PUBLICAÇÕES PSICOJURÍDICAS SOBRE ALIENAÇÃO PARENTAL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DE LITERATURA EM PORTUGUÊS
PSYCHO-LEGAL PUBLICATIONS ABOUT PARENTAL ALIENATION: AN INTEGRATIVE REVIEW OF LITERATURE IN PORTUGUESE
PUBLICACIONES PSICO-JURÍDICAS SOBRE LA ALIENACIÓN PARENTAL: REVISIÓN INTEGRADORA DE LITERATURA EN PORTUGUÉS
PUBLICAÇÕES PSICOJURÍDICAS SOBRE ALIENAÇÃO PARENTAL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DE LITERATURA EM PORTUGUÊS
Psicologia em Estudo, vol. 21, núm. 1, pp. 161-174, 2016
Universidade Estadual de Maringá
Recepção: 11 Abril 2015
Aprovação: 13 Abril 2016
Resumo: Após a promulgação da lei nº 12.318 em 2010, a notoriedade e discussão sobre Alienação Parental (AP) aumentaram não só no contexto psicojurídico, mas também no social. Esse fenômeno repercutiu também nas publicações acadêmicas sobre o assunto. Este artigo analisou as publicações sobre alienação parental, em língua portuguesa, entre os anos de 2008 e 2014, com o objetivo de investigar a qualidade científica dos periódicos – tendo como base o sistema Qualis-Capes. Foram encontrados 816 resultados com o descritor “alienação parental” apresentando aumento significativo depois de 2010. A partir dos critérios de inclusão e exclusão, 29 artigos seguiram para a análise mais profunda. Desses, 80% eram publicações do direito, apenas 6,7% eram empíricos, 86% corroboravam as postulações da AP e ¾ estavam entre os estratos B4 e C. Os assuntos mais associados foram falsas memórias e/ou alegações de abuso sexual (42%) e guarda compartilhada (12%). O estudo concluiu que existem muitas publicações sobre o assunto, mas há ainda, nas publicações em português, um déficit em termo de estrutura, metodologia e rigor científico.
Palavras-chave: Síndrome de alienação parental, Psicologia forense, Custódia da criança.
Abstract: After the enactment of Law No. 12,318 in 2010, awareness and discussion of Parental Alienation - AP increased not only in the psycho-legal context, but also social. This phenomenon also reflected in academic publications on the subject. This article analysed the publications on Parental Alienation, in Portuguese, between the years 2008 and 2014 in order to investigate the scientific quality of journals - based on the Qualis CAPES system, and the issues associated with the theme. 816 results were found with the descriptor "parental alienation" with a significant increase after 2010. Based on the inclusion and exclusion criteria, 29 articles followed for further analysis. Of these, 80% were publications of law, only 6.7% were empirical, 86% corroborated with the postulates of AP and ¾ were among the strata B4 and C. The most associated issues were slopes memories and / or sexual abuse allegations (42%) and shared custody (12%). The study concluded that there are many publications on the subject, but there are also publications in Portuguese, a deficit in term structure, methodology and scientific rigor.
Keywords: Parental Alienation Syndrome, Forensic Psychology, Child custody.
Resumen: Después de la promulgación de la Ley Nº 12.318, en 2010, la conciencia y la discusión de Alienación Parental - AP aumentó no sólo en el contexto psico-jurídica, sino también social. Este fenómeno también se refleja en las publicaciones académicas sobre el tema. Este artículo analiza las publicaciones sobre Alienación Parental, en portugués, entre los años 2008 y 2014 con el fin de investigar la calidad científica de las revistas - basado en el sistema Qualis CAPES, y las cuestiones relacionadas con el tema. Se encontró 816 resultados con el descriptor "alienación parental", con un aumento significativo después de 2010. Sobre la base de los criterios de inclusión y exclusión, 29 artículos seguidos para su posterior análisis. De éstos, el 80% eran publicaciones de ley, sólo el 6,7% eran empíricos, el 86% corrobora con los postulados de la AP y ¾ estaban entre los estratos B4 y C. Los temas más asociados eran cuestas recuerdos y / o acusaciones de abuso sexual (el 42%) y la custodia compartida (el 12%). El estudio llegó a la conclusión de que hay muchas publicaciones sobre el tema, pero también hay publicaciones en portugués, un déficit en la estructura temporal, metodología y rigor científico.
Palabras clave: Síndrome de Alienación Parental, Psicología Forense, Custodia del niño.
Introdução
O conceito de Alienação Parental surgiu na década de 1980 e foi postulado pelo psiquiatra americano, Richard A. Gardner, que trabalhava no contexto jurídico, atuando com famílias em situação de disputa de guarda. Com base nos inúmeros casos de disputa de guarda e nos frequentes problemas apresentados na regulamentação do regime de visitação da criança e/ou contatos afetivos desta com o genitor não guardião, Gardner elaborou uma teorização daquilo que ele chamou de Alienação Parental (AP) e Síndrome de Alienação Parental (SAP).
