TERMINALIDADE EM UTI: DIMENSÕES EMOCIONAIS E ÉTICAS DO CUIDADO DO MÉDICO INTENSIVISTA

TERMINALITY IN THE ICU: THE EMOTIONAL AND ETHICAL DIMENSIONS OF THE MEDICAL CARE OF THE INTENSIVIST

TERMINALIDAD EN UCI: LAS DIMENSIONES EMOCIONALES Y ÉTICAS DEL CUIDADO DEL MÉDICO INTENSIVISTA

Mayla Cosmo Monteiro
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Andrea Seixas Magalhães
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Terezinha Féres-Carneiro
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Rebeca Nonato Machado
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil

TERMINALIDADE EM UTI: DIMENSÕES EMOCIONAIS E ÉTICAS DO CUIDADO DO MÉDICO INTENSIVISTA

Psicologia em Estudo, vol. 21, núm. 1, pp. 65-75, 2016

Universidade Estadual de Maringá

Recepção: 09 Julho 2015

Aprovação: 15 Fevereiro 2016

Financiamento

Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Resumo: Este artigo se propõe a discutir as dimensões emocionais e éticas envolvidas no cuidado do médico com o paciente em situação de terminalidade em UTI. Realizou-se uma pesquisa qualitativa, na qual foram entrevistados seis membros da equipe médica intensivista de um hospital privado de médio porte. Da análise do conteúdo das entrevistas, emergiram seis categorias temáticas: percepção sobre o paciente em situação de terminalidade; emoções frente à morte e ao morrer; conflitos éticos; família diante da terminalidade; comunicando más notícias e relação médico-família no processo de tomada de decisões. Neste trabalho, são apresentadas as três primeiras categorias. Os resultados apontaram que a morte e o morrer são fenômenos que causam estranheza ao médico intensivista, pois este espera conseguir salvar a vida do paciente e conta com equipamentos de suporte avançado de vida. A complexidade envolvida na definição da terminalidade, aliada ao avanço das técnicas da medicina como ventilação mecânica, hemodiálise, nutrição enteral e parenteral, entre outras, podem favorecer a promoção da distanásia em UTI, constituindo um cenário propício para o surgimento de conflitos entre a família e a equipe médica.

Palavras-chave: Pacientes terminais, unidades de terapia intensiva, médicos.

Abstract: The purpose of this article is to discuss the emotional and ethical dimensions involved in the medical care for terminally ill patients held in Intensive Care Unit (ICU). We conducted a qualitative research in which we interviewed six members of the intensivist medical staff of a medium -sized private hospital. Six theme categories emerged from the content analysis: perception of the patient in terminal condition; emotions towards death and dying; ethical conflicts; family facing terminality; communicating bad news; and the doctor-family relation in the decision making process. In this study we will present the first three categories. The results showed that death and dying are phenomena that cause uneasiness in the intensivist doctor, since he/she expects to save the life of the patient and counts with the help of advanced life support equipment. The complexity involved in the definition of t erminality, combined with advances in medical techniques – such as mechanical ventilation, hemodialysis, enteral or parenteral nutrition, among others – may favor the promotion of dysthanasia in ICU, establishing a suitable scenario for the emergence of conflicts between the family and medical staff.

Keywords: Terminally ill patients, intensive care units, physicians.

Resumen: Este artículo se propone a discutir las dimensiones emocionales y éticas involucradas en el cuidado del médico con el paciente en situación terminal en UCI. Se realizó una encuesta cualitativa en la cual se entrevistaron a seis miembros del equipo médico intensivista de un hospital privado de porte mediano. Del análisis del contenido de las entrevistas emergieron seis categorías temáticas: percepción sobre el paciente en situación terminal; emociones ante la muerte y al morir; conflictos éticos; familia ante la terminalidad; comunicando malas noticias; y la relación médico-familia en el proceso de toma de decisiones. En este estudio, se presentarán las tres primeras categorías. Los resultados apuntaron que la muerte y el morir son fenómenos que causan extrañeza al médico intensivista, pues éste espera lograr salvar la vida del paciente, y cuenta con equipamientos de soporte avanzado de vida. La complexidad involucrada en la definición de la terminalidad, aliada al avanzo de las técnicas de la medicina, como ventilación mecánica, hemodiálisis, nutrición enteral y parenteral, entre otras, pueden favorecer la promoción de la distanasia en UCI, constituyendo un escenario propicio para el surgimiento de conflictos entre la familia y el equipo médico.

Palabras clave: Pacientes terminales, unidades de cuidados intensivo, médicos.

