involuntário, porque isso deixa feridas também” (H-1). “Porque a minha mãe sempre aceitou muita coisa assim e ficava quieta, engolia, então eu, eu não!” (M-1).

Além disso, os participantes falaram sobre o vínculo e a interferência das famílias de origem das mulheres na relação do novo casal, fato que gerou conflitos entre eles. “Eu nunca fiquei longe dos meus pais, eu sempre fui muito dependente da minha família” (M-5).

Os pais que às vezes eu vejo na minha esposa, nas atitudes dela e que eu sei que isso traz um problema conjugal muito forte, pode trazer, é por isso que eu, quando eu quero ferir, eu digo, Fulana dois. A Fulana não veio, mas tá a secretária (H-1).

De acordo com os dados, a família de origem pode exercer influência e, consequentemente, gerar situações de conflito na conjugalidade dos filhos de duas formas: (a) direta, por meio de relações excessivamente próximas em que os familiares opinam e interferem nas decisões que competem exclusivamente ao casal e (b) indireta, através de experiências que se repetem ou que são reprimidas, provocando, nos dois casos, alguma repercussão no relacionamento. Esses resultados confirmam as ideias de alguns autores (Curran et al., 2011; Darling et al., 2008; Topham et al., 2005) de que as experiências negativas junto à família de origem deixam marcas significativas na vida do indivíduo e se transformam em áreas de conflito mais difíceis de gerenciar. São passagens vividas durante a infância e a adolescência que emergem quando o indivíduo se torna adulto, constitui família e se conecta a situações semelhantes às que viveu no passado, repetindo comportamentos familiares à sua história de vida.

Além disso, foi discutido, no grupo focal, que as mulheres tendem a repetir experiências vividas na família de origem. Segundo os participantes, elas se casam e mantêm uma proximidade excessiva com os familiares, fato que atrapalha a construção da nova vida conjugal e familiar. Esse resultado corrobora o estudo de Topham et al. (2005) de que relações mais estreitas e significativas se mantêm entre as esposas e suas famílias de origem, especialmente no início do casamento, enquanto os homens tendem a se distanciar de seus núcleos de origem. Segundo os autores, a proximidade das mulheres de suas famílias de origem e o envolvimento com o casamento as tornam mais sensíveis e atentas aos conflitos e, por isso, elas tendem a estar mais vulneráveis e a relatar conflitos conjugais com mais frequência que os homens.

De acordo com os participantes, as finanças também foram motivo de conflito no casamento deles. As principais questões apontadas foram o desemprego de um dos parceiros, as preocupações relacionadas com a falta de dinheiro, a sobrecarga sobre o membro da relação que paga as despesas sozinho, os problemas na administração das finanças e o fato de a mulher ganhar mais que o marido ou não trabalhar fora: “... hoje, às vezes acontece de a esposa ganhar bem mais que o esposo. Ou tu não saber lidar com as tuas finanças né” (M-4).

Eu acho que também a falta de dinheiro, às vezes, o desemprego, então, às vezes, um só está trabalhando não consegue, fica jogando na cara, ô fulano, tu não ajuda, tu não trabalha fora. Se a esposa tá trabalhando em casa, trabalha tanto quanto na rua né. Mas, às vezes, o homem não tem essa noção, né (M-1).

Os resultados encontrados sobre os conflitos conjugais associados às finanças apontam efetivamente para o quanto o referido tema é sensível, corroborando outros estudos que sugerem a importância dessa variável na conjugalidade (Mosmann & Falcke, 2011; Stieglitz et al., 2012). Uma possibilidade de entendimento para esse achado é o de que as finanças representam para algumas pessoas outras necessidades, como subsistência e interesses pessoais, e têm outros significados, como segurança, igualdade, poder e controle.

Foram referidas, também, como motivo de conflito conjugal nos relacionamentos dos participantes, determinadas características no jeito de ser do parceiro e as diferenças que existem no casal em termos de lazer. “A gente vai discutir a novelinha todo dia, mas ela também pode discutir o futebolzinho de vez em quando, porque mulher não gosta entendeu, né” (H-3).

Às vezes, imaturidade da mulher que não aceita um hobby que o homem tem. A mulher gosta, vamos supor, de dançar, dança de salão, ou dança de CTG, enfim, o marido não gosta, aí vão nas festas, ele fica emburrado, ou já nem vão (M-1).

Os resultados apresentados nessa categoria são apontados também na literatura como motivos de conflito (Faulkner et al., 2005; Giudici et al., 2011; Iveniuk, et al., 2014; Karahan, 2009; Pazo & Aguiar, 2012; Silva & Vandenberghe , 2009; Torossian et al., 2009). São problemas que os casais referem, normalmente, no início do casamento e que são resolvidos paulatinamente, enquanto outros surgem ao longo do ciclo vital. Neste estudo, esses resultados aparecem nos casamentos de longa duração (M=27,11), apontando para duas possibilidades: são problemas que geravam conflito no início do casamento, mas que foram resolvidos; ou são problemas que permanecem gerando conflito entre o casal, tendo sido citados como exemplo de questões que não mudam, mesmo depois de longo tempo de convivência.

