Resumo: Investigamos representações sociais de paternidade, segundo profissionais de saúde, e como essas podem intervir nos posicionamentos destes sobre o atendimento aos pais usuários do sistema público de saúde. Baseados em um roteiro semiestruturado, foram entrevistados individualmente 19 profissionais, médicos e enfermeiros atuantes em serviços públicos na área de saúde reprodutiva. Os resultados corroboram dados de estudos e revelam não haver preparo acadêmico dos profissionais para lidar com a paternidade e que os serviços não possuem infraestrutura para acolher esses pais. Verificamos que a presença paterna nos atendimentos não é incentivada, mesmo sendo avaliada como importante pelos participantes. Nas representações investigadas, a paternidade configura-se como função de provimento, distante do cuidado e do autocuidado, ancorando-se em crenças tradicionais sobre a masculinidade. O homem-pai de classe popular é representado como “vulnerável” e “de risco”. Discutimos que essas representações podem dificultar o acompanhamento paterno durante a gestação e, consequentemente, o vínculo pai-filho.
Palavras-chave:PaternidadePaternidade, serviços de saúde serviços de saúde, profissionais de saúde profissionais de saúde.
Abstract: We investigated social representations of paternity according to health professionals and how these representations may affect the way they stand in relation to the assistance offered to fathers who use the public health system. An individually interviewed based on a semi-structured questionnaire, with 19 professionals, doctors and nurses who worked at a public maternity or at one of the six Family Health Units researched was carried out. Results confirmed data from other studies and showed that the professionals had no academic training to deal with paternity and that the services had no infrastructure to assist fathers. Although assessed as important, the fathers’ presence at the appointments with doctors were not encouraged. Paternity, according to the representations investigated, is about provision, being distant from care and self-care and anchored on traditional beliefs on masculinity. The popular-class man and father is represented as “vulnerable” and “at risk”. We discussed that these representations may hinder a father’s participation in the course of pregnancy and, consequently, the father-child bonding.
Keywords: Paternity, health services, health professionals.
Resumen: Se investigó las representaciones sociales de la paternidad según profesionales de la salud y cómo esas representaciones afectan sus posiciones sobre el atendimiento de padres usuarios del sistema público de salud. Con base en un cuestionario semiestructurado se entrevistaron a 19 profesionales de la salud, médicos y enfermeros, trabajadores de una maternidad pública o de uno de los seis Servicios de Salud Familia investigados. Los resultados confirman los datos de otros estudios: muestran que los profesionales no tienen preparación académica para tratar la paternidad y que en los servicios no hay infraestructura para atender a los padres. Aunque evaluada como importante, la presencia del padre durante las consultas no es incentivada. Las representaciones son vistas cómo relacionada con la provisión, prácticas deficientes de cuidado y autocuidado ancladas en creencias tradicionales de masculinidad. Los hombres-padres son representados cómo vulnerables y en situación de riesgo. Se discutió que esas representaciones pueden perjudicar el acompañamiento paterno de la gestación y, también, el vínculo padre-hijo.
Palabras clave: Paternidad, servicios de salud, profesionales de la salud.
PROFISSIONAIS DE SAÚDE E O (NÃO)ATENDIMENTO AO HOMEM-PAI: ANÁLISE EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
HEALTH PROFESSIONALS AND LACK OF ASSISTANCE TO THE MAN AND FATHER: AN ANALYSIS OF SOCIAL REPRESENTATIONS
PROFESIONALES DE LA SALUD Y EL (NO) ATENDIMIENTO A EL HOMBRE-PADRE: INVESTIGACIÓN EN REPRESENTACIONES SOCIALES
Recepção: 08 Julho 2014
Aprovação: 23 Outubro 2015
Neste artigo, utilizamos o conceito e a Teoria das Representações Sociais para discutir percepções e práticas de profissionais de saúde sobre a paternidade e atendimento ao pai. Segundo De Oliveira (2004), um dos principais focos dos estudos de Serge Moscovici, psicólogo romeno, propositor da teoria das representações sociais, sobre as representações sociais, é a relação de como e por que as pessoas e grupos sociais criam uma realidade comum ao compartilhar ideias elaboradas pelo senso comum. Segundo Sá (1998), um grupo social pode ser definido como um conjunto de pessoas que compartilham interesses e um senso de identidade. O grupo pode ser “orgânico”, quando efetivamente compartilha práticas cotidianas (uma equipe de um serviço de saúde, por exemplo); ou “taxionômico”, quando apenas apresenta traços identitários comuns (profissionais de saúde em geral, por exemplo).