O referido autor conceitua a AP como um distúrbio que surge principalmente no contexto de separação conjugal e de disputa pela guarda de crianças e adolescentes. A sua primeira manifestação seria a campanha de difamação feita por parte de um genitor em relação ao outro; trata-se de uma campanha de difamação não justificada, visando afastar a criança do genitor não guardião (Gardner, 2001a, 2001b, 2002a, 2002b, 2002c, 2002d). Segundo o autor, a SAP seria a consequência da combinação de doutrinações, uma programação – lavagem cerebral – da criança que a mãe faz para o aviltamento do pai não guardião (Gardner, 2001a).
Gardner (2001a, 2001b, 2002a, 2002b, 2002c, 2002d) e alguns de seus seguidores (Pinho, 2011; Ben-Ami & Baker, 2012) apontam consequências temerárias para as crianças que sofrem AP, sem apresentar, contudo, nenhum estudo de coorte e/ou randomizado que comprove ou justifique a existência delas. De qualquer forma, são elas: (a) irreparável e profundo sentimento de culpa na vida adulta por ter sido cúmplice do genitor alienador; (b) enurese; (c) desenvolvimento de adicção; (d) baixa resistência à frustração; (e) eclosão de doenças psicossomáticas; (f) problemas com ansiedade, nervosismo, agressividade e depressão; (g) comportamento antissocial; (j) transtorno de identidade; (h) “dupla personalidade”; e (i) ocorrência de suicídio.
Em relação ao genitor alienador, segundo as concepções de Gardner e seus sucessores, aquele teria uma orientação narcísica ou paranoide nas interações e relações interpessoais que desempenha, sendo isso resultado de um transtorno de personalidade (Kopetski, 1998). A partir disso, as teorizações sobre AP e SAP fazem uma aproximação nosológica entre os distúrbios do genitoralienador e a esquizofrenia paranoide e a psicopatia.
Todos esses posicionamentos e acepções teóricas foram e continuam sendo alvo de bastante controvérsia e descrédito nos Estados Unidos. Lá, as críticas são especialmente em relação à falta de cientificidade e até mesmo de procedimentos éticos para a formulação e disseminação dessas informações por parte de Gardner e seus seguidores (Mendes, 2013; Lippi, 2011).
No Brasil, em meados dos anos 2000, houve o surgimento de várias organizações de pais e mães separados que se constituíram enquanto associações ou organizações não governamentais, defensoras dos direitos dos genitores não guardiões. Essas organizações confeccionaram cartilhas e textos que foram publicados em websites, para fins de divulgação das questões que eles representavam, bem como para chamar a atenção da sociedade e do Judiciário. Ainda nesse intento, eles passaram a figurar em matérias jornalísticas nos mais diversos meios de difusão, chamando a atenção para as suas questões. A apropriação desse termo por parte dessas associações, mais do que lógica, parecia ser essencial, já que a AP não só legitimava o pleito deles, mas também punha o Estado em uma posição de responsabilização frente às alegadas graves formas de aviltação dos direitos de crianças e adolescentes – as quais são prioridades do Estado -, a acordo com tratados internacionais e ao artigo 227º da Constituição Federal.
A visibilidade e notoriedade promovidas por essas associações e organizações, associada à pressão midiática, possibilitou não só o reconhecimento da existência da AP no contexto brasileiro, como também a legitimação do seu uso, que passou a ser frequente nos casos de disputa de guarda a partir de 2006 (Mendes, 2013). Credita-se, também, à atuação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que foi vanguardista na abordagem e na legitimação da AP e suas acepções, dentro do Sistema Judiciário Brasileiro.
Na ‘crista da onda’ da AP, o então deputado Regis de Oliveira criou em 2006 o projeto de lei que deu origem à Lei de Alienação Parental, a qual tipifica e normatiza as ações da Justiça frente aos casos tidos como AP. O referido projeto de lei, nº 4.053/2008, tramitou na Câmara Legislativa Federal. Na justificativa do projeto, o autor não apresenta prospecções de estudos e pesquisas sobre a AP circunscrita no contexto sócio-histórico e cultural do Brasil. Isso seria importante para saber se há validade e/ou aplicabilidade da AP no contexto brasileiro. Após tramitar pela Câmara, o projeto seguiu para o Senado Federal sob o projeto de lei da Câmara 20/2010, passando por várias comissões avaliativas, sendo aprovado e sancionado sob a lei nº 12.318 em 26 de agosto de 2010 (Mendes, 2013).
Em seu artigo 2º, a referida lei (Lei n. 12.318, 2010) considera alienação parental:
a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
É intrigante o fato de o Brasil ser o único país do mundo que tem uma legislação específica que reconhece e pune a Alienação Parental e a sua alegada síndrome, apesar de ambas sequer constarem no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM (Mendes, 2013). Gardner chegou a defender a inclusão da SAP no DSM, mas isso não ocorreu por falta de evidências científicas que pudessem levar a SAP a uma categoria nosológica aceitável (Mendes, 2013). Além disso, alguns autores (Escudero, Aguilar, & De La Cruz, 2008; Carrey, 2011) criticam a possibilidade de reconhecimento da AP enquanto um transtorno classificável no DSM. Carrey (2011) entende que isso seria medicalizar e colocar algo que é essencialmente jurídico no mesmo patamar do autismo, por exemplo. Para o autor, nem tudo o que causa sofrimento psicológico tem de se tornar uma síndrome psiquiátrica ou um distúrbio.
