Resumo: Este estudo objetivou apreender as representações sociais, elaboradas por pessoas que tenham diabetes, acerca da doença. Participaram do estudo 31 pessoas com idades entre 34 a 76 anos (M= 55,68; DP= 11,6), que responderam a um questionário biossociodemográfico e à entrevista em profundidade. Os dados foram processados pelo software Alceste e analisados por meio da estatística descritiva e análise lexical. Os participantes apontaram em suas representações sociais a falta de conhecimentos acerca do diabetes, destacando a surpresa do diagnóstico, e suas representações, também, estiveram ancoradas em fatores nutricionais e emocionais, os quais foram permeados por emoções de cunho negativo. Os participantes que utilizavam insulina ratificaram noções de responsabilidades, voltadas para consequências da doença, como é o caso da amputação de membros, o grupo que não a utilizava descreveu a doença atrelada à tríade do tratamento. Os resultados apontam para a importância de uma abordagem interdisciplinar que enfoque o suporte psicossociológico, voltado para a elaboração de estratégias que possam ser adotadas frente ao controle e cuidado do diabetes.
Palavras-chave:Diabetes MellitusDiabetes Mellitus, representação social representação social, psicologia social psicologia social.
Abstract: This study aimed to apprehend the social representations elaborated by people who have diabetes about the disease. As many as 31 people, with ages ranging from 34 and 76 years old (M = 55.68, SD = 11.6), who responded to a socio-demographic questionnaire and depth interview. The data were submitted to the Alceste software and analyzed using descriptive statistics and lexical analysis. The results showed that the social representations were focused on the ignorance of diabetes, highlighting the surprise of diagnosis, their representations, were also anchored in nutritional and emotional factors which were permeated by negative emotions. Participants who used insulin have ratified responsibilities notions, directed to disease consequences, such as the case of the limbs amputation, those who did not used insulin described the disease linked to the triad of treatment. The results showed the importance of an interdisciplinary approach that focuses on the psychosociological support aimed at developing strategies that can be adopted to control and diabetes care.
Keywords: Diabetes Mellitus, social representation, social psychology.
Resumen: Este estudio tuvo como objetivo comprender las representaciones sociales desarrolladas por personas que tienen diabetes acerca de la enfermedad. Participaron 31 personas con edades entre 34 y 76 años (M = 55.68, SD = 11,6), que contestaron a un cuestionario sociodemográfico y entrevista en profundidad. Se analizaron los datos mediante estadística descriptiva y análisis léxico. Los participantes señalaron en sus representaciones sociales la ignorancia de la diabetes, destacando la sorpresa de diagnóstico, sus representaciones, también estaban anclados en los factores nutricionales y emocionales que fueron permeadas por las emociones negativas. Los participantes que usaron insulina han ratificadas responsabilidades nociones centradas en las consecuencias de la enfermedad, como el caso de la amputación de miembros, los que no usan la insulina describieron la enfermedad guiado por sus aspectos generales relacionados con la tríada de tratamiento. Los resultados apuntan a la importancia de un enfoque interdisciplinario que se centra en el apoyo psicosocial dirigido a desarrollar las estrategias que se pueden adoptar para control y cuidado de la diabetes.
Palabras clave: Diabetes Mellitus, representación social, Psicología social.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NO CONTEXTO DO DIABETES MELLITUS
SOCIAL REPRESENTATIONS IN THE CONTEXT OF DIABETES MELLITUS
REPRESENTACIONES SOCIALES SOBRE LA ENFERMEDAD DE PERSONAS CON DIABETES MELLITUS
Recepção: 11 Novembro 2015
Aprovação: 05 Maio 2016
O diabetes mellitus (DM) é considerado um problema de saúde pública, tanto em países desenvolvidos quanto nos emergentes, em virtude de sua alta prevalência e seus impactos psicossociais, os quais podem estar relacionados a complicações incapacitantes, que comprometem a produtividade, qualidade de vida e sobrevida das pessoas, além de envolver altos custos no seu tratamento e no de suas complicações. Trata-se de uma doença crônica não transmissível, causada por fatores hereditários e ambientais; o diabetes é decorrente da deficiência absoluta ou relativa na secreção e/ou ação da insulina, ocasionando o acúmulo de glicose (açúcar)(Stuhler, 2012; Rigon, Rossi,& Coser, 2007).