Introdução

A unidade de terapia intensiva (UTI) destina-se ao atendimento de pacientes graves ou com risco de morte, que requerem assistência médica e de enfermagem permanentes, além de monitorização contínua, englobando recursos humanos qualificados e aparatos tecnológicos avançados e sofisticados (Alcantara, Sant'anna, & Souza, 2013). Os avanços biotecnológicos da medicina, o processo de medicalização da morte e do morrer, o aumento da expectativa de vida e das doenças crônico-degenerativas têm contribuído para a mudança de perfil deste setor. Na sociedade ocidental contemporânea, o hospital centraliza a assistência ao doente e ao moribundo, apropriando-se desses cuidados por meio da institucionalização do saber médico. De forma geral, entre 15 e 35% dos pacientes admitidos na UTI morrem durante a internação (Menezes, 2006; Oliveira et al., 2010).

Apesar de a prática nesse setor pressupor a existência de uma equipe multiprofissional, o médico assume a responsabilidade pela vida do doente, sendo o ator central no cenário da terapia intensiva. O poder do médico intensivista advém de seu domínio sobre o processo do morrer referido à possível regulação e controle da morte, vinculado ao saber técnico e à experiência prática no manejo dos recursos tecnológico (Menezes, 2006).

A morte do paciente traz para os membros da equipe médica a possibilidade de entrar em contato com os seus processos de morte e finitude (Kovàcs, 2010; 2011). Estes se angustiam por ter que salvar a vida do paciente a todo custo, por ter que tomar decisões sobre recusa ou suspensão de tratamento e, com frequência, sentem-se sozinhos, impotentes e com dificuldades para abordar familiares, que fazem perguntas constantes sobre a evolução do paciente.

A morte invertida, interdita, descrita por Ariès (1990) como sendo a atitude predominante no século XX, tem a vergonha, o fracasso e o erro médico como seus atributos e leva à percepção dos limites na busca da cura ou do prolongamento da vida, o que causa sofrimento aos profissionais envolvidos. A UTI é representativa do modelo de “morte moderna”, ocultada, rotinizada e banalizada - onde o indivíduo morre só, isolado e conectado a tubos e aparelhos. As rotinas são organizadas para possibilitar a maior eficiência técnica possível, de modo a silenciar a expressão emocional dos atores sociais – pacientes, familiares e membros da equipe de saúde (Menezes, 2005).

A morte dos pacientes admitidos em UTI é classificada, na literatura médica, de duas maneiras: a) morte inesperada (quando ocorre mesmo após a utilização de toda terapêutica disponível, como por exemplo, a decorrente do trauma ou do choque séptico) e b) morte esperada (ocorre após longos tratamentos mal sucedidos, como nos casos de tumores inoperáveis, doenças crônicas e presença de falência de múltiplos órgãos) (Lago, Garros & Piva, 2007). Porém, definir terminalidade é bastante complexo, pois esta deve ser ancorada em dados objetivos, por exemplo, resultados de exames como ressonância magnética, tomografias e biópsias; subjetivos, como falta de resposta terapêutica a determinado tratamento (quando os membros da equipe de saúde entendem diferentemente a evolução clínica do doente grave) e pessoais, fruto de experiências anteriores de cada profissional. A determinação de irreversibilidade será muito mais exata quando baseada predominantemente em dados objetivos (Lago et al., 2007; Moritz et al., 2008).

Se, por um lado, os equipamentos de suporte avançado de vida presentes na terapia intensiva salvam vidas, por outro, prolongam o processo de morrer e adiam a morte, em pacientes com doenças avançadas, progressivas e incuráveis, trazendo sofrimento para todos os envolvidos e favorecendo atitudes distanásicas. A distanásia se caracteriza pela manutenção de tratamentos invasivos em pacientes sem possibilidade de recuperação, submetendo-os a um processo de morte lenta, ansiosa e sofrida. Ela sempre resulta de uma determinada ação ou intervenção médica que, ao negar a dimensão da mortalidade humana, acaba absolutizando a dimensão biológica do ser humano (Kovàcs, 2003).

Os desafios presentes no contexto da terminalidade da vida em UTI são inúmeros, decorrentes do avanço biotecnológico, da integração entre as diversas categorias profissionais, entre as equipes, os doentes e seus familiares, além da presença de diferentes referenciais de valor e de julgamento moral entre os atores sociais (Menezes, 2009). A tecnologia e seu uso pela equipe aumentaram a distância entre o profissional e o paciente e sua família, permitindo o aumento do controle sobre o tempo e sobre as circunstâncias da morte e transformando os médicos em árbitros de uma existência artificial, em função da delegação social, dos encargos da morte, a eles e à instituição médica (Quintana, Kegler, Santos & Lima, 2006). O processo de medicalização da morte traz em seu bojo questões éticas ligadas à prática médica – recusa e suspensão do tratamento, futilidade terapêutica, reanimação cardíaca, entre outros - e a bioética possibilita uma discussão sobre esses assuntos, na medida em que considera que não existe mais um único princípio aceito por todos e permite que outros princípios morais aflorem com base em uma realidade mais ampla (Menezes, 2006). As UTIs apresentam de forma peculiar dilemas éticos relacionados aos limites de ação terapêutica face à pluralidade dos valores das pessoas envolvidas (Curtis & Vincent, 2010; Medeiros, Pereira, Silva & Silva, 2012).