De qualquer modo, o uso da alegação de AP, pelas partes litigantes, como argumento pleiteador da guarda dos filhos, tem aumentado, sobremaneira, nas Varas de Família (Mendes, 2013, Barbosa & Castro, 2013). Com isso, os magistrados e os profissionais forenses também têm feito uso desse termo e suas concepções para conduzir as suas práticas e também para a tomada de decisões.
Para embasar essas práticas por trás das concepções que Gardner criou, muitos desses atores jurídicos utilizam-se da literatura existente sobre o assunto. Contudo a literatura brasileira sobre AP possui poucas contribuições que se propõem a refletir e pensar criticamente as concepções e o uso do termo alienação parental, notadamente quanto a sua cientificidade, adequação ao contexto brasileiro e consequências para a própria atuação psicojurídica e, especialmente, para o bem-estar e os melhores interesses da criança e da sua família.
Sousa (2009) conduziu um estudo de revisão de literatura sobre o tema e constatou que não há contribuições nacionais feitas a partir de estudos científicos metodologicamente comprometidos com a acurácia e a validade das informações e conhecimentos que são divulgados por eles. Segundo a autora, grande parte do material disponível refere-se à produção e divulgação de material feito por associações de pais e mães separados. Esses materiais constituem-se como tradução das obras de Gardner e/ou elucubrações feitas a partir das contribuições dele. Dos autores nacionais que têm contribuído para uma reflexão crítica acerca da AP, há que se destacar os trabalhos de Mendes (2013), Barbosa e Juras (2010), Sousa (2009, 2010), Barbosa & Castro (2013), Lippi (2011) e Coelho (2013).
As críticas às conceituações de AP e SAP têm se constituído, em sua grande maioria, por meio das contribuições de alguns autores estrangeiros, especialmente os do contexto estadunidense como Kelly e Johnston (2001), Bruch (2001), Zirogiannis (2001), King (2002), Pepiton, Alvis, Allen e Logid (2012), Moses e Towsend (2011) e Carrey (2011). Uma das críticas que esses autores fazem é que grande parte dos estudos sobre AP e SAP, incluindo os de Gardner, não possui uma metodologia científica acurada e fidedigna que possa corroborar a validade de seus pressupostos e postulações – como estruturação de um quadro teórico e modelos experimentais com significância estatística, validade de construto e qualidade dos resultados em relação às suas validades interna e externa e também a avaliação por pares cegos. Pepiton et al. (2011), Moses e Towsend (2011) apontam que não há evidências científicas suficientes para sustentar as postulações de AP, pois a compilação referente ao conceito é falha nas suas dimensões metodológicas e no uso de procedimentos estatísticos.
Diante dessa realidade, e tentando compreender como a literatura brasileira tem abordado o tema, este artigo pretende discutir, por meio de uma revisão crítica e integrativa de literatura, as publicações psicojurídicas sobre Alienação Parental nos periódicos brasileiros.
Método
A revisão integrativa é uma metodologia de revisão de literatura mais ampliada que integra estudos experimentais e não experimentais, visando à definição de conceitos, revisão de teorias e/ou à análise metodológicas de uma problemática específica (Souza, Silva, & Carvalho, 2010). Esta revisão passou por cinco etapas. A primeira foi a definição das perguntas de investigação: Qual estrato de qualificação do Qualis-Capes predomina nos periódicos em que os artigos sobre AP e SAP são publicados? Que implicações isso pode ter para a qualidade dos artigos e abordagem do tema? A quais áreas do conhecimento pertencem os periódicos que publicam sobre esse tema? Há diferenças entre as abordagens de cada área? Esses artigos corroboram ou criticam os postulados de Richard Gardner? Essas produções são, em sua maioria, empíricas ou teóricas?
A segunda etapa da revisão constituiu-se na busca pela evidência por meio de descritores nas bases de dados. Estabeleceu-se o seguinte descritor: “Alienação Parental”. As bases de dados escolhidas[1] foram: CLASE, LILACS, PePSIC, PERIÓDICOS Capes e Google Acadêmico. Apesar de não ser uma base consolidada em termos de confiabilidade e fidedignidade científica, em relação a sua indexação, o Google Acadêmico foi escolhido pela sua permeabilidade nos meios acadêmico e jurídico, constituindo-se uma das bases mais utilizadas.
Na terceira etapa, foram realizadas uma revisão e seleção dos estudos encontrados, cada um dos pesquisadores ficou responsável por pesquisar e selecionar os artigos de uma faixa temporal específica (2008 – 2009, por exemplo). Essa avaliação foi norteada por critérios de inclusão e exclusão, estabelecidos antes da busca nas bases de dados: (1) abordar a temática da alienação parental como um dos temas centrais; (2) estar em um periódico que possua International Standard Serial Number (ISSN); (3) pertencer à faixa temporal da pesquisa, entre 2008 e 2014; (4) estar em língua portuguesa e ser publicado no Brasil; e (5) o periódico deveria ter sido avaliado pelo sistema Qualis-Capes e, assim, pertencer a algum dos estratos de qualificação.
O sistema de qualificação Qualis-Capes corresponde a uma série de procedimentos adotados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para avaliar a qualidade da produção de periódicos científicos. Esse sistema é dividido em estratos e segue critérios rígidos e consolidados no mundo científico e produz estratificações de qualificação para os periódicos científicos.