Jodelet (2000) explica que as representações sociais dizem respeito ao conhecimento do senso comum utilizado em ações do dia a dia e que se formam na “interação e no contato dos discursos que circulam no espaço público” (p.10). Segundo Jovchelovitch (2000), o espaço público pode ser definido como aquele espaço, em dada sociedade, que suspende os interesses exclusivamente privados e que se constitui como espaço para negociação das singularidades dos diversos atores e grupos sociais. Afirma Jodelet (2000) que, além de guiarem ações no mundo e servirem como instrumento para a leitura da realidade, as representações sociais permitem a interpretação de fatos e relações sociais.
Com base na compreensão de que as representações sociais conduzem modos de pensar e agir, a temática da paternidade com profissionais de saúde será analisada, considerando que seus posicionamentos e ações com relação ao pai e sua interação profissional com este se baseiam em representações pré-estabelecidas sobre o pai.
Estudos indicam que entraves advindos de uma cultura tradicional e patriarcal de paternidade afetam a participação paterna desde o acompanhamento da gestação de seu filho e mesmo após esta. Obstáculos comumente citados são o tempo de duração da licença paternidade (no Brasil, apenas cinco dias), a ausência de políticas empresariais que facilitem ao pai acompanhar esposa e filhos em atendimentos realizados em horário de expediente, a exclusão masculina de serviços voltados ao planejamento familiar e a precarização de ações voltadas à efetivação de políticas públicas que incentivem a participação dos pais nos períodos gestacionais e de pós-parto (Pierre & Clapis, 2010; Pontes, Alexandrino e Osório, 2009; Silva & Piccinini, 2007).
Ressaltamos, como afirmaram Fleming, King e Hunt (2014), que o encorajamento do vínculo paterno é importante, pois pode beneficiar as crianças em questão, o próprio pai, as relações interpessoais de ambos e a sociedade em geral.
De acordo com Perdomini e Bonilha (2011), o genitor pode ser considerado a companhia ideal no momento do parto, o que aumentaria as chances de fortalecer o vínculo com a mãe e com o próprio bebê. Ainda, a presença durante o parto favoreceria o reconhecimento do homem como figura paterna, valorizando, assim, seu papel como pai. Benefícios da presença e apoio paternos para o aleitamento materno foram levantados e discutidos por Sherriff e Hall, (2014), Silva, Santiago e Lamonier (2012) e Pontes et al. (2009). Segundo Coutinho e Trindade (2006), cuidar de filhos contribui para a melhoria do autocuidado masculino.
Apesar desses benefícios, os serviços de saúde são, em sua maioria, constituídos para o acolhimento da mulher gestante, da mãe e de seu filho, o que torna mais difícil o atendimento ao homem-pai. Apesar das campanhas que se seguiram ao lançamento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH, Portaria nº 1.944, 2009), os homens continuam a apresentar dificuldades de adesão a práticas de cuidado e de autocuidado, tradicionalmente vistas como “femininas” e “contrárias” às crenças e imagens naturalizadas sobre a masculinidade. Notamos também a ausência de estratégias de assistência à saúde específicas para os homens (Levorato, Mello, Silva & Nunes, 2014; Pierre & Clapis, 2010; Schraiber, et al., 2010; Silva, Silva & Bueno, 2014; Tarnowski, Próspero & Elsen, 2005).
Além de o reconhecimento dos serviços de saúde como espaços femininos afastar os homens desses locais (Tarnowski et al., 2005), as relações entre as representações sociais sobre saúde e sobre masculino implicam, para os homens, em desvalorização da atenção médica em situações de cuidados primários com a saúde. O nível de Atenção Primária à Saúde valoriza os cuidados continuados com condições crônicas, as práticas de prevenção de doenças e de promoção da saúde, que implicam envolvimento com o autocuidado e transformação de estilos de vida que possam trazer risco. A prevenção e o autocuidado não condizem com as qualidades culturalmente tradicionais de homem e masculino, como força, autonomia, independência e virilidade (Gutierrez, Minayo & Oliveira, 2012; Levorato, et al., 2014). Como afirmam Gutierrez, Minayo e Oliveira (2012), recorrer ao serviço público de saúde, como cidadão de direito, “muitas vezes é visto pelos homens, intolerantemente, como uma posição submissa” (p. 876).