Em face desta realidade, realizou-se uma pesquisa qualitativa com o objetivo de compreender as repercussões da terminalidade do paciente em UTI na equipe médica, enfocando as dimensões emocionais e éticas.

Metodologia

Participantes

Participaram deste estudo 6 membros da equipe médica da UTI de um hospital privado de médio porte, sendo 5 médicos plantonistas e 1 médico rotina (aquele responsável pelo acompanhamento diário dos pacientes e pela garantia de continuidade do plano de tratamento de cada paciente), 2 do sexo masculino e 4 do sexo feminino. A idade variou de 25 a 38 anos. Todos têm bastante familiaridade com a terapia intensiva, sendo o tempo médio de trabalho nessa unidade de aproximadamente 9 anos. O critério de seleção foi fazer parte do corpo clínico da UTI do hospital pesquisado e da assistência ao paciente. Para apresentação dos resultados, os médicos foram nomeados de 1 a 6, colocando-se, em seguida, a idade de cada um.

Instrumentos

Foram realizadas entrevistas baseadas em um roteiro semiestruturado, abrangendo as seguintes temáticas: experiência de trabalho em terapia intensiva; a percepção sobre o paciente gravemente enfermo e com risco de morte; a percepção sobre a participação da família em situações de terminalidade; os aspectos valorizados no processo de tomada de decisões; a percepção sobre a comunicação de notícias difíceis e a concepção sobre a morte e o morrer.

Procedimentos

Tendo em vista a inserção da primeira autora deste trabalho na equipe multiprofissional da UTI do hospital em que a pesquisa de campo ocorreu, o acesso aos sujeitos da pesquisa foi facilitado. As entrevistas foram realizadas individualmente no horário vespertino, na sala dos médicos, localizada na própria UTI e foram gravadas e transcritas na íntegra. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), garantindo os critérios éticos estabelecidos para pesquisas com seres humanos. A pesquisa obteve aprovação na Plataforma Brasil, sob o número 13483713.0.0000.5259.

A fim de proceder à análise dos dados coletados por meio das entrevistas, elegeu-se o método da análise de conteúdo, proposto por Bardin (2011), com foco na análise categorial. A partir do material discursivo, emergiram 6 categorias temáticas: percepção sobre o paciente em situação de terminalidade; emoções frente à morte e ao morrer; conflitos éticos; família diante da terminalidade; comunicando más notícias e relação médico-família no processo de tomada de decisões. Neste trabalho, serão discutidas as três primeiras categorias.

Resultados e Discussão

Percepção sobre o paciente em situação de terminalidade

É nos hospitais, mais precisamente nas UTIs, após a mudança do local de morte na atualidade, principalmente, nos grandes centros urbanos, que os pacientes têm seus últimos momentos de vida, alardeados pelos bips dos monitores. A convivência com doentes críticos, com risco de morte, é uma constante para a equipe médica intensivista, naturalizando o lugar da morte nesse setor, conforme indica o relato abaixo.

“Eu trabalho numa unidade com doentes potencialmente graves. Muitas vezes, percebo que a sociedade banaliza o CTI, porque hoje em dia, é muito comum ir e voltar do CTI. Mas todo paciente internado aqui é muito grave e pode morrer. Então a gente se acostuma a tratar desse tipo de paciente e temos todos os recursos para isso” (Médica 4, 30 anos).

A naturalização do paciente grave relaciona-se ao tipo de paciente esperado em UTI, reconhecida por ser uma unidade complexa dentro do hospital, especializada no atendimento ao doente crítico, com risco de morte, mas, com possibilidade de recuperação (Schettino, 2012; Alcantara et al., 2013). Pacientes com doenças incuráveis, refratárias à proposta curativa e em fase avançada, não deveriam ir para a UTI, mas receber cuidados paliativos no quarto ou em domicílio (Schettino, 2012). Entretanto, os critérios de internação em terapia intensiva não são seguidos à risca pelos médicos, que internam pacientes, muitas vezes, em fase final de vida e que não se beneficiam do arsenal tecnológico disponível nessa unidade. Tal paradoxo é descrito por uma das entrevistadas.

“Porque eu acho que é meio paradoxal, terapia intensiva com fim de vida, porque terapia intensiva não é para pacientes fim de vida, é para você tentar ao máximo recuperar a vida dos doentes, porque você tem mais recursos. Aquele doente que você vai fazer cuidados paliativos, suporte, não deveria estar em terapia intensiva. Acaba ficando porque acho que aqui ainda não existe essa cultura e nem um ambiente para isso. E, às vezes, as famílias não estão preparadas para isso também, para suportar essa situação 24 horas por dia” (Médica 3, 27 anos).