O sistema Qualis-Capes é composto pelos estratos A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5, todos em ordem decrescente de qualidade científica. Os critérios de classificação variam de acordo com cada área, mas, de modo geral, os periódicos devem ter a maioria de suas publicações feitas por autores não pertencentes à instituição responsável pela publicação, ter conselho editorial com pesquisadores nacionais e internacionais (no caso dos estratos mais elevados) e atuantes na área, possuir avaliação por pares cegos, critérios e normas para submissão. Os principais critérios específicos de cada estrato e que podem variar de acordo com cada área são: A1: periódicos de excelência nacional e internacional, consolidados com o mínimo de duas publicações por semestre, pelo menos nos últimos oito anos (em média); – A2: periódicos de excelência nacional e internacional, consolidados com o mínimo de duas publicações por semestre, pelo menos nos últimos seis anos (em média); (os estratos A1 e A2 também devem atender a critérios específicos, por área, de indexação e fatores de impacto no JCR (Journal Citation Reports) e Scopus) – B1: periódicos de excelência nacional, consolidados com o mínimo de duas publicações por semestre nos últimos quatro anos (em média) pelo menos – B2: periódicos de referência para a área, com o mínimo de duas publicações por semestre nos últimos três anos (em média) pelo menos – B3: periódicos relevantes para a área, com o mínimo de duas publicações por semestre nos últimos três anos (em média) pelo menos; mínimo de 40% de autores (em média) pertencentes a outras instituições – B4: periódicos com o mínimo de duas publicações por semestre nos últimos dois anos (em média) pelo menos; mínimo de 30% de autores (em média) pertencentes a outras instituições – B5: periódicos com o mínimo de duas publicações por semestre, no último ano (em média) pelo menos; mínimo de 20% de autores (em média) pertencentes a outras instituições. Por fim, tem-se o estrato C no qual se enquadram os artigos que não atendem a nenhum dos critérios listados nos estratos anteriores.
É importante apontar também que, como toda sistematização, o Qualis-Capes também possui críticas e limitações. As críticas centram-se na possibilidade de automatização da produção científica (Leite & Codato, 2013) e limitações da aferição de qualidade científica por meio dos critérios estabelecidos (Silva, 2009; Cabral Filho, 2010). De qualquer modo, ao se observar os critérios estabelecidos pelo sistema Qualis-Capes, é possível concluir que eles, em cada estrato, indicam a qualidade científica dos periódicos em relação à permeabilidade no meio acadêmico nacional e internacional, à qualidade do corpo editorial, ao rigor para submissão e análise dos artigos e à periodicidade e relevância das publicações. Alguns autores (Silva, Menezes, & Pinheiro, 2003; Oliveira, 2005; Erdmann, Marziale, Pedreira, Lana, Pagliuca, Padilha, & Fernandes, 2009; Diehl, Macagnan, Zanini, & Wickboldt, 2010; Lino, Backes, Canever, Ferraz, & Prado, 2010) corroboram a perspectiva de que o referido sistema é indicador de qualidade científica dos periódicos e, por conseguinte, dos artigos neles publicados, além de utilizarem o Qualis-Capes para esse fim em suas pesquisas.
Por analogia, pode-se presumir que, quando um periódico possui uma boa qualificação QualisCapes, os seus artigos, unidades compositivas dos periódicos também a possuirão. Assim, por ser um instrumento consolidado de avaliação de qualidade científica é que a presença no Qualis-Capes foi elencada como um dos principais critérios de inclusão dos artigos e também de análise deste estudo.
Dando seguimento ao processo de seleção e análise dos artigos, foram excluídos resultados que correspondiam a resenhas de livros, filmes ou que davam acesso apenas ao resumo e não ao texto completo do trabalho. Além disso, seguindo os critérios de inclusão e exclusão, livros, capítulos de livros, teses e dissertações também não foram considerados para fins de resultados e análise finais. Quanto à duplicidade de resultados, os artigos que apresentaram essa característica foram considerados apenas uma vez, para fins de contabilização e análise, e atribuídos à base de dados em que houve a primeira ocorrência.
A avaliação dos artigos foi feita de forma independente, tendo sido cada faixa temporal avaliada por pelo menos dois integrantes do grupo de pesquisa responsável pela revisão e composto pelos autores deste artigo, sendo pelo menos um deles o revisor. Os casos de discordância, em termos de inclusão e/ou exclusão, foram discutidos até que se chegasse a um consenso. Após essa primeira seleção, chegou-se ao número final de artigos que seriam avaliados de acordo com as perguntas norteadoras da pesquisa.
Na quarta etapa, os artigos selecionados foram relidos e tiveram as suas informações sistematizadas com a ajuda de um protocolo de análise estabelecido pelo grupo, no qual constavam campos de informações que deveriam ser preenchidos com os seguintes dados: base de dados; referência do artigo; ISSN; se critica ou corrobora Gardner; se empírico ou teórico; estrato QualisCapes e temas associados à AP. Os dados dessa fase também foram revistos por pelo menos mais um integrante do grupo.
A quinta etapa constitui a apresentação dos resultados. Estes foram produzidos por meio do preenchimento de tabelas no programa Excel, alimentadas pelos dados dos protocolos de pesquisa. As tabelas produzidas serviram como uma pré-análise dos resultados encontrados, apresentando agrupamentos de informações referentes aos artigos, informações catalográficas dos artigos, referências, bem como as frequências específicas de cada agrupamento. O passo seguinte foi fazer uma leitura flutuante de todo esse material e, então, organizar e discutir os e resultados que serão apresentados a seguir.