O olhar sobre o homem como um sujeito que precisa ter sua saúde acompanhada e cuidada parece não possuir respaldo nem força dentro ou fora dos serviços, o que implicaria também na exclusão do pai dos atendimentos voltados a seu filho e a mãe de seu filho ao longo da gestação, parto e puerpério com já observam alguns autores (Carvalho, 2003; Lacerda, Vasconcelos, Alencar, Osório & Pontes, 2014; Locock & Alexander, 2006; Pierre & Clapis, 2010; Silva, et al. 2014).
Desse modo, parece haver, pois, ao menos dois movimentos, embasados na mesma cultura machista, que mantém o homem afastado dos serviços de saúde: resistência dos usuários em potencial à prática do cuidado preventivo e ausência ou pouco engajamento dos profissionais da saúde em práticas voltadas ao público masculino (como pai ou não).
Uma resposta a essas evidências de afastamento masculino é o estudo de Perdomini e Bonilha (2011) que identificou na vivência do parto uma experiência única na vida do homem e da mulher e, portanto, segundo os autores, a equipe dos profissionais de saúde deveria proporcionar um momento agradável para ambos, buscando, para isso, incluir o pai no processo gestacional. Para tanto, avaliam como necessária a transposição das barreiras preexistentes, fomentadas por crenças ligadas ao gênero masculino, que não permitem ao pai papel de destaque no momento de nascimento do bebê e demais momentos da vida da criança.
Além desse, diversos autores concordam sobre a importância de ser desenvolvida uma relação positiva e inclusiva entre os profissionais de saúde e os pais, para apoiar a vivência de situações únicas e delicadas, como gestação, parto e pós-parto por meio de orientações adequadas (Lacerda, et al., 2014; Perdomini & Bonilha, 2011; Shia & Alabi, 2013; Silva, et al., 2014).
A fim de propor a construção de práticas que promovam/facilitem a integração do pai aos diversos períodos de vida de seu filho (gestação, parto, pós-parto), entendemos ser necessário compreender as atuais ações dos profissionais de saúde e as representações sociais de paternidade e de pai que as guiam.
Considerando que um dos objetivos da PNAISH (Portaria nº 1.944, 2009) é “estimular a participação e a inclusão do homem nas ações de planejamento de sua vida sexual e reprodutiva, enfocando as ações educativas, inclusive no que toca à paternidade” (parágrafo 8º do artigo 4º, Portaria nº 1.944, 2009 ), a fim de propor a construção de práticas que promovam/facilitem a integração do pai aos diversos períodos de vida de seu filho (gestação, parto, pós-parto), torna-nos necessário compreender as atuais ações dos profissionais de saúde com esse grupo, bem como as representações sociais de paternidade e de pai que as guiam. Entendemos que identificar as teorias de senso comum que embasam a exclusão dos pais por parte dos serviços e das equipes de saúde é ação importante para a construção de intervenções que possam atuar com maior efetividade para a mudança nesse quadro de invisibilidade paterna.
Investigar as representações sociais de paternidade, construídas por profissionais de saúde, e discutir como estas podem intervir em seus posicionamentos sobre o atendimento a pais usuários de serviços públicos de saúde.
Participaram 19 profissionais de saúde (10 médicos e 09 enfermeiros) que desenvolviam atividades relacionadas à Unidade Saúde da Família (USF), gravidez, parto e pós-parto em serviços de saúde de Vitória, ES. A idade média foi de 39,22 (N = 18; MIN= 26 e MAX = 75). Uma das profissionais de saúde não revelou sua idade.
Dentre os profissionais, 12 atuavam em USF (seis médicos e seis enfermeiras) e sete (quatro médicos e três enfermeiras) no hospital do município que era referência para os serviços públicos de saúde reprodutiva (doravante referido também como “Maternidade”).
Os seguintes critérios foram utilizados para a escolha dos profissionais e dos serviços: médicos e enfermeiros são os profissionais de nível superior que compõem as equipes de saúde da família, são as categorias profissionais mais numerosas nos serviços de saúde e aquelas que realizam a maior parte dos procedimentos relativos à saúde reprodutiva. As USF abordadas atendiam à população residente em bairros de classe popular e localizavam-se em seis diferentes regiões de saúde do município. A seleção de unidades em diferentes regiões teve o objetivo de garantir maior variedade na coleta dos dados. O hospital, por sua vez, também era referência para o atendimento de pessoas de classe popular que recorriam ao Sistema Único de Saúde, sendo adequado ao escopo da pesquisa. Ao longo da análise de dados (descrita a seguir), constatamos que o número de entrevistas realizado foi suficiente para atingir saturação (Pope, Ziebland & Mays, 2005).