Na categoria “tempo para ficar juntos”, foram apontados fatores que atrapalham os momentos que os parceiros poderiam aproveitar juntos como marido e mulher, como as tarefas da casa, os cuidados com os filhos, o estresse do dia a dia. Além disso, na etapa quantitativa, o tempo para ficar juntos foi a variável com a maior média (m=3,07; dp=1,95) e apresentou diferença estatisticamente significativa em relação aos demais motivos de conflito.

Eu acho que o mais difícil, hoje, é o nível de estresse que a vida moderna deixa tanto pra um quanto pro outro. Os problemas ainda da casa e todos os problemas individualizados dos quatro filhos, a função toda, a absorção toda, o nível de estresse que cada um traz. É um turbilhão, sabe, a vida moderna hoje ela tá muito exigente, e pra ti absorver isso tudo, essa pressão, é complicado. Eu acho que esse é o grande problema da vida a dois hoje, como absorver esse nível de estresse que cada um chega, quando começa o momento a dois (H-4).

Esses resultados podem estar associados às características dos participantes do estudo, pessoas casadas, profissionalmente ativas e com filhos em diferentes etapas do desenvolvimento. Entre as razões para que isso ocorra, alguns pesquisadores (Faulkner et al., 2005; Giudici et al., 2011) citam as repercussões do estresse da vida moderna para os relacionamentos conjugais. Além disso, a ausência de momentos de intimidade e de vivência da vida a dois pode ser uma consequência do tempo dedicado ao gerenciamento das demandas familiares, profissionais e sociais ou, ainda, à falta de planejamento para que tais espaços possam existir. Tais questões provocam conflitos entre os parceiros que podem estar comunicando, dessa forma, a necessidade de estar mais próximos e unidos como marido e mulher, de compartilhar as dificuldades e de se fortalecer para enfrentá-las.

3º. Eixo - Sentimentos que emergem durante os conflitos

Segundo os participantes, os conflitos geram ansiedade, raiva, mágoa e indignação nos cônjuges, emoções intensificadas se o problema não é resolvido. Além disso, se externalizados sem o devido autocontrole, poderão provocar consequências negativas mais sérias do que o próprio motivo de conflito: “... é aquela coisa interior, aquela raiva, emoção, impulso, adrenalina sabe, indignação. Enfim, às vezes a gente pega algumas coisas assim que a gente vê com um certo excesso e tu também te indigna, natural, né” (H-1). “Eu acho que, no auge de qualquer tipo de conflito, tu sempre vai ter aquele sentimento de mágoa ou raiva, dependendo da situação, frustração, enfim, tu colocou uma expectativa numa situação que não aconteceu” (M-3).

De acordo com os relatos, os conflitos podem provocar também reações psicológicas e fisiológicas nos parceiros. “Às vezes eu fico brava na hora quando dá esses problemas. A gente fica chateada, fica brava, mas aquilo passa. Pra mim, eu, particular, é momentânea a minha braveza. Só que depois passa, pra mim é normal” (M-4).

Bá, é super ruim, quando fica uma coisa assim pendente é muito ruim. Por exemplo, assim, ela me falou uma coisa que eu não gostei, eu vou ficar mal até eu resolver, mas de noite eu sei que vai ser resolvido, mas tu fica ruim, dá uma sensação ruim, bá, dá vontade de largar tudo né tchê, chutar o balde e deu (H-3).

Quando eu não resolvo no dia, eu me sinto mal, não consigo dormir direito, fica aquela coisa pendente no psicológico do cara. Às vezes, fica um período ali, dois, três dias naquele clima xarope, não consigo nem dormir direito enquanto não resolver, mas fico eu naquela ansiedade de resolver, fico mal (H-4).

Esses resultados corroboram outros estudos (Miller & Rempel, 2004; Sanford, 2006) quanto à expressão negativa das emoções que emergem das situações de conflito. As semelhanças e as diferenças encontradas quanto à canalização das emoções podem estar associadas às características individuais de cada participante, como autocontrole (Iveniuk et al., 2014; Pazo & Aguiar, 2012), ou apontar para a oscilação natural de emoções e de reações às quais as pessoas, especialmente nas relações amorosas, estão suscetíveis (Bolze et al., 2013).