Conforme a American Diabetes Association (ADA), o nível normal de glicose no sangue é de até 100 mg/dL; acima deste, a pessoa pode apresentar crises hipo ou hiperglicêmicas (ADA, 2015).A doença abrolha e progride de forma silenciosa a partir de um comprometimento disfuncional do pâncreas. Compreende um conjunto heterogêneo de doenças metabólicas, associadas a complicações, disfunções e insuficiência de vários órgãos, que atingem paulatinamente os sistemas: oftalmológico, renal, neurológico e cardiovascular (Rodríguez, Meneses, Toboso, & Moreno, 2012).
Os principais sintomas do diabetes são: muita sede (polidipsia), excesso de urina (poliúria), muita fome (polifagia) e emagrecimento. Outros sintomas são: sonolência, dores generalizadas, formigamentos e dormências, cansaço doloroso nas pernas, câimbras, nervosismo, indisposição para o trabalho, desânimo, turvação da visão, cansaço físico e mental (Rodríguez, et al., 2012).
Conforme pesquisas realizadas, a incidência e prevalência do diabetes tendem a aumentar pelo envelhecimento populacional, urbanização, desenvolvimento econômico e avanços terapêuticos no tratamento da doença, mas, especialmente, pelo estilo de vida atual, caracterizado por inatividade física e hábitos alimentares que predispõem ao acúmulo de gordura corporal (Oliveira &Vencio, 2014; Whiting, Guariguata, Weil, & Shaw, 2011).
Segundo as estimativas mais recentes do International Diabetes Federation (IDF), atualmente, aproximadamente 382 milhões de pessoas no mundo têm diabetes, fator este relacionado a 5,1 milhões de mortes em 2012 (IDF, 2013). No Brasil, existem cerca de 12 milhões de portadores da doença e a cada dia emergem 500 novos casos. Conforme os dados da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional Paraíba (SBEM-PB), aprecia-se que existam 135 mil diabéticos no cenário paraibano, destes, 37,5 mil localizam-se em João Pessoa. Diante da alta prevalência do diabetes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que essa doença será a sétima principal causa de morte em 2030 (IDF, 2013).
Sabe-se que o viver com diabetes requer um complexo ajustamento no estilo de vida, o qual envolve a incorporação de práticas terapêuticas, alterações de padrões alimentares, realização de controle glicêmico, medicamentos, prática de atividades físicas, manutenção da pressão arterial e acompanhamento contínuo da equipe multidisciplinar de saúde, objetivando um viver saudável, prevenindo as possíveis complicações agudas e crônicas (Tavares et al., 2011).
Nesse sentido, a maneira como as pessoas percebem sua condição de vida influencia no controle geral do seu estado de saúde/doença, tornando-se importante entender como as pessoas com diabetes simbolizam a experiência produzida por tal realidade, uma vez que compreender a construção desse pensamento coletivo pode contribuir para dar maior visibilidade para esse fenômeno e, por conseguinte, nortear os diabéticos frente à doença e sua terapêutica (Coutinho & Saraiva, 2013).
Diante dessas premissas, objetivou-se apreender as representações sociais, elaboradas por pessoas que tenham diabetes, acerca da doença. Para o desenvolvimento deste estudo, utilizou-se como eixo norteador a Teoria das Representações Sociais (TRS).
As representações sociais devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que já se sabe. Elas ocupam, com efeito, uma posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções, que reproduzam o mundo de uma forma significativa (Moscovivi, 2011, p. 46).
A gênese da construção das representações sociais ancora-se em dois processos: a ancorageme a objetivação, que são, ao mesmo tempo, de natureza social e cognitiva, permitindo a transformação do que é não familiar em algo familiar e conhecido (Moscovici, 2012). A ancoragem direciona a memória para dentro, buscando coisas, eventos e pessoas, que ela reconhece como um protótipo, ou se reconhece, nomeando o mesmo, por meio da comparação e da interpretação. Por sua vez, o processo de objetivação reproduz um conceito desconhecido da realidade, transferindo-o a um patamar visível e tangível; trata-se da forma como os elementos constituintes da representação se organizam e do percurso por meio do qual tais elementos adquirem materialidade e se tornam expressões de uma realidade pensada como natural (Coutinho & Saraiva, 2013; Moscovici, 2012).
O acesso às RS de um objeto social se dá por meio da compreensão das formas que os indivíduos utilizam para criar, transformar e interpretar uma problemática vinculada à sua realidade, bem como conhecer seus pensamentos, sentimentos, percepções e experiências de vida compartilhada, de acordo com a classe social a que pertencem e as instituições às quais estão vinculados (Coutinho, 2005).