Foi utilizado um roteiro semiestruturado para entrevistas cuja primeira parte recolhia informações sociodemográficas e a segunda continha questões referentes à avaliação dos profissionais de saúde sobre os pais e sua participação na gestação e criação de seus filhos; ações dos profissionais de saúde direcionadas especificamente aos pais; percepções e crenças sobre o que é ser um pai e um “bom pai” e sobre a formação acadêmica para o atendimento do pai.
As entrevistas individuais com os profissionais que aceitaram o convite para a pesquisa duraram cerca de 20 min., ocorreram nos locais de trabalho dos participantes e foram registradas em áudio. Antes das entrevistas, os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo e autorizado pela Semus/ETSUS (Secretaria Municipal de Saúde/Escola Técnica e Formação Profissional de Saúde) do município de Vitória/ES. Todas as diretrizes de ética em pesquisa foram respeitadas (resolução do Conselho Nacional de Saúde, CNS 466/12).
As entrevistas integralmente transcritas foram analisadas por intermédio de análise de conteúdo temática. Essa análise baseou-se em Bardin (2009), que considera esse processo um método referente ao conjunto de estratégias de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. Foram construídas, a partir das unidades de registro, ou seja, das frases elaboradas pelos participantes, categorias relacionadas com a divisão temática existente ao longo do roteiro de entrevista.
A partir da análise de conteúdo temática, foram identificadas dez subcategorias agrupadas em quatro categorias principais: 1. Perfil paterno, 2. Contexto de vulnerabilidade social, 3. Atuação profissional e 4. O pai como acessório. A seguir, apresentamos as categorias e subcategorias, o número de participantes (n) que mencionou cada subcategoria, bem como o quantitativo de participantes que integram cada categoria e a transcrição de alguns relatos como exemplificação.
Os elementos representacionais da figura paterna, segundo os entrevistados, constam na categoria PERFIL PATERNO (n = 18). Todos os profissionais reproduziram os aspectos tradicionais do pai, associando-o à figura do provedor da família, daquele possui a responsabilidade pelo sustento (“primeira coisa ter um emprego né? Conscientizar que agora ele teve filho que e agora ele tem que tomar conta, ajudar a tomar conta..”.- enfermeira, USF, 61 anos).
Além disso, estar com o filho, compartilhar de conselhos, acompanhá-lo na escola e ao longo do desenvolvimento foram ações descritas como parte das funções cumpridas por um “bom pai”. O pai, independente das dificuldades, deve estar presente na vida do filho “em todos os momentos” (médica, Maternidade, 31 anos), segundo os entrevistados.
Identificamos, portanto, nas representações sociais dos participantes, elementos relacionados às crenças e imagens sobre o homem adulto tradicional: provedor, principalmente financeiro, de segurança e de exemplos para uma criança em desenvolvimento. Essa figura representativa do pai, o ‘homem-pai’, pode ser considerada uma das formas de objetivação da representação social da paternidade, uma vez que emerge de consistentes referências a elementos sobre paternidade e masculinidade que, repetidas, entrelaçam-se de tal forma que o exercício da paternidade aparece vinculado necessariamente ao exercício e afirmação da masculinidade e do homem adulto tradicionais.
Esses resultados dialogam com a argumentação de Navarro (2009), segundo a qual, o sistema de saúde reproduz, com suas práticas e discursos, a divisão de papéis de gênero culturalmente aceita em relação à paternidade e maternidade. Avaliamos que, com isso, engessa-se um modo de funcionamento e atendimento voltado à paternidade que não necessariamente condiz com demandas atuais.
As influências do contexto social e do território no envolvimento do homem-pai durante a gestação e, posteriormente, na criação dos filhos estão agrupadas na categoria CONTEXTO DE VULNERABILIDADE SOCIAL (n = 08), que inclui as seguintes subcategorias: a) Influência das drogas lícitas e ilícitas (n = 06) e b) Percepção de um ambiente de risco (n = 05).
Segundo Tarnowski, Próspero e Elsen (2005, p. 106), o envolvimento do pai “é mais complexo do que parece ser”, em especial no período do nascimento do bebê “quando as rotinas são bruscamente alteradas”. Para esses autores, o exercício da paternidade deve ser considerado dentro de um contexto de variadas influências. Por essa razão, é importante destacarmos, inicialmente, que os participantes afirmaram atuar principalmente com famílias advindas de “comunidades carentes”. Segundo eles, o ambiente no qual esses pais estão inseridos influencia no envolvimento com a gestação do bebê e nas ações como pai.