O paradoxo referido acima está presente no dia a dia da terapia intensiva devido à dificuldade em se precisar o exato momento da morte que, mesmo quando esperada, como nos casos de pacientes com tumores inoperáveis, é incerta/desconhecida em seu tempo. Como visto, a definição de terminalidade é complexa e multifatorial, envolvendo dados objetivos, subjetivos e pessoais e difere entre os profissionais envolvidos em cada caso (Lago et al., 2007; Moritz et al., 2008). Além disso, observamos uma mudança de perfil dos pacientes admitidos em UTI em função do envelhecimento populacional e do aumento de doenças crônico-degenerativas. Há também aqueles pacientes pertencentes ao grupo classificado de ‘morte inesperada’, portadores de doenças agudas (vítimas de politrauma ou de choque séptico) que evoluem com falência de múltiplos órgãos e sistemas e se tornam terminais dentro da UTI, a despeito de todo investimento terapêutico. Existem, também, por trás desse paradoxo, questões socioeconômicas que interferem na admissão do paciente nessa unidade e que carregam algumas especificidades, conforme relato abaixo.

“Eu não trabalho em CTI público, mas na época em que eu fiz residência fiquei em um CTI desses, que tem um perfil totalmente diferente dos CTIs particulares. É doente jovem, com as doenças mais diferentes possíveis, mas extremamente viáveis apesar das doenças extremamente graves. Normalmente, num CTI público você encontra praticamente todos os leitos de investimento total. Até a gente chegar num ponto e dizer: ‘é, realmente foi feito tudo e a gente não tem mais o que fazer’. Em CTI privado essa linha é um pouco tênue, não tem uma diferença assim tão gritante” (Médica 5, 32 anos).

Face à complexidade envolvida na constatação da irreversibilidade do quadro clínico do paciente, os médicos se encontram, frequentemente, expostos ao dilema de quando estão prolongando o morrer ao invés de estarem salvando uma vida (Moritz, Rossini & Deicas, 2012). Quando se trata de pacientes com doenças graves que ameaçam a vida, é importante estabelecer limites entre a melhor qualidade possível de vida e o alongamento desta. E, neste ponto, abre-se espaço para a discussão sobre Cuidados Paliativos em UTI que, como ressalta D’Avila (2012), pode parecer um contrassenso ou até mesmo um paradoxo aos olhos dos intensivistas, mas, ao contrário, é a possibilidade ética de morrer com dignidade, sem prolongar o sofrimento através de medidas extraordinárias. A tendência atual, no caso de paciente com doença grave, é a integração entre os cuidados curativos e paliativos desde o momento de sua admissão na UTI.

No cenário brasileiro, a médica Rachel Duarte Moritz (Moritz et al, 2008; 2011) vem assumindo um papel de destaque ao propor a integração dessas especialidades – medicina paliativa e medicina intensiva. A autora define cuidados paliativos em terapia intensiva como cuidados prestados ao paciente crítico em estado terminal, quando a cura é inatingível e, portanto, deixa de ser o foco da assistência.

“Os cuidados paliativos ajudam muito a abreviar o sofrimento desse tipo de paciente, pois você evita ser iatrogênico, prolongando a vida de um paciente que não ia ter melhoras. E abrevia o sofrimento da família também proporcionando um fim de vida digno e decente. Acho que vale a pena ser cogitado, mas acho que os pacientes devem ser selecionados. Não dá para jogar a toalha em todos os pacientes em terapia intensiva, mas é importante fazer o máximo possível dentro da perspectiva de tempo de vida dos pacientes com dignidade, que é o paciente chegar ao fim sem sentir dor, sem ser invadido em excesso, sem estar recebendo uma terapêutica que não resulte em nenhum ganho a longo prazo. Isso é fim de vida digno. Receber os cuidados necessários” (Médico 1, 25 anos)

Para os entrevistados, o objetivo primário nesses casos, quando a cura é inatingível, é o bemestar do paciente e a promoção de uma morte digna e tranquila, evitando-se medidas fúteis, a partir de consenso com a família, corroborando as ideias dos autores estudados (Moritz et al., 2008; 2011). Na UTI em que a pesquisa ocorreu, quando o paciente é considerado terminal, este é denominado “suporte” e ações como sedação e analgesia são privilegiadas a fim de garantir o conforto do paciente, pois já existe uma cultura ortotanásica (garantia dos cuidados paliativos em casos de doença incurável e terminal, sem a recorrência a tratamentos fúteis) sendo disseminada na instituição e entre os plantonistas.

Entretanto, observamos que, a despeito da existência de critérios para avaliação do status de terminalidade, chegar a essa conclusão é um processo difícil, cabendo ao médico intensivista saber interpretar quando o paciente não irá mais se beneficiar de tratamento intensivo (Moritz et al., 2012). Assim, visando à precisão, valoriza-se a decisão baseada predominantemente em dados objetivos.