As representações são formadas por sistemas de interpretações que conduzem as relações dos sujeitos com o mundo e com os outros. Portanto, estudar as RS acerca do diabetes propiciará a compreensão de como é tratada a multidimensionalidade desse objeto de pertença pelo grupo de pessoas com diabetes mellitus, buscando apreender o campo representacional que abarca as informações, imagens, crenças, valores, opiniões, elementos culturais e ideológicos presentes no discurso sobre o construto em questão (Saraiva, 2010).
Consoante Ribas, Santos, Zanetti e Zanetti (2013), as RS têm uma ampla aplicação no campo da saúde, especialmente em condições crônicas, como é o caso do DM. Nessa vertente teórica são focalizados os aspectos psicossociais envolvidos na doença, que têm sido cada vez mais valorizados na prática clínica, especialmente para a compreensão dos fatores relacionados ao seguimento e controle metabólico dos pacientes com diabetes. Destarte, essa abordagem analisa as pessoas na integralidade de suas necessidades, considerando-as seres biopsicossociais.
Por conseguinte, para se verificar o que já existe na literatura acerca da temática em questão, foi realizada uma busca nas bases de dados SciELO, Medline/pubmed, SCOPUS, PsycINFO, Bireme e na Plataforma de Portal de Periódicos Capes, publicados nos últimos dez anos (de 01 de janeiro de 2004 a 31 de dezembro de 2014), a partir da combinação dos descritores [representações sociais e diabetes] e seus termos análogos nos idiomas inglês e espanhol; como critérios de inclusão foram adotados artigos que abordassem as representações sociais do diabetes.
Com a busca realizada, constatou-se um total de 12 artigos, sendo considerados cinco dentro dos critérios de inclusão, a exemplo: acerca do diabetes, do pé diabético e sobre a relação saúde/doença (Mantovani, Fegonesi, Pelai, Savian, &Pagotto, 2013; LeClair, Marquis, Villalon, &Strychar, 2009; Coelho, Silva, &Padilha, 2009; Péres, Franco, Santos, & Zanetti, 2008; Torres-López & Sandoval-Díaz, 2005). Destarte, observa-se que, apesar da existência dos estudos supracitados, a literatura disponível, ancorada na abordagem psicossociológica acerca do diabetes e elaborada por pessoas com essa patologia, é incipiente, sendo mais frequente na área da enfermagem, com pouca ênfase na psicologia (Coelho et al., 2009; Péres et al., 2008).
Desse modo, a formulação do conhecimento partilhado acerca do DM poderá contribuir, conforme Coutinho (2005), na evidência de sentimentos, sensações, conhecimentos e crenças acerca dessa doença, assim como na identificação de como os atores sociais com diagnóstico do diabetes enfrentam as adversidades decorrentes, verificando quais os aspectos mais significativos nesse processo de adoecimento-tratamento e quais os comportamentos adotados frente a essa problemática. A TRS possibilitará maior aproximação com a subjetividade dos indivíduos, o que dará subsídios para promoção e prevenção da saúde frente a essa doença crônica.
Trata-se de uma pesquisa de campo, descritiva, de cunho quantitativo e qualitativo, subsidiada em uma abordagem psicossociológica.
Participaram da pesquisa 31 pessoas com idade entre 34 a 76 anos (M= 55,68; DP= 11,6), das quais a maioria era do sexo feminino (26), casadas (18), que estudaram até o ensino fundamental (28), com tempo do diagnóstico que variava de 1 a 33 anos (M= 12,19; DP= 9,69) e que relataram não utilizar a insulina (16). A amostra foi do tipo não probabilística e por conveniência. Adotou-se como critérios de inclusão: (i) ter idade igual ou superior a 18 anos; (ii) ter diagnóstico de DM.
A investigação foi desenvolvida em uma instituição que mantém convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS) e atende a pessoas com diabetes, localizada no município de João Pessoa/PB.
Para a obtenção dos dados, utilizaram-se um questionário biossociodemográfico e a entrevista em profundidade. O primeiro instrumento foi utilizado com a finalidade de obter informações acerca do perfil dos participantes, tais como; idade, sexo, escolaridade, estado civil, tempo de diagnóstico e uso de insulina.
Fez-se uso da entrevista em profundidade, precedida com base no seguinte questionamento: Por favor, gostaria que o (a) senhor(a) falasse tudo o que conhece sobre o diabetes mellitus, incluindo seus sentimentos, sensações e crenças. Esse instrumento possibilita que o entrevistado discorra livremente sobre o tema proposto, sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador, o que consente maior aprofundamento acerca da relação intersubjetiva do indivíduo com o objeto de estudo, evidenciando experiências do dia a dia, questões afetivas e existenciais, entre outras, elaboradas com base na linguagem do senso comum, sendo esses fatores essenciais para a apreensão das RS (Vieira, 2012; Minayo, 2007).