Resultados e Discussão
Características gerais e frequências dos artigos encontrados
Foram encontrados 816 resultados para o descritor “alienação parental” nas cinco bases de dados pesquisadas. Desses, apenas 29 foram selecionados a partir dos critérios de inclusão estabelecidos. A base de dados com o maior número de resultados (n=783) e arquivos selecionados foi o Google Acadêmico com 79,3% (n=23) de artigos selecionados para a fase final de análise, seguido de PERIÓDICOS Capes com 10,3% (n=3), PePSIC com 6,9% (n=2) e LILACS com 3,5% (n=1). CLASE foi a única base de dados que não teve nenhum resultado selecionado para a fase de análise.

A Figura 1 traz um gráfico que indica o aumento crescente da temática de AP nos periódicos. O aumento mais expressivo ocorreu a partir de 2011 para 2012, quando o crescimento foi de aproximadamente 11,9%, crescendo progressivamente nos anos seguintes, 24,8% de 2012 para 2013 e 34,1% de 2013 para 2014. É importante notar também o aumento de quase 94% no número de publicações a partir do ano de 2010. Esse aumento abrupto pode ser atribuído à promulgação da Lei de Alienação Parental (lei n. 12.318, 2010) que ocorreu no ano de 2010. Com a vigência da lei, os atores sociais e jurídicos passaram a ter uma implicação social e jurídica maior com o tema. Isso também se reflete nas Varas de Família de todo o país, as quais têm sido apinhadas com alegações de alienação parental (Mendes, 2013; Barbosa & Castro, 2013; Lippi, 2011).
Caracterização e análise dos artigos seleccionados
A seguir são apresentadas as características e discussões referentes aos artigos que cumpriram os critérios de inclusão e exclusão e, assim, seguiram para a análise mais aprofundada.

NOTA: A atribuição do estrato de qualificação foi feita em relação à área de conhecimento a qual o artigo se aplica e não à área do conhecimento do periódico.
Ao se analisar a Tabela 1, a primeira consideração que pode ser feita é que há uma predominância dos estratos B5 e C, o que corresponde a 65,5% (n=19) dos periódicos analisados. Em seguida, têmse os estratos B1 e B4 com a predominância de 13,8% (n=4) cada um e o estrato B3 com 3,5% (n=1).
Mais de 79% (n=23) dos artigos analisados encontram-se em periódicos de baixo estrato (B4 a C). Esse dado é importante, pois indica um dos grandes problemas com as publicações ligadas à temática de alienação parental no Brasil: a falta de rigor científico na produção e divulgação de informações, uma vez que os estratos B4 e C são os últimos da estratificação Qualis-Capes. Além disso, é possível perceber outro ponto crítico dessas publicações: tipo de estudo. Apenas 6,7% (n=2) dos artigos são empíricos, ou seja, apresentaram não apenas elucubrações teóricas sobre o tema, mas também um método estruturado de coleta e análise de dados, os quais levaram a resultados que corroborarão seus postulados. Esses estudos tiveram delineamento qualitativo, sendo um com foco na percepção de genitores a partir de uma experiência de mediação e outro que realizou um estudo de caso com três famílias. De todo modo, nenhum dos estudos empíricos discutiu a fragilidade teórica e científica dos pressupostos da Alienação Parental, apenas estudaram as percepções e compreensões das famílias.
Em relação à concordância ou discordância com os pressupostos da AP, é possível perceber que 86% (n=25) dos artigos corroboram as ideias de Gardner e 14% (n=4) têm um posicionamento crítico aos pressupostos da alienação parental. As críticas centram-se na fragilidade teórica desses pressupostos, no reducionismo e também na falta de adaptação dessas teorizações à cultura brasileira. Como já informado, no Brasil, existem poucos autores que se propõem a ter postura crítica em relação à alienação parental. Por isso, a existência de artigos com uma posição mais reflexiva é de suma importância para a construção de uma perspectiva crítica sobre esse tema em constante e crescente evidência nos meios acadêmicos e jurídicos.
Fora do país, especialmente nos Estados Unidos da América, já há vários autores com essa perspectiva. As autoras americanas, Moses e Towsend (2011), apontam que, embora para muitos o conceito possa fazer sentido, geralmente, ele não é aceito como uma síndrome, nem é amplamente abraçado pelas comunidades de saúde mental e Justiça dos Estados Unidos da América. Ainda segundo as autoras, a teoria por trás das acepções de AP e SAP é amplamente questionada por falta de validade e confiabilidade científica e tem sido criticada no meio científico.
Nos Estados Unidos da América, o Conselho Nacional de Juízes do Tribunal de Menores e Família tem recomendado que os conceitos de AP e SAP não sejam considerados e/ou utilizados em casos de disputa de guarda. Porém o conceito de AP não está ausente da jurisprudência e é comum testemunhar a sua utilização no contexto jurídico (Moses & Towsend, 2011).