Desse modo, ao falarem sobre o espaço em que vivem essas famílias, discorreram sobre um ambiente com moradias geralmente precárias, violência e tráfico, contexto esse identificado também no estudo de Kanno et al. (2012). Esse ambiente, segundo os profissionais, atrapalha o envolvimento do homem-pai no acompanhamento da gestação, uma vez que ele pode estar engajado em situações de risco que dificultam ou impedem o envolvimento com paternidade. (Esse contexto de violência, de pouca perspectiva,... A gravidez acaba não sendo uma questão muito forte pra eles”.) - enfermeiro, UFS, 29 anos; “usuário de drogas, que está preso, que usa álcool, aí é o tratamento dele... Como é que ele vai participar enquanto pai se ele é uma pessoa doente?” - médica, USF, idade não declarada.
Também as dificuldades financeiras e de acesso à educação formal são identificadas como fatores que dificultam o atendimento dos pais e suas famílias (“são bem carentes [as famílias], não só financeiramente, carente no conhecimento, você vai conversar quase não conhecem o assunto, são assim” - enfermeira, Maternidade, 27 anos.
Considerado seu contexto socioeconômico, o homem-pai, para os profissionais de saúde, torna-se Homem-pai usuário do sistema público de saúde: homem que pertence a um grupo com baixa escolaridade, baixa renda, com maior probabilidade de envolvimento em situações de risco e menor probabilidade de engajamento em práticas de cuidado com os filhos. As subcategorias aqui identificadas sugerem que os profissionais de saúde percebem o pai que é ou poderia ser atendido nos serviços públicos de saúde como um paciente pouco provável, desinteressado e difícil de ser atendido.
Assim como no estudo de Souza (2012), verificamos que os profissionais representavam os usuários em geral, tomando também sua inserção socioeconômica como filtro. Souza constatou que profissionais de Saúde da Família consideravam os usuários de classe popular “habitantes de outra realidade”. Em suas representações, essa realidade era caracterizada pela precariedade e pela falta: a ausência de habitação, alimentação, lazer, recursos adequados (precariedade financeira); a ausência de diálogo, de sociabilidade e a presença do desemprego, das drogas e da violência (precariedade social); e a ausência de autoestima e de projetos de futuro (precariedade psicológica).
Os elementos dessa categoria indicam a existência de uma rede de representações que articula representações sobre homem adulto, pai e homem de baixa renda, gerando a figura de um homem-pai com poucas habilidades e sem condições para o exercício da paternidade.
A categoria ATUAÇÃO PROFISSIONAL (n = 17) permite-nos analisar como os profissionais de saúde percebiam e avaliavam sua atuação com relação aos pais/paternidade em termos de “como é” e “como deveria ser”. Inclui quatro subcategorias: a) Saúde do homem, não do pai (n = 10); b) Deficiências estruturais (n = 4); c) Sugestão de grupo/ Ações educativas/ Horário alternativo (n = 16); d) (Des)informação profissional (n = 17).
A maioria dos profissionais de saúde (n = 17) afirmou ter alguma dificuldade para falar sobre ou mesmo atender ao homem com relação ao assunto paternidade e revelou não ter tido contato com essa temática ao longo de suas formações acadêmicas ou mesmo após, em especializações ou capacitações, situação que também é identificada por Silva et al. (2012). “Do homem nós não tivemos, quando eu saí da faculdade, em 2008, a gente tava entrando no processo do cuidar do homem, da saúde do homem”. (enfermeira, Maternidade, 27 anos); “... quem sai da faculdade, logo no comecinho não tem muito preparo não.” (enfermeira, USF, 61 anos).
Essa situação condiz, em parte, com o fato de esses profissionais terem se graduado antes do lançamento da PNAISH (Portaria nº 1.944, 2009). Ainda assim, por atuarem na área de saúde reprodutiva, seria esperado que estivessem mais atualizados a respeito dessa recente política por meio de formações e capacitações realizadas pelo próprio serviço em que atuam.
Importante ressaltar que o tema planejamento familiar seja formações e capacitações de profissionais de saúde, porém, relacionadas, comumente, apenas à saúde da mulher e ao controle feminino da natalidade. Assim como pudemos constatar em nosso estudo, Navarro, López, Calvente, Ruzzante e Rodríguez (2009) identificaram como constante na fala dos pais entrevistados em sua pesquisa que a atenção às mulheres gestantes mães, pelos serviços de saúde, coloca o pai como um ator de segundo plano na situação do atendimento.