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba - CEP/CCS, sob o protocolo de nº 914.880. Durante a sua realização, foram respeitadas todas as condições éticas estabelecidas pela Comissão do Conselho Nacional de Saúde, criada pela resolução 466/2012 e com constituição designada pela resolução 246/97.
Após o recebimento do parecer favorável, foi feito contato com a diretoria da instituição escolhida, onde as pesquisadoras se apresentaram com uma carta que continha os objetivos e a importância do desenvolvimento da pesquisa. Em seguida, os dados foram coletados individualmente, no CAIS, local em que os participantes aguardavam as consultas. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como foram informados do caráter voluntário e do sigilo referente à sua identificação. O número de participantes foi estabelecido segundo o critério de saturação, definido por Sá (1998). De acordo com este critério, as entrevistas podem ser encerradas no momento em que os conteúdos temáticos começarem a se repetir. Ressalta-se que o tempo total de aplicação dos instrumentos foi, em média, de 35 min.
As 31 entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra, originando o corpus que foi processado pelo software Alceste (AnalyseLexicale par Contexted’un Ensemble de Segments de Texte), desenvolvido por Reinert em 1986 (Saraiva, Coutinho, & Miranda, 2011).
Esse programa possui o objetivo de realizar uma análise lexical, por meio de procedimentos estatísticos, efetuados em quatro etapas: (i) Etapa A, é responsável pelo reconhecimento das UCIs (Unidades de Contexto Iniciais), que correspondem à quantidade de entrevistas realizadas e separação do texto em fragmentos de tamanhos similares, que são as UCEs (Unidades de Contexto Elementares); (ii) Etapa B – refere-se à divisão definitiva e agrupamento das UCEs a partir da similaridade de palavras; é nessa etapa que é aplicado o método da Classificação Hierárquica Descendente (CHD); (iii) Etapa C – apresenta a descrição estável das classes de UCEs e o dendrograma da CHD, que ilustra as relações entre as classes com base nos vocabulários característicos (léxicos) e variáveis fixas. Destaca-se que a significância estatística das palavras dentro das classes é medida por meio da frequência (f) e da estatística qui-quadrado (χ2); (iv) Etapa D – responsável pela realização de cálculos complementares e a contextualização do vocabulário típico de cada classe (Saraiva et al., 2011).
Os dados dos questionários foram processados por meio do Statistical Package for Social Science, versão 19.0 (SPSS-19.0), e analisados a partir da estatística descritiva, observando-se a frequência, a porcentagem, a média e o desvio padrão. Ressalta-se que, para se utilizar as variáveis idade e tempo de tratamento no software Alceste, estas foram agrupadas, considerando-se intervalos de dez anos.
Os dados oriundos da entrevista e processados pelo software Alceste originaram um corpus constituído de 31UCIs, totalizando 19.246 ocorrências, sendo 2.509 palavras distintas. Ao se reduzir o vocabulário às suas raízes, foram encontrados 419 radicais analisáveis e 392 UCEs. A Análise Hierárquica Descendente (CHD) reteve 73% do total das UCEs do corpus, as quais foram distribuídas em quatro classes, conforme pode ser visto na Figura 1.

No dendrograma denominado “Representações Sociais acerca do Diabetes Mellitus” observa-se uma primeira partição composta por quatro classes distintas, agrupadas em dois subcorpora. O primeiro, localizado à esquerda, aglutinou as classes 1, 2 e 3, resultando em um campo conceituado “Aspectos psicossociais do diabetes”, que por sua vez se subdividiu, resultando, de um lado, a classe 1, intitulada: Definição da doença e atribuições de responsabilidades; e, de outro, a junção das classes 2 e 3, conceituado Diabetes: diagnóstico e tratamento. O outro subcorpus foi constituído exclusivamente pela classe 4, denominada “Aspectos nutricionais”. Nota-se que o agrupamento dos subcorpora à esquerda foi resultante de um bloco textual comum, o que permite inferir que suas classes possuem significados complementares, diferenciando-se do discurso da classe 4.
A classe 1,“Definição da doença e atribuições de responsabilidades”, foi composta por 169 UCEs (59%), sendo, assim, a que mais contribuiu na constituição do dendrograma e por palavras e radicais no intervalo e frequência significativa entre χ2 = 31; f= 74 (gente) e χ2 = 6; f= 18 (vida). As variáveisatributos que mais contribuíram com esta classe, foram: homens, casados e que fazem o uso de insulina. Os conteúdos desta classe foram relativos ao conceito do diabetes assim como noções de responsabilidades, obrigações e consciência voltadas para o cumprimento do tratamento, conforme os seguintes relatos dos participantes.