“É preciso ter certeza da terminalidade pelos exames do paciente e pelos dados estatísticos da literatura. É preciso objetividade para você saber que o paciente não vai melhorar. Se você quer parar o sofrimento do doente, ou seja, se você quer aumentar uma dose de morfina, ou sedar ele mais, você precisa de dados objetivos que te respaldem” (Médica 6, 38 anos)

A objetivação do doente grave é clarificada através dos índices de gravidade, elaborados para descrever quantitativamente o grau de disfunção orgânica, permitindo estimar a probabilidade de morte. O desenvolvimento de ferramentas preditivas, guiadas por algoritmos e protocolos, são uma tentativa de erradicar o desacordo e a imprecisão prognóstica, uma vez que, como dito acima, a terminalidade envolve uma multiplicidade de fatores (Bonet, 2004; Silva & Gonçalves, 2012). Ademais, é próprio da biomedicina a busca pela objetividade, ancorada em um discurso de caráter generalizante, mecanicista e analítico (Camargo Jr, 2005). A prática biomédica, constituída por uma dupla dimensão (competência / cuidado) carrega uma ‘tensão estruturante’, fruto da interconexão desses dois aspectos. Na UTI, tal tensão se explicita, produzindo uma primazia da competência, ou seja, do conhecimento, das habilidades médicas, da técnica, em detrimento dos cuidados, relacionados com o não-técnico (Menezes, 2001). Fazendo um paralelo, podemos dizer que, em terapia intensiva, os dados objetivos são preferidos aos dados subjetivos.

No rastro da objetividade, a classificação dos pacientes críticos tem sido um imperativo em terapia intensiva a fim de melhorar a qualidade da assistência prestada, e a gravidade é um dos parâmetros mais utilizados. Através da uniformização da linguagem, tais parâmetros permitem realizar várias análises e estratificar pacientes de acordo com a gravidade da doença e do prognóstico (Silva & Gonçalves, 2012). Os entrevistados classificam os pacientes em situação de terminalidade de forma dicotômica, utilizando como critérios o tipo de doença (paciente com doença aguda X paciente com doença crônica) e a idade do paciente (o paciente jovem X o paciente idoso).

“O paciente grave tem dois perfis principais. Aquele paciente que já era grave, com uma expectativa limitada, e aquele paciente que é jovem e que está gravemente enfermo agudamente. Os dois pacientes têm reflexos sociais e impactos na gente que atende diferentes. O paciente mais idoso, que já é esperado que esteja mais grave, de forma geral a família aceita mais o quadro e a gravidade é melhor recebida. Pra gente também é mais fácil lidar com esse paciente que não tem uma perspectiva grande de vida. Já, quando o paciente é mais jovem e está muito grave, é muito mais difícil” (Médico 1, 25 anos).

Percebemos que é mais fácil para os entrevistados aceitar a terminalidade nos casos de pacientes com idade avançada e com doença crônica, pois, provavelmente, em função do contexto, estes apresentam mais comorbidades e limitações, sendo a morte uma possibilidade concreta, uma morte esperada. Já, em relação ao paciente com doença aguda, principalmente jovem, é difícil compreender a terminalidade, pois é algo imprevisto – morte inesperada (Lago et al., 2007). A classificação dos pacientes através de perfis facilita a otimização do tratamento e a alocação de recursos, pois permite avaliar o custo-benefício de determinados procedimentos, principalmente no que tange ao investimento ou não, ou seja, a limites de suporte de vida (Silva & Gonçalves, 2012).

Emoções frente à morte e ao morrer

Os médicos intensivistas, preparados para o manejo e cuidado ao paciente grave com doença que ameace a vida, deparam-se com a morte cotidianamente, vivenciando sentimentos intensos e variados que ocasionam um sofrimento quase sempre velado e silenciado (Kovàcs, 2010; 2011; Santos, Aoki & Cardoso, 2013).

“Pra mim é natural, não é alguma coisa que me traz algum sentimento específico. É uma coisa relativamente natural porque faz parte do meu dia a dia, paciente grave no CTI. Eu faço isso quase todos os dias da semana. Fico um pouco chateado, mesmo sabendo que alguns pacientes têm essa possibilidade devido a todas as comorbidades. Então, fico um pouco chateado, um pouco decepcionado, mas faz parte, faz parte” (Médico 2, 36 anos).

A fala acima denota a naturalização da morte, caracterizada por ambiguidade, ora reconhecida como algo natural, ora como algo que decepciona e chateia. Para se proteger das tensões e conflitos oriundos do contato com a morte e seu estigma, a equipe constrói coletivamente defesas para mascará-los, mantendo-se afastada emocionalmente do doente e de sua família. Geralmente, a sensibilização do profissional diante da situação dos pacientes, percebida como uma dissolução dos limites necessários à atitude profissional ideal, não é bem vista pela equipe, que organiza sua rotina de forma a maximizar a utilização dos recursos técnicos, silenciando a expressão emocional dos profissionais, dos doentes e de seus familiares Assim, a morte, tão presente, é silenciada, banalizada e rotinizada (Menezes, 2006). Importante lembrar que a formação médica preconiza o não envolvimento emocional do médico com o doente e sua família.