Seguindo as críticas feitas à AP e a SAP, Bruch (2001, pp. 527 -534) apresenta algumas críticas às teorizações de Gardner: (1) “a AP está presente em 90% dos casos de disputa de guarda” – não há resultados de investigação científica para justificar as suas afirmações sobre a síndrome, sua frequência ou como ela se configurava; (2) “o reconhecimento da AP e SAP está a favor do bem-estar das crianças” – as concepções da AP e os desdobramentos do seu reconhecimento e aplicação podem prejudicar as crianças, aviltando os melhores interesses delas e de suas famílias; (3) “a criança sofre uma lavagem cerebral” – Gardner patologiza a reação da criança e de outros membros da família diante da situação de divórcio, que significa crise para família, não reconhecendo pais e filhos com raiva, frustração, angústia e ansiedade, muitas vezes expressas de forma inadequada. Esses comportamentos são esperados na situação de pós-divórcio. A compreensão equivocada desse contexto de crise leva Gardner a afirmar que a AP e a SAP são frequentes na situação de pósdivórcio; (4) “há falsas acusações de abuso sexual, pois são fruto de Alienação Parental” – o descrédito de Gardner em relação às acusações de abuso sexual coloca as crianças em perigo, pois a guarda pode ser revertida para o “genitor-alienado”, que pode ser, de fato, um abusador.
Quanto aos artigos que corroboram os pressupostos da AP, observou-se que 86% dos artigos selecionados têm essa postura. Destaca-se que todos esses artigos são teóricos, ou seja, sem base empírica para as suas afirmações, e ¾ deles pertencem ao estrato C do Qualis-Capes. Como já apontado, esse estrato é o de menor qualidade científica e, para fins de avaliação, sequer recebe pontuação. Isso leva à reflexão de que a grande maioria dos artigos que defendem a alienação parental carecem de qualidade científica para fazê-lo. Essa é uma questão preocupante, pois a ciência e os conhecimentos que ela produz devem se guiar por uma prática e reflexões baseadas em evidências, ou seja, em dados com o mínimo de fidedignidade científica. É preocupante a constatação de que a grande maioria das publicações nessa área pertence a esse estrato não só pelo já exposto, mas, principalmente, por serem esses materiais que sustentam e embasam grande parte da atuação psicojurídica sobre o tema.
Outro aspecto importante observado é a área do conhecimento que mais concentra as produções selecionadas. Percebe-se que a grande maioria dos periódicos pertence à área do direito com 79,3% (n=23). Apenas 17,2% (n=5) dos artigos pertencem à psicologia, apesar de a AP ser alardeada como um fenômeno de grandes impactos sobre a psique de crianças e adolescentes envolvidos nessa situação. Essa realidade aponta para outro fator preocupante: a judicialização de um fenômeno que é psicossociocultural-relacional. Que interesses há por trás disso? O fato é que a judicialização desse fenômeno e a concentração de “publicações científicas” sobre ele na área do direito indicam a atuação de interesses específicos. Nesse sentido, a consagração da AP no Judiciário brasileiro é produto de ações e interesses que levaram a uma reserva de mercado intelectual, paradigmático e comercial. São os juristas, e parte dos profissionais de saúde, que mais pensam e falam sobre a AP; são eles que indicam a forma cartesiana, linear, maniqueísta e positivista de entender esse fenômeno e são eles que defendem a todo custo a existência, a ocorrência e a necessidade de punição para esses casos.
Bruch (2001) aponta que, na prática, o surgimento da SAP proporcionou vantagens para os genitores litigiosos, não detentores da guarda e com recursos suficientes para contratar advogados e peritos. Para a autora, é possível que muitos advogados e profissionais de saúde mental tenham simplesmente aprendido uma nova fonte de receita, uma forma de “fazer algo para o pai quando ele me contrata” (p. 540).
Por outro lado, há estudos que evidenciam um olhar mais crítico dos atores jurídicos acerca dos pressupostos e aplicação da AP. Mendes (2013) conduziu um estudo qualitativo com juízes, promotores, advogados, psicólogos e assistentes sociais forenses acerca do tema. Pôde-se verificar que os posicionamentos desses atores indicavam uma crítica à generalização e à redução das complexidades que envolvem a família, em especial, na situação do pós-divórcio, ligada à AP. Eles fazem uma crítica à banalização das alegações de AP nos casos de disputa de guarda e à criminalização e à punição de comportamentos que derivam do sofrimento e da angústia, comuns à situação de crise que é o divórcio.
A crítica que se faz é que a AP aprisiona a família em uma cena com papéis e atribuições fixas e rígidas, as quais carregam nichos de valor e atuação que não têm correspondência com o caráter complexo e sistêmico das relações familiares. Isso, além de agravar os conflitos, pode levar ao surgimento de mais danos para a família e para a criança (Mendes, 2013).
Existem várias temáticas que, comumente, são relacionadas à AP. Foram contadas as frequências dos assuntos mais associados a esse tema e o resultado foi: (1) empatados com 21% estão “falsas memórias” e “falsas alegações de abuso sexual”; (2) “guarda compartilhada”, 12%; (3) “proteção da criança” e “melhor interesse da criança” 8% cada; (4) “responsabilização civil”, 8%; (5) “mediação familiar”, 6%; (6) “abuso afetivo” e “dano moral” com 4% cada; (7) “interdisciplinaridade”, 4%; (8) “Lei Maria da Penha” e “direitos religiosos” com 2% cada.