Não tenho muito conhecimento sobre o diabetes ... é uma doença complicada, silenciosa ... vejo que não me cuido... o tratamento tem que ter muita disciplina, é difícil a vida da pessoa que tem diabetes ... se conscientizar que amanhã pode perder um dedo, uma perna ou braço, cegar, a gente pisa no freio dessas coisas e procura caminhar, correr, andar ... não posso me queixar do acompanhamento, não falta orientação é com a pessoa que não me ligar, não adianta a médica está fazendo o trabalho dela orienta diz o que pode e o que não pode ... o diabetes tem jeito,só depende de mim.
Conforme as narrativas dos participantes, com o perfil já mencionado, observa-se que o conceito do diabetes no senso comum se apresenta análogo ao conceito do conhecimento erudito, uma vez que ela é considerada uma doença complexa e silenciosa, a qual requer disciplina em seu tratamento, embora, na maioria das vezes, as pessoas não tenham a consciência de segui-lo, a menos que percebam que futuramente podem vivenciar as implicações por ela impostas. A consequência mais perceptível para os homens casados e que fazem o uso de insulina foi o receio da perda de algum membro do corpo, a saber: dedo, perna, braço ou, ainda, de desenvolverem problemas de visão.
Diante do exposto referente à classe 1, pode-se perceber que o diabetes foi ancorado na percepção das responsabilidades e obrigações voltadas para o risco em desenvolver as consequências decorrentes da doença. Essa categorização esteve relacionada ao conhecimento médico, tanto voltado para a instância mais grave da doença, que são as amputações, assim como para seu estágio inicial, por se tratar de uma doença silenciosa, sendo reconhecido apenas após o agravamento de sua sintomatologia. Ministério da Saúde (2013) afere que metade da população que tem o diabetes desconheça seus sintomas. Para Stuhler (2012), as dificuldades decorrentes do diabetes podem estar relacionadas a complicações incapacitantes, que comprometem a produtividade, qualidade de vida e sobrevida, ocasionando impactos psicossociais na vida das pessoas.
Esses participantes evidenciaram, ainda, que os maiores responsáveis para o bom andamento do tratamento e por mudanças em seu estilo de vida são eles mesmos, uma vez que recebem as orientações profissionais. Conforme Ribas et al. (2013), alguns participantes reconhecem as orientações médicas como um recurso positivo para o enfrentamento da doença, tomando sua parcela de responsabilidade pela não aderência de medidas que poderiam favorecer melhor controle metabólico. Nesse caso, compreende-se a assunção de uma postura resignada, pela dificuldade de romper o movimento inercial e instaurar as mudanças necessárias nos hábitos de vida.
Esses pacientes são os que demandam uma atenção especial por parte dos profissionais de saúde, objetivando instruí-los a se moverem para uma posição de maior engajamento em hábitos saudáveis. Como também, já que existe uma representação positiva do atendimento, é preciso tirar proveito desse benefício e trabalhar no sentido de fortalecer a crença desses pacientes em sua capacidade de superar as barreiras que obstruem o acesso às mudanças almejadas (Ribas et al., 2013).
A classe 2, “Descoberta do diagnóstico”, foi composta por 39 UCEs (14%) e por palavras e radicais no intervalo e frequência significativa entre χ2 = 84; f= 27 (exame) e χ2 = 11; f= 20 (disse), identificados na fala dos participantes com idades entre 18 e 29 anos e com tempo de diagnóstico que variava de um a dez anos. Essa classe se refere ao desconhecimento acerca do diabetes, assim como sobre o processo de descoberta da doença, quer tenha sido por exames de rotina, ou utilizando um glicosímetro (aparelho de medida de glicose capilar na ponta de dedo) em suas residências. Outro aspecto evidenciado foi o desencadeamento da doença, por um componente hereditário, como pode ser observado nos seguintes relatos.
Eu ouvia muito falar em diabetes, mas não sabia o que era também não me cuidava, minha mãe era, mas também não me interessava pelo problema ... descobri com o exame de rotina ... descobri na casa de uma amiga que tem diabetes, ela falou que ver tua taxa, eu disse não, não tenho nada ... o histórico da minha família foi muito dolorido, pai, mãe, tios, tias, avós, morreram todos de diabetes e câncer.
Percebe-se que os participantes ancoraram o diabetes em fatores relacionados ao seu diagnóstico. As elucidações com maior destaque foram: falta de conhecimentos sobre o diabetes; descoberta da doença por meio de exames, ou direcionada a fatores hereditários, visualizados após a morte de familiares.