“Eu faço CTI todos os dias da minha vida. Eu acordo e venho para o CTI. Todo mundo cria uma certa blindagem contra isso, e a que eu criei na minha cabeça é a seguinte: antigamente eu sofria muito, chegava em casa, sofria, chorava, agora não. Assim, eu acho que muita gente se sente mal porque sente um pouco de culpa: eu poderia ter feito diferente. Eu não, eu sei que sou uma pessoa apta para fazer o que eu estou fazendo. Eu aprendi a parar de me culpar, entendeu? Porque eu não tenho nada a ver com isso. Se o paciente grave, muito grave, não estivesse no CTI ele já estaria morto, porque aqui a gente consegue dar um suporte, substituir alguns órgãos por máquinas” (Médica 4, 30 anos).

Essa blindagem referida pela médica é bastante comentada entre os membros da equipe médica que parecem revestir-se com uma capa de proteção, uma forma de “encouraçamento” impermeável às emoções e sentimentos, traduzido por uma aparente "frieza" no contato com os pacientes e com as pessoas de um modo geral (Lucchesi, Macedo & Marco, 2008). Pode ser entendida, de acordo com a literatura, como um mecanismo de defesa diante do sofrimento do paciente e de sua família (Quintana et al., 2006; Lucchesi et al., 2008; Santos et al., 2013). Outro mecanismo de defesa presente é a racionalização (Lucchesi et al., 2008).

“Eu sou muito racional, e a racionalidade me ajuda de certa forma, mas não quer dizer que você sendo racional você não sofra. Sofre. Mas eu tento objetivar o sofrimento. Em relação ao doente em geral eu sofro muito pouco, mas ver o sofrimento da família me incomoda. Não gosto de ver a família abalada. O doente terminal está sedado, confortável, pra mim é tranquilo receber isso. A angústia da família é que me incomoda, pois tem questões de aflição, de ansiedade, ‘e aí, como vai ser daqui pra frente?” (Médica 5, 32 anos).

Interessante notar que o mais angustiante para a entrevistada é o sofrimento da família, pois o “doente terminal está sedado, confortável”. Podemos dizer que o doente sedado assemelha-se ao cadáver (um corpo sem voz), dissecado e estudado pelos médicos nas aulas de anatomia, durante processo de formação profissional, momento em que se inicia o processo de expropriação dos sentimentos, de negação dos aspectos existenciais e simbólicos da morte (Silva & Ayres, 2010; Santos et al., 2013). Já a família questiona, indaga e sofre, colocando em cena a dimensão do ‘cuidado’, pouco valorizado no modelo biomédico. O relato anterior aponta que é mais difícil lidar com a contínua angústia daqueles que seguem suas vidas, pois, ao contrário do corpo sem voz/do doente, a família tem que se apropriar de sua dor sem anestesias e paliativos para poder elaborar o luto.

A equipe médica busca posicionar-se a uma distância adequada do doente e de seu sofrimento: nem tão próximos, para não se identificar com o drama vivido, nem tão distantes a ponto de evitar um mínimo de contato necessário ao desenvolvimento de uma boa relação com o paciente e sua familia (Menezes, 2005). Entretanto, observamos que pacientes jovens mobilizam muito a equipe emocionalmente, pois os profissionais acabam se identificando com estes.

“Paciente jovem sempre mexe mais comigo. Pode ser por uma identificação. Hoje, por exemplo, se eu vejo uma mulher com câncer de mama entre 35 e 40 anos, não tem como não me afetar. Mas, sempre paciente jovem, seja homem ou mulher, é mais difícil. A gente não está acostumada a ver uma interrupção de um ciclo de vida tão curto” (Médica 6, 38 anos).

O médico precisa elaborar perdas de pacientes, e fica mais difícil quando morrem aqueles com quem estabeleceu vínculos mais intensos ou com quem tenha se identificado. Percebem que a morte não atinge apenas o outro, mas é capaz de atingi-los também, colocando em xeque sua onipotência diante da inexorabilidade desse fenômeno. Eles vivem lutos cotidianos em sua prática profissional e nem sempre conseguem compartilhar seu sofrimento, pois experimentam a ambivalência entre sensibilização, aproximação e empatia e o distanciamento como defesa. Portanto, a morte traz para os membros da equipe médica a possibilidade de entrar em contato com os seus processos de morte, perdas e finitude, tornando-os sensíveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados, protagonizando o papel de ‘curador ferido’ (Kovàcs, 2011).