A respeito dessa invisibilidade masculina, Pierre e Clapis (2010) avaliam ser essencial, para o pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, a implementação de ações que permitam aos homens discutir o planejamento familiar com mulheres. Nesse sentido, para que o trabalho com famílias seja efetivo, é importante o reconhecimento de que o pai pode desenvolver uma relação saudável e próxima com seus filhos (Fleming et al., 2014).
Os profissionais descreveram como outro empecilho ao atendimento paterno a falta de conhecimento geral dos pais em relação às transformações fisiológicas e psicológicas que acompanham a gravidez. Por essa razão, defenderam (n=16) que esses precisam de mais informações para lidar com o assunto da gravidez. “Porque, assim, eles às vezes desconhecem como funciona a maternidade... Então assim, as pacientes chegam com dor e isso incomoda as pacientes e eles ficam, assim, ansiosos pela dor da paciente.” (médico, Maternidade, 46 anos).
De acordo com Carvalho (2003, p. 396), essa dificuldade citada pelos médicos “dos serviços de saúde reprodutiva e pediátrica, em descompasso com o crescente envolvimento dos homens na educação das crianças”. Dentro dessa lógica, o ciclo de exclusão pela desinformação tende a se fortalecer se os profissionais de saúde não se prontificarem a serem agentes de cuidados com a saúde e de informação sobre esses cuidados.
O distanciamento do homem-pai com relação à área de saúde reprodutiva pode implicar em impactos negativos ao avaliarmos a relação entre profissional de saúde e pai. A dificuldade dos profissionais em construir um acolhimento que faça os homens se sentirem incluídos pelos serviços de saúde é descrita em diversos estudos já citados, entre eles, Coutinho e Trindade (2006), Levorato, et al. (2014) e Pierre e Clapis (2010). Considerando a situação de desinformação profissional sobre o tema e as representações sociais de homem-pai, identificadas neste estudo, aventamos seus impactos negativos na disposição desses profissionais em construir tal acolhimento.
Por entenderem que os homens-pais são carentes de informações sobre gravidez, parto e cuidados com filhos, todos os profissionais apresentaram como alternativas plausíveis para a resolução do problema a promoção de grupos e ações educativas (palestras, rodas de conversa e grupos de orientação). Nessas ações, os pais seriam informados sobre os acontecimentos que permeiam a gravidez e o parto, recebendo, assim, outras ferramentas para se inserir de forma mais ativa nos processos de gestação, parto e pós-parto de seu filho. “Então, deveria ser, assim, melhorar a informação, fazer grupos né também, fazer grupos de... e convidá-los né...” (enfermeira, USF, 61 anos). Ainda que identificadas as possibilidades, nenhuma iniciativa foi descrita como efetivada em seus serviços.
É relevante citar aqui o estudo de Fletcher e StGeorge (2011) que apresentou a internet como forma de suporte aos pais: a comunicação online (chats) entre homens que passaram e passam pela experiência da paternidade favorece sentimentos de segurança e calma aos que enfrentam essa situação no momento. Reconhecendo que atualmente a internet alcança todas as camadas socioeconômicas, servindo de meio de formação e informação de boa parte da população, parecem ser importantes a identificação e indicação, pelos profissionais, de sites idôneos, com informações adequadas e oferecidas por profissionais da área, uma vez que o conteúdo online é, muitas vezes, produzido por leigos e pode ser equivocado e mesmo perigoso. Além da qualidade das informações, avaliamos que o modo como são transmitidas (vídeos, cartilhas online, tutoriais, ilustrações etc.) poderia também ser considerado, uma vez que pais de diferentes níveis de escolaridade têm hoje acesso a esse meio de comunicação e (in)formação.
Considerando as restrições de horários dos homens-pais por, principalmente, suas jornadas de trabalho, o estabelecimento de horários alternativos de funcionamento da USF e da Maternidade foi uma das soluções mais comentadas (como possibilidade ou como fato) pelos entrevistados (n = 16) para que os pais pudessem estar mais presentes e se envolvessem mais no processo de parto e pósparto. “... nós mesmo, quando eles dizem que não podem vir no horário de visita, a gente abre uma exceção, tudo para que eles estejam bem presentes ...” (enfermeira, Maternidade, 30 anos).
Em relação aos obstáculos enfrentados pelos profissionais de saúde para a efetividade da inserção dos pais em seus atendimentos, alguns problemas nas USF diferiram daqueles descritos na Maternidade. Um problema levantado apenas pelos profissionais das USF foi o próprio sistema de trabalho que valoriza os números de consultas e não a qualidade de atendimento aos usuários e/ou acompanhantes.