De acordo com Rodrigues, Santos, Teixeira, & Zanetti (2012), a falta de conhecimento acerca do diabetes pode estar relacionada à baixa escolaridade. O presente estudo corrobora essa informação, pois, dos 31 entrevistados, 28 estudaram até o ensino fundamental. Os poucos anos de estudo podem colaborar também com a não adesão ao plano terapêutico pela dificuldade para ler e entender a prescrição, aumentando, assim, os riscos à saúde. Além disso, o baixo nível de escolaridade pode limitar o acesso às informações, provavelmente em razão do comprometimento das habilidades de leitura, escrita e fala, bem como à compreensão dos complexos mecanismos da doença e do tratamento (Rodrigues et al., 2012).
A descoberta do diabetes, revelada por meio de exames médicos periódicos, aponta para seu processo natural de evidência, conforme Barsaglini (2011). A identificação pode, ainda, dar-se por acaso, surpreendendo a pessoa pela ausência de manifestações objetivas ou subjetivas, embora validada inicialmente pela confirmação laboratorial (Barsaglini, 2011). Nesse estudo, essa descoberta acidental foi vista por meio da utilização do glicosímetro em casa.
Os participantes evidenciaram também a questão hereditária, embora exista um incremento no número de casos, notadamente, pelos hábitos atuais da população, assinalados pelo sedentarismo e alimentação inadequada (Whiting et al., 2011). Talvez o conhecimento que falta acerca dos principais fatores que desencadeiam o diabetes pudesse contribuir para melhor nível de prevenção uma vez que a doença é causada por fatores ambientais e hereditários.
O fator emocional também foi um componente que sobressaiu nessa classe. As pessoas que mais contribuíram com seus relatos para essa classe descreveram que ser diabético é sinônimo de tristeza, choro, sofrimento, pensamentos ruins, depressão e morte, alegaram que é uma doença que mata aos poucos, conforme exemplificado nas seguintes UCEs:
Me tornei uma pessoa triste e enfrento muita depressão depois que descobri o diabetes ... ser diabética é muito triste, tenho vontade de chorar é uma doença que mata aos pouquinhos ... na minha cabeça passa muita coisa ruim, para mim é morte e sofrimento.
O caráter emocional que a doença acarreta nessas pessoas também ficou evidente nessa classe, por meio das objetivações: “tristeza, choro, sofrimento, pensamentos ruins, depressão e morte”. Destaca-se que foi por meio dessas expressões que os participantes deram materialidade à realidade emocional vivenciada após o diagnóstico do diabetes.
De acordo com Peres et al. (2008), apresentar condição crônica de saúde envolve diversas mudanças nos hábitos e na vida cotidiana dos indivíduos, o que pode ser extremamente penoso e difícil de aceitar. Receber o diagnóstico de uma doença crônica como o diabetes desperta diversos sentimentos, reações emocionais e fantasias, que precisam ser conhecidos e compreendidos pelos profissionais de saúde. As objetivações ressaltadas pelos participantes deste estudo estão em consonância com o estudo de Peres et al. (2008) ao investigar as RS acerca do diabetes em mulheres que viviam nessa condição de doença, as quais relataram que o diagnóstico foi marcado com tristeza, raiva, revolta e choque.
A instabilidade emocional que por ventura foi desencadeada no momento da notícia da doença pode perdurar posteriormente, interferindo no controle metabólico dessas pessoas. Para Santos et al. (2011), esses sentimentos negativos, quando cristalizados, podem predispor à formação de sintomas depressivos, como baixa autoestima, desânimo, desesperança, baixa expectativa frente ao futuro, perda de tônus vital e de interesse pelas atividades diárias – incluindo aquelas consideradas importantes para a manutenção de um bom controle metabólico.
A classe 3, “Componentes para o tratamento”, foi composta por 50 UCEs(17%) e por palavras e radicais no intervalo e frequência significativa entre χ2 = 36; f= 59 (tomar) e χ2 = 9; f= 3 (copo). As variáveis-atributos que mais contribuíram com essa classe foram os participantes que não usam insulina e com tempo de diagnóstico que variava de um a dez anos. Nessa classe, os participantes expressaram tanto reações favoráveis quanto desfavoráveis, voltadas ao cumprimento do tratamento, sendo a negligência sempre acompanhada por uma justificativa, conforme os relatos a seguir:
Faço a dieta e caminhada, estou comendo de três em três horas, me cuidando melhor e tomando a medicação ... controlo a minha com insulina, tomo quatro vezes no dia, duas doses de manhã, antes do almoço e do jantar e o comprimido.