A associação entre AP e falsas memórias e/ou falsas alegações de abuso sexual é bastante frequente na literatura e a mais relacionado à AP, conforme demonstrado. Esses dois temas apareceram mesmo naqueles artigos que foram excluídos na primeira parte do processo de revisão sistemática. É comum a alegação de imputação de falsas memórias nesses artigos – aliás, a AP tem sido referida também como “Síndrome da Imputação de Falsas Memórias” (Mendes, 2013). Segundo esses artigos, o genitor alienador implantaria na cabeça da criança acontecimentos e fatos que aviltariam a imagem do genitor-alienado, para afastar este da criança. Seriam acontecimentos e fatos em que não ocorreram, portanto, falsas memórias. Em uma pesquisa sobre o AP, Coelho (2013) evidencia que há também muitos artigos que relacionam as falsas memórias à AP.
Outro tema que é recorrente na literatura sobre AP, e também se destacou nesta revisão, são as falsas alegações de abuso sexual. De acordo com esses artigos, o genitor-alienador faria falsas alegações e denúncias de abuso sexual contra o genitor alienado na intenção de prejudicar este e afastá-lo da criança. Zirogiannis (2001) chama atenção para essa postura de negar a existência de abuso nos casos tidos como SAP, apenas por eles estarem nesse contexto. Para a autora, um tribunal que acredita na existência da SAP também pode submeter uma criança a um possível risco de abuso sexual por considerar uma verdadeira alegação como falsa apenas porque ela se circunscreve em um suposto contexto de AP. Esse autor também acredita que a AP não deve ser uma ferramenta a ser utilizada pelos peritos, a não ser que ela passe a atender às normas de admissibilidade de prova pericial. Mesmo assim, a evidência de AP nunca deve determinar o desfecho do processo e do caso, especialmente quando há alegações de abuso sexual.
O segundo tema mais associado à AP, pelos artigos selecionados, foi a guarda compartilhada. Esse tema é bastante associado à AP, havendo publicações não apenas em periódicos, mas também em Trabalhos de Conclusão de Curso do direito, monografia de especialização e até produções de stricto sensu. Coelho (2013), Babosa e Castro (2013) apontam que as produções acerca da AP indicam a guarda compartilhada como uma das soluções possíveis para se resolver a AP. Contudo as autoras questionam a simplicidade com que essa associação é feita e ressaltam que essa modalidade de guarda requer um arranjo específico, o qual algumas famílias com conflitos de alta complexidade, a grande maioria envolvida nos casos de AP, não podem ter.
A lógica que há por trás do apontamento da guarda compartilhada como solução para os casos de AP é a de que, por meio dela, seria possível equilibrar o poder entre os pais e, assim, evitar a ocorrência de abusos por parte do genitor-guardião. O que se vê nesses artigos é a guarda compartilhada sendo apontada como solução quase-mágica para os conflitos de alta beligerância entre o par parental. Contudo sabe-se que a instauração da guarda compartilhada requer pré-requisitos indispensáveis, entre eles, a boa comunicação parental e a flexibilidade. Nos conflitos de alta beligerância, boa comunicação e flexibilidade não fazem parte das trocas estabelecidas entre o par parental. Assim, a instauração da guarda compartilhada pode agravar ainda mais o conflito. Nesse sentido, a promulgação da lei 13.058/14, a qual altera o Código Civil e torna a guarda compartilhada compulsória nos casos em que não houver acordo entre os genitores, pode-se apresentar mais como um mecanismo aviltador dos melhores interesses da criança do que protetor do seu bem-estar biopsicossociocultural.
As temáticas de proteção da criança e do seu melhor interesse, abuso afetivo, dano moral e responsabilização civil tendem a se sobrepor. Isso porque a ideia é que o reconhecimento da SAP privilegia o bem-estar e os interesses da criança. A ocorrência de AP, na perspectiva daqueles que defendem seus postulados, fere isso, levando à situação de abuso afetivo e consequente dano moral, o que ensejaria a responsabilização civil do genitor-alienador e indenização para a criança e genitoralienado.
A mediação e a interdisciplinaridade são temáticas que também se sobrepõem. A mediação familiar, a qual deve se constituir interdisciplinarmente, já se mostra como uma alternativa mais congruente para esses casos. Costa, Penso, Legnani e Sudbrack (2009, p. 240) apontam que, na mediação, deve-se ter em conta a necessidade de se construir “um espaço favorável ao diálogo..., já que compreendemos a conversação como o lócus privilegiado para a compreensão mútua entre os querelantes, e para o surgimento de iniciativas e criação de oportunidades de solução ‘costuradas’ em comum”. Nesse sentido, Bucher-Maluschke (2007) reconhece que a mediação familiar pode ajudar na resolução dos conflitos familiares. A autora também reflete que a mediação de conflitos deve privilegiar o desenvolvimento da alteridade entre os conflitantes e promover o empoderamento dos envolvidos no litígio, bem como a flexibilização do desejo.
Considerações finais
O objetivo principal deste artigo foi, por meio de uma análise quantitativa e descritiva, estabelecer um retrato geral das publicações psicojurídicas sobre Alienação Parental no Brasil. Pretendia-se discutir sobre a qualidade científica e os posicionamentos e implicações desses artigos em relação aos postulados da teoria de Gardner.