É o protocolo da prefeitura... uma consulta de clínica médica é em torno de vinte minutos e de pré- natal é de trinta minutos. Uma consulta de vinte minutos para um médico de Estratégia de Saúde da Família que aborda o paciente como um todo é inviável. (médico, USF, 38 anos).
Um empecilho para a oferta de melhor atendimento aos pais nos serviços de maternidade foi a deficiência estrutural dos serviços. Os participantes relataram que algumas maternidades possuem estrutura física deficiente (espaço pequeno, falta de vestuário adequado), o que impede o acompanhamento dos pais no momento de parto, por exemplo, em casos de cesariana. Tal situação, apesar de descumprir a lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005, conhecida como lei do acompanhante (Lei nº 11.108, 2005), foi relatada por um dos profissionais como um aspecto rotineiro e que não precisa ser melhorado, ignorando-se, assim, deliberadamente ou não, a lei.
Segundo os profissionais, a presença do pai no pós-parto também é prejudicada pela estrutura falha. Eles afirmaram que, enquanto o quarto do setor privado da Maternidade é ocupado apenas por uma parturiente, permitindo mais privacidade, os quartos designados aos “pacientes SUS dependentes”, ou seja, usuários do Sistema Único de Saúde, são ocupados por mais de uma parturiente. Por isso alegaram que a presença constante de um homem nesses locais causaria desconforto e/ou constrangimento nas parturientes que não possuem vínculo com tal acompanhante.
Problemas estruturais, relatados também por Kanno, Bellodi e Tess (2012) e Carvalho (2003), refletem o sucateamento de muitos serviços públicos de saúde, pela falta de investimentos ou de gerenciamento adequado. Ainda que Carvalho (2003) tenha afirmado que o incômodo em função da estrutura física é, em alguns casos, compartilhado entre profissionais e usuários dos serviços de saúde, não devemos diminuir o prejuízo para a família que é separada em momento tão significativo.
A categoria O PAI COMO ACESSÓRIO (n = 18) ilustra como os profissionais de saúde se posicionam quanto à presença ou ausência do pai durante a gestação, parto e, muitas vezes, na criação dos filhos, compreendendo duas subcategorias: a) Pai como acompanhante/ouvinte (n = 12) e b) Trabalho como empecilho (n = 15).
Ao longo da análise dos relatos, percebemos que a fala dos profissionais de saúde reproduz uma ideia de cunho ambíguo a respeito da figura paterna: ele é uma figura importante e, ainda assim, não é foco de atenção (“eu tenho que confessar que eu não tenho chamado os pais, convocado os pais, mas é uma coisa importante” - médico, USF, 39 anos).
Todos os entrevistados afirmaram que o homem-pai ocupa lugar de importância na criação dos filhos e no processo gestacional, sendo sua presença positiva para o filho e também durante a gravidez, como apoio à mulher. Por outro lado, assumiram que esse pai não é acolhido como um ator importante nas consultas de pré-natal ou pós-parto ou em outros serviços, fazendo, na maioria das vezes, papel de mero ouvinte do que os médicos querem falar para as mães (quando convidado a participar ou entrar na sala), como observamos nos relatos seguintes: “Quando eles buscam a Unidade, porque assim, a gente não vai atrás. Se a gestante falta, a gente não vai atrás do homem né também pra saber ‘oh, pai, porque que ela não veio?’ A gente busca a mulher” (enfermeira, USF, 32 anos).
Reforçamos, com isso, a figura do pai-acessório que pode ou não estar presente nos acontecimentos anteriores ou relacionados ao nascimento do bebê, tal como identificaram Martins (2009) e Navarro et. al. (2009). Sobre isso, Martins afirma que, apesar do potencial para estimular a interação entre o pai e o seu filho, a área da saúde é uma das que mais reforça a mulher como cuidadora das crianças, ao mesmo tempo em que “afasta o pai interessado em participar do processo” (Martins, 2009, p. 13).
A principal justificativa descrita pelos profissionais de saúde quanto à pouca/nenhuma importância dada ao pai é que este, na maioria das vezes, não se faz presente nas consultas ou no parto pelo trabalho, enunciado constante dos entrevistados:
Por causa dessa dificuldade do trabalho e por causa de toda essa historia eu acho difícil, o patrão não aceita... quando você dá um atestado pra mãe dizendo que ela veio acompanhar o filho o patrão aceita melhor do que o atestado do pai (médica, USF, idade não declarada).