“Bom, eu já passei por isso com meu pai, que tinha câncer de cólon. Ele faleceu em 2009, eu estava no último ano da faculdade. Meu pai era médico, minha mãe médica, eu também fazendo medicina e é impressionante porque, quando é com você é diferente. É muito bonito você falar isso aqui agora, ‘ah, vamos parar de fazer, de investir, fazer cuidados paliativos’, mas na hora H o que aconteceu comigo foi uma fase grande de negação. Muitas vezes eu comparo a minha situação com a do familiar, eu volto atrás, faço comparações, sempre relembro e comparo com o que eu vivi” (Médica 3, 27 anos).

A certeza da morte é o que temos em comum com outros seres humanos; por isso, a morte do outro nos atinge tanto e a vivemos, como se uma parte nossa morresse (Kovàcs, 2011). Contudo, alguns entrevistados buscam uma justificativa, de cunho religioso, psicológico ou biológico, para naturalizar a morte, isto é, para aceitar que a morte é parte da vida.

“É um processo natural da vida, pra família é uma perda, se perde a convivência com aquela pessoa, mas é uma etapa necessária, todos nós passaremos por ela no momento certo. Sou evangélico e isso me ajuda na interpretação do conceito de vida, morte e talvez no pós-morte” (Médico 1, 25 anos).

Outros encontraram na religião um canal para lidar com a dor, com a morte, com o sofrimento e com as incertezas do viver e do morrer, servindo como ajuda no enfrentamento dessas questões que atingem tanto o próprio profissional como aqueles que estão sob seus cuidados.

Conflitos éticos

As situações de terminalidade em UTI suscitam alguns dilemas éticos relacionados à tomada de decisões no fim-de-vida, principalmente no tocante às decisões sobre a recusa ou a suspensão de tratamentos considerados fúteis.

A família não consegue entender a terminalidade por vários motivos e quer que tudo seja feito a qualquer custo para manter o paciente vivo. Então é o paciente que precisa dialisar, entre aspas, e acaba dialisando, porque a família quer que o paciente dialise mesmo sabendo que lá na frente o paciente vai morrer e não vai se beneficiar da hemodiálise; ou quer que transfunda, que faça procedimentos invasivos que geram sofrimento para o paciente, prolonga uma vida com uma qualidade nula. Às vezes é um paciente que mal tem consciência do que está acontecendo, e isso é prolongado de uma forma fútil (Médico 2, 36 anos).

A dificuldade da família em compreender e aceitar a terminalidade é citada pelos médicos como um dos fatores responsáveis pela distanásia. Tal dificuldade pode estar relacionada a diversos fatores, como a necessidade de adaptação das famílias à situação de morte iminente e ao processo de comunicação médico-família. Ao convocar a família para participar do processo de tomada de decisão, é importante respeitar o timing de cada membro, sua necessidade de esperança e entender que a família avança e retrocede em estágios durante sua adaptação à situação de terminalidade. Ao receberem a informação sobre a gravidade de seu ente querido, os familiares geralmente experienciam um turbilhão de sentimentos; com frequência, não entendem o que está acontecendo com seu familiar, não sabem para quem perguntar ou como devem se comportar, o que dá lugar ao medo e ao desamparo (Ferreira & Mendes, 2013). Nessas situações, parece que o médico acaba se deparando com os mecanismos defensivos da família, promovendo impasses na comunicação médico-família.

Outro aspecto promotor da distanásia, de acordo com os médicos, é a falta de respaldo técnico e o medo de processo judicial:

“E outra dificuldade que a gente tem é quanto aos respaldos dos cuidados paliativos, que não é bem divulgado e difundido ainda aqui no Brasil. Nos EUA, e em outros lugares fora daqui, você pode cessar as terapêuticas, colocar um dripping de morfina, extubar um paciente previamente intubado para ele falecer confortável obviamente. Uma coisa que aqui a gente não tem respaldo legal ainda. Então tem sempre essa ameaça de processo. Mas, e aí? Vai suspender antibiótico, vai parar de dialisar? Isso eu acho que seja um dos grandes medos e empecilhos na hora de você cessar os esforços. Mas isso depende da relação que você tenha com a família” (Médica 3, 27 anos).

Devido às características culturais e ao grande tabu que envolve a morte, a decisão dos profissionais é muito baseada no receio da repercussão legal, jurídica (Biondi & Ribeiro, 2013). Há também um despreparo da equipe intensivista em indicar a abordagem paliativa, bem como um desconhecimento acerca dos aspectos ético-legais envolvidos (Silva, Souza, Pedreira, Santos & Faustino, 2013). Em resposta às novas demandas surgidas com o avanço da medicina, o Conselho Federal de Medicina elaborou a Resolução CFM 1.805/06 e legitimou em seu novo Código de Ética Médica a prática da ortotanásia. Em ambos os documentos, os médicos encontram respaldo para as ações paliativas em casos de doença incurável e terminal (Bussinguer & Barcellos, 2013).

Os dilemas éticos em UTI relacionados aos limites de ação terapêutica esbarram na pluralidade dos valores das pessoas envolvidas, sendo mais difícil chegar a um consenso (Curtis & Vincent, 2010; Medeiros et al., 2012).