Incialmente, os resultados indicaram que houve crescimento progressivo das publicações psicojurídicas sobre o tema na faixa temporal pesquisada, com aumento expressivo após a promulgação da Lei de Alienação Parental em 2010. Isso evidencia algo que já era possível se observar no meio social, com o aumento das discussões sobre AP nos mais diversos espaços e meios sociais (jornais, revistas, sites, novelas), além, é claro, do contexto jurídico o qual tem recebido frequentes alegações de AP nos casos de disputa de guarda e outros que envolvam os direitos da infância e juventude.
Constatou-se também que 2/3 dos artigos analisados pertenciam aos estratos mais baixos do Qualis-Capes (B5 e C). Ainda nesse mote, os resultados indicam que ¾ daqueles que corroboram os postulados da AP (portanto, acreditam na sua existência e defendem sanções jurídicas nesses casos). Esses dados são preocupantes, pois tanto a maioria dos artigos sobre AP, quanto àqueles que a defendem possuem baixa qualidade científica, tendo a estratificação Qualis-Capes como base. As implicações disso não são apenas acadêmicas, pois é sabido que tanto atores jurídicos (juízes, promotores e advogados) quanto profissionais forenses (psicólogos e assistentes sociais) utilizam-se dessa literatura para embasarem a sua prática. A preocupação com o bem-estar e a garantia de direitos de crianças e adolescente em casos de disputa de guarda de alta beligerância são legítimas e necessárias, mas têm que se fundar, especialmente, na prática de atores jurídicos, em evidências científicas.
A crescente produção de artigos sobre a alienação parental evidencia, por um lado, um aspecto positivo ligado à preocupação com o bem-estar da criança e a preservação dos seus melhores interesses. Isso é algo muito bom, mas como isso tem sido feito? Será que as postulações sobre AP e SAP têm servido, realmente, para esse fim? De que modo as publicações nessa área têm refletido isso?
A resposta para essas perguntas leva a constatações preocupantes, conforme já discutido ao longo deste artigo. Se por um lado esses pressupostos e teorizações pretendem preservar a criança e os seus melhores interesses, por outro, eles acabam, justamente, aviltando-os, pois a falta de cientificidade na produção e divulgação de informações sobre essa temática presta um desserviço à criança, à sua família e ao sistema de justiça.
Esses resultados, e as discussões feitas a partir deles, poderão contribuir para uma apropriação crítica acerca do tema. Essas reflexões poderão também auxiliar os consumidores de informações científicas sobre o tema a qualificar a sua busca, buscando uma prática baseada em evidência, em especial para os atores jurídicos. Além disso, as discussões aqui ensejadas poderão contribuir para a construção de uma compreensão mais holística e complexa da situação do divórcio, compreendendo o seu caráter sistêmico e a sua inserção em um contexto de crise, colocando em evidência as corresponsabilidades e, principalmente, os reais melhores interesses das crianças.
As principais limitações deste estudo centram-se na escolha da estratificação Qualis-Capes e nas análises quantitativas e descritivas realizadas. O Qualis-Capes, mesmo sendo reconhecido e difundido no meio acadêmico, como toda sistematização, tem suas limitações, as quais são transpostas para os resultados e conclusões deste estudo. As análises descritivo-quantitativas também são uma limitação à medida que delimitam o tipo de dados e conclusões possíveis, como, aliás, todo método de análise. De todo modo, tais limitações não desqualificam os achados, apenas apontam as delimitações das reflexões aqui feitas e abrem caminho para reflexão e constituição de novos estudos que possam complementar os gaps do estudo.
É importante fazer uma reflexão crítica não só sobre as publicações psicojurídicas, mas também sobre as próprias postulações sobre AP. Nesse sentido, é importante pensar e questionar alguns pontos: (1) não contextualização do conflito – o contexto do divórcio, que é de crise, gera angústias, ansiedades e tensões que, nem sempre, são encaradas de forma assertiva pelas famílias; (2) negação da historicidade das relações – disputa de poder e rivalizações fazem parte do amalgama desses relações, não surgem apenas durante o divórcio; (3) patologização, a medicalização e a criminalização dos fenômenos do pós-divórcio – o divórcio evidencia crise, o que leva a família como um todo a um desequilíbrio emocional, angústia e ansiedade. Isso não é doença e nem crime; e (4) assujeitamento e a passividade da criança – a criança não é uma simples “massa de manobra”, alguém sem vontades, desejos e ideias próprias, podendo ser controlado e programado, ela é sujeito.
Por fim, é preciso que os profissionais da psicologia, e de outras áreas com interesse no tema, engajem-se mais na produção científica acerca dos conflitos familiares em contexto de crise, formação de alianças e coalisões a fim de contribuir para uma reflexão mais crítica acerca desses fenômenos. É preciso contestar o discurso protetivo que há por trás dos pressupostos da alienação parental e evidenciar os malefícios que patologizam, medicam e criminalizam acontecimentos e situações que são contingentes à situação do pós-divórcio e da crise. É preciso oferecer apoio e tratamento a essas famílias. Portanto, esses casos devem ser vistos e interferidos a partir do paradigma da compreensão, do entendimento, da escuta, da reflexão e da mediação.
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Notas