Ademais, em casamentos de longa duração, a satisfação global com a conjugalidade pode ser mais significativa que determinados conflitos (Smith et al., 2009). Ambas as possibilidades apontam que se pode lidar com as emoções em um espectro que engloba formas mais positivas ou negativas, impulsivas ou contidas e enfatizar os aspectos positivos da relação em detrimento dos conflitos. Tais reações, diferentemente para cada casal, vão repercutir de forma idiossincrática sobre a conjugalidade. A repercussão destrutiva dos conflitos conjugais pode ser também uma oportunidade para reavaliar o relacionamento, considerando os pontos positivos e negativos, os projetos de vida de cada cônjuge, o desejo de permanecer junto e, principalmente, se é possível continuar dialogando frente às divergências.

Considerações Finais

Os principais motivos de conflito conjugal encontrados nas duas etapas realizadas neste estudo, quantitativa e qualitativa, foram o tempo para ficar juntos e os filhos. A complementariedade entre as duas etapas possibilitou compreender, no momento qualitativo, as especificidades dos dados estatísticos. Tal especificidade refere-se ao excesso de demanda em outras áreas, como a profissional e a familiar, que interfere na conjugalidade, resultando em menos tempo para a díade marido e mulher e, inclusive, em diminuição da vida sexual do casal. Com relação aos filhos, os resultados apontaram que os conflitos entre o casal parental podem ocorrer quando os filhos são pequenos e quando estão na fase adulta e envolver diferentes motivos, conforme mencionado na sessão anterior.

Na etapa qualitativa, foram citadas também, como motivo de conflito, as experiências na família de origem, as finanças e as diferentes características e preferências de cada cônjuge. Esse resultado pode sugerir que existem outros motivos de conflito no casamento, além daqueles medidos na escala de conflito conjugal e que foram relevantes para os casais deste estudo. Futuros estudos poderiam tentar revelar se esses dados se repetem em outros contextos socioeconômicos e culturais.

Os resultados mencionados não diferem daqueles encontrados em estudos internacionais sobre os principais motivos dos conflitos conjugais e podem apontar os temas mais sensíveis dentro de um casamento, os quais, portanto, merecem uma atenção maior na vivência da conjugalidade. Evidentemente, existirão especificidades próprias de cada dinâmica conjugal e que precisarão de um entendimento mais aprofundado, que pode ser identificado por meio de estudos qualitativos, conforme apontado anteriormente.

Na presente pesquisa, as variáveis tempo de casamento, filhos e intensidade dos conflitos estiveram associadas mais diretamente aos conflitos na conjugalidade, sendo evidenciadas nas duas etapas do estudo. Os sentimentos dos participantes referidos no grupo focal podem ter relação com a intensidade das discussões mais que com o conteúdo do conflito, conforme aponta a literatura da área. As variáveis que emergiram na etapa qualitativa (experiências na família de origem, finanças e características individuais) e as variáveis que apareceram nas duas etapas (tempo de casamento, filhos e a intensidade dos conflitos) confirmam a existência de fatores comuns e específicos na conjugalidade. Conclui-se que os participantes deste estudo necessitam de mais tempo para a vivência da conjugalidade e que a preservação desse espaço pode ser fator protetivo frente aos conflitos conjugais, podendo auxiliar no enfretamento das dificuldades esperadas ao longo das etapas do ciclo vital.

Sobre a perda amostral no grupo focal, em que houve 21 participantes confirmados e o comparecimento de 9 no dia agendado, compreende-se estar de acordo com outros estudos em que ocorre normalmente uma perda de 50% da amostra. Por outro lado, reunir 9 participantes em casamentos de longa duração, média de 27 anos de união, pode ser considerado um ponto forte desta pesquisa, já que há poucos estudos sobre essa população no Brasil. Ademais, a comparação entre dados quantitativos e qualitativos possibilitou discutir os resultados em perspectivas diferentes e complementares.

Entende-se que outras pesquisas sobre o referido tema precisam ser desenvolvidas, investigando, por exemplo, a percepção de casais jovens, as novas formas de ser casal e as diferentes etapas do ciclo vital conjugal. Estudos com esse enfoque podem contribuir com o trabalho dos profissionais que atendem casais, famílias e indivíduos em sofrimento devido à presença de conflitos no casamento e nas relações familiares.

Material suplementar
Apoio e financiamento:

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

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Notas
Notas
1 Artigo derivado da Dissertação de Mestrado do autor Crístofer Batista da Costa, sob orientação da Professora Doutora Clarisse Pereira Mosmann.
Notas
2 Article derived from Cristofer Batista da Costa´s Master's Thesis, under the guidance of PhD
Autor notes
Crístofer Batista da Costa: Psicólogo. Especialista em Dinâmica das Relações Conjugais e Familiares - IMED (2013). Mestre em Psicologia Clínica. Doutorando em Psicologia - UNISINOS (2015).
Denise Falcke: Psicóloga. Doutora em Psicologia (PUC/RS). Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Clarisse Pereira Mosmann: Psicóloga. Doutora em Psicologia (PUC/RS). Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

E-mail: cristoferbatistadacosta@gmail.com

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