Não faço dieta, mas estou tomando medicamento, antes do almoço e depois do jantar ... a médica me mandou caminhar teve um tempo que fiz, mas parei já caminho do ponto do ônibus até minha casa ... quando viajo não tomo remédio, ... as vezes faço dieta, acho que todo diabético é indisciplinado, não faço nenhuma atividade física, começo a caminhar e de repente paro.
Nessa classe, o diabetes foi ancorado no conhecimento biomédico acerca do tratamento e, por conseguinte, pode-se identificar a visibilidade desse conhecimento por meio das expressões: dieta, medicação e atividade física. Consonante Tavares et al. (2011), os pacientes com diabetes devem conciliar a tríade supracitada, pois é esta que estrutura o tratamento.
Em relação à atividade física, alguns participantes informaram que realizam caminhada, seja formalmente como uma atividade organizada e disciplinada, oferecida por estabelecimentos públicos e privados, ou de modo informal, praticando uma atividade similar, por exemplo, caminhando do ponto do ônibus até a residência. De acordo com Barsaglini (2011), embora a participação das pessoas com diabetes em atividades físicas organizadas não seja tão comum, muitas dessas pessoas garantem praticar atividades similares no próprio espaço doméstico como: limpar, lavar, cozinhar, ir e voltar a pé para o trabalho, passear com animais ou cuidar de familiares.
Apesar de os participantes relatarem seguir ou não a dieta e as atividades físicas, a ingestão da medicação foi unanimidade. Nessa conjectura, a medicação parece ser a base do tratamento, em função de sua legitimidade e do reconhecimento de seus resultados no controle do diabetes (Barsaglini, 2011).Por se tratar de uma doença de longa duração, esta, por sua vez, necessita de comprometimento com a terapêutica, exigindo da pessoa capacidade de enfrentamento durante toda a sua vida. Por vezes, o compromisso de seguir ou o desejo de interromper o tratamento, mesmo que seja momentaneamente, está sempre presente no cotidiano da pessoa diabética (Peres et al., 2008).
A classe 4, “Aspectos nutricionais”, foi composta por 28 UCEs (10%), sendo a que menos contribuiu; apresentou palavras e radicais no intervalo e frequência significativa entre χ2 = 105; f= 13 (pão) e χ2 = 7; f= 7 (açúcar), representada pelas mulheres com mais de 21 anos de doença. Esse grupo apontou para a descrição dos alimentos que compõem a dieta, horários e quantidades, além de elucidar técnicas caseiras para diminuir a glicose do organismo, como ilustrado no trecho a seguir.
Minha dieta é assim de manhã meu café é banana, um pedaço de mamão, não tomo café, tomo muito suco com adoçante, eu gosto de comer pão, mas o médico disse que não posso comer, mandou comer um ou dois durante a semana e integral ... como tudo integral bolacha, arroz, carne magra, verdura, fruta costumo comer duas, três, até quatro vezes como a nutricionista informa ... tudo tem que ser um pedacinho pequeno e em pouca quantidade ... tomo água de quiabo já faz uns seis meses.
Por outro lado, os participantes dessa classe também relataram alguns alimentos que não devem ser ingeridos, como descrito nas UCEs: “Tem muitas coisas que não podemos comer, assim gordura, comida doce, com muito açúcar, muitos sucos, a não ser com adoçante ... como as vezes um pedacinho de bolo ... não como tudo medidinho, como meio avançado”.
Na classe 4, o diabetes foi ancorado em seus aspectos nutricionais e objetivado na descrição dos alimentos que compõem a dieta, horários e quantidades, e algumas técnicas caseiras para diminuir a glicose do organismo. Além disso, nessa classe também foi possível perceber a propagação como sistema de comunicação determinante do conteúdo e da forma das objetivações elucidadas. Nesse caso as mensagens foram produzidas e se dirigiram aos próprios membros do grupo, percebendo que alguns destes adotaram atitudes em seguir a dieta em detrimento aos demais participantes, de manter a postura de não realizar a mesma (Saraiva & Coutinho 2013; Moscovici, 2012).
A quantidade de alimento foi expressa, utilizando-se palavras do tipo: “pedacinho pequeno”, “medidinho” e “pouca quantidade”; nesse caso, as RS acerca do diabetes estiveram voltadas para a ideia de que as pessoas com essa doença devem ingerir pouca quantidade de alimentos. No estudo de Ribas, Santos e Zanetti (2013), para os participantes da pesquisa, o conceito de estar bem alimentado se encontrou relacionado à quantidade (e não à qualidade) de alimentos consumidos, inferindo-se que comer pouco ou com moderação não é sinônimo de estar bem alimentado.