Ainda que o trabalho seja, conforme identificaram Gonçalves et al. (2013), uma das justificativas de ausência do pai nos exames de pré-natal, é importante destacarmos que, como a atividade empregatícia é um forte elemento das representações sociais de pai, por se vincular à imagem do homem provedor, a ausência do pai nos serviços de saúde se configura como ‘justa e compreensível’ para os profissionais. Esse é um dos aspectos que enfraquecem discussões sobre os direitos do pai em instâncias trabalhistas, visando a alterações nas relações de trabalho, como a liberação para o homem-pai que deseja acompanhar as consultas médicas ao longo da gestação.
Ao investigarmos as representações sociais de médicos e enfermeiros sobre a paternidade, discutimos a figura do homem-pai que é atendido nos serviços públicos de saúde investigados e verificamos que a figura paterna, mesmo idealizada e referida como importante, é desvalorizada por esses profissionais e desconsiderada nos serviços de saúde reprodutiva.
A percepção de exclusão dos pais nos serviços públicos de saúde reprodutiva se configura em um contexto de pouca infraestrutura física, ausência de capacitações dos profissionais sobre esse público alvo, normatizações limitantes da ação profissional e descrédito quanto ao potencial de exercício de paternidade dos homens de classe popular, moradores de bairros compreendidos como precários/violentos.
A falta de investimentos em salas adequadas para se acolher mãe e pai durante esses períodos e a pouca divulgação e capacitação voltadas à sensibilização dos profissionais de saúde sobre a relevância da paternidade ativa sinalizam a precária condição da área da saúde e também o desinteresse dos gestores da área em propiciar espaços em que “mais um” – o pai – pode e tem o direito de adentrar.
Ignoram-se, assim, os benefícios dessa inserção para a família, para o desenvolvimento da criança e para o bem-estar do casal. Ignoram-se os direitos adquiridos do pai em estar com sua parceira e seu filho também durante pré-natal, parto e pós-parto. Ignoram-se e deixam de ser estimuladas as potencialidades do homem de se reconhecer e se tornar cada vez mais um agente de afeto e atuante em sua família, superando os dogmas do machismo tão fortes em nossa cultura.
Nesse sentido, fica clara a importância de serem desenvolvidos mais trabalhos com o tema da paternidade que envolvam os profissionais de saúde, visando sensibilizá-los no sentido de algumas mudanças no olhar direcionado aos pais atendidos nos serviços de saúde e numa maior inclusão dos mesmos ao longo do processo gestacional.
Intervenções institucionais, educativas e informativas, que promovam a organização de novos elementos representacionais sobre paternidade, são necessárias para que os pais possam, efetivamente, participar de um momento tão único em sua vida, que é o nascimento de um filho, e que essa maior participação pode influenciar na criação dessa criança de forma positiva.
Sabemos que mudar um paradigma tão fortemente arraigado em nossa cultura é um movimento difícil e que a inclusão do pai em espaços de cuidado e afeto, também na área da saúde, exige alterações em outras dimensões como, por exemplo, na família e em espaços de trabalho. A proposta de que o pai seja realmente valorizado deve superar dificuldades para além daquelas identificadas nos serviços de saúde, por ser questão maior, dada que toda nossa organização social baseia-se ainda em preceitos patriarcais.
Em relação à elaboração deste estudo, avaliamos que se mostra pertinente uma continuação, incluindo, por exemplo, profissionais da saúde recém-formados e inseridos no mercado de trabalho, ou estudantes de medicina e enfermagem a fim de verificarmos se suas práticas de atendimento ao homem e ao pai seriam mais atenciosas, se comparadas a práticas de profissionais que atuam na área há mais tempo, como é o caso dos entrevistados neste estudo.
Outras pesquisas, com proposta de pesquisa-ação, poderiam intervir diretamente com os profissionais, discutindo-se as múltiplas constituições familiares, o impacto do contexto social e das práticas culturais nas expectativas de desempenho das funções paternas e maternas e a importância do profissional de saúde no fortalecimento do vínculo familiar (pai-filho; mãe-filho, pai-mãe).
Vemos, pois, o grande campo de pesquisa (em termos de métodos, públicos-alvo e abordagens) que temos ainda em aberto ao discutirmos a importante relação entre profissionais da saúde e pais/paternidade. Reconhecendo os impactos positivos que a intervenção do profissional da saúde pode promover tanto na formação de vínculos familiares quanto no desenvolvimento do bebê, finalizamos, ressaltando a relevância desse enfoque em pesquisas e estudos a fim de gerarmos dados que fortaleçam práticas mais humanizadas em serviços de saúde e que favoreçam ao pai engajar-se, envolver-se e se sentir parte dos diversos estágios de desenvolvimento de seu filho.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)