“Quando é fútil? Quando eu penso em um tratamento para melhorar alguma coisa, mas eu sei que o doente vai morrer logo. Agora eu não posso jogar a toalha quando eu não sei o prognóstico com certeza. Se é um paciente terminal, antes de ir para o CTI já está no fim de linha, se ele pega uma pneumonia, você vai tratar com os antibióticos mais potentes para tirar ele do respirador e depois morrer? Nesse momento é mais fácil você jogar a toalha quando você sabe que a doença base é progressiva e terminal e a condição prévia não era boa. Mas, às vezes, acho importante investir na futilidade para dar tempo a família, para cair a ficha, é importante também respeitar o tempo da família” (Médica 4, 30 anos).

A fala acima denota uma relativização do conceito de futilidade. Ao mesmo tempo em que a entrevistada critica a distanásia, pelo sofrimento imposto ao paciente com doença progressiva e terminal, permite que ela aconteça, para amenizar o sofrimento da família e dar tempo para que esta se acostume à situação. Apesar de criticarem a distanásia, às vezes, permitem-na, com o intuito de dar tempo à família para se preparar para a perda de seu ente querido. Mas, o direito do paciente a uma morte digna está sendo respeitado? De quem é a vida afinal? O sofrimento da família é maior do que o sofrimento do paciente? Enfim, perguntas para serem consideradas no processo de tomada de decisão.

Como ocorre usualmente, o paciente em UTI está sedado em seus momentos finais de vida, cabendo à família e à equipe médica a decisão pelo tipo de morte, com atitudes ortotanásicas ou distanásicas. Uma saída para esses dilemas é o uso das Diretivas Antecipadas de Vontade, também denominadas de Testamento Vital (legitimadas através da resolução do CFM 1995 / 2012), que começa a ser difundido no Brasil e que tem como protagonista o paciente e seus desejos (Bussinguer & Barcellos, 2013). Contudo, será necessária uma mudança cultural e institucional, pois ainda temos no médico o detentor do saber derradeiro.

Considerações finais

As vicissitudes da terminalidade, o avanço biotecnológico da medicina, o despreparo da equipe intensivista em indicar a abordagem paliativa e o desconhecimento acerca dos aspectos éticos e legais, envolvidos nos cuidados de fim de vida, constituem um terreno fértil para a promoção da distanásia em UTI e para o surgimento de conflitos entre a família e a equipe médica. Por outro lado, os resultados desta pesquisa revelam a integração dos cuidados paliativos aos cuidados intensivos em UTI, mormente em situações de terminalidade, em que o foco deve ser o bem-estar do paciente, a promoção de uma morte digna e a evitação de medidas fúteis, a partir de consenso com a família. Pensa-se que isso se deva, provavelmente, ao fato de todo paciente internado na referida instituição possuir um médico-assistente, responsável por todo o processo de internação e pelas decisões clínicas tomadas em conjunto com a família.

Ressalta-se ainda a primazia da competência em detrimento dos cuidados. As condutas e ações médicas são baseadas estritamente em parâmetros objetivos, clarificados a partir de índices de gravidade, de protocolos e de algoritmos. No rastro da objetividade, temos a classificação dos pacientes em situação de terminalidade, a fim de facilitar a otimização do tratamento e a alocação de recursos.

O apreço dos intensivistas pela tecnologia e seu lugar privilegiado dentro do hospital levam a assumir poder e domínio no manejo do paciente grave e na utilização de equipamentos de suportes avançados de vida, denotando, em muitas situações, uma atitude de onipotência, posta em xeque diante da inexorabilidade da morte. No contato com a finitude do paciente, experimentam uma ambivalência entre sensibilização, aproximação e empatia e o distanciamento. Os mecanismos de defesa mais utilizados pelos entrevistados foram a racionalização; o distanciamento e a negação dos sentimentos; e a despersonalização e a negação da importância do indivíduo. Vivenciam lutos pela perda dos pacientes, em especial, os mais jovens, com os quais se identificam, mas buscam naturalizar os sentimentos e as emoções despertados diante da morte e do morrer.

Por conta de todos esses aspectos envolvidos na terminalidade, o trabalho interdisciplinar e colaborativo entre os membros da equipe de saúde assume grande importância. Destaca-se a importância da criação de espaços de escuta nos hospitais, em especial nas UTIs, que incluam os profissionais de saúde, sobretudo, os médicos – espaços institucionais que cuidem da dor do “curador ferido”. Com base nos resultados dessa pesquisa, sugere-se também a ampliação da discussão sobre a morte e o morrer na sociedade, incluindo aspectos éticos e bioéticos – eutanásia, distanásia, ortotánasia, testamento vital –, e a difusão dos cuidados paliativos e de sua filosofia que contempla o doente em sua totalidade.

Agradecimentos

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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