Essa categoria de análise remete à compreensão de que a fome é saciada e formulada em termos culturais, sociais, econômicos e históricos. Alimentar-se consiste em uma necessidade humana básica, mas também configura um ato social. Quanto, o quê, quando, como, onde e com quem se come, além das prescrições e proscrições alimentares, são fatores determinados pela cultura. Além disso, as práticas, classificações e representações da alimentação demonstram o status de um indivíduo em dada sociedade. Nesse sentido, o alimento pode ser interpretado como linguagem, como texto cultural que traduz as visões de mundo, da família, do corpo, do trabalho e das relações sociais (Menasche, Marques, & Zanetti, 2008).
Estudar a alimentação pelo referencial das representações sociais significa entender que a pessoa, em seu contexto social e cultural, escolhe também os alimentos para compor sua alimentação de acordo com seus aspectos subjetivos, da maneira que julga ser correta e da forma como traduz as orientações transmitidas pelos profissionais de saúde (Ribas, 2009).
Os alimentos que devem ser evitados são descritos como gordurosos ou repletos de açúcar, sugerindo o desejo de ingestão dessas comidas não saudáveis. Coelho e Amaral (2008) recomendam que as pessoas com DM devem aprender o autocontrole e seguir as instruções estabelecidas pela equipe de saúde, com os intuitos de instalar e manter os comportamentos de seguimento do tratamento. A conduta de ingerir alimentos não permitidos ou restritivos à dieta pode ocasionar muitas implicações negativas em longo prazo, como, por exemplo, o aumento de peso e, consequentemente, a falta de controle da doença, embora também existam consequências reforçadoras em curto prazo, que sejam efetivas ao fortalecimento do comportamento de ingerir alimentos inadequados.
Por fim, os participantes também relataram a utilização de técnicas caseiras, como foi o caso da “água de quiabo” para somar no tratamento do diabetes. Segundo Barsaglini (2011), é comum que as pessoas com diabetes façam uso de estratégias coadjuvantes para gerenciarem o tratamento como, por exemplo: chás caseiros, medicamentos naturais e orações. Evidentemente, o emprego desses recursos terapêuticos alternativos não exclui o uso dos medicamentos.
Com o objetivo principal de apreender as representações sociais elaboradas por pessoas que têm diabetes acerca da doença, o presente estudo permitiu o resgate do saber do senso comum, com a evidência das diferentes concepções, sentimentos, atributos e imagens que permearam toda a construção do conhecimento, bem como possibilitou compreender como essas pessoas percebem essa problemática e como orientam suas condutas frente à doença, contribuindo para o entendimento global do DM.
O diabetes mellitus foi representado como uma doença silenciosa, complexa e multifacetada, cujo diagnóstico é evidenciado tardiamente, pela ausência de sintomas específicos e desconhecimento da síndrome. Outrossim, verificou-se por meio das narrativas a suscetibilidade de os diabéticos estarem propícios a comorbidades tanto físicas quanto psicoemocionais, como é o caso da sintomatologia depressiva, conforme os relatos pautados no humor de cunho negativo; “tristeza, choro, sofrimento, pensamentos ruins e morte”.
Quanto ao tratamento, verificou-se que este foi norteado na tríade: medicamentos, dieta e atividades físicas, apesar da falta de rigor no engajamento dos exercícios. De modo amplo, observouse que a falta de comprometimento para a terapêutica gera um sentimento de autoculpabilização, principalmente quando os diabéticos se veem na iminência de graves consequências, como é o caso da perda de membros ou da visão.
Diante do exposto, a RS da doença para esse grupo foi organizada conforme o conhecimento biopsicoemocional. Os resultados apontam para a importância de uma abordagem interdisciplinar que enfoque o suporte psicossociológico, voltado para a elaboração de estratégias que possam ser adotadas frente ao controle e cuidado do diabetes, que vislumbrem principalmente maiores esclarecimentos acerca das causas e consequências dessa doença, assim como práticas de incentivos à realização de atividades físicas.
Implica-se que tais práticas considerem a influência da particularidade do contexto social e cultural vivenciado pelas pessoas com diabetes, visando-se evitar uma postura meramente de submissão aos princípios biomédicos. É importante que esse grupo possa ser levado a refletir acerca da aceitação da doença e de seus intentos comportamentais frente ao tratamento. Por fim, sugere-se o desenvolvimento de estudos voltados para o processo de resiliência e bem-estar subjetivo, visando focar como esse grupo de pertença supera as adversidades oriundas desse contexto.
